Introdução
Cartografar a sociologia da educação em Portugal numa perspetiva longitudinal torna evidente o modo como a afirmação e consolidação deste campo científico se interliga com as etapas da modernidade educativa no país (Alves, Torres e Dionísio, 2019). Nomeadamente, a primeira etapa de desenvolvimento da sociologia da educação é inseparável da expansão da escolaridade e da escolarização que se intensifica na década de 1960 e que implicou o ensino da disciplina em cursos cada vez mais numerosos de formação de professores, identificando-se um interesse predominante nas abordagens macroestruturais centradas no funcionamento dos sistemas educativos - anos 1970 - e nas políticas educativas - anos 1980 - (Alves, Torres e Dionísio, 2019).
Progressivamente, e com maior ênfase a partir das duas últimas décadas do século XX, observa-se uma diversificação dos planos de estudos em que se ensina sociologia da educação, para além dos cursos de formação de professores. Este é um período de expansão do número de estudantes matriculados no ensino superior e de alargamento quer da oferta de cursos quer da rede de estabelecimentos de ensino universitário e politécnico em Portugal.
Em paralelo, regista-se o surgimento de novos temas de investigação, como notam Alves, Torres e Dionísio (2019, p. 50), “The scope of research which opened allowed for the mobilisation of multiple disciplinary contributions […] some more closely related to sociology, others marked mainly by approaches coming from education sciences”, ao mesmo tempo que as abordagens passam a incluir mais significativamente o nível de análise meso (centrado nos estabelecimentos escolares) e o nível mega (que remete para dinâmicas de globalização e europeização). Com efeito, a pluralidade de temáticas e abordagens em sociologia da educação tem sido apontada como uma característica deste campo científico tanto em Portugal (Abrantes, 2010; Afonso, 2005; Dionísio, Torres e Alves, 2018), como em países anglo-saxónicos e francófonos ( Baluteau, 2002; Lauder, Brown e Halsey, 2011). Adicionalmente, destaca-se que a reconfiguração de temáticas e abordagens ao longo do tempo é indissociável das tendências de mudança educativa. É que as orientações políticas e a ação de atores educativos a nível local, nacional e supranacional configuram campos de possibilidades que tanto podem favorecer como constranger o ensino, a investigação e a intervenção dos sociólogos da educação.
Reconhecendo que estas três dimensões - ensino, investigação, intervenção - são constitutivas do campo científico em causa (Dionísio, Alves e Torres, 2018), a análise que se apresenta neste artigo assenta no pressuposto de que o ensino de sociologia da educação promove a circulação de saberes sociológicos, favorecendo quer a sua disseminação quer a sua reconfiguração (Rayou, 2002). Por isso, considera-se relevante caracterizar o ensino da disciplina nas universidades e politécnicos em Portugal através de uma abordagem empírica centrada na recolha e análise das informações disponíveis nos websites das instituições de ensino superior sobre todas as unidades curriculares (doravante UC) de sociologia da educação em cursos de licenciatura e mestrado no ano letivo de 2018/19. Optou-se por não incluir as UC que possam existir em programas doutorais por se tratar de ciclos de formação avançada vocacionados para a formação de investigadores, sendo que a nossa intenção é explorar de que modo os saberes sociológicos sobre educação são disseminados e reconfigurados em cursos de formação inicial. Foram considerados, mais especificamente, quatro elementos curriculares fundamentais: onde e quando, o quê, como e para quê se ensina a disciplina.
Antecipa-se que esta abordagem empírica permite conhecer o currículo prescrito nas UC de sociologia da educação a nível nacional na atualidade, mas não o currículo colocado em ação através do trabalho quotidiano dos professores com os estudantes. Não obstante, a pesquisa apresentada neste artigo contribui para o aprofundamento do conhecimento sobre o campo científico da sociologia da educação, em especial no que respeita ao ensino na atualidade, enriquecendo a reflexividade sobre a disciplina que é destacada por vários autores como uma característica da mesma (Lauder, Brown e Halsey, 2011; Oliveira e Silva, 2016).
O ensino de sociologia da educação: um universo curricular tripartido
A presença da sociologia da educação nos planos curriculares do ensino superior português iniciou-se, como aponta Stoer (1992), com a inclusão da disciplina em cursos de formação de professores das Universidades de Coimbra (em 1901) e Lisboa (em 1911), alargando-se mais tarde a formações na área de sociologia, que só passaram a existir no país após a mudança política de 1974, bem como a outras formações na área de ciências de educação sobretudo a partir da década de 1990. Da concretização do Processo de Bolonha em Portugal, a partir de 2006,1 decorre a reorganização das licenciaturas e dos mestrados em que os planos de estudos das primeiras passam a ter uma duração mais curta (tipicamente apenas três anos), transpondo-se alguns conteúdos para cursos de mestrado.
Esta mudança tem implicações nas três áreas em que há presença de UC de sociologia da educação, sendo particularmente significativa no caso dos cursos de formação de professores. É que a reestruturação decorrente de Bolonha articula-se com a definição, em 2007,2 do nível de mestrado como a certificação que confere habilitação para exercer a docência em todos os ciclos do pré-escolar ao ensino secundário. Tal implicou uma reorganização curricular das licenciaturas e mestrados que habilitam para a profissão de educadores e professores do ensino não-superior.
A hipótese de que, atualmente, o ensino da sociologia da educação em Portugal constitui um domínio estruturado em três espaços curriculares diferenciados pelas áreas dos cursos - a formação de professores, a sociologia, a educação - foi delineada em trabalhos prévios que reúnem evidências empíricas resultantes quer de entrevistas a sociólogos da educação (Dionísio, Torres e Alves, 2018) quer de uma análise preliminar das UC (Alves e Diogo, 2021). Estes três espaços curriculares diferenciam-se por especificidades no ensino de sociologia da educação que importa explorar, nomeadamente no que respeita a onde, quando, o quê, como e para quê se estuda a disciplina.
Neste universo curricular tripartido, a área de formação de professores é particularmente significativa, tanto no caso português (Egreja, 2016), quanto nos contextos francófono (Rayou, 2002), anglo-saxónico (Lauder, Brown e Halsey, 2011) e brasileiro (Oliveira e Silva, 2016). Incluem-se nesta área as primeiras UC de sociologia da educação no ensino superior e a reflexão recorrente sobre o contributo do ensino da disciplina para o exercício bem-sucedido da docência, o que requer transpor o conhecimento sociológico para a análise e compreensão de situações escolares quotidianas (recontextualização) e para a identificação de recursos e estratégias de ação nessas situações (operacionalização) como sugere Baluteau (2002). Tal não significa estabelecer, com base no conhecimento sociológico, um receituário de soluções que os professores possam aplicar independentemente dos contextos escolares, implicando alternativamente promover a articulação entre contributos das teorias da sociologia da educação e experiência docente, visando enriquecer a reflexão social e crítica destes profissionais sobre as realidades e fenómenos educativos (Loubet-Orozco, 2018).
Por seu turno, os cursos da área de educação partilham com os da área de formação de professores o facto de corresponderem a formações pluridisciplinares, nas quais o ensino de sociologia da educação poderá ter efeitos na ampliação da compreensão sociológica dos fenómenos educativos, assim como no desenvolvimento da educação como área científica que mobiliza várias abordagens disciplinares para analisar o objeto educativo (Serpa, 2018). Contudo, no caso da área de educação não encontramos uma intenção profissionalizante dos cursos tão evidente como na área de formação de professores, no sentido em que nesta última as regulamentações nacionais sobre o acesso à profissão de docente do ensino básico ou secundário traduzem-se em normas que condicionam o desenho curricular dos cursos. Finalmente, a área da sociologia demarca-se das de formação de professores e de educação, por implicar um estatuto diferenciado para as UC de sociologia da educação que surgem tendencialmente como disciplinas de especialização direcionadas para o aprofundamento de conhecimento sociológico geral de base académica, contrariamente ao que se passa nas outras áreas em que tendem a ser encaradas como UC de formação mais geral e introdutória.
Independentemente das áreas dos cursos, os sociólogos de educação tendem a valorizar, no ensino desta disciplina, as possibilidades de enriquecimento para os estudantes que advêm de melhor compreender e/ou explicar dinâmicas escolares e educativas, bem como o desenvolvimento do espírito crítico sobre problemas e práticas educativas que favorece o questionamento das realidades existentes e o reconhecimento de possíveis mudanças e alternativas (Dionísio, Torres e Alves, 2018). Antecipa-se que estes contributos gerais possam assumir configurações ligeiramente distintas em cada um dos três espaços curriculares que se caracterizam pela identificação de uma intenção profissionalizante dos cursos (caso da formação de professores), pelo diálogo com outras áreas disciplinares (em cursos de formação de professores, mas também de educação) e pela predominância de abordagens teórico-metodológicas da sociologia e suas subdisciplinas (como é distintivo das formações em sociologia).
Assim, cada um destes três contextos curriculares deverá permitir aproximações diferenciadas dos estudantes aos saberes sociológicos e modos próprios de circulação e disseminação desses saberes, com implicações na configuração das atividades de investigação e intervenção que também constituem o campo científico. Neste sentido, partilhamos da ideia de Perrenoud (2002, p. 89) sobre o modo como “la didactique de la sociologie […] devrait d’ emblée se confronter à la mode de presence de cette discipline dans […] l’ enseignement supérieur”, ou seja, reconhece-se que o ensino de sociologia da educação apresenta especificidades em cada um dos três espaços curriculares.
A análise dos elementos curriculares: opções teórico-metodológicas
A pesquisa apresentada neste artigo procura explorar e caracterizar especificidades no que respeita ao currículo prescrito para o ensino de sociologia da educação, tal como o mesmo é apresentado nas fichas das UC em funcionamento em 2018/19 nas universidades e politécnicos em Portugal. Neste âmbito, na linha de Zabalza (2007), entende-se currículo prescrito como projeto formativo desenhado pelos professores de sociologia da educação para promover a aprendizagem dos seus estudantes, o qual se encontra formalizado por escrito nas fichas das UC e é tornado público nos websites das instituições de ensino superior.
A análise centrou-se em quatro elementos curriculares fundamentais, tal como são enunciados por Dilon (2009), que se encontram expressos nas fichas das UC e que permitem perscrutar especificidades na disseminação e reconfiguração dos saberes sociológicos. Esses elementos curriculares estão na base de quatro questões de investigação que orientam a pesquisa que em seguida se apresenta:
onde e quando se ensina sociologia da educação? Ou seja, importa esclarecer a presença das UC em cursos de licenciatura e de mestrado das universidades e dos politécnicos, bem como em determinada etapa (ano e semestre) dos planos de estudos;
o que se ensina? Ou seja, quais são as temáticas, abordagens e bibliografia de apoio no ensino de sociologia da educação;
como se ensina? Ou, mais precisamente, como se projetam as atividades a desenvolver na disciplina, considerando o que se indica nas fichas das UC no que respeita a métodos de ensino e formas de avaliação das aprendizagens dos alunos;
para que se ensina sociologia da educação? Isto, tendo por base os objetivos explicitados nas fichas das UC.
Os resultados da pesquisa realizada não permitem aprofundar outros três elementos do currículo identificados por Dilon (2009) que correspondem à consideração de quem são os professores, quem são os alunos e quais os processos e produtos de aprendizagem. Isto porque não dispomos de informação sobre as atividades de ensino e aprendizagem efetivamente concretizadas no quadro desse projeto formativo nem sobre os seus protagonistas. Acresce, ainda, que esta pesquisa não tem como intenção avaliar a unidade e coerência interna que Zabalza (2007) considera indicativas da qualidade de qualquer projeto curricular.
A análise que aqui se apresenta beneficia de alguma uniformidade no modo de apresentação das fichas das UC que é indissociável da tendência de homogeneização dos currículos prescritos, oficiais e escritos induzida pelo Processo de Bolonha (Pacheco, 2011). É que a atual organização curricular dos cursos de ensino superior espelha quer a estruturação em três ciclos de escolaridade quer um conjunto de princípios pedagógicos baseado na apologia da centralidade da aprendizagem dos alunos e do desenvolvimento das suas competências (Esteves, 2010), particularmente valorizadas no quadro do Processo de Bolonha.
Tal significa que as informações disponibilizadas nos websites têm implícitas as orientações subjacentes aos discursos e normativos nacionais e supranacionais, ainda que as concretizem de modos diversificados consoante as características de cada professor e o contexto curricular (curso e instituição de ensino superior) em que exercem a docência. Se no plano do currículo prescrito pode ser detetável alguma homogeneização, as mudanças associadas ao processo de Bolonha podem, eventualmente, não ter alterado o currículo em ação reforçando até a adoção de pedagogias transmissivas (Esteves, 2010).
Procurou-se assim perscrutar, tendo por base os elementos curriculares prescritos, em que medida o ensino da sociologia da educação no ensino superior na atualidade se encontra configurado a partir de modos de trabalho mais ativos, centrados nos estudantes (Lesne, 1984), ancorados na aprendizagem (Trindade e Cosme, 2016) e/ou na comunicação (Trindade e Cosme, 2016), refletindo os princípios de Bolonha; ou se, contrariamente, prevalece um modo de trabalho pedagógico transmissivo (Lesne, 1984), assente na instrução (Trindade e Cosme, 2016).
Para responder às questões já enunciadas, baseámo-nos na análise das fichas das UC de sociologia da educação em funcionamento no ano letivo 2018/19, identificadas a partir de uma pesquisa exaustiva dos cursos de licenciatura e mestrado apresentados nas páginas eletrónicas das universidades filiadas no CRUP3 e dos institutos politécnicos pertencentes ao CCSIP4, entre março e maio de 2019. Quando os elementos disponibilizados nas páginas eletrónicas das instituições se revelaram insuficientes, esses foram solicitados diretamente aos diretores de curso ou docentes das UC. Excluímos a exploração de UC de sociologia da educação que integrem programas doutorais por se tratar de cursos de formação avançada com modos de trabalho e objetivos específicos, assim como distintos daqueles que são mais habituais a nível da formação inicial em cursos de licenciatura e mestrado.
Na seleção das UC consideraram-se, para além das disciplinas estritamente designadas como sociologia da educação, também aquelas com designações afins,5 sempre que a sociologia da educação era claramente identificada como área de enquadramento da disciplina, a partir da consulta dos diversos elementos dos programas. Tendo em consideração os procedimentos e critérios acima referidos, foram identificadas 62 UC (ver Anexo), em 13 universidades e 12 institutos politécnicos.
Em síntese, os resultados apresentados neste artigo têm por base a análise dos elementos das fichas das UC de sociologia da educação, como forma de conhecer o modo como o ensino desta disciplina se configura na atualidade nos ciclos de formação iniciais do ensino superior. Esta opção tem a limitação de se considerar o currículo prescrito, e não o currículo em ação através do trabalho quotidiano dos professores com os estudantes, o qual só seria apreensível através de métodos intensivos de observação dos contextos de ensino. Apresenta, não obstante, a vantagem de permitir uma leitura nacional sobre o ensino de sociologia da educação em licenciaturas e mestrados de universidades e politécnicos, contemplando-se o universo de UC em funcionamento.
Onde e quando tem lugar o ensino da sociologia da educação?
Antes de analisar os elementos mais estritamente curriculares, relativos às opções programáticas seguidas pelos docentes de sociologia da educação, procura-se perceber onde e quando as UC têm lugar nos planos de estudo atuais, tendo em conta a região e o subsetor do ensino superior, bem como a área, o grau, o ano e o semestre dos cursos.
Em termos geográficos, o ensino da sociologia da educação localiza-se em instituições que se distribuem por todo o território nacional, embora seja notória uma maior concentração no Centro, Norte e Área Metropolitana de Lisboa (ver Quadro 1), regiões onde ficam situados os principais complexos universitários e politécnicos, sobretudo as maiores universidades públicas do país, refletindo algum do desequilíbrio que o sistema de ensino superior conhece em Portugal, relacionado com a distribuição da população e a rede urbana (Fonseca e Encarnação, 2012). Nota-se, em todo o caso, uma maior presença de UC de sociologia da educação no Minho, em Aveiro e em Lisboa, do que em Coimbra e no Porto (ver Anexo).
Verifica-se, em segundo lugar, uma nítida prevalência de UC pertencentes a cursos de instituições universitárias (64,5%), face às das instituições do ensino politécnico (35,5%). Desde logo, é de notar que esta distribuição poderá refletir, de algum modo, o facto de o subsistema universitário concentrar o maior número de alunos inscritos no ensino superior público (cerca de 63% em 2019 segundo dados da DGECC/ME-MCTES). Mas importa sublinhar, para além disso, que a distribuição das UC de sociologia da educação pelos dois subsetores do ensino superior representa uma inversão da distribuição encontrada por Resende e Vieira (1993), na viragem dos anos 80 para os anos 90 (mais precisamente no ano letivo 1989/90, ou seja, 30 anos antes da recolha de dados realizada no âmbito da presente pesquisa). Num total de 102 UC de sociologia da educação, presentes no ensino superior público (excetuando os cursos de sociologia), esse estudo verificou que 37 (36,3%) pertenciam a cursos das universidades e 65 (63,7%) a cursos dos politécnicos.
Por um lado, sublinhe-se que em 1990 o ensino universitário público reunia ainda mais alunos inscritos no ensino superior do que na atualidade,6 o que significa que a sociologia da educação estava mais presente no ensino politécnico ainda que este representasse uma proporção mais reduzida no conjunto do ensino superior público. Por outro lado, note-se que a comparação não pode ser feita rigorosamente, dado que o universo que analisamos agora inclui também os cursos de sociologia, os quais, como veremos, se situam todos em universidades. Contudo, se considerarmos apenas a oferta de sociologia da educação exterior aos cursos de sociologia, as percentagens seriam de 40,7% e 59,3%, confirmando-se que na atualidade a sociologia da educação é predominantemente ensinada em universidades.
O confronto com o levantamento de Resende e Vieira (1993) aponta ainda para o drástico declínio da oferta desta disciplina no panorama do ensino superior. Note-se que encontrámos agora apenas 54 UC de sociologia da educação (se deixarmos de fora a sua presença nos cursos de sociologia, de modo a tornar possível a comparação), quando em 1989/90 (Resende e Vieira, 1993) o valor era quase o dobro (102 UC). Este declínio é também notado por Egreja (2018), numa análise que abarca a oferta de disciplinas de sociologia em cursos de outras licenciaturas e que, comparando os dados relativos a 2013/14 e 2015/16 com os dados de Resende e Vieira (1993), constata a substancial diminuição do peso das formações em ensino/educação. Enquanto no final dos anos 1980 representavam metade dos cursos que ofereciam sociologia, em 2015/16 eram apenas 6%.
A sociologia da educação poderá ter deixado de ser a sociologia especializada mais requerida no ensino superior, como acontecia no início do milénio e era notado por Vieira (2004, p. 137): “De entre as ‘especializações’ mais requisitadas, a sociologia da educação sobressai claramente no ensino superior quer no Universitário quer sobretudo no Politécnico, associada às licenciaturas em ensino.”
Considerando o universo de licenciaturas e mestrados em Portugal no ano letivo 2018/19 nas áreas onde a sociologia da educação é habitualmente lecionada (formação de professores, sociologia e educação), cujo levantamento apresentámos num outro trabalho (Alves e Diogo, 2021), pode-se também inferir que a presença desta disciplina no ensino superior é na atualidade reduzida: apenas 21,3% dos cursos dessas áreas contemplava esta UC nos seus planos de estudo. Note-se, no entanto, a sua forte presença ao nível dos cursos de licenciatura, com um peso de 70,4% das licenciaturas nas áreas referidas, contrariamente ao que se passa nos mestrados, com apenas 10,1%.
Estes dados, bem como algumas reflexões sobre este campo (ver, por exemplo, Dionísio, Torres e Alves, 2018), apontam para uma reconfiguração do ensino da sociologia da educação em Portugal em termos gerais, desconhecendo-se o seu impacto na forma como este ensino é operacionalizado através da docência.
Quanto à área dos cursos, o quadro 2 mostra que a grande maioria das UC de sociologia da educação concentra-se nas áreas de formação de professores7 e educação8 (respetivamente, 46,8% e 40,3%), enquanto a sua presença nos cursos de sociologia tem uma expressão bastante reduzida face ao total (12,9%).
O ensino da sociologia da educação decorre, assim, principalmente fora do âmbito da própria sociologia, no contexto de cursos de outras áreas relacionadas com o campo educativo. Se a constituição e o desenvolvimento da sociologia da educação em Portugal estiveram muito associados à formação de professores, o posterior declínio que estes cursos conheceram, especialmente desde a década passada em termos de procura (CNE, 2020),9 teve repercussões que se podem vislumbrar nos dados apresentados. Paralelamente a esse declínio, e acompanhando as necessidades de novos profissionais com formação interdisciplinar capacitados para intervir em contextos educativos, escolares e não escolares, os cursos de educação ocupam hoje um espaço relevante no universo da oferta formativa do ensino superior, dentro da área da educação e da formação, embora ainda aquém da formação de professores. Deste modo, observa-se uma transformação significativa dos espaços institucionais em que a sociologia da educação é atualmente ensinada (Alves e Diogo, 2021).
Sendo o ensino da sociologia da educação predominante no subsetor universitário, como se verificou anteriormente, é nos cursos de formação de professores que há uma maior presença no politécnico (ver Quadro 2). Nos cursos de sociologia cinge-se exclusivamente ao universitário e nos cursos de educação é também largamente preponderante nas universidades.
E em que momento do percurso formativo a sociologia da educação é ensinada? Observando o total de UC na figura 1, por grau do curso, constata-se que, em cerca de ⅔ dos casos, a sociologia da educação encontra-se em licenciaturas. A figura 2 permite, ainda, perceber que essa se encontra predominantemente nos primeiros semestres das licenciaturas. Por conseguinte, esta unidade curricular parece funcionar, sobretudo, como uma disciplina de caracter introdutório ao curso e não tanto como uma área de aprofundamento. Na década de 1990 e seguinte, alguns trabalhos (Resende e Vieira, 1993; Vieira, 2004) assinalavam também este caracter introdutório da sociologia da educação nos planos de estudo de cursos de formação de professores, notando que era atribuída à disciplina “uma função mais acessória de ‘enquadramento social’ genérico do fenómeno educativo” (Vieira, 2004, p. 142).
Observando os valores relativos às áreas dos cursos (Figuras 1, 2 e 3), verifica-se, no entanto, que a natureza introdutória da sociologia da educação se evidencia sobretudo nos cursos de educação nas licenciaturas. Com efeito, um pouco mais de metade dos cursos de formação de professores apresentam a sociologia da educação em mestrados (51,7%) e não maioritariamente em licenciaturas. No que respeita aos cursos de sociologia, embora a disciplina esteja presente esmagadoramente em licenciaturas (87,5%), tende a surgir como uma disciplina não introdutória, com maior peso nos últimos semestres, sugerindo que será encarada como uma sociologia especializada.
Procuramos, de seguida, perceber se estas diferenças têm reflexos mais profundos ao nível das opções curriculares assumidas pelos docentes, relativamente ao que é ensinado; como é ensinado e para que se ensina.
O que se ensina?
Examina-se o que é ensinado atualmente na sociologia da educação, com base nos conteúdos programáticos e na bibliografia recomendada nas fichas das UC. Será que continua a ser notória uma predominância da abordagem das questões relativas ao domínio escolar e ao nível macro? Ou será que as reconfigurações anteriormente referidas vieram implicar também uma recomposição dos conteúdos abordados?
A análise dos conteúdos programáticos teve em consideração os pontos e subpontos apresentados nas fichas das UC, até dois níveis de organização. Cada tipo de conteúdo programático foi contabilizado apenas uma vez por unidade curricular. Apesar de ser notória alguma transversalidade e porosidade entre os diversos conteúdos, na categorização teve-se em conta a contextualização de cada ponto/subponto no programa e o seu foco principal.
Os conteúdos que marcam maior presença nos programas referem-se a temas de fundo, relativos ao enquadramento da disciplina e a abordagens macrossociológicas das questões escolares (ver figura 4). Salientam-se, assim, teorias e conceitos da sociologia da educação, objeto e método da sociologia e/ou sociologia da educação, emergência e desenvolvimento dos sistemas educativos de massas no quadro da modernidade, bem como a análise das desigualdades nos percursos escolares e inclusão.
A abordagem de agentes e contextos escolares específicos, ou seja, temas que podem ser situados a um nível meso ou microssociológico, como a relação escola-família-comunidade, a escola e a sala de aula, os professores e os alunos, surgem ainda com alguma relevância, mas de forma menos transversal aos programas.
As temáticas que só mais tardiamente foram integradas na produção bibliográfica da sociologia da educação portuguesa relativas à educação não escolar ou à globalização e à multiculturalidade, sobretudo a partir de finais dos anos 1990/início do novo milénio (Afonso, 2005; Stoer e Afonso, 1999), estão representadas de forma ténue nos programas: menos de 20% das UC de sociologia da educação na atualidade abordam estes conteúdos.
A presença dos diversos conteúdos programáticos varia, todavia, consoante as áreas dos cursos (ver Quadro 3). É nos cursos de formação de professores que surgem mais recorrentemente temáticas como as desigualdades, a indisciplina e violência, o ofício aluno e ciclos vida, os professores e outros profissionais de educação ou a relação escola-família-comunidade, que se reportam aos processos, agentes e interações da educação escolar, quer numa escala macro quer micro. Por seu turno, os cursos de educação destacam-se, face aos das outras áreas, por serem os que menos atenção dedicam aos conteúdos de enquadramento geral da disciplina, nomeadamente ao objeto e método, teorias e conceitos e modernidade e evolução dos sistemas educativos; assim como a temas mais ligados ao contexto escolar, como escola e sala aula ou o currículo. Contrariamente, são esses cursos que tendem a trabalhar mais as temáticas menos presentes nos programas da sociologia da educação atualmente ensinada em Portugal, como a educação não-escolar ou a globalização e multiculturalidade. A existência de cursos em áreas curriculares mais direcionadas para a formação de técnicos cuja intervenção é distinta e mais ampla do que a dos professores, terá assim contribuído para alguma reconfiguração do ensino da disciplina.
A exploração dos conteúdos é suportada, de acordo com os programas, por uma bibliografia maioritariamente de autores portugueses (ver figura 5): 65,5%, num total de 719 referências bibliográficas apresentadas no conjunto das UC. Independentemente de estarem ou não traduzidas para a língua portuguesa, as obras de autores não nacionais parecem ocupar um lugar secundário no ensino da sociologia da educação atualmente: as obras de autores europeus de língua francesa surgem em segundo lugar, mas com apenas 17,6%, seguindo-se as de autores anglo-saxónicos (Reino Unido e EUA) (10,3%). Surgem, ainda, de forma residual referências de autores espanhóis, brasileiros e de outros países da América Latina de língua espanhola, bem como relatórios de organismos nacionais e internacionais.
Embora a análise sociológica da educação desenvolvida em Portugal, a partir dos anos 1970, tenha sido muito marcada por uma divisão dos sociólogos entre a escola francesa e a anglo-saxónica (Stoer, 1992; Stoer e Afonso, 1999), a qual ter-se-á provavelmente refletido na lecionação da disciplina, essa divisão parece esbatida no atual panorama do ensino.
A importância da produção bibliográfica de autores portugueses no ensino da sociologia da educação sugere, além disso, que a abordagem da realidade educativa nas UC se fará de uma forma articulada com o contexto nacional, evidenciando a vitalidade e consolidação de um campo de investigação, cuja produção científica se constitui como base da docência. Simultaneamente, parece confirmar-se o papel do ensino da sociologia da educação na disseminação e reconfiguração da produção sociológica, nomeadamente nacional, sobre educação (Rayou, 2002).
Como se ensina?
Para analisar o modo como as UC de sociologia da educação são desenvolvidas pelos docentes, considerámos os métodos de ensino/aprendizagem e de avaliação identificados nos programas.
Constata-se, antes de mais, que os programas definem uma multiplicidade de metodologias de ensino/aprendizagem: exposição oral por parte do docente; debates/discussões; trabalhos nas aulas; apresentação de trabalhos pelos estudantes; orientação tutorial; análise de textos e documentos; visualização e análise de vídeos; pesquisas (bibliográficas, empíricas etc.). No entanto, apenas a exposição oral e os debates/discussões são referidos na maioria das UC (62,9% e 51,6%, respetivamente) (ver figura 6). As restantes estratégias de ensino/aprendizagem são mencionadas de forma minoritária.
No que concerne aos métodos de avaliação dos estudantes (ver figura 7), destacam-se os trabalhos individuais e os trabalhos de grupo, os quais marcam presença em cerca de metade dos programas (53,2% e 50,0%, respetivamente). São mencionados também os testes, que fazem parte do sistema de avaliação de 41,9% das UC, e a participação nas aulas, considerada apenas em 16,1% das UC.
É interessante confrontar os resultados relativos aos métodos de ensino/aprendizagem com os de avaliação. Se no primeiro caso prevalece o método expositivo, característico de um modelo pedagógico tradicional transmissivo (Lesne, 1984) assente na instrução (Trindade e Cosme, 2016), no segundo caso destacam-se os trabalhos, e não o teste enquanto método de avaliação privilegiado de uma pedagogia baseada na verificação de conhecimentos. A análise das fichas das UC não nos permite conhecer em profundidade a forma como os trabalhos são operacionalizados enquanto elemento de avaliação, de modo a confirmar se estamos efetivamente perante modos de trabalho mais ativos por parte dos estudantes (Lesne, 1984), ancorados na aprendizagem (Trindade e Cosme, 2016). Poderá também argumentar-se que os testes de avaliação podem não ser realizados meramente como forma de verificação de conhecimentos.
Por outro lado, se o método expositivo surge destacado, os debates/discussões nas aulas salientam-se, em segundo lugar, como método de ensino/aprendizagem. Na medida em que este último apela ao questionamento e capacidade crítica, indo além da mera aquisição de conhecimentos por parte dos estudantes, constitui um indicador de alguma permeabilidade do ensino da sociologia da educação ao paradigma pedagógico da comunicação (Trindade e Cosme, 2016). Se as evidências não apontam para uma rutura total com um modelo tradicional de ensino, os docentes de sociologia da educação parecem ser, todavia, sensíveis a alguns princípios e práticas típicos dos modelos pedagógicos da aprendizagem e/ou da comunicação.
Estes modos de trabalho pedagógico divergem, no entanto, nos três espaços curriculares em que as UC se integram, como se pôde constatar numa análise realizada anteriormente (Alves e Diogo, 2021). É no âmbito dos cursos de formação de professores que a sociologia da educação regista maior propensão para se utilizarem métodos ativos em detrimento dos métodos expositivos, em contraste com os cursos da área da educação e mais acentuadamente com os da sociologia.
Para que se ensina?
Por último, indagámos o que se pretende alcançar com o ensino da sociologia da educação, considerando, para o efeito, os objetivos apresentados nas fichas das UC. Estes foram agrupados em três grandes tipos de competências que visam desenvolver conhecimentos,10 aptidões11 e atitudes,12 seguindo o Quadro Nacional de Qualificações (Portaria n.º 782/2009 de 23 de julho) que se baseia no reconhecimento dos resultados de aprendizagem. Na formulação dos objetivos das diferentes UC é notória uma diversidade de abordagens, isto é, enquanto em alguns programas os objetivos estão formulados a partir dos resultados de aprendizagem por parte dos alunos, noutros são enunciados na ótica do docente e do que se pretende que este ensine. Nos casos em que não era clara a forma como estavam definidos, assumiu-se que se situavam na ótica dos resultados de aprendizagem.
A referência a objetivos que se atêm no domínio de conhecimentos é largamente predominante nos programas analisados (66,4%), incidindo na transmissão pelo docente (“fornecer aos estudantes”, “proporcionar conhecimento”) ou, mais frequentemente, na interiorização pelos estudantes, (“conhecer”, “apreender”, “aprender”, “dominar”, “descrever”, “caracterizar”, “identificar”, “situar”) da matriz teórica da sociologia e da sociologia da educação (“instrumentos teóricos”, “conceitos teóricos”, “autores e correntes teóricas”, “fatores”, “níveis de análise”), Figura 8.
Por exemplo:
Identificar as variáveis sociais que interferem nos processos e sistemas educativos. (UC5P5)
Conhecer os principais paradigmas, teorias e abordagens da Sociologia da Educação. (UC29U7)
Este domínio de conhecimentos não se esgota em competências que apelam exclusivamente à memorização e repetição de informação, próprio de um modo de trabalho pedagógico transmissivo (Lesne, 1984) ou paradigma pedagógico da instrução (Trindade e Cosme, 2016). Pode implicar um papel ativo e interativo da parte do estudante, mais consentâneos com os paradigmas pedagógicos da aprendizagem e da comunicação (Trindade e Cosme, 2016), quando se espera que este seja capaz de fazer uso de outras capacidades cognitivas como “perceber”, “compreender”, “analisar”, “explorar”, “interligar”, “refletir”, “interpretar”, “interrogar” ou “criticar”. Por exemplo:
Interpretar, de forma crítica, algumas perspetivas teóricas. [UC2P2]
Refletir criticamente sobre a especificidade da Sociologia da Educação Não-Escolar no quadro global das Ciências da Educação. [UC26U4]
Uma segunda categoria de objetivos refere-se às aptidões (20,1%). Neste caso, visa-se desenvolver competências que envolvem formas de “saber fazer”, através da mobilização de conhecimentos (teorias, conceitos e métodos da sociologia e sociologia da educação) para analisar e refletir sobre realidades concretas. Por exemplo:
Desenvolver uma perspetiva científica da realidade social, ancorada em bases teórico-metodológicas da Sociologia. [UC21P21]
Capacidade de aplicação dos conhecimentos à problematização e à análise sociológicas dos processos educativos reais. [UC48U26]
Mas também se visa definir intervenções práticas e soluções:
Ser capaz de promover e participar em projetos de investigação como factor de inovação, mudança e melhoria da qualidade da prática educativa nas instituições educativas. (UC16P16)
Sensibilizar e permitir uma reflexão centrada na diversidade das instituições, contextos e atores educativos com o objectivo de possibilitar o planeamento de soluções plausíveis e consistentes, sustentadas por um quadro teórico e conceptual de referência. [UC59U37]
Embora com menor presença (13,5%), nos programas de sociologia da educação constam ainda objetivos relativos a atitudes que visam o “saber ser”, isto é, o desenvolvimento de uma diversidade de atitudes consideradas úteis aos futuros profissionais, nomeadamente, colaborativas (“Ser capaz de trabalhar em grupo/equipa”); reflexivas/científicas (“Desenvolver uma postura de profissional reflexivo”; “Adquirir perspectivas reflexivas sobre a prática profissional desenvolvida pelo docente”); de cidadania (“Assume a dimensão cívica das suas funções educativas”); éticas (“Assume as exigências éticas das suas funções”); de sensibilidade à diversidade social e cultural (“Aceitar e valorizar a diversidade social e cultural”; “Respeita as diferenças culturais”; “valorizando saberes e culturas”).
O predomínio dos conhecimentos face às aptidões e atitudes poderia resultar de uma maior presença da sociologia da educação em cursos universitários, supostamente menos profissionalizantes do que os do politécnico, ou de se tratar de uma disciplina introdutória. O quadro 4 indica, no entanto, que não é isso que sucede. Observa-se um maior peso dos objetivos de conhecimento nos cursos do politécnico e nos cursos de formação de professores, não sendo as diferenças estatisticamente significativas. É também possível verificar que, nos cursos de licenciatura, o peso dos objetivos que visam as atitudes é mais elevado do que nos mestrados, sendo esta a única diferença estatisticamente significativa.
Apesar do peso assumido pelos conhecimentos nos objetivos que se visa atingir nas UC, como se sublinhou, tal não se traduz exclusivamente em competências que apelam a um modo de trabalho pedagógico transmissivo (Lesne, 1984) ou ao paradigma pedagógico da instrução (Trindade e Cosme, 2016), implicando também competências que se inscrevem nos paradigmas pedagógicos da aprendizagem e/ou da comunicação (Trindade e Cosme, 2016). Este resultado reforça a ideia, sugerida anteriormente pela análise dos dados relativos aos métodos de ensino e de avaliação, de que não se pode falar quer de uma persistência quer de uma rutura face a modelos pedagógicos tradicionais, baseados na instrução, no panorama atual do ensino da sociologia da educação em Portugal. Existem, por outro lado, indícios de alguma penetração dos princípios e práticas dos paradigmas pedagógicos ancorados na aprendizagem ativa dos estudantes e na comunicação.
Notas conclusivas
Embora a sociologia da educação seja um campo consolidado em Portugal, no qual periodicamente são realizados interessantes exercícios de reflexividade, parecem faltar análises sistemáticas e atuais acerca de uma das suas dimensões: o ensino.
Ao longo da pesquisa apresentada neste artigo pretendeu-se contribuir para a problematização do modo como o ensino da sociologia da educação se configura na atualidade nas universidades e politécnicos em Portugal, a partir de uma abordagem empírica centrada na recolha e análise dos elementos das fichas de todas as UC de licenciatura e mestrado em funcionamento no ano letivo de 2018/2019. Foram considerados, mais especificamente, quatro elementos curriculares fundamentais: onde e quando, o quê, como e para quê se ensina a disciplina.
Com maior concentração nos principais centros universitários do país, no Centro, no Norte e na Área Metropolitana de Lisboa, a oferta da disciplina parece refletir a distribuição regional do sistema de ensino superior em Portugal (Fonseca e Encarnação, 2012). Tendo um peso reduzido na oferta de cursos do ensino superior, a sociologia da educação é hoje predominantemente ensinada em universidades, invertendo-se o que sucedia nos anos 1980 e 1990, em que a disciplina marcava maior presença em planos de estudos do ensino politécnico. Para esta inversão terá contribuído a contração na oferta de cursos de formação de professores nas décadas seguintes, especialmente a partir do início da década de 2010, que gerou um drástico declínio da oferta da disciplina no ensino superior.
É fora do âmbito da própria sociologia que a disciplina é mais lecionada, continuando a ser preponderantemente oferecida em cursos de formação de professores, mas estando também muito presente noutros cursos no campo educativo, pluridisciplinares e menos profissionalizantes, dirigidos à formação de outros profissionais de educação. Tal significa que, na reorganização da oferta de cursos na área de formação de professores concretizada na década de 2010, se manteve a presença de UC de sociologia da educação tanto nas licenciaturas quantos nos mestrados. Acresce que, desde as duas últimas décadas do século XX, a disciplina também integra planos de estudos de licenciaturas e mestrados na área de educação, o que reconfigura significativamente os espaços de ensino de sociologia da educação.
Não obstante a sociologia da educação ser uma das áreas da sociologia que mais se desenvolveu e consolidou em Portugal, é oferecida, paradoxalmente, numa minoria dos cursos de sociologia de licenciatura e mestrado (Alves e Diogo, 2021). Este aspeto sugere uma valorização do cruzamento entre abordagens disciplinares enquanto característica do ensino de sociologia da educação, indiciando que a disseminação e circulação dos saberes sociológicos sobre questões educativas nas licenciaturas e mestrados é mais habitual em contextos curriculares multidisciplinares.
Acresce que a disciplina surge localizada, sobretudo, num momento inicial do percurso académico (primeiro semestre, primeiro ano, licenciatura), numa lógica de introdução e não tanto de aprofundamento e especialização. Porém, são visíveis algumas especificidades em função das três áreas curriculares. Contrariamente aos cursos de educação, cuja natureza multidisciplinar apelará a uma sociologia da educação mais introdutória, a disciplina será assumida como uma sociologia especializada nos cursos de sociologia.
No que concerne ao que é ensinado, os conteúdos programáticos continuam a ser dominados pelas abordagens macrossociológicas das questões escolares. Verificam-se, também aqui, especificidades em cada uma das três áreas curriculares. Se é nos cursos de formação de professores que surgem mais temáticas que se reportam aos processos, agentes e interações da educação escolar - quer numa escala macro quer micro -, os cursos de educação tendem a trabalhar mais novas temáticas, menos presentes nos programas de sociologia da educação em geral, relativas à dimensão não-escolar da educação e à globalização e multiculturalidade.
Por outro lado, a preponderância de bibliografia de autores portugueses sugere que a abordagem das temáticas será feita tendo em conta as particularidades do contexto nacional. Tal pode ser entendido, simultaneamente, como um sinal de vitalidade e consolidação da produção sociológica sobre educação no nosso país, apontando para uma estreita articulação entre a investigação e o ensino nesta área.
Quanto à forma como a disciplina é ensinada, prevalece o método expositivo, característico de um modelo pedagógico transmissivo, ao nível dos métodos de ensino/aprendizagem. Contudo, a análise das fichas das UC revela outros elementos que indiciam alguma permeabilidade do ensino da sociologia da educação aos paradigmas pedagógicos da aprendizagem e da comunicação. Quer porque o método de avaliação preferencial recai nos trabalhos, e não tanto no teste enquanto método de avaliação privilegiado de uma pedagogia ancorada na verificação de conhecimentos, quer porque se recorre também a métodos de ensino/aprendizagem que declaradamente apelam ao questionamento e capacidade crítica, como os debates e discussões.
Uma outra questão analisada refere-se ao que se pretende alcançar com o ensino da sociologia da educação. Os programas das UC são largamente dominados por objetivos que se atêm no domínio de conhecimentos, todavia, estes não se traduzem exclusivamente em competências que apelam a um modo de trabalho pedagógico transmissivo.
Os resultados encontrados nesta pesquisa concorrem, deste modo, para a conclusão de que no panorama atual do ensino da sociologia da educação em Portugal não se pode falar nem de uma persistência nem de uma rutura face a modelos pedagógicos tradicionais, existindo indícios de alguma penetração dos princípios e práticas dos paradigmas pedagógicos ancorados na aprendizagem ativa dos estudantes e na comunicação. Noutros termos, observa-se a presença de princípios pedagógicos associados ao Processo de Bolonha que coexistirão com outros provavelmente pré-existentes e geralmente considerados tradicionais, sugerindo que a mudança paradigmática preconizada não tenha sido plenamente concretizada e traduzida em modificações no ensino, como assinala Pacheco (2011). Trata-se de uma hipótese que justifica o desenvolvimento de outros estudos, não só mais aprofundados sobre o modo como é exercida a docência, mas também mais abrangentes incluindo várias disciplinas.
Uma outra nota conclusiva que se salienta da análise dos diversos elementos curriculares é a de que cada uma das três áreas - formação de professores, sociologia e educação - apresenta algumas especificidades, reforçando a conclusão retirada neste âmbito anteriormente (Alves e Diogo, 2021), de que o ensino da sociologia da educação em Portugal constitui atualmente um domínio estruturado em três espaços curriculares diferenciados.
A pesquisa sugere, ainda, que o ensino da sociologia da educação em Portugal tende a contribuir para a disseminação dos saberes produzidos no país, o que é indiciado pela ampla presença de referências bibliográficas nacionais, ainda que não abranja expressivamente muitos dos temas e abordagens da investigação sociológica sobre educação. Além disso, observa-se que a atual configuração do ensino de sociologia da educação parece favorecer a circulação de saberes sociológicos principalmente em estreita articulação com outras áreas disciplinares e visando a ação dos professores e a intervenção de outros profissionais de educação e formação, assim como sobretudo em fases iniciais dos planos de estudos e de forma introdutória. A compreensão sobre as reconfigurações no ensino de sociologia na educação sugeridas nos resultados deste estudo poderá ser significativamente aprofundada com a realização no futuro de outras pesquisas centradas em aspetos relativos ao currículo em ação, os quais remetem para a consideração de quem são os professores, quem são os alunos e quais os processos e produtos de aprendizagem.