I. Introdução
A urgência em confrontar a emergência climática, agravada pelos problemas de natureza mais conjuntural criados pela guerra na Ucrânia, apontam para a necessidade de acelerar a transição sustentável. Tal inclui a intensificação do ritmo de desenvolvimento e implementação de tecnologias energéticas emergentes, como as energias renováveis marinhas (Bento & Fontes, 2019; Fontes et al., 2016), identificadas como tendo um papel central numa estratégia europeia para a transição energética (European Commission, 2020).
A aceleração da transição energética passa pela capacidade de mobilizar recursos e competências existentes na indústria (Fontes et al., 2021). A literatura dos sistemas de inovação tecnológica (SIT) tem abordado a influência das interações entre o sistema emergente e as estruturas contextuais - tecnológicas, sectoriais, geográficas e políticas - nas quais está inserido o desenvolvimento de tecnologias emergentes (Bergek et al., 2015), dando particular ênfase à criação de complementaridades tecnológicas e sectoriais (Mäkitie et al., 2022; Markard & Hoffman, 2016). Por outro lado, a literatura sobre geografia das transições refere que o modo como essas complementaridades se estabelecem é frequentemente específico de cada território (Hansen & Coenen, 2015; Truffer & Coenen, 2012), sendo igualmente sujeito a influências multi-escalares (Heiberg et al., 2022). A interação entre as tecnologias emergentes e os sectores estabelecidos pode também ter um efeito transformador sobre esses sectores e as regiões onde se localizam, induzindo nova atividade e suportando processos de diversificação (Fontes et al., 2021; Mäkitie et al., 2022).
Os projetos de experimentação têm um papel importante para a aceleração da inovação nas fases iniciais da tecnologia. A experimentação tem mostrado efeitos positivos na aprendizagem e redução de custos da tecnologia na fase de difusão (Frishammar et al., 2015; Harborne & Hendry, 2009). Porém, os seus efeitos, durante as fases iniciais de desenvolvimento, particularmente no que toca aos sectores e territórios, permanecem ainda pouco estudos (Andersson et al., 2018).
Portugal tem uma experiência longa de mais de duas décadas no desenvolvimento de duas Tecnologias de Energias Renováveis Marinhas (TERM) - energia das ondas (Fontes et al., 2016) e energia eólica offshore flutuante (Bento & Fontes, 2019). Importa agora compreender se as atividades conduzidas ao longo da fase inicial de desenvolvimento dessas tecnologias, permitiram começar a mobilizar a indústria nacional, e até que ponto essa mobilização gerou alguns núcleos sectoriais e regionais de atividade. Importa ainda perceber até que ponto esses processos iniciais poderão servir de ponto de partida para a fase seguinte de desenvolvimento, tanto no que se refere à aceleração da inovação tecnológica, como à capacidade das regiões pioneiras para captar as novas oportunidades geradas.
Com efeito, o caso português permite avançar o conhecimento sobre os efeitos da experimentação na fase inicial das inovações tecnológicas. Em particular, esta investigação procura responder às seguintes questões. Até que ponto as atividades conduzidas ao longo do processo de desenvolvimento inicial permitiram começar a mobilizar a indústria nacional? Qual o padrão sectorial e espacial desses processos?
Para lhes responder, identificamos as empresas envolvidas nas atividades na área das TERM e os principais sectores onde atuam, através da construção de uma base de dados compreensiva. Em seguida, analisamos a distribuição espacial, identificando e caracterizando as principais concentrações de empresas e os fatores que as explicam. Finalmente, examinamos o papel das atividades conduzidas por duas tecnologias que têm vindo a desenvolver, instalar e testar sistemas no mar, enquanto atractores de empresas industriais, nomeadamente das regiões onde se localizam. Visa-se aqui compreender a sua contribuição para a organização espacial de uma nova cadeia de valor em torno destas tecnologias.
A investigação contribui para compreender o modo como a experimentação na fase inicial das tecnologias pode abrir caminho para o seu desenvolvimento futuro. Em particular, contribui para aprofundar o papel (e os limites) dessas atividades no estabelecimento das interações que permitem, simultaneamente, o acesso a atores e recursos críticos existentes no contexto e um envolvimento ativo desses atores com efeitos positivos para os seus sectores e regiões.
Os resultados contribuem para a investigação sobre o papel dos recursos existentes na aceleração do desenvolvimento das tecnologias (Andersson et al., 2018; Fontes et al., 2021). Têm ainda implicações para a definição de políticas que visem ganhar vantagens a partir de um posicionamento antecipado (“prime mover”), fornecendo nomeadamente evidência acerca das oportunidades e limitações geradas pela experimentação na fase pré-comercial das inovações tecnológicas.
O artigo prossegue com a seguinte organização. A secção dois apresenta a revisão da literatura. A secção três explica a construção da base de dados de atores e o modo de análise dos principais efeitos das atividades de teste e demonstração das tecnologias. A secção quatro apresenta os principais resultados das análises em termos da identificação e caracterização dos efeitos sectoriais e locais, antes da discussão e conclusões finais na última secção.
II. Enquadramento teórico
As estruturas contextuais são importantes para a emergência de inovações tecnológicas e o modo como afetam essa emergência tem recebido uma crescente atenção na literatura. As interações com as estruturas contextuais influenciam a (e são influenciadas pela) forma como redes de atores e instituições desenvolvem, produzem, difundem e usam novas tecnologias, numa palavra, estabelecem sistemas de inovação tecnológicos (SIT) (Bergek et al., 2008; Carlsson & Stankiewicz, 1991; Markard et al., 2012). Bergek et al. (2015) identificam quatro estruturas contextuais relevantes nesses processos: tecnológica, sectorial, geográfica e política.
As interações com as estruturas tecnológicas e sectoriais existentes podem ser de concorrência ou complementaridade. Sandén e Hillman (2011) mostram como as tecnologias emergentes podem beneficiar de complementaridades com as tecnologias existentes, para além das relações de competição pelo mercado. Markard e Hoffmann (2016) aprofundam o conceito de complementaridades entre tecnologias e sectores, as quais podem ajudar a acelerar (ou atrasar no caso da sua ausência) a emergência da inovação tecnológica. As complementaridades tecnológicas, segundo os autores, tendem a envolver outros atores, bases de conhecimento, modelos de negócios e de organização que extravasam os limites das indústrias relacionadas com a tecnologia focal. A existência de complementaridades intersectoriais ajuda nomeadamente a uma mais rápida construção de cadeias de valor para a produção da inovação tecnológica emergente (Fontes et al., 2021; Mäkitie et al., 2022). Contudo, a tecnologia também pode afetar e ajudar a transformar os sectores envolvidos na sua produção e uso (Bento et al., 2021; Dolata, 2009, 2018).
As estruturas geográficas influenciam a natureza das interações do SIT com o contexto. Os recursos existentes a nível territorial apresentam oportunidades e constrangimentos ao desenvolvimento do SIT. A abordagem recente da geografia das transições cruza os temas da transição sustentável com a literatura dos estudos regionais e geografia económica, para destacar três fatores importantes: o enraizamento (“embeddedness”) local de novas indústrias e tecnologias; os fatores multi-escalares nas transições; e as relações de agência e poder (Boschma et al., 2017; Truffer & Coenen, 2012). Em primeiro lugar, a importância dos fatores específicos locais, tais como o perfil de especialização, os recursos naturais, a formação de procura, as políticas e instituições informais, tende a ser reconhecida nos processos de mudança e alinhamento que estão na origem da emergência de novas tecnologias (Hansen & Coenen, 2015). Em segundo lugar, e como reação a este nacionalismo/localismo metodológico, uma série de autores tem alertado para a influência (na direção, intensidade de relações, acesso a recursos, etc.) de fatores supranacionais nos processos de desenvolvimento da inovação tecnológica (Binz & Truffer, 2017; Heiberg et al., 2022). Finalmente, o comportamento dos atores (incluindo o de proponentes e opositores) e as políticas são frequentemente decisivos para o desenvolvimento de SIT a nível nacional e local (Geels, 2002; Truffer & Coenen, 2012).
A dimensão política tem-se revelado crucial no desenvolvimento e difusão de várias tecnologias sustentáveis (van der Loos et al., 2021). Nas fases iniciais de formação da inovação tecnológica, políticas de suporte tecnológico apoiam o acesso a recursos financeiros, enquanto contribuem para aumentar a legitimidade (aceitação) da tecnologia, encorajando a entrada de novos atores (Bergek et al., 2015). O apoio à investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração é uma outra alavanca importante para o desenvolvimento de tecnologias limpas emergentes (Chan et al., 2017; Hendry et al., 2010; Sagar & van der Zwaan, 2006).
A literatura reconhece amplamente o papel da experimentação, conduzida no âmbito de projetos de teste e demonstração, na redução da incerteza tecnológica e no escalonamento da tecnologia (Frishammar et al., 2015). De um modo mais geral, é reconhecida a importância destes projetos na promoção de inovações de sistema conducentes às transições sustentáveis (Sengers et al., 2019). A experimentação teve nomeadamente um papel importante na aprendizagem pelo uso (“learning by using”) e na redução dos custos da energia eólica (Harborne & Hendry, 2009; Hendry et al., 2010) e solar (Brown & Hendry, 2009). No entanto, o sucesso de projetos de teste e demonstração é contingente a um conjunto de fatores que têm sido apontados na literatura, tais como a existência de uma estratégia coerente com objetivos claramente definidos, o desenvolvimento tecnológico, o envolvimento dos atores ou a construção de capacidade de produção (Frishammar et al., 2015; Harborne & Hendry, 2009).
A experimentação em fases preliminares do desenvolvimento da tecnologia tem um papel fundamental para a formação da inovação tecnológica, mas tem recebido pouca atenção na literatura (Andersson et al., 2018). Isto é particularmente o caso dos efeitos sectoriais e territoriais da experimentação em fases de pré-comercialização que estão pouco estudados, ao contrário dos impactos no desenvolvimento da tecnologia (e.g., Chan et al., 2017; Sagar & van der Zwaan, 2006). Importa perceber até que ponto existem vantagens e riscos numa estratégia de desenvolvimento antecipado (“prime-movers”). Designadamente, de que modo os riscos do investimento em tecnologias ainda rodeadas de muitas incertezas (tecnológicas, de mercado, regulamentares, etc.) são compensados pelos benefícios para o estabelecimento de bases industriais que possam vir a ser relevantes nas fases de escalonamento e de aceleração da difusão tecnológica (Andersson et al., 2018; Wilson, 2012). Esta questão da vantagem num posicionamento antecipado é particularmente importante nos processos de transição que decorrem em contextos tipicamente seguidores (Bento & Fontes, 2015). Neste caso, importa perceber como a experimentação pode influenciar a capacidade de os países estabelecerem bases de conhecimento e capacidade produtiva que lhes permita dar o salto (“leapfrogging”) e passar a integrar o grupo de pioneiros no desenvolvimento de uma determinada tecnologia.
III. Metodologia
Esta investigação procura conhecer os benefícios sectoriais e locais das atividades de teste e demonstração de protótipos conduzidas nas fases iniciais de desenvolvimento de novas tecnologias1. Para tal, analisamos a participação de empresas no desenvolvimento de tecnologias de energia renovável marinha (TERM) em Portugal - um país tradicionalmente seguidor de inovações desenvolvidas nos países do centro da inovação (Bento & Fontes, 2016), mas que neste caso participa no desenvolvimento destas tecnologias.
As TERM foram escolhidas para base empírica desta investigação pelas suas características específicas, que as indiciam como tecnologias com potencial para induzir efeitos em vários sectores industriais. Com efeito, as TERM são tecnologias complexas que requerem contribuições de diferentes áreas tecnológicas para desenvolver o conceito de conversão de energia, transformá-lo em sistemas funcionais e definir as estratégias mais adequadas para operar no mar. Os protótipos iniciais de alguns elementos do sistema podem ser desenvolvidos e testados em laboratório usando técnicas de modelação. Mas sistemas cada vez mais completos e de maior dimensão precisam de ser construídos e montados e depois testados em condições reais - desde tanques até mar aberto - durante longos períodos, para avaliar o desempenho e a confiabilidade da tecnologia e também a sua capacidade de sobrevivência no ambiente particularmente hostil do mar (Bjørgum & Netland, 2017; Magagna et al., 2017; Saint-Jean et al., 2021). Estes processos implicam investimentos elevados e são fortemente dependentes de fontes de financiamento externas, em particular públicas (Ministério do Mar, 2016). Construir e montar componentes e sistemas, instalá-los no mar e monitorizar a sua operação requer recursos e competências existentes em diversos setores, tanto estabelecidos (ex.: metalurgia, construção naval, transporte marítimo, engenharia naval) como emergentes (ex.: novos materiais, robótica), levando ao estabelecimento de relações com empresas desses sectores, desde as fases iniciais e criando oportunidades para inovação e diversificação (Fontes et al., 2021; Mäkitie et al., 2018).
A identificação de empresas envolvidas na área das tecnologias renováveis marinhas assentou em dois métodos: análise histórica com base em investigação documental complementada com entrevistas a atores-chave; e um inquérito por questionário.
Na análise histórica analisaram-se os projetos de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração na área das energias renováveis marinhas, financiados a nível nacional e europeu no período 1992-2021. Os dados para esta análise provêm da base de dados da Agência Nacional de Inovação, para os projetos nacionais; enquanto para os projetos europeus, foi usada a base de dados CORDIS (Community Research and Development Information Service) que cobre os vários Programas Quadros Europeus e ainda bases de outros mecanismos de financiamento como INTERREG, EEA Grants, European Maritime and Fisheries Fund (EMFF), KIC InnoEnergy, European Space Agency. No cômputo geral, identificámos 51 empresas portuguesas ou localizadas em Portugal, das quais 12 desenvolviam uma tecnologia e 39 desenvolviam atividades complementares. Recorremos ainda a uma pesquisa sistemática de documentos relativos às tecnologias que conduziram projetos de teste e demonstração em Portugal. Esta pesquisa permitiu identificar adicionalmente outras 44 empresas, das quais oito a desenvolver tecnologias.
O questionário teve como alvo as empresas coligidas na análise histórica e empresas selecionadas de um conjunto amplo de setores identificados como relevantes para a cadeia de valor das TERM. Obteve 318 respostas, das quais 84 de empresas que mencionaram estar ou ter estado ativas na área, incluindo 64 empresas que não tinham sido encontradas nas fontes documentais. Das restantes, 126 empresas colocaram a possibilidade de se vir a envolver no futuro e 108 indicaram não ter interesse na área.
A partir destas fontes construiu-se uma base de dados com 159 empresas ativas - atualmente ou em algum momento no passado - em TERM em Portugal (quadro I).
Fontes de informação | Total de empresas | % | Empresas tecnológicas | Empresas fornecedoras |
---|---|---|---|---|
Projetos | 51 | 32,0 | 12 | 39 |
Outros documentos | 44 | 27,7 | 8 | 36 |
Questionário sem outra fonte | 64 | 40,3 | 0 | 64 |
Total | 159 | 100 | 20 | 139 |
Com base na informação obtida foi ainda possível reconstruir o grupo de organizações participantes nas atividades de duas tecnologias que têm vindo a conduzir projetos de teste e demonstração com instalação de sistemas no mar ao longo do tempo e se encontram ainda em atividade. A tecnologia de energia das ondas Waveroller, de iniciativa da empresa finlandesa AW-Energy que testou o primeiro sistema em Peniche em 2007 e conduziu até ao momento três projetos, a várias escalas, nesse local, o último instalado em 2019 (https://aw-energy.com/waveroller). A tecnologia de energia eólica offshore flutuante Windfloat, de iniciativa de um consórcio internacional liderado pela empresa portuguesa EDP (a partir de uma tecnologia inicialmente desenvolvida pela empresa norte-americana Principle Power Inc., entretanto adquirida), que testou o primeiro sistema (Windfloat 1) na Aguçadora (Póvoa do Varzim) entre 2011 e 2016 e instalou um segundo (Windfloat Atlantic) em Viana do Castelo, em 2019, começando também a posicionar-se a nível internacional (https://www.edp.com/en/innovation/windfloat).
Embora esta base não seja necessariamente exaustiva, este exercício permitiu identificar o essencial das empresas envolvidas (em algum momento) em atividades relacionadas com as TERM em Portugal. Esta será a base da análise empírica conduzida neste artigo, designadamente o estudo dos efeitos sectoriais e territoriais.
A análise sectorial é realizada por sector de atividade, de acordo com a Classificação Portuguesa das Atividades Económicas (CAE Revisão 3). A análise territorial é realizada com base na desagregação regional por NUTS II e III, de acordo com Nomenclatura das Unidades Territoriais para fins Estatísticos (NUTS 2013).
A partir dos dados recolhidos, construímos mapas de localização das empresas ativas nas TERM com recurso ao ArcGIS Online. Também construímos um mapa com a localização dos atores participantes nos projetos de teste e demonstração das duas tecnologias objeto de análise mais detalhada: energia eólica offshore (Windfloat) e energia das ondas (Waveroller).
IV. Resultados
1. Efeitos sectoriais
A análise das empresas identificadas como ativas (atualmente ou no passado) na área das tecnologias renováveis marinhas permite uma primeira compreensão do modo como a indústria existente se tem vindo a envolver no desenvolvimento destas tecnologias.
Das 159 empresas identificadas, 20 são promotoras de uma tecnologia, a maior parte na área da energia das ondas (15 vs. cinco em eólica offshore), das quais sete já não se encontram em atividade. A elevada taxa de mortalidade é explicável pelo grau de incerteza associada ao desenvolvimento desta tecnologia, que se encontra ainda longe da maturidade e tem tido um percurso pouco linear (Fontes et al., 2016). As restantes 139 são empresas de uma variedade de sectores, que fornecem recursos necessários para o desenvolvimento e implementação da tecnologia. O seu envolvimento pode assumir diferentes formas - desde o fornecimento de produtos ou serviços standard até processos de (co)desenvolvimento de novos produtos ou serviços (Fontes et al., 2021). Globalmente, estas 139 empresas têm um papel fundamental, constituindo um embrião da futura cadeia de valor da tecnologia.
O quadro II apresenta a distribuição sectorial das empresas, de acordo com a Classificação da Atividade Económica (CAE) a dois dígitos. Dado o número relativamente pequeno de empresas em cada sector, estes foram agrupados em três grandes categorias. Numa primeira agrupam-se os sectores da Indústria Transformadora (CAE 13 a 33). Os sectores de serviços estão divididos em dois grupos, refletindo diferentes contribuições para cadeia de valor emergente. No primeiro - Serviços I (CAE 35 a 52) - agrupam-se sectores de natureza mais infraestrutural como Eletricidade, Construção, Comércio, Transportes. No segundo - Serviços II (CAE 61-93) - estão sobretudo serviços às empresas.
Quanto às empresas fornecedoras, verifica-se um peso reduzido das Indústrias Transformadoras comparativamente com os Serviços (29% vs. 71%). Os sectores com maior peso na Indústria Transformadora são o dos produtos metálicos (CAE 25), onde se evidencia a construção metálica, e a instalação e manutenção de equipamento (CAE 33), seguidos pelo do equipamento de transporte (CAE 30), onde se evidencia a construção naval. No grupo Serviços I destacam-se os sectores do comércio por grosso (CAE 46) e da produção de eletricidade (CAE 35). As atividades portuárias (na CAE 52) estão também bem representadas. No grupo Serviços II, destacam-se sobretudo as atividades de engenharia (CAE 71), tendo ainda algum peso as atividades de consultoria (CAEs 62, 70 e 74). Estes sectores, que no seu conjunto representam o maior grupo de empresas ativas, fazem parte da categoria designada na literatura como “Knowledge Intensive Business Services” - KIBS (Miles et al., 1995).
No quadro II estão ainda assinalados os sectores a que pertencem as empresas que desenvolvem as TERM. Como seria de esperar, a grande maioria classifica-se quer como produtor de eletricidade, quer como empresa de engenharia ou de investigação.
Setores (CAE dois dígitos) | Empresas ativas | |||
---|---|---|---|---|
Fornecedoras | Tecnológicas | |||
Nº | % | Nº | % | |
Indústrias transformadoras | ||||
3 - Pesca e aquicultura | 2 | 1,4 | ||
13 - Fabricação de têxteis | 1 | 0,7 | ||
20 - Fabricação de produtos químicos e de fibras sintéticas ou artificiais, exceto produtos farmacêuticos | 3 | 2,2 | ||
22 - Fabricação de artigos de borracha e de matérias plásticas | 1 | 0,7 | ||
23 - Fabricação de outros produtos minerais não metálicos | 1 | 0,7 | ||
24 - Indústrias metalúrgicas de base | 1 | 0,7 | ||
25 - Fabricação de produtos metálicos, exceto máquinas e equipamentos | 10 | 7,2 | ||
26 - Fabricação de equipamentos informáticos, equipamento para comunicações e produtos eletrónicos e óticos | 1 | 0,7 | ||
27 - Fabricação de equipamento elétrico | 4 | 2,9 | ||
28 - Fabricação de máquinas e de equipamentos, n.e. | 0 | 0,0 | 1 | 50,0 |
30 - Fabricação de outro equipamento de transporte | 6 | 4,3 | ||
32 - Outras indústrias transformadoras | 1 | 0,7 | ||
33 - Reparação, manutenção e instalação de máquinas e equipamentos | 9 | 6,5 | ||
Serviços I | ||||
35 - Eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio | 9 | 6,5 | 5 | 25,0 |
42 - Engenharia civil | 5 | 3,6 | ||
43 - Atividades especializadas de construção | 2 | 1,4 | ||
45 - Comércio, manutenção e reparação, de veículos automóveis e motociclos | 1 | 0,7 | ||
46 - Comércio por grosso (inclui agentes), exceto de veículos automóveis e motociclos | 15 | 10,8 | ||
47 - Comércio a retalho, exceto de veículos automóveis e motociclos | 3 | 2,2 | ||
52 - Armazenagem e atividades auxiliares dos transportes (inclui manuseamento) | 7 | 5,0 | ||
Serviços II | ||||
61 - Telecomunicações | 1 | 0,7 | ||
62 - Consultoria e programação informática e atividades relacionadas | 4 | 2,9 | 1 | 5,0 |
64 - Atividades de serviços financeiros, exceto seguros e fundos de pensões | 1 | 0,7 | ||
69 - Atividades jurídicas e de contabilidade | 1 | 0,7 | ||
70 - Atividades das sedes sociais e de consultoria para a gestão | 7 | 5,0 | 1 | 5,0 |
71 - Atividades de arquitetura, de engenharia e técnicas afins; atividades de ensaios e de análises técnicas | 26 | 18,7 | 7 | 35,0 |
72 - Atividades de investigação científica e de desenvolvimento | 2 | 1,4 | 3 | 15,0 |
74 - Outras atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares | 8 | 5,8 | 2 | 10,0 |
77 - Atividades de aluguer | 3 | 2,2 | ||
82 - Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas | 1 | 0,7 | ||
84 - Administração Pública e Defesa; Segurança Social Obrigatória | 1 | 0,7 | ||
85 - Educação | 1 | 0,7 | ||
93 - Atividades desportivas, de diversão e recreativas | 1 | 0,7 | ||
TOTAL | 139 | 100,0 | 20 | 100,0 |
Nota: Neste grupo foram ainda incluídas duas empresas do sector Primário (CAE 03 - Pesca e aquicultura), dado que a natureza da atividade as aproxima da realizada pelas empresas do sector secundário.
O quadro III lista a participação das empresas de sectores identificados na literatura como “sectores nucleares” para desenvolvimento das TERM (cf. Wind, 2009), todos eles integrantes das Indústrias Transformadoras. Verifica-se que apenas existem empresas em quatro deles, num total de 13 empresas, sendo que a construção metálica (CAE 25110) é o sector mais povoado, seguida pelos motores, geradores e transformadores elétricos (CAE 27110) e pela construção naval (CAE 30110).
“Setores Nucleares” das TERM (CAE cinco dígitos) | Empresas ativas (Nº) |
---|---|
25110 - Fabricação de estruturas de construções metálicas | 6 |
26120 - Fabricação de placas de circuitos eletrónicos | 0 |
26510 - Fabricação de instrumentos e aparelhos de medida, verificação e navegação | 0 |
27110 - Fabricação de motores, geradores e transformadores elétricos | 3 |
28110 - Fabricação de motores e turbinas, exceto motores para aeronaves, automóveis e motociclos | 0 |
28150 - Fabricação de rolamentos, de engrenagens e de outros órgãos de transmissão | 0 |
2712 - Fabricação de material de distribuição e de controlo para instalações elétricas | 0 |
2733 - Fabricação de dispositivos e acessórios para instalações elétricas de baixa tensão | 0 |
2732 - Fabricação de outros fios e cabos elétricos e eletrónicos | 1 |
3011 - Construção de embarcações e estruturas flutuantes, exceto de recreio e desporto | 3 |
TOTAL | 13 |
Em síntese, as atividades de teste e demonstração desenvolvidas permitiram o envolvimento de empresas de um leque diversificado de sectores, embora em geral a uma escala reduzida, sobretudo no caso da indústria transformadora, onde é também escassa a participação de empresas de sectores apontados pela literatura como “nucleares” na cadeia de valor das TERM. Este facto pode ser parcialmente explicado pelo baixo número de projetos e pela sua natureza - os sistemas construídos tendem a ser únicos - o que cria oportunidades limitadas e maior risco para os fornecedores industriais. Verificou-se uma maior participação de empresas dos sectores de serviços. Destacam-se aqui quer sectores ligados às atividades de instalação e manutenção de sistemas no mar (portos, transporte, engenharia, construção), quer sectores de serviços intensivos em conhecimento (KIBS): engenharia, I&D (Investigação e Desenvolvimento) e consultoria de gestão. O peso deste último grupo reflete o envolvimento de empresas de base tecnológica que desenvolvem tecnologias complementares relevantes para os sistemas de conversão de energia (ex: materiais, sistemas de comunicação e controlo; robótica subaquática, etc.).
2. Efeitos territoriais
A figura 1 apresenta a localização geográfica das empresas envolvidas em TERM, distinguindo entre empresas que desenvolvem tecnologias e empresas fornecedoras. Embora as empresas se encontrem distribuídas ao longo do litoral oeste, identificam-se algumas concentrações que se detalham de seguida.
Considerando a desagregação regional por NUTS III, (quadro IV) verifica-se que a principal concentração é na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com cerca de 44% das empresas fornecedoras e 30% das tecnológicas. Segue-se a Área Metropolitana do Porto (AMP) com 18% das empresas fornecedoras e 20% das tecnológicas. A concentração registada na AMP, associada à localização de pequenos grupos de empresas nas NUTS III do Alto Minho, do Cávado e do Ave, leva a que, globalmente, a região NUTS II do Norte surja como o segundo maior núcleo, com 26% das empresas fornecedoras e 25% das tecnológicas.
Registam-se ainda concentrações menores na NUTS III da Região de Aveiro - com cerca de 10% das empresas fornecedoras e 5% das tecnológicas - e na confluência das NUTS III do Oeste, da Região de Leiria e da Região de Coimbra. Esta última, configura um núcleo de empresas ativas na região NUTS II do Centro que, embora de menor dimensão, se aproxima do da região Norte, com 21,6% das empresas fornecedoras e 30% das tecnológicas.
As concentrações identificadas revelam algumas características que as diferenciam entre si. Em termos sectoriais (quadro V), verifica-se que, nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, o peso relativo das Indústrias Transformadoras é mais baixo (cerca de 20%) que nas concentrações menores - NUTS III da Região de Aveiro e aglomerações Alto Minho/Ave/Cávado e Oeste/Leiria (excluindo a Região de Coimbra que tem um perfil diverso) - onde esse peso é superior a 40%. No que se refere aos Serviços, a principal diferença encontra-se na categoria Serviços I, que surge com maior peso relativo nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (em particular a produção e eletricidade e o comércio). Já a categoria Serviços II está bem representada em todas as concentrações, embora com um peso relativo um pouco mais elevado nas Áreas Metropolitanas.
NUTS I | NUTS II | NUTS III | Empresas ativas | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Fornecedoras | Tecnológicas | |||||
Nº | % | Nº | % | |||
Continente | Norte | Alto Minho | 4 | 2,9 | 1 | 5,0 |
Cávado | 4 | 2,9 | 0 | 0,0 | ||
Ave | 3 | 2,2 | 0 | 0,0 | ||
Área Metropolitana do Porto | 25 | 18,0 | 4 | 20,0 | ||
Alto Tâmega | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Tâmega e Sousa | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Douro | 1 | 0,7 | 0 | 0,0 | ||
Terras de Trás-os-Montes | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Total (Norte) | 37 | 26,7 | 5 | 25,0 | ||
Centro | Oeste | 7 | 5,0 | 2 | 10,0 | |
Região de Aveiro | 13 | 9,4 | 1 | 5,0 | ||
Região de Coimbra | 5 | 3,6 | 2 | 10,0 | ||
Região de Leiria | 4 | 2,9 | 0 | 0,0 | ||
Viseu Dão Lafões | 1 | 0,7 | 1 | 5,0 | ||
Beira Baixa | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Médio Tejo | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Beiras e Serra da Estrela | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Total (Centro) | 30 | 21,6 | 6 | 30,0 | ||
Total (Área Metropolitana de Lisboa) | 61 | 43,9 | 6 | 30,0 | ||
Alentejo | Alentejo Litoral | 3 | 2,2 | 1 | 5,0 | |
Baixo Alentejo | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Lezíria do Tejo | 2 | 1,4 | 0 | 0,0 | ||
Alto Alentejo | 0 | 0,0 | 0 | 0,0 | ||
Alentejo Central | 1 | 0,7 | 0 | 0,0 | ||
Total (Alentejo) | 6 | 4,3 | 1 | 5,0 | ||
Total (Algarve) | 1 | 0,7 | 1 | 5,0 | ||
Total (Região Autónoma dos Açores) | 2 | 1,4 | 0 | 0,0 | ||
Total (Região Autónoma da Madeira) | 2 | 1,4 | 1 | 5,0 | ||
TOTAL | 139 | 100, 0 | 20 | 100, 0 |
Grupos | AML | AMP | Região de Aveiro | Núcleo Oeste/Região de Leiria/Região de Coimbra | Núcleo Alto Minho/Ave/Cávado | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Oeste | Região de Leiria | Região de Coimbra | Total do núcleo | Alto Minho | Ave | Cávado | Total do núcleo | |||||
Indústrias Transformadoras | Nº | 13 | 6 | 7 | 4 | 2 | 1 | 7 | 2 | 1 | 2 | 5 |
% | 19,4 | 20,7 | 50,0 | 44,4 | 50,0 | 14,3 | 35,0 | 40,0 | 33,3 | 50,0 | 41,7 | |
Serviços I | Nº | 22 | 10 | 2 | 2 | 1 | 2 | 5 | 1 | 0 | 1 | 2 |
% | 32,8 | 34,5 | 14,3 | 22,2 | 25,0 | 28,6 | 25,0 | 20,0 | 0,0 | 25,0 | 16,6 | |
Serviços II | Nº | 32 | 13 | 5 | 3 | 1 | 4 | 8 | 2 | 2 | 1 | 5 |
% | 47,8 | 44,8 | 35,7 | 33,4 | 25,0 | 57,1 | 40,0 | 40,0 | 66,7 | 25,0 | 41,7 | |
Total (Nº) | 67 | 29 | 14 | 9 | 4 | 7 | 20 | 5 | 3 | 4 | 12 |
Outra característica diferenciadora é o peso relativo das filiais de empresas estrangeiras. Para além de filiais de empresas multinacionais encontram-se neste grupo empresas criadas em Portugal por empresas tecnológicas estrangeiras que escolheram o país para desenvolver e/ou testar as suas tecnologias: AW-Energy, CorPower, Principle Power, Seawind, Wunder Ocean. Embora sejam em pequeno número, as filiais de empresas estrangeiras estão sediadas sobretudo nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
As concentrações identificadas parecem estar associadas a dois tipos de efeitos. Por um lado, ao acesso a recursos diversificados e infraestruturas, que é oferecido pelas áreas metropolitanas, onde se concentra parte substancial da atividade económica e científica do país e, em menor grau, pelas regiões onde se localizam cidades como Aveiro ou Coimbra. Por outro lado, à presença de projetos com instalação de sistemas no mar, que se localizam em zonas com acesso privilegiado a este recurso natural (por exemplo, Waveroller em Peniche, Windfloat e CorPower em Viana do Castelo). Finalmente, a AMP combinará os dois efeitos, uma vez que foi palco, ao longo do tempo, de alguns testes de sistemas de energia das ondas que não tiveram continuidade, como foi o caso das tecnologias Pelamis e Archimedes Wave Swing (AWS), e foi ainda a zona inicial de instalação do sistema de energia eólica offshore Windfloat.
Finalmente, dado o peso das empresas de serviços e em particular das empresas de serviços intensivos em conhecimento (KIBS), fomos ainda avaliar se existe variação na sua distribuição espacial. O quadro VI separa as empresas em serviços KIBS (61 empresas) e outros serviços (37 empresas). Distingue ainda entre KIBS tecnológicos (T-KIBS) e KIBS profissionais (P-KIBS) (Miles et al., 2018), sendo que o primeiro grupo predomina (87%). Considerando a distribuição por NUTS III, a maioria das KIBS encontra-se nas regiões onde se localizam as principais cidades, isto é, na AML e na AMP e, embora em menor grau, nas Regiões de Aveiro e de Coimbra. De igual modo, os outros serviços estão sobretudo localizados na AML e em menor grau na AMP.
NUTS I | NUTS II | NUTS III | Empresas de KIBS | Empresas de outros serviços | Total | ||
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Total | T-KIBS | P-KIBS | |||||
Continente | Norte | Alto Minho | 2 | 2 | 2 | ||
Cávado | 1 | 1 | 1 | 2 | |||
Ave | 2 | 2 | 2 | ||||
Área Metropolitana do Porto | 11 | 9 | 2 | 8 | 19 | ||
Alto Tâmega | |||||||
Tâmega e Sousa | |||||||
Douro | |||||||
Terras de Trás-os-Montes | |||||||
Centro | Oeste | 3 | 2 | 1 | 3 | ||
Região de Aveiro | 5 | 4 | 1 | 2 | 7 | ||
Região de Coimbra | 4 | 4 | 2 | 6 | |||
Região de Leiria | 1 | 1 | |||||
Viseu Dão Lafões | 1 | 1 | 1 | ||||
Beira Baixa | |||||||
Médio Tejo | |||||||
Beiras e Serra da Estrela | |||||||
Área Metropolitana de Lisboa | 27 | 24 | 3 | 19 | 46 | ||
Alentejo | Alentejo Litoral | 2 | 2 | 1 | 3 | ||
Baixo Alentejo | |||||||
Lezíria do Tejo | 2 | 2 | |||||
Alto Alentejo | |||||||
Alentejo Central | 1 | 1 | 1 | ||||
Algarve | 1 | 1 | 1 | ||||
Região Autónoma dos Açores | |||||||
Região Autónoma da Madeira | 1 | 1 | 1 | 2 | |||
Total | 61 | 53 | 8 | 37 | 98 |
Em síntese, as empresas ativas em TERM estão distribuídas ao longo do litoral, distinguindo-se algumas concentrações, mais pronunciadas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, e uma menor na Região de Aveiro. Registam-se ainda alguns núcleos mais pequenos e dispersos, que resultam do agrupamento de regiões contíguas tanto na NUTS II do Norte como na NUTS II do Centro. Verificam-se algumas diferenças no perfil sectorial entre as concentrações nas áreas metropolitanas, onde existe um peso relativo mais importante dos serviços, e as outras concentrações menores, onde o peso relativo da indústria transformadora é mais elevado.
3. Projetos de teste e demonstração enquanto catalisadores de efeitos sectoriais e territoriais
Dada a importância das atividades de teste e demonstração, analisamos com maior pormenor o caso de duas tecnologias - Windfloat (energia eólica offshore flutuante) e Waveroller (energia das ondas). Estas tecnologias desenvolveram, instalaram e testaram sistemas no mar durante um período de tempo longo, o que pode ter criado oportunidades para empresas na proximidade dos locais de teste. Analisou-se a localização, em relação aos locais de teste, quer das empresas identificadas como tendo participado diretamente nas atividades da tecnologia (designadas de seguida por rede da tecnologia), quer da totalidade das empresas ativas.
A tecnologia Windfloat foi testada sequencialmente em dois locais distintos, pertencentes respetivamente aos concelhos de Póvoa de Varzim e Viana do Castelo, em NUTS III diferentes (AMP e Alto Minho), mas ambos na NUTS II do Norte. A figura 2 apresenta a distribuição geográfica das empresas da rede desta tecnologia.
A análise revela que o peso das empresas localizadas no resto do país é sempre bastante superior ao das empresas localizadas na mesma região que o projeto - mesmo considerando a agregação ao nível de NUTS II (Norte) - quer se trate de empresas da rede da tecnologia (73% vs. 27%) ou da globalidade das empresas ativas (77% vs. 23%) (quadro VII). Por outro lado, verifica-se que a passagem do projeto de um concelho situado na AMP para um no Alto Minho implicou que deixou de haver empresas localizadas na mesma NUTS III. O facto de algumas das empresas anteriores poderem ter sido mobilizadas para a nova localização, não muito distante, pode contribuir para explicar esta situação.
A tecnologia Waveroller foi sempre testada no mesmo local, no concelho de Peniche, estando a distribuição geográfica das empresas da rede da tecnologia representada na figura 3. Aqui, o peso das empresas localizadas no resto do país é também superior ao das localizadas na mesma região que o projeto, mesmo ao nível da NUTS II (Centro). Mas o perfil desta tecnologia é um pouco diferente do da tecnologia Windfloat. O peso das empresas da rede da tecnologia localizadas fora da NUTS II é relativamente mais baixo neste caso (57%). Por outro lado, embora o peso relativo das empresas localizadas na mesma NUTS III que o projeto seja inferior à do primeiro teste do Windfloat, que se realizou na AMP (14% vs. 24%), é maior que no segundo teste do Windfloat, realizado numa região menos central. Já no que se refere à localização da globalidade das empresas ativas, o perfil é idêntico ao da tecnologia Windfloat (77% fora da NUTS II vs. 33% na mesma NUTS II).
Windfloat 1 - Póvoa de Varzim | ||||||
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Localização | Empresas da rede | Peso | Peso acumulado | Empresas ativas | Peso | Peso acumulado |
Concelho | 1 | 0,03 | 0,03 | 1 | 0,01 | 0,01 |
NUTS III | 8 | 0,21 | 0,24 | 28 | 0,18 | 0,18 |
NUTS II | 1 | 0,03 | 0,27 | 13 | 0,08 | 0,26 |
País | 27 | 0,73 | 1,00 | 117 | 0,73 | 1,00 |
Total | 37 | 1,00 | 159 | 1,00 | ||
Windfloat Atlantic - Viana do Castelo | ||||||
Localização | Empresas da rede | Peso | Peso acumulado | Empresas ativas | Peso | Peso acumulado |
Concelho | 0 | 0,00 | 0,00 | 4 | 0,03 | 0,03 |
NUTS III | 0 | 0,00 | 0,00 | 1 | 0,01 | 0,03 |
NUTS II | 10 | 0,27 | 0,27 | 37 | 0,23 | 0,26 |
País | 27 | 0,73 | 1,00 | 117 | 0,73 | 1,00 |
Total | 37 | 1,00 | 159 | 1,00 | ||
Waveroller - Peniche | ||||||
Localização | Empresas da rede | Peso | Peso acumulado | Empresas ativas | Peso | Peso acumulado |
Concelho | 2 | 0,14 | 0,14 | 4 | 0,03 | 0,03 |
NUTS III | 0 | 0,00 | 0,14 | 5 | 0,03 | 0,06 |
NUTS II | 4 | 0,29 | 0,43 | 27 | 0,17 | 0,23 |
País | 8 | 0,57 | 1,00 | 123 | 0,77 | 1,00 |
Total | 14 | 1,00 | 159 | 1,00 |
É ainda de notar que foi identificada na rede de ambas as tecnologias a presença de um número relativamente elevado de empresas estrangeiras. Uma vez que o promotor da tecnologia Waveroller é uma empresa finlandesa e que a tecnologia Windfloat é promovida por um consórcio, liderado por uma empresa portuguesa, mas com vários parceiros estrangeiros, é razoável assumir que esses promotores beneficiaram da sua posição internacional para aceder a recursos especializados inexistentes ou menos desenvolvidos no país.
Finalmente, o quadro VIII compara a distribuição sectorial das empresas identificadas como pertencentes às redes das duas tecnologias. Verifica-se que as empresas da rede da tecnologia Waveroller apresentam um peso relativo mais elevado na categoria Serviços I (que inclui atividades mais diretamente ligadas à instalação no mar), enquanto as da rede da tecnologia Windfloat estão maioritariamente concentradas na categoria Serviços II (que inclui nomeadamente serviços intensivos em conhecimento). O peso dos sectores da Indústria Transformadora é mais próximo, embora seja um pouco mais elevado no caso do Windfloat.
Em síntese, os projetos de teste e demonstração tiveram uma capacidade de atração reduzida das empresas localizadas na mesma região, mesmo ao nível da NUTS II. O desenvolvimento da tecnologia é suportado por empresas distribuídas pelo território nacional (com maior peso das áreas metropolitanas), verificando-se igualmente a participação de empresas estrangeiras. As duas tecnologias revelam um perfil de atração um pouco diverso, que pode estar relacionado com o diferente estádio de desenvolvimento de cada uma delas.
V. Conclusão
O objetivo deste artigo é compreender até que ponto a experimentação que tem lugar ao longo da fase inicial de desenvolvimento das tecnologias permite mobilizar recursos sectoriais e regionais existentes (nomeadamente contribuindo para revitalizar esses sectores e regiões) e estabelecer um embrião de uma nova cadeia de valor (que, designadamente, auxilie a difusão assim que a procura da inovação tecnológica acelere).
A transição energética, necessária para fazer face à urgência climática e aos problemas com a segurança de abastecimento, requer uma aceleração do desenvolvimento e difusão de novas tecnologias de energias renováveis. Para compreender o papel da experimentação nas fases iniciais, analisámos o desenvolvimento de tecnologias de energia renovável marinhas em Portugal ao longo das últimas duas décadas, incluindo tecnologias em fase emergente (energia das ondas) e em fase pré-comercial (energia eólica offshore flutuante). Para tal, construímos, a partir de pesquisa documental, entrevistas e inquéritos, uma base de dados de empresas que estiveram envolvidas nas atividades de teste e demonstração dessas tecnologias (a qual deu origem a um Diretório de Empresas de acesso aberto2) e analisámos o seu perfil sectorial e espacial.
Os resultados mostram que as atividades conduzidas durante a fase inicial de desenvolvimento da tecnologia têm um papel importante no envolvimento de empresas de um leque variado de sectores (incluindo da indústria transformadora, maior do que seria expectável nesta fase), localizadas em diferentes escalas geográficas. Essa atratividade de atores demonstra o desenvolvimento de capacidades tecnológicas locais ao longo do tempo (pelo menos, quando comparado com a adoção da primeira geração das tecnologias eólicas onshore, cf. Bento & Fontes, 2015). A mobilização de recursos existentes (Truffer & Coenen, 2012) e a participação de atores estrangeiros (Hansen & Coenen, 2015) foram importantes para reforçar essa capacidade tecnológica. No entanto, o envolvimento de atores locais nos projetos de teste e demonstração é ainda limitado, o que deverá ser tido em conta na definição de políticas para esta área. Em contrapartida, esses projetos permitiram que certos promotores nacionais ganhassem competitividade internacional (a exemplo de outros casos, e.g. Harbone & Hendry, 2009). Os núcleos e redes que se começam a formar em algumas regiões poderão servir de ponto de partida para o desenvolvimento das capacidades necessárias para suportar a entrada numa fase comercial, caso as competências e redes já criadas se consigam manter e reforçar.
Este trabalho assenta numa base de dados compreensiva, mas não exaustiva, dos atores envolvidos nas TERM. Por outro lado, o caráter pré-comercial das tecnologias limita a possibilidade de avaliar os benefícios da experimentação para o estabelecimento de uma capacidade produtiva local que contribua, simultaneamente, para a aceleração da difusão destas tecnologias e para a transformação das estruturas sectoriais locais. No futuro, com maior disponibilidade de dados, será possível efetuar uma análise longitudinal mais completa e compreender até que ponto a estrutura inicial foi importante para o desenvolvimento de capacidade produtiva relevante a nível nacional e internacional.
Contributos dos/as autores/as
Margarida Fontes: Conceptualização; Metodologia; Validação; Análise formal; Investigação; Recursos; Curadoria dos dados; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição; Visualização; Administração do projeto; Aquisição de financiamento. Mariana Aguiar: Software; Validação; Análise formal; Curadoria dos dados; Redação - revisão e edição; Visualização. Nuno Bento: Conceptualização; Metodologia; Validação; Análise formal; Investigação; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição; Visualização; Supervisão.