2.1 Escopo e questões de pesquisa

O contexto deste estudo foi o fenômeno mundial de transição, abrupta e mandatória, da educação majoritariamente presencial para um ensino remoto ou híbrido devido à pandemia de Covid-19. Diante desse movimento amplo, inesperado e, em parte, improvisado, o foco desta revisão sistemática de literatura foi traçar um panorama de como as estratégias e modelos tecnológicos e pedagógicos foram (ou poderão ser) impactados, adaptados e evoluídos durante e após o ensino remoto emergencial. Em sintonia com o escopo do estudo, as seguintes questões de pesquisa foram estabelecidas:

QP1: Quais as vantagens e oportunidades pedagógicas que a transformação digital provocada pela fase de Ensino Remoto Emergencial pode proporcionar para a educação online?

QP2: Quais foram os impactos e as limitações pedagógicas enfrentadas pela intermediação tecnológica na fase de Ensino Remoto Emergencial?

QP3: Qual os impactos do uso da tecnologia na mudança para Ensino Remoto Emergencial?

QP4: Quais são as vantagens e oportunidades do uso da tecnologia e da transformação digital provocada pela fase de Ensino Remoto Emergencial para a educação online?

QP5: Quais tecnologias foram usadas como apoio pedagógico ou como suporte tecnológico para Ensino Remoto Emergencial?

QP6: Como e qual feedback dos atores envolvidos (alunos, professores, dirigentes e familiares) foi colhido e avaliado durante a fase de Ensino Remoto Emergencial?

Essas questões de pesquisa nortearam todos os passos de classificação, seleção, análise e síntese dos artigos integrantes desta RSL e foram divididas, por convergência operacional, em três eixos temáticos, cada um representando uma dimensão de análise diferente dos artigos selecionados: Aspectos Pedagógicos do Ensino Remoto Emergencial (QP1 e QP2); Aspectos do Uso da Tecnologia no Ensino Remoto Emergencial (QP3, QP4 e QP5) e Análises e Impressões (QP6).

2.2 Estratégia de busca

2.2.1 Plataformas selecionadas

A busca e coleta de artigos foi realizada nas seguintes plataformas científicas, considerando a expressividade das mesmas:

IEEEXplore - http://ieeexplore.ieee.org

ACMDigital Library - http://dl.acm.org

ScienceDirect - https://www.sciencedirect.com/

Scopus - https://www.scopus.com/

Web of Science - http://isiwebofknowledge.com

Scielo - http://www.scielo.org

Portal Periódicos CAPES - http://www.periodicos.capes.gov.br

Google Scholar - https://scholar.google.com

2.2.2 Palavras-chave e variações

O Quadro 1 condensa as principais denominações que foram usadas como palavras-chave para definir o tipo de ensino realizado, como também para definir a pandemia, nas buscas realizadas para coleta dos artigos:

Quadro 1 Palavras-Chave e Variações para Ensino Remoto ou Híbrido e Covid-19. FONTE: autoria, 2021. 

Numa prospecção preliminar, foi possível perceber que não havia uma convergência de termos para descrever o tipo de ensino realizado em todos os continentes do planeta durante a pandemia de Covid- 19. Os termos usados como palavras-chave foram as variações prospectadas pela equipe. Entretanto, após a realização de parte do estudo, foi possível perceber uma tendência de uso do termo Ensino Remoto Emergencial - ERE (ou ERT, do inglês Emergency Remote Teaching) para nomear o tipo especial de ensino à distância realizado de forma emergencial pela necessidade de isolamento social durante a pandemia. Neste documento, nós iremos adotar o conceito de ERE para referenciar esta modalidade específica de ensino remoto. Foram considerados como critérios-base de inclusão: artigos publicados entre 01/01/2020 e 30/09/2021 e cujo texto completo, em inglês ou português, estivesse disponível em acesso aberto.

2.2.3 Expressões de busca

A partir das palavras-chave, o passo seguinte foi a criação de expressões de busca básicas para relacionar as palavras-chave e suas variações.

Parte 1 = ("ENSINO HÍBRIDO" OR "ENSINO REMOTO" OR "ENSINO REMOTO EMERGENCIAL" OR "ENSINO REMOTO INTENCIONAL" OR "ENSINO À DISTÂNCIA" OR "ENSINO ONLINE" OR "REMOTE LEARNING" OR “REMOTE EDUCATION” OR "REMOTE TEACHING" OR “ONLINE LEARNING” OR "DISTANCE LEARNING" OR "BLENDED LEARNING" OR "REMOTE SCHOOLING" OR "ONLINE SCHOOLING" OR "DISTANCE SCHOOLING" OR "HYBRID SCHOOLING" OR "ONLINE EDUCATION" OR “DISTANCE EDUCATION” OR “HYBRID EDUCATION”)

Parte 2 = ("COVID-19" OR "CORONA VÍRUS" OR "CORONAVÍRUS" OR "SARS-COV2" OR "SARS- COV-2" OR "CORONA VIRUS" OR "2019-nCoV")

Parte 3 = (“jan/2020” TO “set/2021”)

Expressão de Busca Consolidada = ("ENSINO" OR "EDUCATION" OR "LEARNING" OR "SCHOOLING" OR "TEACHING") AND ("DISTÂNCIA" OR "HÍBRIDO" OR "REMOTO" OR "ONLINE" OR "REMOTE" OR "DISTANCE" OR "HYBRID" or "BLENDED") AND ("COVID-19" OR "CORONA VÍRUS" OR "CORONAVÍRUS" OR "SARS-COV2" OR "SARS-COV-2" OR "CORONA VIRUS" OR "2019-nCoV") AND TIME (01/01/2020 TO 30/09/2021)

Tais expressões básicas foram levemente adaptadas para poderem ser usadas em cada um dos mecanismos de busca das plataformas selecionadas.

2.3 Classificação e seleção de artigos

Todos os artigos oriundos das pesquisas realizadas nas plataformas selecionadas com base nas palavras- chave de busca definidas foram coletados e catalogados com informações básicas como título, autores, resumo, data, editor, biblioteca, URL, DOI etc. Nesse primeiro passo da fase de busca foram catalogados 7.508 artigos, os quais foram processados para identificar e eliminar eventuais duplicatas. Após tal deduplicação, cerca de 2.197 artigos repetidos foram descartados e o primeiro conjunto de artigos foi composto por 5.311 artigos distintos. A segunda triagem, baseada na leitura dos títulos e resumos dos artigos, teve como objetivo confirmar se os artigos eram mesmo pertinentes com o objetivo da pesquisa e, adicionalmente, fazer a classificação dos relevantes com relação aos três eixos temáticos de interesse. Os principais motivos de eliminação de artigos nesta fase foram estar fora de escopo ou não ser generalizáveis, ou seja, não tinham como foco o uso de estratégias e recursos tecnológicos durante o ERE ou o apresentavam, mas de forma muito superficial, pontual ou circunstancial. A segunda triagem resultou em um novo conjunto com 1.546 artigos, sendo 616 do eixo Pedagogia, 458 do eixo Tecnologia e 472 do eixo Pesquisas de Opinião, Revisões Sistemáticas e Avaliações. A terceira e última triagem foi realizada a partir da leitura da introdução e conclusão dos 1.546 artigos que passaram na segunda triagem. Neste ponto, os artigos foram redistribuídos entre os pesquisadores de forma que ninguém avaliasse novamente um mesmo artigo anteriormente selecionado. Tal triagem, baseada em uma leitura mais minuciosa, permitiu uma revisão da classificação anterior com relação aos três eixos e também com relação à pertinência do escopo e a capacidade de generalização dos artigos. O conjunto final revisado de forma completa ficou com 532 artigos selecionados, sendo 156 do eixo Pedagogia, 206 do eixo Tecnologia e 170 do eixo Análises e Impressões.

2.4 Estratégias para extração de dados

A fase de extração de dados foi então conduzida sobre o conjunto final de 532 artigos por meio da leitura completa deles e do preenchimento de um formulário especificamente elaborado para o fichamento desta RSL. O formulário, a ser respondido pelo revisor final do artigo completo, foi composto de três seções, sendo duas com questões objetivas e uma última seção com questões subjetivas. Uma das seções objetivas e a seção subjetiva foram personalizadas para cada um dos três eixos e buscam ajudar a responder às respectivas questões de pesquisa de cada eixo. Artigos que trazem luz sobre as questões específicas de outros eixos também foram sinalizados no formulário. Na parte geral, foram extraídas informações objetivas sobre o contexto do artigo como: local (país e também o estado, quando Brasil), modalidade de ensino, tipo de oferta, dimensões da relação aluno/professor (espaço, tempo, homogeneidade e agrupamento de turmas e grupos, itinerário formativo, ritmo de estudos, tipo de supervisão, distribuição de mídia, conectividade, influência da mediação tecnológica), dentre outras. A parte objetiva específica do formulário dedicada ao eixo Pedagogia ofereceu alternativas múltiplas para classificação das possibilidades levantadas nos artigos quanto aos aspectos de políticas educacionais, gestão pedagógica e trabalho pedagógico. No caso do eixo Tecnologia, a parte objetiva específica do formulário também ofereceu alternativas múltiplas para classificação da categoria de intervenção tecnológica praticada, identificação das principais tecnologias e ferramentas utilizadas, além de determinar o tipo de avaliação de recursos tecnológicos durante o ERE feita no artigo. Para o eixo Análise e Impressões, as questões específicas do formulário serviram para classificar o artigo em uma dessas três categorias, além de identificar o público-alvo do estudo e a forma de coleta de dados, quando se tratava de uma pesquisa de opinião. A outra parte do formulário comum aos três eixos foi composta de quatro questões objetivas sobre o artigo: quais os objetivos, resultados, principais contribuições e possibilidades de aplicação em outros contextos. Devido à variação de terminologias usadas nos artigos e pela especificidade de algumas das perguntas objetivas do formulário, sobretudo na parte comum, houve lacunas ou dificuldade na extração de respostas. Tais casos foram tratados com respostas de adaptação como: não identificado, não se aplica ou através da generalização outros/outras. Em alguns casos, sobretudo nas questões objetivas do formulário, foi necessário inferir, a partir de outras informações do mesmo artigo, respostas que não estavam explicitamente destacadas no texto em análise. Isso significa que algumas das respostas registradas foram obtidas por inferências a partir de informações outras informações explicitadas no textos.

3.1 Artigos não-selecionados

Nas duas etapas de classificação até a seleção dos 532 artigos finais, 3.765 artigos foram descartados após a leitura do título e resumo e 1.014 artigos foram desclassificados após a leitura de, pelo menos, a introdução e conclusão. De partida, 29% dos artigos estavam inacessíveis. Os principais motivos foram o escopo não aderente ao foco da pesquisa, e cerca de 30,1% dos artigos localizados não abordavam estratégias e métodos tecnológicos, e uma especificidade muito alta, com uma parcela de 32.8% dos artigos que, embora relacionados com os objetivos desta RSL, traziam baixa capacidade de generalização (estudos e recortes muito circunstanciais de um período específico, pontuais para uma determinada realidade política ou geográfica ou com uma abordagem superficial). Outro fator importante de descarte, sobretudo quando a leitura parcial ou total estava envolvida, foi a impossibilidade de acesso ao artigo. Artigos acessíveis, mas eliminados por estarem escritos em outra língua que não inglês e português, representaram 1.0% do total. Outras razões, incluindo qualidade, abordagem e formato dos textos, que levavam a não serem um artigo científico, totalizaram 7,1%. A Figura 2 ilustra os motivos de desclassificação de artigos:

Figura 2 Distribuição dos motivos de desclassificação de artigos localizados na fase de busca. FONTE: autoria, 2021. 

Figura 3 Principais termos associados com os artigos fora de escopo desclassificados. FONTE: autoria, 2021. 

Dentre os artigos que foram descartados por estarem fora de escopo desejado, qual seja, desafios pedagógicos e tecnológicos envolvidos na implantação do ERE, muitos estavam focados em aspectos psicológicos dos principais atores durante a transição, incluindo questões de saúde mental, ansiedade, stress, frustração, motivação, dentre outros. A Figura 3 traz uma nuvem de palavras (ou tags) que foram associadas com os artigos pela equipe revisora no momento do descarte.

3.2 Artigos selecionados

Os 532 artigos selecionados foram oriundos de dezenas de países de todos os continentes e padrões de desenvolvimento, o que permitiu colher uma visão diversificada dos desafios enfrentados e possibilidades vislumbradas por pesquisadores e profissionais da educação de todos os continentes do planeta. Os Estados Unidos deram a maior contribuição, com cerca de 15,4% dos artigos, seguidos pela Indonésia, com 5,8%, e, logo em seguida, veio o Brasil, com 5.6% do total de artigos. Fig.4

Figura 4 Distribuição dos artigos classificados por país de origem. FONTE: autoria, 2021. 

Os trinta artigos brasileiros classificados pela equipe vieram, em sua maioria, dos estados da Bahia, Minas Gerais e São Paulo, todos contribuindo com 13,3% do total. Em seguida, destacam-se o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, ambos com 10,0% (Fig 5):

Figura 5 Distribuição por estado dos artigos brasileiros classificados. FONTE: autoria, 2021. 

3.3 Terminologias, tipos de oferta e dimensões de diretividade encontradas

Há uma grande diversificação dos termos que são utilizados em diversos países para se referir às modalidades de ensino equivalentes ao ensino à distância. Para tentar mapear as variações utilizadas, uma pergunta do formulário foi dedicada a coletar o termo adotado em cada artigo. A Figura 6 traz uma nuvem das denominações mais usadas, com destaque na prevalência para “ensino online”, “ensino remoto”, “ensino à distância” e o emergente “ensino remoto emergencial”.

Figura 6 Termos equivalentes para ensino à distância mais utilizados nos artigos. 

Nos artigos em que houve indicação do tipo de oferta de ensino, houve preponderância do ensino público com 26,2%, o qual teve predominância quando a pesquisa envolveu tanto o ensino público quanto o ensino privado (13,7%). Somente 2,8% dos artigos diziam respeito a estudos em que penas o ensino privado estava envolvido. A Figura 7 ilustra essa distribuição.

Figura 7 Distribuição dos artigos selecionados por tipo de oferta de ensino. 

Quando se considera a modalidade de ensino, 61,7% dos artigos envolveu instituições, cursos, professores e estudantes do ensino superior ou da pós-graduação. 18,6% dos artigos não possibilitaram identificar a modalidade de ensino a que se referiam. As modalidades de ensino técnico, médio, fundamental e infantil aparecem nos estudos de 19,8% dos artigos, conforme pode ser visto na Figura 8:

Figura 8 Distribuição dos artigos selecionados por modalidade de ensino. FONTE: autoria, 2021. 

Além disso, é importante destacar que é possível descrever a organização do ensino-aprendizagem usando algumas "dimensões", notadamente a dimensão "temporal" (síncrono, assíncrono) e a dimensão "espacial" (presencial, remoto). Entretanto, pode haver outras dimensões didático-pedagógicas, que não estão sendo consideradas explicitamente na classificação. Contudo, ^{Dakhi et al. (2020}) já anteciparam a identificação de outras dimensões adicionais como path (itinerário) e pace (ritmo). A partir disso, a Tabela 2 apresenta uma compilação preliminar de dimensões adicionais:

Tabela 2 Dimensões de Diretividade do Ensino-Aprendizagem. 

Fonte: Autoria, 2021

A ideia de ampliar a quantidade de dimensões é permitir uma classificação mais granular ou mais nítida dos tipos de ensino, evitando ambiguidades. Por exemplo, um curso a distância específico poderia ser melhor definido usando a seguinte configuração de dimensões:

• Espaço: remoto

• Tempo: assíncrono

• Agrupamento: individual

• Itinerário: pré-definido

• Ritmo: self pace

• Supervisão: não supervisionado

• Mídia: digital

• Conectividade: online

• Mediação Tecnológica: forte

• Homogeneidade: N/A

Para tentar identificar como os trabalhos reportam as experiências de ensino na transição para uma mediação tecnológica compulsória diante do isolamento social no ensino remoto emergencial, perguntas sobre as dimensões foram inseridas no formulário. Os resultados seguem na Figura 9.

Figura 9 Distribuição das Dimensões de Diretividade do Ensino-Aprendizagem Identificadas. FONTE: autoria, 2021. 

As dimensões "mediação tecnológica" e "homogeneidade" não são reportadas nas figuras por terem sido unânimes nos níveis "forte" e "homogênea", respectivamente. Ou seja, o ensino remoto emergencial tem forte mediação tecnológica e os estudos avaliaram o ensino regular. Como esperado para a dimensão espaço, 65,7% dos artigos descrevem que a interação professor/aluno ocorreu maioritariamente em locais diferentes e, em apenas 15,1% dos artigos, foi relatada uma relação no mesmo local. Nos artigos em que foi indicado como tal interação se deu do ponto de vista da dimensão tempo, cerca de 11,8% ocorreram de forma síncrona e 6,9% ocorreram de forma assíncrona, sendo que a grande maioria se deu por meio de uma combinação das duas (40,3%). Quando se considera a dimensão agrupamento de alunos, há um certo equilíbrio entre turmas completas (16,7%), turmas fracionadas (13,5%) e atividades individuais do aluno (13,7%). Na dimensão supervisão, por sua vez, as atividades orientadas pelo professor (23,2%) foram maioria, com mais que o dobro das atividades que foram autorreguladas pelo próprio aluno (10,9%). O itinerário formativo pré-definido, citado em cerca de 23,8% dos artigos selecionados, continuou sendo o modelo mais utilizado. Entretanto, chama a atenção que cerca de 7,3% dos estudos já envolveram trabalhos que descreviam cenários com itinerários formativos de livre escolha pelo aluno. O mesmo ocorreu na dimensão ritmo de estudos, com prevalência ainda para a cadência imposta pelo professor, com 17,8%, mas já com cerca de 10,3% dos artigos relatando cenários no qual o ritmo dos estudos era determinado pelo próprio aluno.