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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.240 Lisboa set. 2021  Epub 30-Set-2021

https://doi.org/10.31447/as00032573.2021240.07 

Artigos

Desigualdades incorporadas: ressonâncias entre neurociências e ciências sociais.

Incorporated inequalities: resonances between neurosciences and social sciences.

Wecisley Ribeiro do Espírito Santo1 
http://orcid.org/0000-0002-9307-9410

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Avenida Nossa Sr.ª do Amparo, 4009, Conselheiro Paulino, Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil. wecisley@gmail.com


Resumo

O artigo propõe uma interpretação de resultados de pesquisa em neurociência à luz de teorias sociais. Trata-se de sublinhar convergências conceptuais e práticas entre estes dois ramos da ciência, referentes ao desenvolvimento social, afetivo e biológico do ser humano. Realizou-se, para isso, uma pesquisa bibliográfica numa revista neurocientífica de alto fator de impacto e acesso livre, com o fito de reunir artigos sobre implicações neuronais das experiências sociais. Os trabalhos selecionados foram apreciados a partir de modelos interpretativos socioantropológicos, especialmente da sociologia disposicional. Os resultados apontam para continuidades entre o que se passa dentro e fora das fronteiras da pele e para a necessidade de cooperação mais enfática entre ciências naturais e sociais.

Palavras-chave: neurociência; ciências sociais; sociologia disposicional; classes sociais

Abstract

The article proposes an interpretation of research results in neuroscience in the light of social theories. It is about emphasizing conceptual and practical convergences between these two branches of science, referring to the social, affective and biological development of the human being. For this, a bibliographic research was carried out in a neuroscientific journal with a high impact factor and free access, with the aim of gathering articles on neuronal implications of social experiences. The selected works were appreciated from socio-anthropological interpretative models, especially from dispositional sociology. The results point to continuities between what happens inside and outside the borders of the skin. More emphatic cooperation between natural and social sciences is also suggested.

Keywords: neuroscience; social sciences; dispositional sociology; social classes

Introdução

O presente artigo propõe um diálogo entre neurociência e ciências sociais. Mais especificamente, assinala certas ressonâncias entre achados recentes da investigação neurocientífica, de um lado, e a sociologia disposicional, de outro. Pierre Bourdieu (2001), referência incontornável desta escola sociológica, sugere que as experiências sociais são literalmente inscritas no corpo sob a forma de esquemas cognitivos e disposições práticas automatizadas (do que o processo de automação do movimento corporal constitui apenas uma expressão mais visível). Tais disposições são incorporadas sob a forma do habitus - isto é, modos regulares de agir, registados na memória corporal (sem descontinuidade com a memória conceptual e simbólica), que constituem expressão individual de posições particulares, no interior das estruturas sociais. Estas estruturas são organizadas em “campos” (coletivos sociais e institucionais, com regime específico de produção e reprodução de capital social) que, a um só tempo, possuem autonomia relativa no seu funcionamento interno e se articulam em estruturas mais abrangentes.

Como veremos, estes postulados vêm sendo endossados e complementados por pesquisas neurobiológicas. A própria “morfologia” e “fisiologia social” de Bourdieu (se nos é permitido evocar as metáforas biológicas durkheimianas - reativadas inúmeras vezes, no início do século XX, por Mauss, Malinowski, Radcliffe-Brown, dentre outros), muito apressadamente sumariada no primeiro parágrafo, parecem reproduzir, em escala social, a estrutura e o funcionamento cerebral. A neurociência tem demonstrado, a este respeito, que o cérebro opera por modularidade, integrando e segregando intermitentemente regiões corticais distintas, de acordo com as demandas cognitivas (Cohen e D’Esposito, 2016). Ora, temos aqui, diante de nós, um modelo em miniatura da dinâmica social conhecida na antropologia pelo princípio da segmentaridade (Evans-Pritchard, 2007) - o qual descreve o modo regular por meio do qual segmentos sociais múltiplos se coligam e se opõem, também de forma intermitente, conforme a escala de observação e do qual o modelo de Bourdieu constitui um caso particular. O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis (2011) tem defendido a hipótese de que o cérebro humano é capaz de operar com próteses externas - sejam elas objetos, máquinas ou pessoas - que a ele se conectam para expandir as suas faculdades. As sociedades humanas poderiam ser assim concebidas como redes cerebrais que dão continuidade interpessoal às estruturas neuronais intra-individuais. Cada pessoa compreenderia aqui um homólogo do neurónio (a célula nervosa) na escala sociológica; as interações sociais equivaleriam às sinapses (ligações comunicativas entre os neurónios) e os campos sociais corresponderiam às distintas regiões corticais. Vale notar, não obstante, a complexidade e densidade do processo de segregação e integração cortical comparativamente a seu homólogo social. O cérebro humano possui cerca de 86 bilhões de neurónios ao passo que o planeta soma hoje algo em torno de 8,7 bilhões de seres humanos - de modo que as conexões neuronais compreendem um número extraordinariamente superior ao das conexões sociais. E, no entanto, quando se concebe as interações sociais elas mesmas como expoentes das ligações entre os neurónios, chega-se a uma constelação conectiva muitíssimo mais complexa, dotada de múltiplas escalas.

Contribuir para a compreensão dos vínculos entre organismos e sociedades humanas é ambição do presente artigo. Com este propósito são apresentados nominalmente três temas que aparecem com grande regularidade, no corpus constituído pelas pesquisas tomadas abaixo como objeto de análise. Quais sejam: (1) aspectos sensoriais da estimulação neuronal; (2) aspectos afetivos do desenvolvimento neuronal; e (3) plasticidade neuronal e memória operacional. Antes disso, porém, importa realizar algumas mediações conceptuais e metodológicas indispensáveis. A comparação disciplinar ora esboçada aproxima ramos científicos de tradições muito distintas; de modo que ela impõe também, por assim dizer, traduções. Trata-se de confrontar diferenças epistemológicas substanciais. Na secção que se segue, opera-se com elas em termos de complementaridade mais do que como oposições.

Mediações conceptuais e metodológicas

O Status Socioeconómico (SES - acrónimo original em inglês, socioeconomic status) constitui uma das expressões mais empregadas por neurocientistas para se referirem às condições económicas, sociais e culturais, no interior das quais e com as quais, a plasticidade neuronal humana se manifesta e interage. O leitor familiarizado com as ciências sociais sem dúvida poderá identificar uma série de insuficiências nesta locução. Em primeiro lugar, ela é excessivamente vaga. Não tem, por exemplo, o rigor conceptual de “classe social” (Marx, 2013). Ela também não se coaduna com categorias émicas, que emergem quando o sujeito da classificação é o observado, como ocorre no estudo de Mauss e Durkheim (2017) acerca de formas primitivas de classificação.

Nos três casos (em Marx, em Mauss e Durkheim e entre os neurocientistas), no entanto, o problema das desigualdades sociais pronuncia-se. Conquanto as classificações elementares registadas por Mauss e Durkheim não sejam concebidas em termos de classes sociais, os critérios de identificação de grupos (clãs, linhagens, metades de organização dualista, grupos territoriais, dentre outros) fazem-se acompanhar amiúde de pretensões de distinção e, por conseguinte, de classificação hierárquica das unidades sociais constitutivas de um coletivo mais vasto. Este processo, dotado de grande regularidade entre os grupamentos humanos estudados pela etnografia e pela historiografia, foi investigado em detalhes, cerca de três quartos de século depois, a partir da sociedade francesa, por Pierre Bourdieu (1979). Se a tradição da sociologia elaborada na França situa a produção das distinções sociais em critérios eminentemente sociológicos - vale dizer, nas características próprias dos grupos sociais, nas suas classificações émicas e nas relações entre grupos - na perspectiva marxista é a distribuição assimétrica - ou antes, a apropriação e acumulação privada - dos meios de produção material o processo social que institui as desigualdades entre as classes sociais.

Ainda se em caráter complementar se evocasse a sociologia alemã coetânea a Marx, por exemplo, Max Weber (1999), somar-se-iam às desigualdades económicas aquelas de acesso aos meios de exercício do poder - expressas nos modos de dominação em bases jurídico-racionais, tradicionais ou carismáticas. Estes dois últimos modos seriam posteriormente combinados por Norbert Elias e John Scotson (2000) para propor uma teoria sociológica das relações de poder entre grupos estabelecidos na duração do tempo (o que lhes franquearia carisma de grupo, coesão social e, por conseguinte, acesso privilegiado aos meios de exercício do poder), de um lado, e outsiders (desprovidos inicialmente de coesão porque reunidos em tempo mais recente e, por isso mesmo, em desvantagem na economia de distribuição dos recursos políticos), de outro. Sem considerar estas múltiplas dimensões implicadas no problema das desigualdades (sumariadas aqui apenas nos seus capítulos mais clássicos, visto que a literatura sociológica sobre o tema é como se sabe vastíssima) a expressão status socioeconómico também supõe, entretanto, o fenómeno da disparidade nas condições de vida.

Por outro lado, esta caracterização excessivamente objetivista é também muito restrita. Ela não expressa, por exemplo, a polissemia do conceito de cultura - desde a aceção elitista de cultivo intelectual como propriedade das classes governantes (Williams, 2000), passando pela definição especificamente simbólica característica da antropologia cultural estadunidense, da cultura como um “esquema conceptual” (Sahlins, 2003), até à noção antropológica abrangente de “modo de vida” (Kuper, 2002; Williams, op. cit.) - a qual contempla dimensões materiais e simbólicas, perpassadas por relações de poder. O Status Socioeconómico, tal como concebido pelos neurocientistas, não se confunde, pois, com os conceitos académicos empregados pelas ciências sociais para se referirem, a um só tempo, aos modos de vidas específicos de grupos e classes sociais, de um lado, e às desigualdades sociais que caracterizam as relações entre estes mesmos grupos e classes, de outro. Ele também não pode ser tomado como categoria émica dos pesquisados, mas antes dos pesquisadores da neurociência.

E, no entanto, adota-se aqui esta expressão com o propósito de facilitar a busca de trabalhos neurocientíficos que apresentem convergências com postulados característicos das ciências sociais. Há que se reconhecer, a este respeito, que ela incorpora implicitamente as ideias de disparidade e hierarquia, dado o caráter relacional de “status” (os neurocientista falam com frequência de alto e baixo status socioeconómico), bem como tem ainda a virtude de não reduzir as desigualdades sociais ao aspecto económico ou político (dado o caráter compósito do termo “socioeconómico”). Vale registar, ainda, que o nível de escolarização dos pais constitui uma variável central - ao lado da posse de bens materiais - para a caracterização do status socioeconómico dos pesquisados. Os neurocientistas aproximam-se assim do pressuposto bourdieusiano segundo o qual a posse de capital cultural - vale dizer, dos bens culturais legitimados e consagrados pela escola como critérios de distinção social - constitui aspecto determinante das desigualdades sociais, ao lado do capital económico.

Com o propósito de identificar aproximações entre a neurociência e as ciências sociais realizou-se uma investigação bibliográfica no banco de dados do prestigiado Journal of Neuroscience. A opção por este periódico e não outro decorre da preocupação com a acessibilidade dos trabalhos (trata-se de uma publicação de acesso gratuito), em combinação com o rigor e qualidade científica - a revista ocupa a décima posição em fator de impacto, dentre os cinquenta periódicos mais bem colocados, no ranking da Scimago Institutions Rankings (https://www.scimagojr.com/journalrank.php?category=2801 acesso em 07-02-2020). Empregando-se a expressão de busca “socioeconomic status” no banco de dados da versão digital da mencionada revista, foram encontrados cerca de 100 artigos publicados. A leitura preliminar dos resumos permitiu identificar os trabalhos que efetivamente articulam o desenvolvimento neuronal com as condições sociais específicas no interior das quais os sujeitos pesquisados vivem.

Não se encontra no que se segue, contudo, um estudo estatístico deste prodigioso corpus de publicações. Os artigos apreciados não são tratados como amostra de uma população mais vasta. Trata-se, antes, de selecionar trabalhos que constituam casos privilegiados. Isto é, exemplos notáveis que condensam com maior evidência, características recorrentes no conjunto maior. A contribuição original deste artigo reside em conferir a trabalhos de ciências naturais, amiúde apreciados sob métodos estritamente quantitativos, um tratamento metodológico característico das ciências sociais. Ao reunir um volumoso conjunto de achados sob a rubrica de uma ou poucas variáveis, os procedimentos estatísticos perpetram um achatamento das complexidades que residem precisamente nas especificidades dos contextos pesquisados. Um laboratório de neurociências compreende uma unidade social cujo trabalho consiste em codificar dados de experimentação empírica sob a forma linguística e género literário próprios da redação científica (Latour e Woolgar, 1997). O caráter regular deste trabalho coletivo não minimiza as particularidades de cada laboratório, sua cultura local, a qual imprime marcas nos seus produtos - a saber, os artigos. O que se propõe aqui é proceder a uma interpretação sociológica de artigos de neurociências. Por conseguinte, em lugar de uma meta-análise estatística - sem dúvida importante, mas elaborada em profusão - o leitor encontra no que se segue uma discussão substantiva do conteúdo de um conjunto reduzido de artigos. Cotejar-se-ão achados da pesquisa neuronal com conceitos da teoria social. Trata-se de proceder com trabalhos das ciências naturais de modo homólogo ao que se faz com textos sociológicos e antropológicos; concentrando atenção sobre cada trabalho, nominalmente, com o fito de apreender em profundidade o conteúdo dos conceitos evocados para, só então, buscar regularidades comparativas.

As abordagens quantitativas não conseguem, por sua própria natureza, propor uma reflexão sobre o estatuto ontológico das desigualdades sociais. De modo que as publicações do Journal of Neuroscience são amiúde pouco cuidadosas acerca de ilações sobre as causas das disparidades. Em certos relatos é possível observar um reconhecimento incipiente do modo como as experiências sociais condicionam o desenvolvimento neurobiológico. Há casos nos quais se mesclam doses de determinismo biológico e social. Alguns artigos oscilam entre o reconhecimento de correlações entre condições sociais e configuração anatomofisiológica, de um lado, e a manutenção ontológica do primado da biologia sobre a cultura, de outro. O investigador depara-se assim com trechos ambíguos, tais como este: “Embora o status socioeconómico seja claramente um construto complexo, relacionado com diversos processos não determinísticos associados ao desenvolvimento, nossos achados elucidam potenciais mediadores neuroanatómicos da associação entre o status socioeconómico e os resultados cognitivos” (McDermott, et al., 2018, p. 1365, em livre tradução do original em inglês). A leitura dos resumos ofereceu, nesse contexto, uma visada extensiva dos temas contemplados no conjunto de publicações encontradas. A partir dela foi possível selecionar artigos que enunciam de modo explícito a hipótese de uma correlação forte entre o que se passa do lado de fora e do lado de dentro das fronteiras da pele; algo que só é possível inferir parcialmente, a partir das tendências mais gerais da centena de trabalhos compreendida pelo conjunto todo.

Assume-se que um tratamento interdisciplinar dos achados da neurociência supõe proceder a um esforço para delimitar conceptualmente a variação, distribuição assimétrica e valorização diferencial dos recursos propriamente culturais. Uma infinidade dos artigos encontrados recorre, por exemplo, indiscriminadamente, aos testes de Coeficiente de Inteligência, sem qualquer consideração dos processos regulares de produção e acumulação do capital social (Bourdieu, op. cit.). É tarefa do cientista social interessado no estudo da neurociência descrever, por assim dizer, estas determinações subtis dos sistemas simbólicos sobre o corpo. O confronto entre as ciências da vida social e do sistema nervoso pode nos ajudar a mapear as dimensões incorporadas das desigualdades sociais. O presente artigo tenta descrever as continuidades entre os vínculos sociais e as conexões neurais no processo de adaptação recíproca entre organismos humanos, meio ambiente e sociedades.

Aspectos sensoriais da estimulação neuronal

O sistema aferente corporal humano - responsável por apreender informações do meio ambiente - é compreendido pelos órgãos sensoriais, com suas correspondentes vias nervosas. Ele possibilita a produção de padrões de conectividade sináptica - os quais interligam as células nervosas e estruturam as bases anatómicas e fisiológicas da cognição. Estes padrões constituem-se respondendo a experiências sensoriais que atravessam a ontogénese individual, adquirindo certa estabilidade a partir das regularidades, recorrências ou similaridades entre os dados que o cérebro processa na duração do tempo. Experiências repetidas, em outras palavras, se sedimentam no sistema nervoso sob a forma de densos circuitos de sinapses.

A chamada plasticidade neuronal (a capacidade do cérebro de produzir novos padrões de conexão sináptica para resolver problemas inéditos para organismo em sua interação com o mundo), por outro lado, possibilita a coexistência de uma multiplicidade de circuitos que interconectam todo o sistema nervoso. Para que tais circuitos complexos sejam engendrados, no entanto, é preciso que as experiências sensoriais sejam não apenas ordenadas com relativa complexidade formal, senão também multivariadas ( Nicolelis, op. cit.). Defrontamos aqui um primeiro processo do desenvolvimento neuronal que se complementa com teorias culturais. Falar de experiências sensoriais dotadas de complexidade formal não significa endossar a definição elitista de cultura como cultivo erudito do espírito. Uma aproximação mais interessante pode ser proposta a partir da instigante formulação do historiador neerlandês Johan Huizinga (1955) - a saber, que o campo da estética resulta de um empuxo universal da espécie humana à produção de formas ordenadas. Destarte, abstraídas as relações de opressão ou dominação de um grupo sobre outro, os coletivos humanos já contariam virtualmente com todas as condições ontológicas para produzir experiências sensoriais dotadas de complexidade formal. A busca destas experiências seria, nos termos de Huizinga, um atributo natural da espécie humana. O fluxo desta busca só seria, por conseguinte, interrompido pela incidência de relações de poder. A importância da variação dos estímulos, por outro lado, converge com a ênfase da sociologia da educação acerca da necessidade de um currículo escolar multicultural (Silva, 2005).

A hipótese de Huizinga situa o pressuposto antropológico de uma simetria de base entre as culturas (Latour, 1994) em fundamentos ontológicos. Dotados com a mesma tendência para o ordenamento da experiência social - pelo próprio modo como o cérebro opera para registar regularidades, acrescenta a neurociência - os coletivos humanos chegariam por si próprios à sofisticação e complexidade estética. A princípio, portanto, o nível de escolarização familiar (como vimos, selecionado pelos neurocientistas como variável importante do status socioeconómico) não significa necessariamente maior complexidade e variedade de estimulação ou engajamento sensorial. Quando, no entanto, consideramos apenas as sociedades ocidentais modernas, submetidas como são a regras similares de reprodução do capital cultural (Bourdieu, op. cit.), as pesquisas têm apontado para uma correlação forte entre qualidade da estruturação sensorial infantil e nível de escolaridade dos pais. Este é o caso das investigações que se dedicam à acuidade auditiva diferencial, conforme o status socioeconómico. Skoe et al. (2013, p. 17222) sugerem que respostas auditivas cerebrais são moldadas no engajamento do cérebro com o ambiente acústico. Pesquisas sugerem que o letramento concorre para o desenvolvimento da memória operacional; os autores conjeturam, mutatis mutandis, que estudantes com baixa escolaridade familiar apresentam respostas auditivas cerebrais menos consistentes que o grupo com maior nível de escolarização (ibidem, p. 17222). Além disso, os primeiros registam um estado cerebral de repouso alterado e respostas menos robustas aos sinais de input sonoro. Em artigo sugestivamente intitulado “O cérebro empobrecido”, os autores apontam para a baixa densidade conectiva do desenvolvimento neuronal, decorrente de experiências auditivas sob condições socioeconómicas precárias:

As funções auditivas cerebrais são moldadas pelo ambiente (Blakemore and Cooper, 1970; Hyde and Knudsen, 2002). Ambientes que são menos acusticamente e/ou socialmente estimulantes podem afetar o sistema neuronal que subjaz à percepção auditiva, levando ao desenvolvimento auditivo atrasado (Eggermont et al., 1997; Chang and Merzenich, 2003), respostas neurais alteradas (Sanes and Constantine-Paton, 1983, 1985; Poon and Chen, 1992; Zhang et al., 2002; Hauber et al., 2013), e hiperatividade no interior do córtex auditivo e mesencéfalo (Noren˜a and Eggermont, 2003; Mulders and Robertson, 2013). O impacto da privação tem sido bem estudado em animais de laboratório e em humanos (Roberts et al., 1998; Kral and Eggermont, 2007; Conway et al., 2009); mesmo assim, sabe-se comparativamente pouco sobre como populações de humanos com capacidade auditiva normal são afetadas por empobrecimento auditivo, condições nas quais estímulos acústicos são reduzidos, mas não ausentes. [Skoe at. al., 2013, p. 17221, agora e doravante em livre tradução do original em inglês]

O estudo das implicações do status socioeconómico sobre o desenvolvimento da acuidade sonora cerebral lança luz sobre determinantes sociais da cognição, dada a predominância dos fenómenos audiovisuais na relação dos seres humanos entre si e com o mundo (Maturana, Varela, 2001). A definição apresentada por Skoe (et al., 2013) para o conceito de “empobrecimento auditivo” refere-se a um declínio do input auditivo quando comparado à média dos sinais neurais ligados à perceção e processamento do som. Lesões, alterações e mutações genéticas ou congénitas, doenças degenerativas, bem como o processo natural de envelhecimento podem concorrer para estas diminuições relativas do processamento de input auditivo.

E, no entanto, para os propósitos da presente investigação, interessam antes os processos de degradação do desenvolvimento do sistema neuronal acústico decorrentes das limitações ligadas aos estímulos ambientais, sob condições neurofisiológicas consideradas normais. A este respeito, os autores argumentam que o empobrecimento ambiental pode estar referido ao completo isolamento sonoro ou à redução relativa da qualidade sonora. Condições ambientais reverberantes ou barulhentas, exposição continuada a sons aversivos e audição de baixo número de palavras por hora, constituem características possíveis do empobrecimento auditivo. Dentre os fatores ambientais que determinam este empobrecimento, os autores concentram o foco no papel desempenhado pelo nível de escolaridade dos pais no desenvolvimento perceptivo acústico do indivíduo, durante a primeira infância e a adolescência. As primeiras experiências auditivas, com as suas variações de complexidade, tal como maior ou menor variedade vocabular ouvida por hora, o nível de articulação entre os sons, particularmente os de caráter linguístico, acabam por ser incorporadas na biologia das pessoas. Tais experiências incorporadas deverão moldar positiva ou “negativamente as respostas automáticas do sistema nervoso ao som” (ibidem, p. 17225).

Encontramos-nos aqui em plena interseção entre ciências naturais e sociais, sem o que seria difícil analisar os processos em foco. Quando tomamos a noção de co-evolução biológico-cultural (Silva et al., 2002) como ponto de partida para a análise, ficam especialmente evidentes as dificuldades para traçar as fronteiras entre o natural e o social. É este, por exemplo, o caso quando olhamos para as repercussões dos meios de comunicação sobre o sistema nervoso humano.

Crianças com baixo status socioeconómico também assistem mais televisão do que seus pares com elevado status socioeconómico, o que pode elevar a sua exposição passiva ao som (Evans, 2004), mas limita oportunidades adicionais para interagir com um ambiente acústico diverso, emocional e socialmente engajador (Kuhl et al., 2003; Sanes and Woolley, 2011). Além do mais, sendo menos expostos a ambientes linguisticamente estimulantes, crianças com desvantagens socioeconómicas confrontam grande exposição a poluição sonora (Fidell, 1978; Evans and Kantrowitz, 2002; Kohlhuber et al., 2006), comprometendo além disso a qualidade do input auditivo por conta do grande volume de input desestruturado e irrelevante. De modo que, embora o input agregado possa não ser diminuído, a complexidade e clareza do input auditivo e o modo de interação com o som é atípica. Esta combinação de fatores ambientais, argumentamos, leva a reduzida codificação dos sinais acústicos em crianças com baixa educação maternal. [Skoe et al., p. 17226]

Vale indagar: o que significa input auditivo estruturado ou desestruturado; relevante ou irrelevante? Quando pensamos nos sons naturais com os quais a espécie humana precisa de interagir e, por conseguinte, processar neurologicamente com fins adaptativos, defrontamos-nos com a necessidade do registo de padrões em meio à variação e caos. Trata-se, pois, de constituir uma memória auditiva destas regularidades e do modo como ela orienta as decisões da espécie na sua relação com o mundo. Pode-se, portanto, inferir que o caráter estruturado do input sonoro decorrente do meio natural é o resultado da produção cerebral de modelos ordenados a partir do caos de sons da natureza.

Quando, por outro lado, tomamos o ambiente acústico produzido pela vida social, da linguagem humana à variação sonora resultante das práticas sociais e individuais, temos diante de nós conjuntos de inputs sonoros resultantes da produção de formas ordenadas. Destarte, por multivariados que possam ser os padrões sonoros específicos de cada cultura, parece razoável supor que eles compartilham o caráter estruturado, sistémico ou ordenado de codificação neuronal do som. A predominância de ruídos irrelevantes em meio aos padrões ordenados das culturas sonoras caracterizaria a presença de turbulência acústica, a qual incide sobre as conexões neuronais responsáveis pela codificação e processamento dos inputs auditivos. Por conseguinte, ambientes auditivos turbulentos engendram padrões de conexão neuronal associados aos inputs sonoros, por assim dizer, turbulentos eles mesmos. Isso traduz-se, por exemplo, em registos de atividade neuronal elevada, em ausência de input sonoro, como os achados de pesquisa de Skoe (et. al.) o demonstram.

Pesquisas no campo dos processamentos neurais ligados aos sistemas corticais somestésico, visual, auditivo, olfativo, gustativo e proprioceptivo sugerem serem estas capacidades percetivas a base do desenvolvimento cognitivo humano. Os achados daí decorrentes fundamentam a teoria segundo a qual a interação sensorial do organismo com o mundo constitui a base - nos termos de Skoe (et al., p. 17227) o “andaime” - sobre a qual são produzidos os nexos entre informação sensorial e processos cognitivos, no cérebro. Os modelos mentais disto decorrentes determinam, a um só tempo, a representação do mundo pelo organismo e a atuação ou engajamento ativo deste naquele. Os sinais neuronais que percorrem este “andaime biológico” possibilitam a transmissão estável de impulsos aferentes e eferentes, bem como a comunicação entre regiões corticais distantes.

O problema aqui diz respeito ao empobrecimento da interação sensorial do organismo com o mundo logo no início da vida e em momentos de programação metabólica (Silva et. al., op. cit.) - períodos críticos da ontogénese, nos quais se observa não apenas a maturação das funções orgânicas, senão também a germinação de potencialidades biológicas que carecerão de ambiente propício para se realizar. Sob condições de turbulência acústica, Skoe et al. (op.cit., p. 17227) postulam que o andaime neurofisiológico que vincula perceção e cognição pode não se formar devidamente, argumentando que a infraestrutura neuroanatómica pode estar intacta, mas os padrões de conectividade neuronal insuficientes ou desestruturados.

Os achados destes pesquisadores permitem ampliar as suas hipóteses, transitando dos aspetos auditivos para os visuais. O trecho citado um pouco acima, sobre o óbice que o hábito de ver televisão por longo tempo coloca ao engajamento ativo do indivíduo com o som, nos permite supor que o mesmo problema se aplica ao engajamento ativo com a imagem. Ora, permita o leitor a repetição, a espécie humana comunica com o mundo e dele regista informações com as quais produz modelos do próprio mundo predominantemente por meio da audição e da visão. É razoável supor, por conseguinte, que o engajamento ativo com o som, com a imagem, com a maneira como eles interagem entre si, bem como com as memórias gustativas, olfativas e táteis que a comunicação audiovisual pode evocar, conforme sugeriu Frank (1968); este engajamento ativo, sugerimos, desempenha papel fundamental na constituição daquele andaime biológico das funções cognitivas.

Defrontamos, portanto, uma correlação forte que parece existir entre a escala do engajamento ativo do indivíduo com a experiência sensorial, e deste com as condições socioeconómicas, em geral, e com a escolarização dos pais, em particular, de um lado, e desenvolvimento das funções cognitivas, de outro. E, no entanto, não se pode compreender tais fenómenos sem considerar a interveniência dos afetos, como já veremos.

Aspectos afetivos do desenvolvimento neuronal

Esta secção fundamenta-se, sobretudo, na pesquisa de Cameron et al. (2017). Trata-se de uma equipa que realizou investigação em Bucareste, capital da Roménia. As desigualdades em foco dizem respeito à intensidade e qualidade do afeto e do cuidado ou, ao contrário, à interveniência de stress, negligência ou tratamento violento, na primeira infância. As conclusões a que chegaram os autores, no entanto, podem ser estendidas para países em desenvolvimento. Vasta bibliografia socioantropológica poderia ser evocada para justificar esta proposição. Menciona-se nos dois parágrafos abaixo, apenas alguns aspectos, capazes de demonstrar isso, a partir do caso do Rio de Janeiro.

Em primeiro lugar, as transformações hodiernas no mundo do trabalho têm tido repercussões no Brasil deslocando a relação trabalho-habitação. Ao longo da maior parte do século XX, o regime de acumulação de capital foi marcado pela produção de tipo fordista, concentrada em grandes plantas fabris. No contexto brasileiro, este regime económico dependeu do recrutamento de trabalhadores numa população eminentemente rural. Observou-se então, em todo o território nacional, o advento de um sistema de fábricas com vilas operárias, cujo objetivo consistia em imobilizar a força de trabalho (frequentemente, famílias inteiras trazidas do campo para as cidades nascentes), aproximando os espaços da produção e da reprodução familiar (Leite Lopes, 1988). A integração planetária da economia tornou o processo produtivo mais fluido e mutável. Observou-se no Brasil pari passu uma inversão diametral da relação casa-trabalho, na qual o segundo se converteu igualmente em fenómeno itinerante. Destarte, se outrora os pais contavam com ajuda da família extensa - relacionada também por vínculos vicinais - para cuidar das crianças, durante a jornada de trabalho, as famílias nucleares de trabalhadores são hoje, em larga medida, nómadas (Guedes, 2011). Nesse contexto, com regular frequência, as crianças ficam sós enquanto seus pais empregam cerca de dois terços de sua vida, entre trabalho e transporte.1 Assim, se não é possível falar de negligência individual ou familiar - como veremos, é este o ponto da equipa de Cameron -, parece lícito pensar num sistema produtivo estruturalmente negligente com os filhos dos trabalhadores.

Em segundo lugar, o problema do tratamento violento e do stress durante a primeira infância, no Brasil, em geral, e no Rio de Janeiro, em particular, apresenta forte relação com a simbologia da “violência urbana” - a qual, “como qualquer construção simbólica (…) constitui o que descreve” (Machado da Silva, 2004, p. 59). Aos regimes quotidianos de sociabilidade a violência urbana adiciona, pois, outro - a “sociabilidade violenta” (Machado da Silva, op. cit.), a qual organiza as interações sociais quotidianas com base na assimetria de meios para o uso privado da força. Embora os corolários sociais mais extremos da sociabilidade violenta se encontrem em contradição com a definição formal do Estado - e com o seu monopólio do uso legítimo da violência (Weber, op. cit.) - as práticas quotidianas que nela se inscrevem nem por isso perdem em seu caráter estruturante da vida social. Acrescente-se que o regime da sociabilidade violenta não vigora de modo homogéneo em todos os locais do Rio de Janeiro; sendo obviamente pronunciados nos territórios que mais carecem das políticas públicas e garantia dos direitos sociais, conhecidos de um ponto de vista êmico como “favelas”. O confronto entre organizações criminosas fortemente armadas e a polícia é, nestas localidades, um dado quotidiano. Um circuito de afetos centrado no medo opera como reforço da sociabilidade violenta e impõe às crianças, desde os primeiros dias de vida, experiências singularmente marcadas pelo stress e tratamento violento (quando não engendradas pelos próprios pais ou por criminosos locais, perpetradas pelas forças militares do Estado contra os moradores das favelas). Feitas as devidas contextualizações, vejamos o que sugere a neurociência acerca do desenvolvimento humano levado a curso sob condições distintas destas acima descritas, mas homólogas quanto à interveniência de stress, negligência e tratamento violento na primeira infância.

Ambientes e padrões de interação social dotados de grande intensidade afetiva tendem a ampliar a chamada plasticidade neuronal (Silva, et al., op. cit. 2002). Por outro lado, pesquisas sobre o desenvolvimento ontogenético sugerem que experiências emocionalmente adversas na primeira infância e em períodos de programação metabólica podem levar à estagnação do desenvolvimento cognitivo, social e afetivo. O que se acompanha de redução da saúde física (Cameron, et al., 2017, p. 10783). As interseções dos estudos do comportamento e neurociência têm demonstrado que o stress, notadamente em momentos críticos da ontogénese, tem efeitos diversos sobre o funcionamento cerebral. Violência e punições severas levam a alterações, argumentam Cameron et. al. (op. cit., p. 10783), distintas, por exemplo, daquelas que derivam de negligência durante o início da vida. Os resultados de suas pesquisas sugerem o seguinte:

Aparentemente a negligência ou privação estão associadas com redução da densidade cortical, particularmente nas regiões pré-frontais, envolvidas na resolução de problemas complexos, ao passo que exposição a ameaças e violência estão associadas com perturbações no hipocampo e em circuitos (amígdala e córtex pré-frontal) envolvidos no aprendizado relacionado ao perigo. O tempo específico dos eventos adversos impacta a natureza do desenvolvimento cerebral e do comportamento. [ibidem, p. 10783, em livre tradução do original em inglês]

Vale notar, entretanto, que a concepção localizacionista das funções cerebrais, expressa no excerto registado acima, não constitui consenso na comunidade neurocientífica. Em outros termos, o postulado segundo o qual cada região do córtex cerebral é responsável por funções especializadas divide opiniões com a perspetiva distribucionista da neurociência - que sustenta a tese de que as funções cerebrais se articulam em vastas constelações sinápticas, distribuídas por todo o córtex (Nicolelis, op. cit.). Seja como for, os achados de Cameron e sua equipa oferecem-nos grandes contribuições para a investigação dos processos de incorporação biológica da desigualdade social, na medida em que sugerem serem as regiões corticais observadas “envolvidas” na resolução de problemas complexos e na percepção e processamento do perigo.

Quando abstraídos os interesses económicos que subjazem à multiplicação exponencial de unidades diagnósticas por meio da fragmentação de estruturas psíquicas de sofrimento mais complexas identificadas, por exemplo, pela psicanálise (Dunker, 2013), o entendimento de que os afetos desempenham papel determinante na produção das assim chamadas “doenças” ou “transtornos mentais” ganha fôlego. A pesquisa levada a curso pelo grupo de Cameron é a este respeito esclarecedora. Os cientistas compararam pioneiramente dois grupos de crianças submetidas a condições distintas de cuidado e criação, com indicadores, incluindo testes neurofisiológicos, registrados aos 22, 30, 42, 54 meses de vida, e ulteriormente, aos 8 e 12 anos de vida. Depois de entrar em contacto com crianças submetidas a condições de negligência na primeira infância, que viviam em abrigos de Bucareste, os pesquisadores acompanharam uma parte das que foram adotadas cedo (antes dos 22 meses de vida), oferecendo às famílias tutoras assistência científica e suporte material.

Os resultados demonstram que naqueles lares cujos cuidadores estabeleceram com as crianças afetos sólidos, estas registaram menores sintomas associados a “psicopatologias”, ao longo de todo o período acompanhado pela investigação comparativamente àquelas que permaneceram nos abrigos. Os autores sugerem que cuidadores desempenham papel determinante na formação e desenvolvimento do sistema neuronal de resposta ao stress, com destaque especial na primeira infância. Parte dos processos sociais envolvidos na incorporação biológica do controlo neuronal da resposta ao stress refere-se à presença ou ausência de regulação e controlo dos agentes agressores (Cameron et al., op. cit., pp. 10784-10785).

O conhecimento de cuidadores na primeira infância acerca do papel fundamental que eles desempenham na formação do sistema de regulação do stress pode ajudar a evitar os efeitos duradouros registados entre as crianças que sofreram negligência ou violência no início da vida. Há, contudo, que distinguir as consequências neuronais variáveis do stress segundo o período da ontogénese. A morfologia neuronal altera-se radicalmente diante de fatores estressores, conforme seja a primeira ou segunda infância. Separação entre filho e mãe, no início da vida tem efeitos redutores das árvores dentríticas (recetores neuronais dos sinais cerebrais) no córtex pré-frontal; ao passo que o mesmo processo de separação, se ocorrido em estado mais avançado da ontogénese, leva paradoxalmente ao desenvolvimento das árvores dentríticas (ibidem, p. 10784). Os testes cognitivos e neurológicos realizados aos 30, 42 e 54 meses de vida registraram resultados particularmente críticos nos indicadores ligados à memória operacional, capacidade de adequação comportamental conforme as necessidades do meio, bem como no registro de atividade Alpha por eletroencefalograma (ibidem, p. 10784) - o que sugere metabolismo cerebral limitado.

Pesquisas com primatas não humanos têm sido também conduzidas com objetivo de compreender os mecanismos de resposta ao stress. Cameron et al. (op. cit.) atribuem esta opção metodológica às equivalências neurais e genéticas “entre primatas e humanos” (sic - do ponto de vista taxonómico, o homo sapiens é primata; cf., a este respeito, Stephen Jay Gould, 1999), no início da vida, argumentando que ambos exibem também características comportamentais e psicológicas comparáveis quando submetidos precocemente ao stress. Dentre elas os pesquisadores destacam aumento da ansiedade, vínculos sociais irregulares, alterações dos níveis normais de neurotransmissores - por exemplo, serotonina, norepinefrina e dopamina, indispensáveis para o funcionamento cerebral. Os pesquisadores dedicam atenção especial ao sistema límbico, responsável pelo processamento das emoções e comportamento social, e que apresentam sensibilidade marcante ao stress na primeira infância. Acompanhemos seu relato:

Macacos Rhesus foram criados a partir de uma semana de idade com suas mães em uma habitação social com outros macacos de várias idades e sexo. O stress social consistiu em remover suas mães do ambiente na primeira semana, um mês, três meses, ou seis meses de idade. Macacos cujas mães foram removidas do grupo social na primeira semana de idade inicialmente demonstraram comportamento resignado, tal como chupar o dedo, e reduziram suas interações sociais com outros macacos. Eles continuaram a ter baixos níveis de contato social ao longo da vida e demonstraram crescimento da ansiedade. [Cameron, at. al., p. 10785, em livre tradução do inglês]

Estudos neurocientíficos vêm elaborando múltiplos modelos do sistema de resposta ao stress, baseados em roedores. Aqui também têm sido registadas diversas alterações de estrutura neuronal em decorrência do stress na primeira infância. Em adultos foram observadas mudanças no sistema de regulação emocional, nos processos cognitivos, bem como maior risco de obesidade, desregulação do sistema imunológico, riscos cardiovasculares, ou suscetibilidade ao câncer. No caso específico do desenvolvimento do sistema nervoso a literatura aponta para períodos críticos; ocasiões tratadas como “janelas de oportunidade/vulnerabilidade” (Cameron, et. al., p. 10785) decorrentes de altos índices de sinaptogénese (produção de novas sinapses) e plasticidade neuronal.

Provençal et al. (2012) apontam para alterações no processo de metilação do DNA no córtex pré-frontal bem como nas células T (ligadas ao sistema imunológico), relacionadas com a exposição ao stress, em períodos críticos do desenvolvimento neuronal. A metilação do DNA é responsável pela inibição da expressão de certos caracteres genéticos. Tal processo inibitório parece estar associado a informação epigenética, com adição de um grupo metil ao DNA, que impede a transcrição do caráter genético pelo RNA mensageiro. Os autores partem da hipótese de que a metilação do DNA compreenderia o processo por meio do qual a exposição à adversidades na primeira infância é registada na biologia; especificamente, no caso dos seus experimentos com primatas não humanos, ligadas à separação entre mãe e filho. Filhotes separados precocemente de suas mães, além de apresentarem com mais frequência comportamento violento e antissocial, bem como depressão, registaram reduzido volume de metilação no córtex pré-frontal e células T, comparativamente aos macacos que permaneceram com suas mães. Os resultados de tais experimentos levam os autores a concluir que a metilação do DNA nestas regiões corticais constituiria a assinatura biológica do cuidado materno na primeira infância dos filhos.

Tais pesquisas com animais levantam, no entanto, questões de ordem ética sobre as quais a presente secção não poderia silenciar tendo em vista os propósitos do artigo ligados à articulação necessária entre ciências sociais e naturais. Não haveria um paradoxo de fundo, escondido nestas pesquisas, qual seja, aquele que opõe a motivação para o entendimento dos efeitos neuronais do stress (isto é, compreedê-los para mitigá-los), de um lado, e a legitimação de um primado humano sobre a natureza que produz agentes estressores consubstanciais ao modo de vida ocidental, de outro? Dispor de primatas, roedores ou quaisquer outros animais, para produzir deliberadamente situações de vida estressantes no contexto de sua ontogénese - por exemplo, separação precoce entre filho e mãe - não constituiria, em certos casos, procedimentos conflituantes com os limites éticos da pesquisa científica concorrendo, por conseguinte, para deteriorar o senso ético da sociedade? Não agrava o problema o facto de que a instituição científica é socialmente reconhecida como uma fonte importante de esclarecimento acerca, dentre outras coisas, da ética? Mais que isso, a produção deliberada de stress não compromete as próprias ambições científicas do experimento? De nossa parte, reconhecemos a relevância dos achados das pesquisas acima sumarizadas, saudamos a muitíssimo auspiciosa pesquisa-ação da equipe de Cameron, cuja assistência às famílias tutoras de crianças melhorou em muito a sua qualidade de vida e desenvolvimento neuronal e, deixamos em aberto o questionamento sobre a busca de meios de investigação neurocientífica que não coloque em risco o bem-estar dos animais.

Plasticidade neuronal e memória operacional

A plasticidade neuronal refere-se à impressionante capacidade das células nervosas de produzirem conexões entre si, formando vastas constelações neuronais, a um só tempo, dotadas de estabilidade e dinamismo. De um lado, o caráter estável destas ligações sinápticas permite o processamento de informações mnemónicas para resolver situações problemáticas presentes; de outro, o seu dinamismo enseja a resolução de novos problemas, colocados pela interação do organismo com o meio e com os demais organismos, doravante incorporados na memória operacional do indivíduo. Novos problemas ensejam, portanto, novos padrões de conectividade neuronal, os quais, uma vez formados, são ativados sempre que problemas homólogos surgem.

Posto que a história filogenética levou, de um lado, ao crescimento e desenvolvimento do sistema nervoso central dos primatas, em geral, e dos humanos, em especial, e, de outro lado, à sofisticação dos aparelhos vocal, auditivo e muscular de nossa espécie, as informações de base cultural e linguística adquiriram primazia sobre as determinações biologicamente inatas. Os neurobiólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela foram os primeiros a descreverem este processo de substituição de determinações de base genético-endócrina por condicionamentos linguísticos e culturais. Entre os insetos sociais, argumentam eles, o seu reduzido corpo revestido de um exoesqueleto de queratina inviabiliza o crescimento do sistema nervoso e, como contrapartida, faz com que a sinergia social de um formigueiro, por exemplo, seja regulada por um processo de troca hormonal entre os indivíduos denominado trofolaxes (Maturana e Varela, op. cit.). Entre os mamíferos, regista-se uma variedade maior de condições biológicas para articulação social. Matilhas de lobos, por exemplo, preservam modos de comunicação baseados em coordenadas químicas e olfativas a partir dos excrementos; demonstram também grande capacidade auditiva, o que permite a comunicação vocal. De sua parte, os primatas desenvolveram tanto a capacidade vocal quanto a expressividade facial e gestual. Tais capacidades expressivas da voz e do gesto chegaram a um nível particularmente complexo entre os humanos. De modo que as bases biológicas da nossa comunicação são de natureza predominantemente audiovisual, no contexto da qual a linguagem e a cultura desempenham papel preponderante.

E, no entanto, mesmo entre animais aparentemente menos dotados de habilidades vocais expressivas, estudos têm registado evidências da importância do aprendizado social para a constituição dos padrões de sons vocais regularmente emitidos pelas espécies com fins comunicativos. Demonstrou-se que o isolamento social de pássaros jovens os levou a emitirem melodias anormais em seus cantos que persistiram durante a vida adulta, de modo que nunca foram capazes de reproduzir as melodias características de sua espécie (Day, Nancy F. e Fraley, 2013, p. 12553). O mesmo artigo relata o papel da privação auditiva dos pássaros na fase denominada “sensória” - isto é, nos termos dos autores, “um período de tempo no qual o animal é exposto a estímulo auditivo coespecífico do qual deriva suas vocalizações futuras” (ibidem, p. 12553, em livre tradução do original em inglês). Uma das evidências de aprendizado social do canto entre pássaros, apontada no mesmo trabalho, refere-se ao facto de que os indivíduos da espécie acometidos de surdez, antes daquele período sensório, jamais aprendem a cantar como os membros de sua espécie.

Entre os humanos há dados que demonstram não apenas a óbvia base social de aprendizado da linguagem, senão também o papel precípuo da linguagem para o desenvolvimento da aprendizagem social. Em estudo publicado no ano de 2013, Yan Jing Wu e Guillaume Thierry abordam a questão central colocada também pelo presente artigo: a saber, como controlar metodologicamente as diferenças culturais e socioeconómicas de modo a observar especificamente como é que elas são incorporadas em estruturas anatómicas e fisiológicas, especialmente no cérebro? Os autores relatam uma série de testes de funções executivas (como memória operacional, controle inibitório, controlo excitatório) comparando falantes bilíngues com monolíngues. Já na introdução somos advertidos de que não é fácil abstrair aqueles aspectos especificamente socioculturais da interpretação dos resultados - os quais demonstraram assertivamente melhor desempenho entre os indivíduos bilíngues, inclusive na resolução de problemas cognitivos de natureza não linguística. O bilinguismo seria responsável pelo aumento das habilidades cognitivas, indagam Jing e Thierry, ou a vantagem dos falantes bilíngues constituiria apenas mais um “artefato” de seus privilégios socioeconómicos? Embora as diferenças entre bilinguismo e monolinguismo não se traduzam necessariamente em diferenças de status socioeconómico, os autores conjecturam esta correlação com base na maior predominância de bilíngues entre grupos de alto poder aquisitivo e escolarização.

Administrar duas linguagens compreende um exercício que incrementa os mecanismos de controlo neuronal baseados na coordenação entre excitação e inibição. Ativar a linguagem pretendida em determinado contexto e inibir a não pretendida constitui um caso particular de processos de excitação e inibição presentes também em operações cognitivas de natureza não linguística. Alguns achados de pesquisa sugerem que o aprendizado de múltiplas linguagens na infância concorre para o desenvolvimento da função executiva, enquanto outros apontam para o papel profilático do bilinguismo contra o declínio natural da função executiva decorrente do envelhecimento (Wu Jing e Thierry, 2013, p. 13533).

Quando associamos o peso atribuído pela sociologia contemporânea à linguagem na constituição do chamado capital cultural às evidências de articulação entre memória operacional e processamento linguístico, constatamos que a incorporação biológico-neuronal das desigualdades socioeconómicas engendra um segundo nível de disparidade. Vale enfatizar, no entanto, o alerta da sociologia elaborada pela escola de Pierre Bourdieu: não há uma hierarquia natural que organiza a diferença cultural; é a valoração política arbitrária de certos artefatos culturais em prejuízo de outros o mecanismo fundamental de legitimação das desigualdades sociais. Este postulado de resto encontra-se também implícito no conceito antropológico de cultura - compreendida como um modo de vida específico que, em sua especificidade mesma, não permite inferências de superioridade ou inferioridade comparativamente a outras culturas (Kuper, 2002). O estudo comparado entre bilíngues e monolíngues pertencentes ao mesmo status socioeconómico pode lançar luz sobre este problema, na medida em que permite controlar variáveis sociológicas. Maior multiplicidade de inputs linguísticos incrementam operações cognitivas de natureza não linguística na medida em que mantém elevados os níveis de plasticidade neuronal. Vale à pena citar os comentários de Jing e Thierry a este respeito:

Estudos têm demonstrado que o processamento do conflito é aumentado quando o cérebro é primeiro colocado em um estado de alto controle cognitivo por meio do engajamento repetido em operações cognitivas prévias ( Gratton et al., 1992; Botvinick et al., 1999; Kerns et al., 2004; Kerns, 2006). Os presentes achados lançam nova luz sobre este domínio ao demonstrar que a função executiva é modulada não apenas por operações de conflito não verbal, mas também por implícitas e irrelevantes sugestões linguísticas contextuais (i. e. interação cruzada entre domínios linguísticos e não linguísticos). [ibidem, p. 13535]

As implicações cognitivas do aprendizado de múltiplos idiomas podem ser, portanto, concebidas como a expressão mais visível do papel das experiências multiculturais na manutenção de altos índices de plasticidade neuronal. A interação cruzada entre os domínios linguísticos e não linguísticos da cognição nos lembra, no plano das constelações de conexões sinápticas, a teoria do andaime anteriormente evocada que se refere à transmissão cruzada de inputs sensoriais e processamento cognitivo, e que se alimenta de sinais aferentes, eferentes, corticais e subcorticais. Parece-nos evidente, pois, que quanto mais amplas e diversificadas forem as experiências com a diversidade dos bens culturais, quanto mais cedo elas forem possibilitadas na ontogênese e quanto mais protegidos dos agentes estressores os indivíduos forem na primeira infância, tanto melhor será seu desenvolvimento neuronal.

Considerações finais

Nossos achados sugerem que mesmo pequenos ganhos na educação maternal podem fazer diferença no desenvolvimento sensorial e cognitivo dos filhos e quebrar o feedback negativo que afeta a mobilidade social (Brooks-Gunn and Duncan, 1997). [Skoe, et al., p.17229]

O trabalho da sociologia disposicional, pioneiramente levado a curso pelo grupo liderado por Pierre Bourdieu, demonstrou que a experiência social produz marcas corporais. Nos termos de Bourdieu, as estruturas sociais são marcadas no corpo sob a forma de estruturas cognitivas que sedimentam certas disposições duráveis para a ação, resultantes da memória constituída pela experiência social acumulada. Experiência social, registe-se, sempre atravessada por relações de poder e dominação, as quais, por seu turno, podem ser interpretadas, nos termos da neuropsicologia, como agentes estressores. Recorrendo à neurociência, o presente artigo tenta avançar no trabalho, necessariamente interdisciplinar, de identificar os mecanismos neuronais por meio dos quais estas estruturas cognitivas se relacionam com, e são moldadas pelas, estruturas sociais.

O sistema sensorial humano constitui o meio pelo qual o nosso cérebro obtém informações do ambiente. Tato, olfato, paladar, audição, visão e propriocepção (percepção de movimento registrada por órgãos denominados proprioceptores), em conjunto, fornecem dados multivariados para a modelagem mental contínua do mundo. Os modelos cerebrais que decorrem da nossa interação com o meio e com os demais organismos são engendrados nas conexões entre 86 bilhões de neurónios com potencial para produzir 1000 sinapses cada.

A produção dos circuitos sinápticos com alta densidade conectiva depende dos modos como as capacidades sensoriais são estimuladas, as experiências afetivas são produzidas na interseção entre o sensual e o semântico - para empregar a definição de estética elaborada por Howard Morphy (1996) que bem se aplica à dimensão afetiva da vida humana - e, finalmente, as experiências sociais que se sedimentam do ponto de vista neuronal para constituir a memória operacional. Maior complexidade e diversidade de estímulos perceptivos e motores traduz-se em maior conectividade neuronal. Desigualdades e hierarquias económicas e políticas, de um lado, preconceitos e discriminações, de outro, também terminam por serem incorporadas sob a forma de disparidades perceptivas. Na medida em que impõem limites ao pleno desenvolvimento social, tais padrões injustos de interação humana inscrevem-se também no desenvolvimento neuronal e cognitivo. Pesquisas futuras, produzidas por meio da cooperação entre ciências naturais e sociais, constituem uma demanda científica fundamental se desejamos avançar na compreensão dos modos por meio dos quais as desigualdades sociais são incorporadas na biologia.

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1 A jornada de trabalho no Brasil encontra-se estabelecida em oito horas. Some-se a isto a média de deslocamento para o trabalho, segundo pesquisa realizada em 2016 pelo Centro Industrial do Rio de Janeiro (FIRJAN CIRJ), de cerca de duas horas e meia por trajeto. Temos, pois, cinco horas de transporte (ida e volta) adicionadas à jornada de trabalho, perfazendo um total de treze horas diárias. (Fone https://oglobo.globo.com/rio/tempo-de-deslocamento-para-ir-vir-do-trabalho-faz-rio-perder-24-bi-20025603, acesso em 12-02-2020).

Recebido: 08 de Abril de 2019; Aceito: 28 de Julho de 2021

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