INTRODUÇÃO
A hospitalização de idosos, independentemente do seu motivo, é com frequência acompanhada por vários riscos, entre eles o declínio funcional. O declínio funcional refere-se à diminuição e perda da capacidade para realizar as atividades de vida diária de forma independente e está associado a complicações físicas e psicossociais1.
Múltiplos fatores podem contribuir para que ocorra declínio funcional durante a hospitalização de idosos. A imobilidade prolongada, resultante de repouso no leito e restrições físicas, pode levar à perda de massa muscular (até 5% por dia), força muscular e mobilidade global2. Outros fatores como a dor, a fadiga e o desconforto associados à doença aguda e à hospitalização podem limitar a capacidade do idoso para realizar atividade física3. A medicação, particularmente o tipo e número de fármacos, também desempenha um papel importante, podendo causar efeitos colaterais adversos que comprometem a funcionalidade4.
O declínio funcional durante a hospitalização tem implicações negativas na saúde e no bem-estar dos idosos. A perda de independência funcional está associada a um aumento do tempo de internamento, maior morbilidade e complicações clínicas, reinternamentos e maior mortalidade2. Além disso, o declínio funcional pode levar a complicações psicossociais, como depressão, ansiedade e diminuição da qualidade de vida5. A literatura científica demostra claramente a relação entre a perda da capacidade funcional e a institucionalização e a forma como se relacionam e potenciam mutuamente6-8.
A manutenção da função e da atividade física dos idosos durante a hospitalização é crucial. A implementação de programas baseados em exercícios terapêuticos, mobilização precoce e treino de equilíbrio têm demonstrado benefícios significativos na prevenção do declínio funcional5. A intervenção do enfermeiro especialista em Enfermagem de Reabilitação é fundamental na avaliação dos idosos e na prescrição de intervenções que contribuam significativamente para minimizar o impacto deste fenómeno.
Torna-se, portanto, evidente a necessidade de uma avaliação que permita aos Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação caracterizar este fenómeno, e a sua magnitude, de forma que possam ser implementadas estratégias direcionadas a uma intervenção preventiva. Este estudo parte da questão de investigação “Qual o impacto da hospitalização na capacidade funcional dos idosos internados num serviço de Medicina Interna?” e tem como objetivos: avaliar as alterações da capacidade funcional dos idosos durante o internamento e categorizar a variação ocorrida na capacidade funcional durante o internamento.
METODOLOGIA
Para dar resposta aos objetivos do estudo, desenhou-se um estudo observacional descritivo. A população estudada foi a população idosa internada num serviço de Medicina Interna de um Hospital Central. A amostra que integra este estudo foi selecionada através do método de amostragem não probabilística de tipo acidental.
Definiram-se os seguintes critérios de inclusão: idade superior a 65 anos, capacidade cognitiva para responder oralmente e de forma coerente às questões colocadas e capacidade física para a realização das provas exigidas na avaliação realizada.
Utilizaram-se os seguintes instrumentos:
- Índice de Barthel (IB)
O IB é uma escala que visa avaliar a independência na realização de 10 AVD, sendo estas, alimentação, higiene pessoal, tomar banho, uso dos sanitários, controlo dos esfíncteres anal e vesical, vestir e despir, subir e descer escadas, transferência da cadeira para a cama e deambulação. 9
Através da aplicação desta escala, obtemos uma pontuação que varia de 0 a 100 pontos, sendo que 0 representa dependência total e 100 independência para todas as AVD. A diferença mínima clinicamente significativa foi estabelecida para uma variação negativa entre 10 e 20 pontos 10,11. Neste estudo o declínio funcional será classificado de acordo como o definido por Andrew e colaboradores11:
Variação negativa de menos que 10 pontos - não significativa, regresso à função baseline;
Variação negativa entre 10 e 20 pontos - declínio funcional persistente moderado;
Variação negativa de 20 ou mais pontos - incapacidade catastrófica (perda total de função em 2 AVD ou nova necessidade de assistência em 4).
- Short Physical Performance Battery (SPPB)
O SPPB avalia o equilíbrio, velocidade, força e resistência dos membros inferiores, através da realização de três provas: equilíbrio em ortostatismo com os pés em três posições diferentes, sendo estas tandem, semi-tandem ou lado-a-lado (SPPB 1); caminhar 2,44 m (SPPB 2); levantar-se e sentar-se numa cadeira sem a ajuda dos membros superiores cinco vezes (SPPB 3)12,13.
Estas provas são avaliadas através da contabilização do tempo da sua realização posteriormente convertido numa pontuação ordinal que varia de 0, para pior desempenho, a 4 pontos, para o melhor desempenho. O resultado final varia entre 0 e 12, sendo obtido através da soma das pontuações nas três provas e pode ser categorizado da seguinte forma:
de 0 a 3 pontos - incapacidade ou desempenho muito mau;
4 a 6 pontos - baixo desempenho
7 a 9 pontos - desempenho moderado
10 a 12 pontos - bom desempenho
Do resultado final, podemos inferir sobre mortalidade, institucionalização e risco de desenvolver incapacidade, além de dar uma visão global do estado funcional do idoso 13,14
- Força de preensão palmar (FPP)
A FPP foi avaliada através do dinamómetro Eletronic Hand Dynamometer. Foram efetuadas 2 tentativas na mão dominante, registando a melhor marca atingida. Os idosos permaneciam sentados com o cotovelo fletido a 90º, e, durante o teste, foram estimulados e encorajados a fazer o máximo de força possível. A força foi classificada usando uma escala especifica que acompanha o dinamômetro e que está dividida em três categorias: Fraco, Normal ou Forte. Esta avaliação direta permite inferir sobre a dependência na capacidade funcional dos idosos nas AVD relacionadas diretamente com a força das mãos como, por exemplo, vestir e despir e alimentar-se. É de referir que a força de preensão palmar é um bom indicador de mortalidade e morbilidade na população idosa. Baixos níveis de força de preensão palmar estão muitas vezes associados a quadros de fragilidade sendo um bom preditor de mortalidade, ou seja, pessoas que tenham FPP mais baixa, provavelmente, vão falecer antes de outros que tenham valores mais elevados15,16.
O estudo decorreu entre os meses de maio e julho de 2021. A recolha de dados foi realizada nas primeiras 24 horas após a admissão e no momento da alta. No primeiro momento, após a assinatura do consentimento informado, foram recolhidos os dados sociodemográgficos através de questionário, aplicado o Índice de Barthel, realizadas as provas do SPPB e avaliada a força de preensão palmar. Sempre que necessário eram efetuadas pausas entre os momentos de avaliação. Na alta foi aplicado o Índice de Barthel, o SPPB e a avaliada a força de preensão palmar.
Este estudo obteve aprovação da Comissão de Ética para a Saúde do SESARAM em 11 de maio de 2021 expressa no Parecer Nº 29/2021.
Para o tratamento dos dados foi usado o IBM SPSS versão 23 e foi efetuada análise estatística descritiva e inferencial.
RESULTADOS
Integraram o estudo 20 idosos com média de idade de 70,55±6,93, sendo que 11 são do género feminino e 9 do género masculino. A totalidade da amostra partilha das mesmas características a nível de residência própria ou de familiar, bem como vivem todos acompanhados por familiares ou cuidadores, 60% são casados, 15% divorciados, 15% viúvos e 10% solteiros. A análise efetuada demonstrou que o motivo de internamento não teve qualquer relação estatisticamente significativa com nenhuma das outras variáveis em estudo. O tempo de internamento variou entre 6 e 32 dias com uma média de 12,3±6,47 dias.
Barthel | SPPB 1 | SPPB 2 | SPPB 3 | SPPB Total | FPP Kg | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | Admissão | 82,75 | 2,35 | 1,6 | 1,25 | 5,2 | 17,685 |
Alta | 69,25 | 1,8 | 1,2 | 0,85 | 3,85 | 15,015 | |
Valor de p | 0,006 | 0,093 | 0,057 | 0,046 | 0,05 | 0,005 |
De uma forma global, ao comprar as médias dos valores obtidos nas duas avaliações efetuadas, é possível observar que em todos os resultados se verifica uma tendência para a diminuição dos valores obtidos na segunda avaliação, ou seja, no momento da alta obtiveram-se valores inferiores aos obtidos na avaliação efetuada na admissão. Estas diferenças são estatisticamente significativas para o índice de Barthel (p=0,006), a SPPB 3 (p=0,046), a SPPB total (p=0,05) e para a força de preensão palmar (p=0,005).
Analisando os resultados obtidos na avaliação pelo Índice de Barthel (Quadro 2), verifica-se que entre avaliações se obteve uma variação média de 13,5±19,6 pontos para um mínimo de -10 pontos e um máximo de 65 pontos.
Efetuou-se, ainda, a classificação da variação dos scores de acordo com o definido por Andrew e colaboradores11.
Variação | Frequência | % |
---|---|---|
Variação positiva | 2 | 10 |
Sem variação | 5 | 25 |
Variação negativa: | ||
<10 | 4 | 20 |
10 a 20 | 4 | 20 |
≥20 | 5 | 25 |
A variação positiva ocorreu em dois dos participantes e cinco mantiveram os valores da primeira avaliação. Relativamente à variação negativa, que ocorreu em 13 dos 20 participantes, verifica-se que em 4 não tem significado clínico enquanto que podemos classificar 4 com declínio funcional persistente moderado e 5 com incapacidade catastrófica. Com estes dados pode-se afirmar que, para além da significância estatística demonstrada no Quadro 1, em 45% da amostra a variação negativa teve, também, significado clínico.
Relativamente à SPPB total, procedeu-se à categorização, de acordo com os pontos de corte definidos pelo autor, em ambos os momentos de avaliação (Quadro 4) e mais uma vez se evidencia a tendência para piores resultados no momento da alta.
SPPB total | Participantes | |
---|---|---|
Admissão | Alta | |
0 a 3 pontos - incapacidade ou desempenho muito mau | 6 | 10 |
4 a 6 pontos - baixo desempenho | 8 | 5 |
7 a 9 pontos - desempenho moderado | 4 | 4 |
10 a 12 pontos - bom desempenho | 2 | 1 |
No Quadro 5 apresenta-se a classificação da força de preensão palmar. Os resultados mostram que em nenhum momento se obtiveram valores classificados como Forte e que o número de participantes classificado como Fraco aumentou consideravelmente no momento da alta.
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos demonstram uma diferença estatisticamente significativa na avaliação da independência funcional na medida em que o score médio do Índice de Barthel da alta é menor do que o da admissão. Este resultado pode ser também ser observado em vários estudos17-19 onde se verifica uma diminuição dos valores da alta em comparação à admissão. A classificação da pontuação efetuada permitiu identificar de forma mais clara o impacto deste efeito na funcionalidade e independências dos participantes.
Neste estudo, o SPPB apresentou uma média de 5,2±3,381 na admissão e uma média de 3,85±3,483 na alta, salientando-se que 50% da amostra foi categorizada com incapacidade ou desempenho muito mau no momento da alta e que 90% se situou no valor 9 ou abaixo na admissão e 95% no valor 9 ou abaixo no momento da alta. Encontramos na literatura vários estudos que consideram valores abaixo de 10 como valores e referência para déficit da mobilidade ou mesmo para caracterização do estado de fragilidade, condições essas que predispõem às quedas e aumentam a dependência20-22. O SPPB permite identificar idosos com alto risco de limitações funcionais da parte inferior do corpo e reconhecer indivíduos que poderiam beneficiar de intervenção preventiva21.
A força de prensão palmar média diminiu significativamente na ultima avaliação, em relação à primeira, com uma maior percentagem de participantes a ser classificados com Fraco na segunda avaliação. Este resultados está em linha com a literatura consultada23,24.
Em todos os parâmetros avaliados foi encontrado um decréscimo dos valores entre a primeira e a segunda avaliação, nomeadamente na força de preensão palmar e na SPPB, o que pode indicar, segundo Legrand e colaboradores, um maior risco de morte24.
Embora o número de participantes deste estudo não permita a generalização dos resultados, fica claro que, esta avaliação, fornece dados importantes para a prática clínica dos Enfermeiros de Reabilitação. A reduzida mobilidade durante a hospitalização está associada ao declínio funcional mas é apontada na literatura científica como um fator modificável25. Diversos estudos testaram, com sucesso, intervenções baseadas em programas de exercício, com diferentes metodologias, implementadas durante a hospitalização23,26,27. Um dos aspetos comuns destas intervenções é a personalização baseada na avaliação do estado funcional dos idosos no momento da admissão. Os Enfermeiros de Reabilitação são, nas equipas pluridisciplinares dos serviços de internamento, os profissionais mais preparados e com o core de competências que lhes permitem efetuar diagnósticos e planear intervenções individualizadas para minimizar ou reverter o declínio funcional durante a hospitalização. Este estudo apresenta um modelo de avaliação de fácil implementação que poderá ser replicado na prática clínica dos Enfermeiros de Reabilitação.
CONCLUSÃO
Os resultados encontrados mostram que o internamento tem impacto direto na capacidade funcional dos idosos fazendo com que os mesmos no momento da alta, em comparação ao momento da admissão ao serviço de Medicina Interna, apresentem declínio funcional.
O valor médio encontrado no score total da SPPB na admissão indica risco relativo de incapacidade relacionada com a mobilidade e de alto risco de reinternamento ou morte.
Estes resultados tornam evidente a necessidade da intervenção especializada dos Enfermeiros de Reabilitação nesta população específica durante a hospitalização. No exercício das suas competências específicas, os Enfermeiros de Reabilitação podem identificar o risco de perda funcional e desenhar planos de intervenção personalizados que permitam não só minimizar o impacto do internamento na capacidade funcional, mas também reverter alguns dos seus efeitos já instalados. Torna-se, portanto, imprescindível que os serviços de internamento que acolhem pessoas idosas tenham nas suas equipas multidisciplinares Enfermeiros de Reabilitação num rácio adequado que permita um combate eficaz ao fenómeno evidenciado neste estudo.