Introdução
As lesões isoladas do seio esfenoidal representam 1 a 2.7% de todas as lesões dos seios paranasais.1,2 A maioria é de natureza inflamatória, com a etiologia neoplásica a representar apenas 15 a 16% dos casos. (3,4 Apesar da crescente utilização de modalidades de imagem, como a tomografia computorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), ter contribuído para um aumento da frequência diagnóstica, as lesões isoladas do seio esfenoidal permanecem um desafio diagnóstico face à clínica insidiosa e inespecífica com que se apresentam. (1,5 O sintoma mais comum é a cefaleia, frontal ou retroorbitária, que pode surgir associada a sintomas nasossinusais como rinorreia, obstrução nasal, hipósmia ou epistáxis. (6,7 Apesar da estreita relação do seio esfenoidal com a dura mater, pares cranianos (III, IV, V1, V2 e VI), quiasma e nervos óticos, seio cavernoso, hipófise, artéria carótida interna, gânglio esfenopalatino, artéria esfenopalatina e canal pterigoideu, os sintomas decorrentes do envolvimento das estruturas anatómicas vizinhas são menos frequentes e de apresentação tardia. (7-9)
No presente estudo retrospetivo, os autores propõem-se a analisar a etiologia, sintomatologia, diagnóstico e outcomes cirúrgicos, de uma amostra de 19 doentes com patologia isolada do seio esfenoidal submetidos a intervenção endoscópica nasossinusal diagnóstica ou terapêutica.
Material e Métodos
Estudo retrospetivo e descritivo de doentes diagnosticados com lesões isoladas do seio esfenoidal que foram submetidos a abordagem endoscópica nasossinusal com intuito diagnóstico ou terapêutico, entre Janeiro de 2017 e Dezembro de 2021. Para cada doente foram analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade, sintomas de apresentação, meios de diagnóstico, etiologia, estudo microbiológico e anátomo‐patológico, cirurgia efetuada, outcome cirúrgico relativo à ressecção macroscópica da lesão, sempre que aplicável.
Resultados
Foram incluídos 19 doentes, 73,7% (n=14) eram do género masculino. A idade variou entre 15 e 77 anos, apresentando uma média de 48,0 ± 18,7 anos.
Foram identificadas 11 lesões de etiologia inflamatória (57.9%), incluindo 6 sinusites fúngicas (1 invasiva) e 1 mucocelo, e 7 lesões neoplásicas (36.8%), das quais 3 eram malignas (neoplasias secundárias metastáticas). Adicionalmente, foi incluído 1 caso de fistula de líquido cefalorraquidiano espontânea em doente sem história prévia de cirurgia nasossinusal ou traumatismo cranioencefálico.
Grupo de diagnóstico | Número (%) de doentes | Observações | |
Patologia inflamatória (n=11, 57.9%) | RSCcPN localizada | 2 (9 %) | |
RSCsPN localizada | 2 (9 %) | 1 Iatrogénico, status pós cirurgia de exérese de macroadenoma da hipófise via transfenoidal | |
Sinusite fúngica | 6 (27%) | Invasiva (n=1), Não invasiva (n=5, incluindo 4 Micetoma e 1 RSFA) | |
Mucocelo | 1 (5 %) | ||
Patologia neoplásica (n=7, 36.8%) | Benigna | 4 (18 %) | Papiloma invertido (n=2), Displasia fibrosa (n=1), Glomangiopericitoma (n=1) |
Maligna | 3 (27 %) | Metástase de carcinoma urotelial (n=1), Metástase paraclival de carcinoma folicular da tiróide (n=1), Sarcoma Mielóide (n=1) | |
Outros (n=1, 5.3 %) | 1 (5.3 %) | Fístula de líquido cefalorraquidiano espontânea |
O sintoma mais frequente foi a cefaleia ou a dor retroorbitária (n=7, 38,9 %), seguido de obstrução nasal (n=6, 33.3%). Rinorreia posterior (n=1, 5,3%) e rinorreia anterior purulenta (n=1, 5,3%), foram reportadas apenas nos casos de micetoma esfenoidal e de displasia fibrosa, respetivamente. Sintomas compatíveis com o compromisso de pares cranianos ocorreram exclusivamente no grupo das neoplasias malignas, com 2 doentes a reportarem diplopia, 1 doente com ptose palpebral, 1 doente com hipoestesia da face e 1 doente com diminuição da acuidade visual. Em 5 doentes (27,8%) tratou-se de um diagnóstico incidental em exames de imagem, em doentes assintomáticos. A distribuição de sintomas de acordo com o grupo de diagnóstico encontra-se listada na tabela 2.
Categoria diagnóstica (N, %) | Sintomas de apresentação (N, %) | |||||
Cefaleia | Obstrução nasal | Rinorreia Posterior | Rinorreia Anterior | Neuropatia craniana | Rinorráquia | |
Patologia Inflamatória (n= 11, 57.9%) | 5 (26.3%) | 3 (15.8%) | 1 (5.3%) | 0 (0) | 0 (0) | 0 (0) |
Patologia neoplásica (n= 7, 36.8%) | 2 (10.5%) | 3 (15.8%) | 0 (0) | 1 (5.3%) | 2 (10.5%) | 0 (0) |
Outros* (n=1, 5.3%) | 0 (0) | 0 (0) | 0 (0) | 0 (0) | 0 (0) | 1 (5.3%) |
Total (N=19) | 7 (36.8%) | 6 (31.6%) | 1 (5.3%) | 1 (5.3%) | 2 (10.5%) | 1 (5.3%) |
Para o estabelecimento inicial do diagnóstico, todos os doentes realizaram pelo menos uma avaliação imagiológica: 13 (68,4%) doentes realizaram TC complementada por RM e 6 (31,6%) doentes apenas realizaram TC. No grupo cuja avaliação imagiológica foi complementada por RM, estão incluídas a totalidade das neoplasias malignas, a fístula de líquido cefalorraquidiano espontânea e o único caso de rinossinusite fúngica invasiva.
Nos doentes com o diagnóstico de sinusite fúngica e de rinossinusite crónica sem pólipos nasais, amostras recolhidas intraoperatoriamente foram submetidas a exame bacteriológico e micológico, cujo resultado se encontra listado na tabela 3. O Aspergillus sp. representou a estirpe mais frequentemente isolada no exame micológico. No doente com rinossinusite fúngica alérgica, o exame cultural revelou, além de Schizophyllum sp., o isolamento de Klebsiella pneumoniae e Streptococcus anginosus. Em 4 doentes, incluindo 3 com o diagnóstico de micetoma esfenoidal, o exame cultural foi negativo.
Estirpe isolada | Número (%) de doentes |
---|---|
Staphylococcus aureus | 1 (12.5%) |
Pseudomonas aeruginosa | 1 (12.5%) |
Klebsiella pneumoniae | 1 (12,5%) |
Aspergillus sp. | 2 (25%) |
Mucor | 1 (12,5%) |
Schizophyllum sp. | 1 (12,5%) |
Exame cultural negativo | 4 (50%) |
Com exceção do doente com rinossinusite fúngica invasiva e de 2 doentes com neoplasia secundária metastática (intervenção endoscópica com intuito diagnóstico), a remoção macroscópica completa das lesões foi conseguida através de abordagem endoscópica transnasal (n=12, 63,2%) ou transetmoidal (n=9, 47,4%), sem complicações pós-operatórias.
Durante o período de follow-up, foram registadas 3 mortes (15.8%): doente com rinossinusite fúngica invasiva, 10 dias após a cirurgia, por epistáxis maciça; doente com metástase de carcinoma urotelial, 16 dias após a cirurgia, por progressão da doença de base; doente com metástase de carcinoma folicular da tiróide, 30 meses após a cirurgia, por progressão da doença de base.
Discussão
As lesões isoladas do seio esfenoidal são raras, representando <3% das lesões sinusais e <0.05% das neoplasias malignas dos seios perinasais. (2,10 Historicamente, o seio esfenoidal era amplamente negligenciado, por constituir uma área anatómica de difícil acesso e por cursar com semiologia frustre e de instalação insidiosa que atrasava o diagnóstico. (11Wyllie el al publicaram, em 1973, uma das primeiras grandes séries de lesões isoladas do seio esfenoidal com apenas 63 casos recolhidos no decurso de 37 anos. (8 Em consonância com a crescente disponibilidade de modalidades de imagem como a TC e a RM, tem vindo a verificar-se um número crescente de casos reportados. Cakmak et al, em 2000, completou a série anteriormente publicada por Wyllie el al, para formar a maior série disponível na literatura inglesa até à data, com 182 doentes. (9
Na amostra estudada, a patologia inflamatória representou a causa mais frequente de lesões isoladas do seio esfenoidal (57.9%), em concordância com a literatura que mostra uma prevalência de 61% a 80%.1,2,4 Nas mais recentes séries publicadas, a rinossinusite crónica sem pólipos nasais representa 28.3% dos casos, seguida do mucocelo (20.3%), da sinusite fúngica (12.5%) e da rinossinusite crónica com pólipos nasais (3.4%).7 Na nossa amostra, no grupo das patologias inflamatórias, a sinusite fúngica representou a entidade mais frequentemente diagnosticada, com o mucocelo a constituir apenas 5.3% da amostra. A discrepância apresentada poderá ser imputada a uma amostra com um número reduzido de participantes.
No grupo da patologia neoplásica, as neoplasias malignas foram identificadas numa prevalência superior à das neoplasias benignas (27% e 18%, respetivamente), em concordância com a literatura. (4,7,8Lawson et al, em 1987, e posteriormente Cackmak et al, em 2000, mostraram uma prevalência superior das neoplasias malignas primárias comparativamente à doença secundária metastática. (4,9) Contudo, analisando a amostra apresentada, as neoplasias malignas esfenoidais ocorreram exclusivamente por doença metastática.
As fístulas de líquido cefalorraquidiano representam 4.112 a 8%3 das lesões isoladas do seio esfenoidal. No presente estudo, foi incluído apenas um caso de fistula de líquido cefalorraquidiano numa doente sem história prévia de cirurgia nasossinusal ou traumatismo cranioencefálico.
A cefaleia foi o sintoma de apresentação clínica mais frequente, estando presente em 38.9% dos doentes. Num trabalho apresentado por Moss et al, e que constitui até à data uma das revisões mais representativas com 1133 doentes, os autores demostraram uma prevalência de cefaleia de 71.4%, não sendo possível estabelecer uma associação entre o diagnóstico e a localização da cefaleia. (7
A maioria das séries reportadas revela uma prevalência superior de neuropatias cranianas nas lesões neoplásicas. Friedman et al demonstraram o compromisso de pares cranianos em 50% dos doentes com diagnóstico de neoplasia esfenoidal comparativamente a 8% dos doentes com patologia inflamatória. (3Wang et al reportaram alterações visuais em 26% dos doentes com patologia benigna, comparativamente a 50% daqueles com diagnóstico de malignidade. (2 A diplopia e a diminuição da acuidade visual, por envolvimento dos nervos oculomotor e óptico, respetivamente, constituem os défices mais frequentemente reportados. (7 A amostra apresentada demonstra resultados similares, com as neuropatias cranianas a ocorrerem exclusivamente no grupo das neoplasias malignas.
Brook demonstrou uma prevalência superior do S. aureus na sinusite esfenoidal aguda, com os aneróbios e os bacilos gram-negativos a representarem as estirpes mais comuns nas formas crónicas. (13 Apesar da variedade de estirpes isoladas na sinusite fúngica, o Aspergillus sp. surge como o organismo mais frequentemente isolado14, conforme verificado na amostra estudada. Contudo, o reduzido número de exames culturais realizados, não permite aos autores extrapolar resultados com fiabilidade. Em 4 doentes, incluindo um com rinossinusite crónica sem pólipos nasais e três com micetoma esfenoidal, o exame cultural foi negativo. No primeiro caso, o exame bacteriológico negativo poderá ser justificado por antibioterapia realizada previamente à colheita. Nos restantes, perante os achados imagiológicos e intraoperatórios altamente sugestivos do diagnóstico de micetoma esfenoidal, os resultados poderão corresponder a falsos negativos, por amostra inadequada ou por se tratarem de agentes de crescimento lento e fastidioso.
A TC representa uma ferramenta diagnóstica fundamental, particularmente em doentes com endoscopia nasal sem alterações. Perante erosão óssea ou lesão expansiva, sobretudo se existir a suspeita de extensão intracraniana ou orbitária, o estudo deverá ser complementado por RM. (15
Conclusão
A patologia isolada do seio esfenoidal constitui uma entidade rara que se acompanha de sintomas inespecíficos e de curso insidioso. O diagnóstico precoce assenta num elevado índice de suspeição, complementado pela utilização criteriosa de estudos de imagem. A intervenção cirúrgica precoce, com intuito diagnóstico ou terapêutico, está geralmente indicada. A cirurgia endoscópica nasossinusal é segura e eficaz, sendo a modalidade cirúrgica mais adequada na maioria dos casos.