I. Introdução
A evolução urbana constitui uma questão basilar da Geografia Urbana (Clark, 1991), no entanto, a falta de dados espaciotemporais contínuos desde sempre impôs consideráveis restrições aos estudos com enfoque cronogeográfico. Esta limitação tem vindo a ser ultrapassada com recurso aos retratos sequenciais adquiridos por Deteção Remota, que fornecem uma forma - ainda que indireta, a partir das áreas construídas - para medir a urbanidade (Weeks, 2010). De facto, as imagens multitemporais (e multiespectrais) dos satélites, ao fornecerem informação detalhada da superfície terrestre, permitem: i) recriar as trajetórias urbanas, numa lógica de story-telling; ii) estabelecer a ligação entre as formas e os processos urbanos; e, iii) determinar as consequências ambientais da urbanização (Coppin et al., 2004). Note-se que, a Observação (remota) da Terra largamente utilizada em outros domínios da Geografia, como a Climatologia, só ulteriormente foi incorporada pela Geografia Urbana para o estudo da forma urbana (i.e., a estrutura ou padrão espacial), assim como do crescimento urbano (entendido neste estudo como processo espacial de mudança).
No advento do novo milénio assiste-se a uma renovação do fascínio pelo fenómeno urbano - particularmente como evento espacial, decorrente dos avanços tecnológicos dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG) e da Deteção Remota. Para este interesse contribuiu ainda a convergência de outros fatores, designadamente: o contínuo aumento de população urbana, que pela primeira vez na História ultrapassou os contingentes rurais; e, os crescentes problemas ambientais associados às áreas urbanas (e.g., poluição atmosférica, aumento da temperatura; Sui, 2011).
Os primeiros estudos urbanos assentes em imagens de satélite, com incipiente ligação ao debate teórico, foram dominados por questões técnicas relacionadas com o desenvolvimento e/ou adaptação de métodos de análise. Os índices de estrutura espacial, originalmente concebidos no âmbito da Ecologia da Paisagem (Forman, 1995), assumiram particular destaque (e.g., Aguejdad & Hubert-Moy, 2016; Herold et al., 2005; Liu & Yang, 2015), uma vez que possibilitam a quantificação da estrutura urbana numa determinada data (i.e., visão estática). Todavia, as métricas convencionais não elucidam acerca do processo de formação da estrutura urbana entre datas. Em resposta a esta limitação, Liu et al. (2010) desenvolveram o Landscape Expansion Index (LEI) que, ao analisar a relação de novas manchas urbanas com o tecido preexistente, permite quantificar as mudanças de configuração entre dois ou mais momentos no tempo e captar informação sobre o processo de crescimento urbano, fornecendo uma visão dinâmica deste fenómeno. Neste sentido, o LEI consubstancia uma abordagem “processo-pela-forma”, que combina os dados multitemporais de Deteção Remota e as métricas espaciais (Dietzel et al., 2005).
O LEI discrimina o crescimento urbano em função do modo, nomeadamente: i) colmatação (infilling), quando se verifica a impermeabilização dos espaços vacantes no interior do tecido urbano; ii) contiguidade (edge-expansion), quando os incrementos urbanos decorrem da conversão de solo permeável adjacente tecido urbano; e, iii) e dispersão (outlying), quando os novos segmentos urbanos não têm ligação aos preexistentes. Esta métrica possibilita a estandardização dos estudos urbanos imprescindível à comparação de escalas geográficas e temporais distintas, bem como de diferentes realidades territoriais. Em vista disso, este índice tem sido amplamente utilizado para testar a hipótese teórica proposta. Herold et al. (2005), segundo a qual a urbanização se desenvolve numa alternância cíclica de duas fases - uma de dispersão, marcada pelo aparecimento de novos segmentos urbanos, e outra de coalescência, determinada pela fusão das diversas manchas.
Os avanços técnicos da Deteção Remota e dos SIG desencadearam uma mudança de paradigma nos estudos urbanos, na qual o método dedutivo (i.e., aplicação de considerações gerais a casos particulares), característico das abordagens tradicionais, é preterido em favor do indutivo, assente na proliferação dos estudos de caso. Nesta lógica de aprendizagem, as investigações são desenvolvidas no sentido bottom-up - i.e., parte-se da análise da estrutura para o processo -, ocorrendo a formulação das teorias a jusante (Bhatta, 2013).
Neste cômputo, recorre-se ao arquivo Landsat - a mais longa e contínua série de aquisição de imagens por Deteção Remota - para descortinar as (dis)similaridades do processo de urbanização (i.e., ritmo e modos) experienciado pelos municípios de Braga e de Guimarães entre 1984 e 2016. Estes municípios, à semelhança do restante Noroeste de Portugal, exibem um povoamento disseminado, mas denso (Domingues, 2007, 2011; Portas, 2005; Ribeiro, 1995), na estreita dependência de um conjunto favorável de condições naturais (e.g., elevada precipitação, verões curtos), de que uma complexa evolução agrária (e.g., socalcos, rega e estrume abundante) soube tirar o máximo proveito (Ribeiro, 1995). Não obstante este contexto comum, bem como as similaridades fisiográficas e climáticas, Braga e Guimarães desenvolveram modelos territoriais díspares, consequência dos fluxos e refluxos civilizacionais que moldaram o território, sobressaindo com particular enfâse os dois últimos séculos.
Para uma consideração mais precisa do trabalho empírico definiram-se os seguintes objetivos operacionais: i) extração do tecido urbano para cada imagem Landsat; ii) quantificação do ritmo de crescimento urbano entre cada intervalo temporal; e, iii) identificação dos modos de crescimento urbano. Assim, diferentemente de muitas investigações desenvolvidas nesta temática, o presente estudo não só analisa o padrão urbano e quantifica os ritmos de crescimento urbano, como também desvela o modo como ocorre a adição de tecido urbano.
II. Dados e métodos
Este estudo foca-se nos municípios de Braga e de Guimarães - que, hodiernamente, formam uma extensa constelação urbana, como atesta a classificação das freguesias, quase em exclusivo, como Área Predominantemente Urbana (APU) e Área Mediamente Urbana (AMU), pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) (fig. 1).
Os municípios de Braga e de Guimarães apresentam entre 1981 e 2011 um crescimento notório ao nível da população e do edificado, embora com ritmos de evolução desiguais (INE, 1981, 1991, 2001, 2011). Note-se que, apesar de Braga partir de um contingente populacional inferior ao de Guimarães, não só se aproxima dos seus valores em 1991, como inclusive os ultrapassa em 2001. Esta supremacia consolida-se em 2011, fruto não só do intenso processo de crescimento populacional de Braga, como também da perda populacional em Guimarães (fig. 2A). Por sua vez, no que concerne ao edificado, ambos os municípios registam um crescimento linear entre 1981 e 2011, sendo o aumento sempre mais expressivo em Guimarães (fig. 2B). Esta situação dever-se-á, por um lado, à maior dimensão física do território vimaranense; e, por outro, à maior verticalização do edificado em Braga, que suporta um maior contingente populacional em menor número de edifícios. Efetivamente, o município de Braga detém uma densidade populacional mais elevada do que o de Guimarães em todos os momentos censitários (fig. 2C). Importa ainda realçar que em Braga se observa um incremento linear da densidade populacional entre 1981 e 2011, ao passo que em Guimarães não se discerne uma tendência evolutiva nestas décadas. Esta constatação reforça que os dois municípios em estudos, ainda que adstritos, exibem modelos territoriais nitidamente díspares.
Ao nível das atividades económicas são de igual modo percetíveis diferenças entre os municípios de Braga e de Guimarães. Assim, à parte dos valores residuais do setor primário (i.e., 1%), constata-se que em Braga o setor terciário detém uma importância claramente superior à observada em Guimarães (i.e., 69% vs 48%), onde o setor secundário continua a preponderar (fig. 3).
Os procedimentos metodológicos realizados para a análise da evolução urbana de Braga e de Guimarães entre 1984 e 2016 encontram-se sintetizados no esquema da figura 4, procedendo-se de seguida uma descrição detalhada de cada fase.
Selecionaram-se seis cenas Landsat, distribuídas pelos sensores TM (1984, 2003, 2010), ETM+ (1999) e OLI (2016), partindo do pressuposto que estas não apresentassem nebulosidade e que fossem do mês de julho, para minimizar as diferenças na inclinação do Sol e na fenologia da vegetação. As imagens foram pré-processadas no software ENVI, tendo sido efetuadas as necessárias correções radiométricas, atmosféricas (através do módulo FLAASH) e geométricas.
A despeito dos vários métodos que permitem extrair o tecido urbano, optou-se pelos índices espectrais, atendendo à sua confiabilidade, simplicidade concetual e eficiência computacional (Villa, 2012), que permite a rápida atualização da informação do urbano (como também da vegetação e do solo nu, igualmente componentes do ecossistema urbano). Importa notar que, no âmbito da investigação se entende como urbanização a conversão de superfícies permeáveis - com maior ou menor cobertura de vegetação - em superfícies impermeáveis antrópicas, por via da transformação do ambiente natural em construído. Em detalhe, de um conjunto inicial de 43 índices espectrais, selecionaram-se sete, em função das potencialidades e debilidades intrínsecas, designadamente: o Normalized Difference Vegetation Index (NDVI), o Soil Adjusted Vegetation Index (SAVI), o Normalized Difference Bareness Index (NDBaI), o Soil and Vegetation Index (SVI), o Urban Index (UI), o Modified Normalized Difference Water Index (MNDWI). A classificação e combinação destes índices, efetuada ao nível do pixel por via de um processo de ajustamento gradativo, permitiu discriminar as seguintes componentes biofísicas: superfícies impermeáveis antrópicas (edificação, estradas); industrial/pedreiras; vegetação arbórea, densa e/ou com elevado nível de humidade; vegetação herbácea/arbustiva, esparsa e/ou seca; solo nu; e, água.
A precisão do sistema de classificação das componentes biofísicas foi avaliada com base na matriz de erro, também designada por tabela de contingência ou matriz de confusão. Para tal, extraiu-se uma amostra aleatória de 509 pontos, mas estratificada em função da área ocupada por cada componente biofísica. Os valores de referência - ou “ground truth” - foram obtidos a partir da classificação manual dos pontos tendo como referência a imagem de cores naturais respetiva e a fotografia aérea. Os resultados da matriz de erro reportam uma precisão de 90% e um índice Kappa de 0,87. Estes valores, em consonância com os obtidos noutros estudos (e.g., Shi et al., 2012), cumprem os requisitos necessários à aplicação de técnicas de deteção de mudança (Janssen & Wel, 1994). Complementarmente a esta apreciação quantitativa, procedeu-se à inspeção visual dos pontos erroneamente classificados - quer por comissão, quer por omissão. Esta análise coloca em evidência que os erros mais frequentes consistem na confusão entre o solo nu e as superfícies impermeáveis antrópicas, decorrente da similaridade da assinatura espectral destas duas componentes biofísicas. Assim, considera-se os resultados obtidos bastante satisfatórios, atendendo às especificidades da urbanização difusa e aos constrangimentos da resolução espacial do Landsat.
Para dar resposta à natureza específica dos objetivos do trabalho procedeu-se à união das layers do industrial/pedreiras com a das superfícies impermeáveis antrópicas, assumindo-se como premissa que o crescimento urbano constitui um processo cumulativo e irreversível (Song et al., 2016), negligenciando-se, por conseguinte, possíveis situações de abandono urbano, como as identificadas Brito-Henriques et al. (2018). A partir destes mapas quantificou-se o tecido urbano em cada data (i.e., a estrutura), bem como o crescimento em cada intervalo temporal (i.e., o processo). De mencionar que todo o processo de classificação das imagens (i.e., derivação, classificação e combinação dos índices espectrais), e respetiva avaliação, foi desenvolvido no software ArcGIS.
Seguidamente, calculou-se a proporção de crescimento urbano (PCU) de cada intervalo relativamente ao tecido preexistente, com base na formulação de Chen et al. (2018):
em que, PCU = proporção do crescimento urbano (%); U início = área urbana (m2) na primeira data; e, U fim = área urbana (m2) na segunda data.
De modo a neutralizar a diferença no número de anos abarcados em cada intervalo temporal, procedeu-se ao cálculo da taxa de crescimento urbano (TCU) por ano, com base na seguinte equação (Chen et al., 2018):
em que, TCU = taxa anual de crescimento urbano (%/ano); U início = área urbana (m2) na primeira data; U fim = área urbana (m2) na segunda data; e, n = número de anos do intervalo temporal.
Atendendo à complexidade dos padrões urbanos, determinou-se a tendência espacial de mudança do crescimento urbano entre 1984 e 2016, com recurso ao software TerrSet, através do Land Change Modeler. Para contextualizar esta informação, procedeu-se ao cálculo do ponto central do tecido urbano existente, bem como das novas manchas urbanas, com recurso à ferramenta Mean Center (disponibilizada na extensão Spatial Statistics do ArcGIS).
Por último, considerando que o crescimento urbano pode assumir diferentes modos - i.e., colmatação, contiguidade ou dispersão - recorreu-se ao LEI, proposto por Liu et al. (2010), para os discriminar. Em concreto, aplicou-se a ferramenta homónima concebida pelos autores para o software ArcGIS, adotando-se a distância de 1m para a definição do buffer. O valor de LEI atribuído a cada nova mancha urbana é determinado pela seguinte fórmula (Liu et al., 2010):
em que, LEI = Landscape Expansion Index (%); A0 = área de interseção (m2) entre o buffer da nova mancha urbana e mancha urbana preexistente; e, AV = área de interseção (m2) entre o buffer da nova mancha e o espaço vacante.
O LEI varia entre 0 e 100, sendo a partir da seguinte classificação que se determinam os modos de crescimento urbano: LEI<1 = dispersão; 1≥LEI≤50 = contiguidade; e, 50>LEI≤ 100 = colmatação. Importa notar que, na classificação original proposta por Liu et al. (2010) o modo dispersão apresenta um valor de LEI igual a zero. O ajustamento do valor para inferior a 1 foi definido após uma detalhada inspeção visual dos resultados, onde se constatou que as manchas com valor de LEI superior a zero mas inferior a 1 não detinham qualquer interseção com a mancha urbana preexistente. O conhecimento e familiaridade do autor com o território desempenhou um papel fundamental neste processo.
Por seu turno, o valor médio de LEI, definido por Liu et al. (2010) como Mean Expansion Index (MEI), permite quantificar a preponderância relativa de cada um dos modos de crescimento urbano ao longo da série temporal, traduzindo assim a maior ou menor compacidade do processo de urbanização (Li et al., 2013). O MEI é definido com base na seguinte equação:
em que, MEI = Mean Expansion Index (%); LEI i = Landscape Expansion Index (%) de uma mancha urbana nova; e, N = número total de novas manchas urbanas.
Após a aplicação e classificação do LEI determinou-se, por intervalo temporal, a importância relativa de cada um dos três modos de crescimento urbano. Importa notar que, este processo foi aplicado a duas escalas espaciais: municípios e freguesias. A relação estatística entre colmatação, contiguidade e dispersão foi avaliada a partir da correlação de Spearman (para um intervalo de confiança de 95%), calculada no software IBM SPSS Statistics, com base na representatividade, por freguesia, de cada modo. A opção por um método não paramétrico deve-se à reduzida dimensão do conjunto de dados, que segundo o teste de Shapiro-Wilk não segue uma distribuição normal.
III. Resultados: processo de urbanização em Braga e Guimarães entre 1984 e 2016
A aquisição sequencial de imagens pelo Landsat permite não só observar a evolução do território, como também descrever, quantificar e modelar o processo de urbanização subjacente (e.g.,Aguejdad & Hubert-Moy, 2016; Chen et al., 2018; Liu et al., 2011; Liu & Yang, 2015; Yang, 2011).
1. O padrão espacial da urbanização
O município de Braga apresenta uma mancha urbana claramente mais contínua do que Guimarães - onde, para além do núcleo histórico, são evidentes outros aglomerados (e.g., Pevidém, Lordelo/Moreira de Cónegos, Taipas/São João de Ponte). Do centro de Braga emerge uma estrutura urbana radial, comandada pelas vias rodoviárias, em direção às localidades vizinhas de Vila Verde, Amares, Vila Nova de Famalicão, Póvoa de Lanhoso e Guimarães (sendo esta, quando comparada com as anteriores, mais ténue). Ao mesmo tempo, em Braga, mas sobretudo em Guimarães, é notória a disseminação das manchas urbanas por todo território, em muitos casos correspondentes a conjuntos habitacionais individuais (fig. 5).
Com os sucessivos acréscimos de tecido urbano, decorrentes da abertura de novos eixos viários (particularmente evidentes entre 1999-2003 e 2003-2007), da ampliação dos núcleos preexistentes e da adição atomística de edifícios, vai emergindo na paisagem de modo cada vez mais claro uma “urbe contínua” entre os dois núcleos centrais, que desde 2003 se encontram conectados por um nervo central - a autoestrada A11 (fig. 5).
2. O ritmo de crescimento urbano
O município de Guimarães apresenta uma extensão de tecido urbano sempre mais elevado do que Braga, no entanto, fruto da maior dimensão, a percentagem de território impermeabilizado é ligeiramente inferior em todas as datas (fig. 6 ). Concretizando, entre 1984 e 2016, Braga regista um acréscimo de 54,25km2 de tecido urbano, aumentando de apenas 5%, em 1984, para 35%, em 2016; ao passo que, em Guimarães a área urbana passa de 4% para 32%, apesar do incremento em termos absolutos de 66,24km2.
A despeito do crescimento urbano entre 1984 e 2016 exibir uma tendência grosso modo linear (fig. 6), uma análise pormenorizada coloca em evidência dissimilaridades temporais. Os incrementos mais significativos de área urbana no município de Braga (17,45km2) e de Guimarães (20,42km2) ocorrem no intervalo 1984-1999, consubstanciando estes 15 anos 30-32% do crescimento urbano registado nas três décadas em estudo (fig. 7). Por sua vez, os menores ganhos registam-se entre 2007 e 2010, coincidindo com o hiato mais reduzido.
No intervalo 1984-1999, decorrente da amplitude temporal abarcada e da reduzida dimensão urbana no início da série histórica, registam-se os ganhos proporcionais de tecido urbano mais elevados - triplicando em Guimarães (ganhos de 200%) e ficando próximo disso em Braga. Decorridos 32 anos, os ganhos de tecido urbano no município de Guimarães cifram-se nos 649% (i.e., mais que setuplicam), enquanto em Braga representam uma ampliação de seis vezes e meia (550%). Efetivamente, Guimarães regista quase sempre os ganhos proporcionais mais elevados, constituindo o intervalo 1999-2003 a única exceção (quadro I).
Considerando que o contributo de cada intervalo temporal para o crescimento urbano ocorrido nos 32 anos em estudo se encontra diretamente relacionado com o número de anos que abarca, procede-se ao cálculo da taxa anual de crescimento urbano (quadro II), a fim de neutralizar o efeito desta diferença.
Uma análise comparativa entre o município de Braga e o de Guimarães revela que entre 1984 e 2007 (i.e., 1984-1999, 1999-2003 e 2003-2007) a taxa de crescimento urbano mais elevada ocorre em Braga; porém, a partir de 2007 (i.e., 2007-2010 e 2010-2016), a situação transfigura-se. A taxa de urbanização mais elevada verifica-se em Braga entre 1999-2003, período em que, por ano, é convertido 1,9% do território em superfícies impermeáveis antrópicas. Guimarães nunca consegue igualar estes valores, dado que em igual período, a taxa de crescimento é de apenas 1,29% (quadro II).
3. Os modos de crescimento urbano
Os diferentes modos de crescimento urbano (i.e., colmatação, contiguidade, dispersão) foram identificados nesta investigação para os municípios de Braga e de Guimarães a partir da aplicação do Landscape Expansion Index (LEI), proposto por Liu et al. (2010), às novas manchas de tecido urbano extraídas das imagens Landsat. Nestes municípios o crescimento em contiguidade é o modo dominante nos cinco intervalos temporais em estudo, correspondendo sempre a mais de 50% do total das novas manchas urbanas (quadro III, figs. 8 e 9). A colmatação urbana assume-se como o segundo modo mais importante em Braga, mas não em Guimarães, onde esta posição é ocupada pela dispersão. Efetivamente, durante 25 dos 32 anos em estudo, o crescimento por dispersão constituiu o segundo modo mais expressivo em Guimarães; enquanto em Braga a dispersão foi apenas mais importante do que a colmatação urbana durante os primeiros 15 anos da série temporal.
A colmatação urbana ocorre maioritariamente no interior do núcleo urbano central de Braga e de Guimarães. Sem embargo, realçar que no município vimaranense se nota igualmente a colmatação em pequenos aglomerados - inclusive no intervalo 1984-1999, hiato em que em Braga este modo de crescimento confina em exclusivo ao âmago da cidade (figs. 8 e 9). O crescimento em contiguidade, geralmente associado a manchas de maior dimensão, surge primordialmente no entorno da urbe primaz de Braga e de Guimarães (sobretudo numa primeira fase, consubstanciando uma nova coroa urbana) e ao longo dos eixos viários. Uma vez mais ressalvar que, em Guimarães a contiguidade é transversal aos restantes núcleos já observados em 1984. Por último, a dispersão urbana decorrente da adição de segmentos urbanos minúsculos, correspondentes em muitos casos a habitações isoladas, é por demais evidente no território extrínseco ao perímetro urbano.
A análise do LEI ao nível da freguesia permite identificar as especificidades intramunicipais. Em consonância com o verificado anteriormente, sobressai a distribuição uniforme do crescimento em contiguidade nas freguesias bracarenses e vimaranenses, ainda assim realça-se a importância deste modo de crescimento na União de Freguesias Briteiros (Santo Estevão) e Donim (Guimarães), na qual corresponde a mais de 90% do crescimento urbano verificado entre 1984 e 2016 (fig. 10).
Relativamente ao crescimento urbano por colmatação e dispersão sobressai a posição diametralmente oposta das freguesias determinada pela maior/menor representatividade de cada um dos modos. Esta disjunção espacial quase simétrica, coloca em evidência a forte correlação negativa exibida pelas duas variáveis (-0,7, p-valor <0,01) em ambos os municípios (quadro IV). Com efeito, é lícito afirmar que as freguesias com maior crescimento por dispersão são, concomitantemente, aquelas que apresentam menor colmatação urbana.
Nível de significância: **correlação significativa no nível 0,01; *correlação significativa no nível 0,05.
A colmatação urbana predomina nas freguesias que constituem o núcleo das cidades de Braga e de Guimarães, bem como naquelas que se encontram classificadas pelo INE como Área Predominantemente Urbana (fig. 10). O crescimento disperso ocorre, maioritariamente, nas freguesias classificadas como Área Mediamente Urbana ou Área Predominantemente Rural (fig. 10). No caso específico de Guimarães, constata-se que as vilas se concentram no setor onde predomina a colmatação sobre a dispersão - excetuando-se apenas São Torcato, a única vila classificada como Área Mediamente Urbana. O crescimento disperso exibe igualmente uma relação inversa com a contiguidade urbana, sendo esta associação - do ponto de vista estatístico - mais significativa em Guimarães do que em Braga (-0,3, p-valor <0,05 em Braga vs -0,6, p-valor <0,01 em Guimarães). Por sua vez, o crescimento em contiguidade e a colmatação não apresentam uma relação significativa do ponto de vista estatístico (quadro IV).
IV. Discussão: das (dis)similaridades urbanas às ligações empíricas com a teoria urbana
A estrutura urbana multinucleada axiomática em Guimarães, e cognoscível em Braga, contrasta com os convencionais núcleos individuais bem delimitados - a ideia da cidade-corpo (Domingues, 2015). Em vista disso, estes dois municípios assumem-se como excelentes casos de estudo das dinâmicas urbanas (e ambientais) pós-modernas. Com o descortinar da trajetória urbana fica em evidência que, mais do que temporal (i.e., no Quando?) ou quantitativamente (i.e., no Quanto?), os municípios em estudo apresentam disparidades espaciais (i.e., no Onde? e no Como?). Face à complexidade dos padrões (e processos) urbanos, recorre-se à tendência espacial de mudança para discernir a(s) direção(ões) da evolução urbana nos municípios de Braga e de Guimarães. Efetivamente, é notório o desequilíbrio do processo de urbanização, decorrente da oscilação geográfica dos hotspots de mudança (figs. 11 e 12).
O processamento integrado das imagens referentes aos 32 anos em estudo revela um padrão de urbanização notoriamente distinto nos dois municípios (fig. 13): em Braga, verifica-se um desenvolvimento concêntrico em torno do núcleo genético e confinado, em grande medida, ao atual perímetro urbano; em Guimarães, o crescimento urbano desloca-se para Norte do ponto central do tecido urbano de 1984, ancorando-se no limite Oeste do atual perímetro urbano, dado que se denotam importantes hotspots de mudança a Noroeste e Sudoeste. Com efeito, o perímetro urbano bracarense capta melhor o processo de urbanização do que o vimaranense, exibindo a cidade de Braga maior poder de polarização do que a Guimarães, onde as vilas continuam a constituir importantes núcleos de condensação da população.
A estrutura urbana sui generis de Braga, e muito particularmente a de Guimarães, só é possível por via da combinação de lógicas de crescimento urbano decorrentes da colmatação de vazios urbanos, de continuidade com o tecido preexistente, e de disseminação no território, como revelado pelo LEI (figs. 8 e 9). A contiguidade urbana constitui o modo de crescimento dominante nos dois municípios, correspondendo a mais de 60% do crescimento verificado entre 1984 e 2016, como reportado em outros estudos (e.g.,Abrantes et al., 2016; Dahal et al., 2017; Gomes et al., 2018; Li et al., 2013; Liu et al., 2010; Shi et al., 2012); e, corroborando, em consonância com a primeira da Lei da Geografia, proposta por Tobler (1970), que existe uma forte relação das novas manchas urbanas com a estrutura implementada no território.
Ademais, o LEI confirma não só que a dispersão urbana assume maior acuidade em Guimarães do que em Braga (Domingues, 1999; Portas, 2012), como também mostra que esta “realidade” tem perdurado nas últimas décadas, exatamente como Portas (1986) antevia. Em Guimarães o PDM, aprovado em 1994, não contrariou a tendência secular instalada no território, reforçando a asserção de Encarnação et al. (2013, p. 2687) que o crescimento urbano “seems to have been more conducted by processes than by plans”.
O Mean Expansion Index (MEI), que traduz a maior ou menor compacidade do crescimento urbano a partir da importância relativa de cada um dos modos de crescimento, coloca em evidência que o processo de urbanização nos municípios de Braga e Guimarães no decorrer dos 32 anos em análise foi intercalando períodos de maior dispersão com outros de maior compactação (fig. 14). Este padrão oscilatório parece suportar a hipótese teórica que as áreas urbanas alternam de modo cíclico fases de difusão com fases de coalescência, proposta por Herold et al. (2005) e corroborada por diversos autores (e.g., Aguejdad & Hubert-Moy, 2016; Dahal et al., 2017; Liu et al., 2010).
Por fim, importa realçar que os três modos de crescimento urbano operam em simultâneo. Assim sendo, a simplificação dicotómica difusão-coalescência, apresentada por Herold et al. (2005), apesar de percetível neste território, poderá não ser suficiente para escrever a complexidade espacial e temporal deste fenómeno, particularmente no contexto da urbanização difusa.
V. Conclusão
Atendendo à natureza específica deste trabalho, optou-se por dar um enfoque bipartido ao seu fecho. Assim, primeiramente, a atenção encontra-se direcionada para a identificação das limitações dos dados e métodos empregues na investigação empírica; e, em seguida, apontam-se as conclusões advindas do trabalho per si.
Os retratos sequenciais adquiridos por Deteção Remota permitiram debelar, em grande parte, as restrições que a falta de dados espaciotemporais contínuos sempre impuseram ao enfoque cronogeográfico dos estudos urbanos. Note-se, porém, que a pegada da área impermeabilizada constitui apenas uma das faces do imenso poliedro que constitui o fenómeno urbano. O arquivo Landsat - a mais longa e contínua série de imagens de média resolução - por ser disponibilizado gratuitamente transformou-se na principal base para a extração do tecido urbano. Conquanto, a classificação das imagens permanece uma tarefa complexa e laboriosa, sobretudo quando se trata da distinção entre o tecido urbano e o solo nu - situação maximizada em territórios de urbanização difusa - dada a similaridade das suas assinaturas espectrais. A isto soma-se ainda o problema dos pixéis, já amplamente reportado e debatido (e.g., Tenedório et al., 2004;Yang, 2011). Sem embargo, os satélites com elevada resolução espacial, por possuírem uma amplitude temporal mais reduzida e implicarem custos monetários de aquisição, nunca se suplantaram ao Landsat como fonte de dados.
A discriminação e quantificação dos modos de crescimento pelo LEI contribui para um entendimento mais profundo das dinâmicas urbanas, pois revela a relação da estrutura urbana com o respetivo processo de evolução. Ademais, fornece a base necessária à comprovação/refutação de teorias urbanas, como por exemplo, a hipótese e de difusão e coalescência do crescimento urbano.
Entre 1984 e 2016 são por de mais evidentes as mudanças na paisagem urbana de Braga e de Guimarães, que caso se desconsiderasse o modelo territorial subjacente se descreveria como caótica ou irracional. E, “numa palavra, a dispersão é o caos - e os deuses (como os planeadores) têm horror ao caos” (Portas, 2005, p. 81). Contudo, este pequeno “caos” quando devidamente enquadrado, e se observado sem os pré-conceitos estabelecidos sobre a “boa forma urbana”, exibe uma lógica consistente, em traços gerais captada nos seguintes padrões: o primeiro abarca o núcleo histórico da cidade de Braga e de Guimarães, onde a urbanização é mais compacta e estabilizada; o segundo, imediatamente contíguo, apresenta uma mancha urbana menos estruturada, corresponde à expansão recente deste núcleo; o terceiro engloba aglomerações de dimensão reduzida, mas compactas, comuns nas imediações do núcleo primaz das paróquias, sendo esta situação mais premente em Guimarães, por força do poder condensação das vilas; o quarto, consiste nos eixos lineares que acompanham as vias rodoviárias, as linhas de água ou os alinhamentos da orografia; e, por fim, o quinto, corresponde então aos segmentos urbanos isolados, decorrentes de habitações unifamiliares isoladas. Este crescimento descosido (leap-frogging) rompe com a visão da cidade-corpo (materializada no território por via do perímetro urbano municipal), e, consequentemente, obriga à superação de velhas dicotomias (e.g., cidade/campo; urbano/rural), que não fazem sentido nem como grelha analítica, nem como modelo prospetivo. Efetivamente, o que neste momento se impõe como protagonista não é a cidade, mas o urbano (Portas, 2000); e, em Braga, mas sobretudo em Guimarães, o urbano já não mora na cidade, mas fora dela (e dos perímetros urbanos).
Os resultados obtidos para os municípios de Braga e de Guimarães atestam a capacidade do LEI - assente na integração da Deteção Remota com os SIG - na captura das dinâmicas multifacetadas do processo de urbanização, amplamente maximizadas em territórios de urbanização difusa. Dessarte, o LEI pode dar um contributo importante na compreensão deste modelo territorial, constantemente apelidado de banal por não coadunar com os cânones urbanísticos, e que - por força de tal asserção - tem sido preterido em relação a outras áreas-problema, mais bem conhecidas, diagnosticadas e até experimentadas.