1.Introdução
As revisões de literatura visam selecionar e sintetizar pesquisas relevantes em torno de um tema ou de uma questão em particular. Nas últimas duas décadas, a ciência médica melhorou a qualidade do processo de revisão sintetizando pesquisas de maneira sistemática, transparente e reprodutível para informar políticas e tomadas de decisão em saúde e assistência social. Este processo replicável, científico e transparente, foi replicado por outros campos e disciplinas, com os devidos ajustes (Tranfield et al., 2003). A revisão da literatura é fulcral em qualquer projeto de investigação (Garcia-Holgado et al., 2020; Garcia- Penalvo, 2022; Pedrosa et al., 2021; Pinho e Leite, 2014).
A revisão sistemática usa um conjunto de critérios predeterminados e listas de verificação para auxiliar o processo. Um desses critérios é o período de publicação; a principal limitação das revisões tradicionais é que elas fornecem uma visão geral das evidências relevantes apenas num momento específico. Assim temos um problema: a revisão de literatura não está atualizada (Elliott et al., 2014b). Por outro lado, a tomada de decisão deve ser informada por evidência atualizada. Deste problema surgiu a necessidade de encontrar uma metodologia para manter a revisão em permanente atualização. O conceito “revisão sistemática viva” (Living systematic review) pode ser definido como “uma revisão sistemática que é continuamente atualizada, incorporando nova evidência relevante à medida que se torna disponível” (Elliott et al., 2017, p. 4).
Na prática, isso significa vigilância contínua para que nova evidência, fornecida pela contínua pesquisa, seja incluída em tempo útil de modo que os resultados da revisão sistemática permaneçam atualizados e sejam apresentados de modo dinâmico.
Algumas instituições responderam rapidamente à pandemia com revisões sistemáticas vivas, com o objetivo de compartilhar a evidência sobre as principais intervenções e testes de diagnóstico Covid, para apoiar o mundo a enfrentar esse desafio sem precedentes.
Por exemplo os recursos Cochrane fornecem evidência a partir de sínteses de investigação de elevada qualidade; estes recursos são relevantes e atualizados que suportam as decisões na área da saúde. Especificamente, relacionadas à Covid-19, estes recursos incluem informações, em vários idiomas, feitos à medida para diversos públicos:
Público, pacientes e cuidadores;
Profissionais de saúde;
Investigadores;
Desenvolvedores de políticas e diretrizes.
Para cada audiência, existe o cuidado de partilhar a informação do modo mais apropriado; por exemplo os denominados Plain Language Summaries (PLSs), traduzidos para português como “Resumos para Leigos”, ajudam as pessoas comuns a entender e interpretar os resultados da investigação e estão incluídos em todos os Cochrane Reviews (Carneiro e Henriques, 2022). Estes PLSs ou Resumos para Leigos são criados usando conteúdo, estrutura e linguagem padrão para facilitar a compreensão e a tradução.
Para além de interessar saber o que é a “revisão sistemática viva”, de como fazer, e quando é indicado fazer, neste artigo pretendemos responder à seguinte questão: Quais as ferramentas utilizadas na Living Systematic Review?
2.Revisão Sistemática Viva, como tópico
Ao fazer a leitura do título e do resumo detetou-se quatro artigos relevantes para uma abordagem do tema. Estes artigos foram publicados em 2017, apresentar os elementos estruturais para a compreensão deste tipo de revisão (Akl et al., 2017; Elliott et al., 2017; Simmonds et al., 2017; Thomas et al., 2017).
Julian Elliott e colegas (Elliott et al., 2017) desenvolveram uma nova abordagem para a atualização da revisão sistemática denominada "Revisão sistemática viva" (Living Systematic Review - LSR): revisões sistemáticas que são continuamente atualizadas, incorporando novas evidências relevantes à medida que se tornam disponíveis.
A LSR foi proposta em 2014 como uma abordagem para a atualização da revisão sistemática. Desde então, muitas questões associadas à produção e publicação de LSR foram exploradas e estão agora sendo testadas em uma série de projetos de LSR (Cochrane e não-Cochrane).
No segundo artigo da série, intitulado “Living systematic reviews: 2. Combining human and machine effort “os autores descreveram como o desenvolvimento das tecnologias (que englobam tanto a informática quanto modelos mais eficientes de contribuição humana) podem aumentar a eficiência e a sustentabilidade do deste tipo de revisão sistemática (Thomas et al., 2017).
No terceiro artigo da série, Mark Simmonds and colleagues analisaram quatro métodos para evitar alguns destes problemas estatísticos ao atualizar as meta-análises: análise sequencial experimental (trial sequential analysis), controle sequencial de meta-análise (sequential meta-analysis control), método de Shuster e lei do algoritmo iterado (law of the iterated logarithm). Enquanto estes métodos se concentram nas LSRs, as mesmas questões se aplicam a todas as revisões sistemáticas que podem ser atualizadas (Simmonds et al., 2017).
O advento das LSRs tornou mais realista o conceito de "diretrizes vivas" (living guidelines), com a promessa de fornecer orientações oportunas, atualizadas e de alta qualidade aos usuários-alvo. No quarto artigo da série, são definidas as diretrizes vivas como uma otimização do processo de desenvolvimento de orientações para permitir a atualização de recomendações individuais assim que nova e relevante evidência se torna disponível (Akl et al., 2017). Sob o título “Biologics for chronic rhinosinusitis” recolhemos três publicações da mesma equipa de investigação (Chong et al., 2019, 2020; Chonget al., 2021).
Na publicação de 2021, os autores indicam que esta é uma revisão sistemática viva, por meio da qual será feita uma pesquisa nos principais bancos de dados mensalmente e que será feita uma atualização da revisão, à medida que novas evidências importantes forem encontradas. Consideram que esta abordagem, de revisão sistemática viva, é apropriada a revisão em causa, porque: 1) o tema é importante para a tomada de decisões em saúde; 2) há incerteza sobre as evidências existentes; e 3) este é um campo em rápido desenvolvimento, onde novos ensaios estão sendo ativamente planejados e concluídos (Chong et al., 2021).
3.Metodologia
Após a elaboração do protocolo de revisão, avançou-se para a etapa de recolha, de seguida pela construção da estrutura conceptual e pela análise temática. Por fim focou-se na identificação das ferramentas e a sua utilização nos diversos artigos.
A caraterização bibliométrica permitiu realizar a exploração inicial aos dados recolhidos e tomar decisões sobre a necessidade de fazer uma análise de conteúdo para identificar e localizar as ferramentas. Na explanação das diversas etapas procurou-se justificar as decisões, de modo a assegurar a transparência e a replicabilidade do estudo.
3.1 Protocolo e recolha
Após breves leituras sobre o conceito LSR, foi construído o protocolo de revisão (Figura 1), onde se explicitou as principais decisões, de modo a assegurar a transparência e a replicabilidade do estudo.
A pesquisa bibliográfica realizada na base Scopus, utilizando a expressão - “living systematic review” OR “evidence ecosystem”. De notar que mantivemos a palavra-chave “evidence ecosystem“ porque este é o ambiente adequado para desenvolver e usar este tipo de revisão (LSR).
Foram recolhidas 257 referências, no período de 2010 a 2022. Para limitar o resultado, foram aplicados os seguintes filtros: document type (article, review, conference paper) e language (english). Foram recolhidos 211 documentos, publicados no mesmo período.
A Figura 2 apresenta a evolução das publicações sobre o tema. Observa-se que há uma evolução nos quantitativos de referências publicadas. O pico foi alcançado em 2021 com 100 documentos publicados. Podemos considerar 2 períodos de publicações: 1º período, de 2014 a 2019, com 44 publicações e o 2º período incluiu os anos 2020, 2021 e 2022 (janeiro), com 167 publicações. De notar que o segundo período está concentrado no tema Covid19.
3.2 Estrutura conceptual - abordagem bibliométrica
O mapeamento científico procura encontrar representações das conexões intelectuais dentro do sistema dinâmico do conhecimento científico, investigando-o de um ponto de vista estatístico (Small, 1997). Especificamente, analisa a estrutura conceitual, que representa as relações entre as palavras de um conjunto de publicações através de uma rede de coocorrência de palavras-chave. O objetivo é aprofundar a compreensão das descobertas científicas em torno de temas e tópicos principais dentro das fronteiras da pesquisa como uma aprendizagem ativa.
A análise de coocorrência de palavras foi introduzida pela primeira vez por Michel e colegas para ampliar a análise de cocitação (Callon et al., 1983). Afirma-se que a análise de coocorrência de palavras pode penetrar na literatura, e a análise de conteúdo pode ser aplicada para obter uma visão da estrutura e do desenvolvimento de um tema de pesquisa.
O princípio da análise de coocorrência é que, se duas palavras-chave que podem expressar o assunto de uma determinada área de pesquisa aparecerem em um artigo ao mesmo tempo, uma certa relação interna deve existir entre elas, ou seja, quanto mais vezes elas aparecerem em pares, mais próxima a relação e distância entre elas. Ao medir a intensidade da correlação entre as palavras, é possível examinar os padrões de pesquisa e a estrutura conceitual dos campos correspondentes (Yan et al., 2015).
A fim de realizar a análise da estrutura conceitual do tema pesquisado, foi gerada uma rede de coocorrência de palavras-chave dos autores usando o software VOSviewer (van Eck e Waltman, 2010, 2020). Para gerar a rede foi selecionada a ocorrência de cada palavra-chave de pelo menos 1 vez, resultando um grafo com 285 nós, 4 comunidades e 1112 arestas. Cada comunidade possui pelo menos 30 nós. Algumas palavras-chave se destacam: systematic review, living systematic review, covid-19, sars- cov-2, meta-analysis, entre outras. A Figura 3 apresenta uma visualização da rede de coocorrência de palavras-chave dos autores.
A rede foi exportada em formato GML para ser recuperada no Gephi e serem calculadas as métricas de redes: grau médio, classes de modularidade e centralidade de autovetor (Bastian et al., 2009). A Tabela 1 apresenta os resultados para as 15 palavras-chave com maiores centralidades de autovetor. Esta centralidade mede a influência de um nó em uma rede. Um nó será influente se estiver conectado a outros nós importantes (pontuações mais altas). A essência da centralidade de autovetor é calcular a influência de um nó em função dos escores de seus vizinhos (Roffo e Melzi, 2017). Observa-se que o tema é muito recente, porque o ano médio de ocorrência das palavras-chave varia entre 2019 e 2021. Como o pico de publicações ocorreu em 2021, o tema teve a sua evolução pela necessidade de estudos vivos neste período de pandemia da Covid-19. As palavras-chave que deram origem à pesquisa, living systematic review e evidence ecosystem, ocorreram em 2019,83 e 2019,67, respetivamente.
Para a representação da estrutura conceptual do tema pesquisado, foi gerada uma nova rede de coocorrência de palavras-chave dos autores com a ocorrência mínima de duas vezes. Foi obtida uma rede com 63 nós, 4 comunidades e 231 arestas. Cada comunidade com no mínimo 8 nós. As listas de termos e de arestas foram exportadas em formato CSV e recuperadas em uma planilha Excel, para serem analisadas no yEd (yWorks, 2020). Este é um software livre para edição de grafos e permite apresentar a estrutura conceptual do tema pesquisado com a relação entre os principais conceitos e temas envolvidos: living systematic review, systematic review, covid-19, evidence ecosystem, evidence-based medicine, tools (Figura 4).
É possível fazer extensões destas figuras e explorar temas que podem emergir. Por exemplo as Figuras 5 e 6 permitem navegar nos diversos clusters e localizar um tema que nos interessa em particular, como por exemplo as ferramentas (tools).
Outra exploração pode ser escolher um termo, que está relacionado com a questão de pesquisa e observar as suas relações. No caso escolhemos o termo “tools” e obtivemos o grafo da palavra-chave tools (Figura 7) e a respetiva expansão (Figura 8).
Após esta exploração proporcionada pela análise bibliométrica iremos aprofundar para o âmbito das ferramentas mencionadas nas publicações recolhidas.
3.3 Breve apresentação das ferramentas
Relembremos a questão subjacente a este artigo exploratório: Quais as ferramentas utilizadas na LivingSR?
Foram identificadas as principais ferramentas mencionadas nas publicações. De seguida são apresentadas breves descrições. Estas irão constituir a árvore de categorias, para a análise de conteúdo.
GRADE: A abordagem GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) [Classificação de Recomendações, Avaliação, Desenvolvimento e Análises] é um sistema de avaliação da certeza da evidência (também conhecido como qualidade da evidência ou confiança nas estimativas de efeito) e a força das recomendações em assistência médica. Fornece uma avaliação estruturada e transparente da importância dos resultados de estratégias alternativas de gestão, reconhecimento dos pacientes e dos valores e preferências do público e critérios abrangentes para reduzir e aprimorar a certeza nas evidências. Tem implicações importantes para aqueles que resumem as evidências para revisões sistemáticas, avaliações de tecnologia em saúde e diretrizes de prática clínica, bem como para outros decisores (Guyatt et al., 2008).
JBI Appraisal Tools: O risco de viés foi estimado pelas ferramentas de avaliação do Joanna Briggs Institute. A avaliação crítica, ou alguma avaliação semelhante da qualidade da literatura incluída numa revisão sistemática, é essencial. Uma característica chave para minimizar viés ou erro sistemático na condução de uma revisão sistemática é ter a avaliação crítica dos estudos incluídos completada de forma independente, e em duplicado, por membros da equipa de revisão. A revisão sistemática deve apresentar uma declaração clara de que a avaliação crítica foi conduzida por pelo menos dois revisores trabalhando independentemente um do outro e conferindo, quando necessário, a decisão sobre a qualidade e a elegibilidade do estudo com base na qualidade (Joana, 2020).
AMSTAR: AMSTAR (A MeaSurement Tool to Assess systematic Reviews) [Uma Ferramenta de Medição para Avaliar Revisões Sistemáticas] foi desenvolvida para avaliar revisões sistemáticas de estudos randomizados. Uma ferramenta de avaliação crítica para revisões sistemáticas que incluem estudos randomizados ou não randomizados de intervenções de saúde, ou ambos. O instrumento revisto (AMSTAR 2) retém 10 dos domínios originais, tem 16 itens no total (em comparação com 11 no original), tem categorias de resposta mais simples do que o AMSTAR original, inclui um guia do utilizador mais abrangente e tem uma classificação geral baseada em pontos fracos em domínios críticos. O AMSTAR 2 não se destina a gerar uma pontuação geral. Com movimentos para basear mais decisões em evidências observacionais do mundo real, o AMSTAR 2 deve auxiliar na identificação de revisões sistemáticas de alta qualidade (Shea et al., 2017).
PROBAST: Uma ferramenta para avaliar o risco de viés e aplicabilidade de estudos de modelos de previsão (Wolff et al., 2019). Uma parte fundamental de uma revisão sistemática de modelos de previsão é o exame do risco de viés e a aplicabilidade à população e ao cenário pretendidos. Para ajudar os revisores nesse processo, os autores (Moons et al., 2019) desenvolveram a PROBAST (Prediction model Risk Of Bias ASsessment Tool) para estudos que desenvolvem, validam ou atualizam (por exemplo, estendendo) modelos de previsão, diagnósticos e prognósticos. PROBAST foi desenvolvida por meio de um processo de consenso envolvendo um grupo de especialistas na área. Inclui 20 perguntas de sinalização em 4 domínios (participantes, preditores, resultado e análise). Este documento de explicação e elaboração descreve a lógica para incluir cada domínio e questão de sinalização e orienta pesquisadores, revisores, leitores e desenvolvedores de diretrizes sobre como usá-los para avaliar o risco de viés e preocupações de aplicabilidade. Todos os conceitos são ilustrados com exemplos publicados em diferentes tópicos. A versão mais recente da lista de verificação PROBAST, documentos anexos e exemplos preenchidos podem ser descarregados em www.probast.org.
Cochrane Risk of Bias: Risk of Bias 2 está sendo introduzido nas Revisões Cochrane usando um processo de implementação em fases. Muitos Grupos de Revisão Cochrane (CRG) realizaram formação (durante o piloto Cochrane RoB 2). Se a sua equipa CRG concluiu a mesma, ela poderá fornecer-lhe suporte nesta fase. A Unidade de Suporte de Métodos Cochrane ajudará o seu CRG a apoiar a sua equipa nas etapas posteriores da revisão para i) aplicação de RoB2 para avaliar resultados de viés e ii) apresentação de RoB 2 na revisão. Do vosso ponto de vista como autores, por favor, contactar com o vosso Editor-Gerente como habitual.
QUADAS: Em 2003, foi desenvolvida a ferramenta QUADAS para revisões sistemáticas de estudos de precisão diagnóstica. Experiência, relatos anedóticos e feedback sugeriam áreas para melhorias; por conseguinte, o QUADAS-2 foi desenvolvido. Esta ferramenta compreende 4 domínios: seleção de pacientes, teste de índice, padrão de referência e fluxo e tempo. Cada domínio é avaliado em termos de risco de viés, e os 3 primeiros domínios também são avaliados em termos de preocupações quanto à aplicabilidade. Perguntas de sinalização são incluídas para ajudar a avaliar o risco de viés. A ferramenta QUADAS-2 é aplicada em 4 fases: resumir a questão de revisão, adaptar a ferramenta e produzir orientações específicas da revisão, construir um diagrama de fluxo para o estudo primário e julgar viés e aplicabilidade. Esta ferramenta permitirá uma classificação mais transparente de viés e aplicabilidade de estudos primários de precisão diagnóstica (Whiting, 2011).
Tailored PRISMA 2020: Embora o diagrama de fluxo PRISMA seja amplamente utilizado para relatar revisões sistemáticas padrão (SRs), não foi projetado para capturar os resultados de pesquisas contínuas de estudos em revisões sistemáticas vivas (LSRs). A folha de cálculo proposta pode servir de base para um diagrama de fluxo PRISMA à medida para LSRs. Para estruturar o diagrama de fluxo para LSR, pode-se selecionar uma das quatro abordagens personalizadas de diagrama de fluxo PRISMA 2020 (Kahale et al., 2022) :
Abordagem 1: apresentar os resultados da pesquisa das diferentes versões separadamente (ou seja, base e cada atualização separadamente);
Abordagem 2: apresentar os resultados da pesquisa para as diferentes versões combinadas (ou seja, incluindo a base e todas as versões de atualização);
Abordagem 3: apresentar os resultados da pesquisa para a versão base separadamente e os resultados de todas as versões atualizadas combinados;
Abordagem 4: apresentar os resultados da última versão de atualização separadamente e os resultados de todas as versões anteriores.
3.4 Análise de Conteúdo
Nesta secção foram selecionadas as publicações, a partir do conjunto de 211 publicações, que foram objeto de análise bibliométrica (secção 3). Recorreu-se à Técnica de Análise de Conteúdo (Amado et al., 2017; Costa e Amado, 2018). Esta técnica, segundo estes autores, permite analisar “as mensagens” através de procedimentos sistemáticos e objetivos da descrição do conteúdo. Esta técnica terá como suporte o software de análise de dados qualitativos webQDA e foi preconizada a proposta de Costa e Amado (2018). A saber:
Definição do problema, objetivos de trabalho e fundamentação teórica (1ª e 2ª secções deste artigo)
Organização do Corpus de Dados (3ª e atual secção deste artigo)
Leitura dos Dados
Categorização e Codificação
Formulação de Questões
Matrizes de Análise
Apresentação dos Resultados
A partir do título, do resumo e palavras-chave foi decidido o que incluir e excluir. Dos 211 artigos foram analisados 55 artigos de forma a responder à questão “Quais as ferramentas utilizadas na LivingSR?”.
4.Resultados e Discussão
No âmbito deste estudo não existe nenhum artigo que aborde o uso destas ferramentas em associação com a Living Sistematic Review. Talvez devido à situação pandémica a maioria dos artigos são da área da saúde e em particular com o Covi-19 (ver Figura 9).
Dos 211 artigos importados 55 artigos (26 %) recorreram a alguma das ferramentas listadas na tabela 2. Dos 55 artigos incluídos para este estudo, 15 usaram mais do que uma ferramenta. Na Tabela 2 são indicados o número de artigos onde cada uma das ferramentas é utilizada e o número de ocorrências.
Posteriormente optou-se por aprofundar e localizar para cada artigo a referenciação às ferramentas. A tabela seguinte lista os 55 artigos e quais as ferramentas identificadas em cada um através do resumo e palavras-chave.
O estudo inclui artigos a partir de 2014 até 2021. Em 2015 não foram identificados artigos que tivessem usado uma das ferramentas acimas descritas. O GRADE foi recorrentemente usado partir de 2016. Alguns artigos deram pistas para proceder à análise de conteúdo com o objetivo de dar resposta a questão de pesquisa. Nesta perspetiva, escolhemos um artigo relevante intitulado “Methods of conduct and reporting of living systematic reviews: A protocol for a living methodological survey”, onde os autores avaliaram os métodos e os relatórios das LSRs usando uma abordagem de estudo vivo (living study) e descreveram o ciclo de vida das LSRs, ou seja, as mudanças ao longo do tempo dos métodos (Khamis et al., 2019). Tanya Millard e colegas, conduziram uma avaliação da viabilidade e da aceitabilidade das LSRs e exploraram como as pessoas estão atualmente conduzindo as LSRs, os facilitadores e os desafios, as oportunidades de melhoria e as considerações para aumentar a escala (Millard et al., 2019). Os autores utilizaram uma abordagem de métodos mistos que incluiu entrevistas semiestruturadas e pesquisas online com membros-chave envolvidos em seis LSRs (três Cochrane e três não-Cochrane) num contexto da pandemia COVID-19 e forneceram orientação metodológica para outros trabalhos similares (Iannizzi et al., 2022).
5.Conclusões
Este estudo exploratório revelou-se esclarecedor para compreender o que é a LSR e como este tipo de revisão faz sentido num contexto de uso intensivo de evidência, cuja informação tem de estar em permanente atualização. Esta deve ser apresentada de modo sintetizado e com garantia de qualidade, de modo que diversos atores do ecossistema de evidência (evidence ecosystem) a possam usar em tempo útil. Como exemplo de ecossistema de evidência que necessita de uma permanente atualização do conhecimento produzido é o dos sistemas de saúde, cuja contribuição dos LSR pode ajudar a melhorar o seu desempenho de modo sustentável, através de um fluxo contínuo de transferência de conhecimento entre os diferentes elementos (Elliott et al., 2014a). Este ecossistema inclui aqueles que produzem evidência primária e aqueles que sintetizam a evidência. Inclui ainda as pessoas que produzem decisões baseadas em evidência, como orientação de sistemas de saúde e diretrizes da prática clínica; os responsáveis pela implementação de opções informadas por evidência nos sistemas de saúde, incluindo os gestores de Programas e tomadores de decisão (Ferreira et al., 2021). São também incluídos neste ecossistema aqueles envolvidos na prestação e na utilização de serviços de saúde, incluindo prestadores de serviços, utentes dos serviços e cidadãos.
No caso do presente artigo o objetivo foi a identificação das ferramentas que permitam a aferir a qualidade dos estudos, de modo a responder à nossa questão de investigação. Após elaboração do protocolo procedeu-se à recolha de publicações e selecionou-se as que se enquadravam neste contexto. Foram usadas as técnicas de análise bibliométrica e de análise de conteúdo. Esta opção de usar estes dois tipos de análise, de forma complementar, permitiu um mapeamento da estrutura conceptual da LSR, em contexto do ecossistema de evidência, bem como identificou as ferramentas que os artigos referenciam.
Se considerar-se este artigo exploratório como uma revisão inicial, parece ser importante fazer a sua atualização um ano após este (2ª LSR). Novas ferramentas podem emergir e novas funcionalidades poderão ser identificadas para as diversas fases de realização das LSR.
Será relevante manter esta revisão atualizada nos próximos três anos. Além da sua replicação periódica também ser pertinente que possa ser expandida para dar resposta a questões que naturalmente irão emergir.
A combinação do uso destes resultados com a opinião, a experiência e as competências dos especialistas e dos práticos irão por certo constituir um recurso para melhorar a presente revisão. Como é da sua natureza a revisão da literatura viva é dinâmica e alimenta-se de espirais de conhecimento dos diversos interessados.
Da discussão entre os autores também parece ser relevante procurar transferir esta abordagem para outras áreas de investigação, como gestão ou governança do conhecimento. Por certo aquando da apresentação e publicação deste artigo novas contribuições irão emergir, o que enriquecerá os próximos estudos. Apesar da limitação de termos usado só uma base de dados (Scopus) este artigo fornece pistas para a construção de evidência e o seu uso ágil de um produto de qualidade.