I. Introdução
O atual perfil da população portuguesa, marcada por um acentuado envelhecimento, já não se circunscreve às regiões de baixa densidade do interior, embora seja aí que se localizam os concelhos com índices de envelhecimento mais elevados e com maiores fragilidades em termos económicos, fruto de diferentes opções de planeamento económico e progressivo despovoamento, decorrente da mobilidade da população ao longo de várias décadas. A análise da territorialização dos processos de envelhecimento é fundamental para desenvolver políticas integradas de envelhecimento. O desenho de novos modelos organizacionais, centrados nas especificidades dos recursos existentes e nas expectativas das populações tem, por outro lado, que considerar uma dimensão prospetiva necessária para o desenho e planeamento de estratégias que promovam a funcionalidade das comunidades para um envelhecimento em casa, no lugar, na comunidade, com qualidade. É, pois, essencial, por um lado, identificar as características sociodemográficas e de saúde, não apenas das populações idosas, mas também das que serão idosas nos próximos anos e, por outro, conhecer as condições e os recursos dos territórios, uma vez que se interrelacionam com esses processos de envelhecimento. Importa, assim, analisar o local onde se reside e onde se envelhece, em meio rural ou urbano, já que o local de envelhecimento tem implicações na qualidade de vida das populações, porque os recursos e o acesso a equipamentos são diferentes, mas também porque existe grande heterogeneidade decorrente das características e percursos individuais dos residentes.
Neste artigo propomo-nos, a partir dos dados recolhidos no âmbito do projeto “Recursos Pessoais e Sociais para a Autonomia e Participação Social numa Sociedade Envelhecida” - PerSoParAge (POCI-01-0145-FEDER-023678), analisar as preferências de residência, após a reforma, dos indivíduos, entre os 55 e os 64 anos, que residem em meio rural e urbano de alguns municípios das distritos da Guarda, Castelo Branco e Portalegre, bem como a sua perceção sobre se os territórios em análise têm, ou não, os recursos e as condições que vão ao encontro das suas necessidades e do que mais os preocupa, cruzando com as suas características sociodemográficas.
II. Enquadramento
As regiões do interior encontram-se entre as mais envelhecidas do país, efeito da sua história ligada a movimentos migratórios de saída, o que teve impacto no envelhecimento precoce da sua estrutura etária, no progressivo despovoamento, sobretudo das zonas mais rurais, e no enfraquecimento da rede intergeracional. Por outro lado, a política de planeamento adotada em Portugal nas décadas de 60 e 70 do século passado, que privilegiou sobretudo as regiões do litoral, foi debilitando o tecido económico do interior, refletindo as assimetrias socioeconómicas do país. As transformações, a diferentes níveis, que os territórios têm conhecido nas últimas décadas, não eliminaram as assimetrias internas. Na verdade, o país não está longe do retrato traçado por João Ferrão no início dos anos 2000, um “território-arquipélago” em que a complexificação das espacialidades não se esgota na tradicional dicotomia litoral/interior, embora mantendo-se desigualdades territoriais (Ferrão, 2002). Também Mauritti et al. (2019) mostram a persistência de desigualdades regionais, sobretudo em territórios mais periféricos e de matriz rural, o que pode comprometer a coesão social do país. Por outro lado, os resultados do último recenseamento (2021) revelam um acentuar da litoralização da distribuição da população, a par do aumento da concentração populacional nas áreas predominantemente urbanas, em contraste com a diminuição registada nas áreas predominantemente rurais (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2023), o que tem implicações na estrutura etária e na dinâmica económica destas regiões menos atrativas (Castro et al., 2015),
O envelhecimento demográfico espelha a melhoria dos indicadores sociais, económicos e de saúde que Portugal conheceu nas últimas décadas (Amaral, 2010; Bandeira, et al., 2014; Rodrigues, 2018; Rosa, 2020). Todavia, impõe-se conhecer os impactos nos territórios, já que o envelhecimento populacional revelou as fragilidades que existem na organização da sociedade e as dificuldades em adaptar as estruturas sociais, económicas e políticas a este novo quadro. Aspetos que têm sido abordados a vários níveis, como a sustentabilidade da segurança social, família e política de cuidados, proteção social, cuidados de saúde, e os perfis da população idosa (Cabral, et al., 2017; Franco & Marques da Costa., 2022; Moreira, 2020, Rosa, 2016).
A análise da dimensão territorial do envelhecimento tem sido menos trabalhada, embora nos remeta para a importância da interligação entre as suas condições e os processos de envelhecimento. Na verdade, os territórios não são neutros, pois todo o ecossistema tem efeito no processo de envelhecimento dos indivíduos, influenciam a construção social da velhice, assim como as orientações das políticas e estratégias gerontológicas (Argoud, 2017), pelo que se torna pertinente compreender a interação entre o indivíduo e o contexto/ambiente. Perspetiva que se pode enquadrar numa visão ecológica, isto é, na relação entre o envelhecimento e o ambiente social e físico. Esta relação tem sido destacada pela gerontologia ambiental (Rodríguez-Rodríguez & Sánchez-González, 2016; Scheidt & Windley, 2006; Wahl & Weisman, 2003), que evidencia a necessidade de analisar os diferentes contextos de envelhecimento, as condições e os recursos dos territórios para melhor adequar os serviços e as políticas à população idosa.
Nesta dimensão da territorialização do envelhecimento, são pouco frequentes os estudos que analisam a perceção dos futuros idosos sobre o modo como os constrangimentos do território onde vivem podem condicionar o seu processo de envelhecimento; as dimensões analisadas centram-se nas preferências de residência por tipologia de habitação, casa própria/arrendamento, ou tendo em conta a possibilidade de institucionalização (Abramsson & Andersson, 2016; Fernández-Carro, 2016; Mackenzie et al., 2015). No entanto, a decisão quanto à futura residência após a reforma é pouco estudada em função das características dos territórios.
Por outro lado, a implementação de políticas de envelhecimento pressupõe o conhecimento das necessidades e expectativas dos futuros idosos, considerando as suas necessidades e os recursos existentes nos territórios, e de que modo estes podem influenciar os contextos de envelhecimento e a sua decisão de se manter, ou não, na mesma região, ou seja, a decisão sobre onde querem envelhecer.
Em alguns países, têm sido desenvolvidos estudos sobre as preferências de escolha da habitação, procurando identificar não apenas fatores que influenciam as decisões dos idosos e dos futuros idosos quanto às preferências de habitação, como também caracterizar quem decide mudar (Filipovič Hrast et al., 2019; Jancz & Trojanek, 2020; Kramer & Pfaffenbach, 2016).
Relacionada com a preferência de habitação e de localidade, está a escolha por envelhecer na comunidade ou numa instituição. O que se tem verificado é que a maioria dos idosos, mas também dos futuros idosos, querem envelhecer em casa, na comunidade (Bárrios et al., 2020; Fonseca, 2018, 2021; Iecovich, 2014, Laferrère, 2021; Pinheira, et al., 2020). Mas esta opção pressupõe a existência de ambientes que ofereçam o suporte essencial para responder às necessidades decorrentes do envelhecimento, mesmo aquelas relacionadas com perdas de capacidades. Daqui decorre o conceito de “ageing in place”, paradigma que está hoje muito presente na análise do envelhecimento e que reflete mudanças nas políticas de apoio aos mais velhos (Iecovich, 2014; Vasunilashorn et al., 2011). Diz a Organização Mundial de Saúde que:
One common policy response to population ageing has therefore been to encourage what is known as ageing in place - that is, the ability of older people to live in their own home and community safely, independently, and comfortably, regardless of age, income or level of intrinsic capacity. This is generally viewed as better for the older person and may also hold significant financial advantages in terms of health-care expenditure. (WHO, 2015, p. 36)
Este conceito remete, portanto, para um processo de adaptação ambiental, em que há que considerar o nível social, o psicológico e o ambiental (Fonseca, 2018). Adaptações que, como refere Fonseca (2021), são mútuas e contínuas entre os indivíduos idosos e o ambiente em que vivem, ou como afirma Iecovich supõe a criação de “liveable communities - a concept that connects the physical design, social structure, and social needs of all generations that share a common location” (Iecovich, 2014, p. 27).
A interação entre o meio físico e social é, assim, um aspeto crucial a considerar na implementação de políticas e estratégias que respondam às reais necessidades das suas populações e que concorram no sentido de criar comunidades funcionais para todas as idades e, particularmente, para a população mais velha. Importa, por um lado, conhecer os contextos onde se envelhece para melhor compreender as experiências dos mais velhos sobre os processos e resultados do envelhecimento (Skinner & Winterton, 2018) e, por outro, ter uma perspetiva prospetiva que informe o planeamento das intervenções a implementar nas comunidades numa lógica de proximidade e articulação intersectorial. Estes aspetos foram, aliás, uma das conclusões do projeto PerSoParAge (Moreira & Pinheira, 2021) e que resultou, quer de consultas a especialistas através do método Delphi, quer ouvindo as populações envolvidas em reuniões realizadas nos concelhos onde decorreu o estudo, centrado nos indivíduos com 55 e mais anos.
Justifica-se, assim, uma abordagem que considere de forma articulada tanto as características sociodemográficas dos indivíduos (educação, rendimentos, redes familiares e sociais, saúde), uma vez que podem influenciar as suas perceções sobre os contextos dos territórios, mas também permite traçar um perfil das suas necessidades presentes e futuras, como uma análise das condições e recursos dos territórios (institucionais, sociais e de saúde). Neste âmbito, trata-se de perceber como se articula e se concilia o ambiente social e físico com os fatores de contexto individuais (Menec et al., 2011). Até porque o local onde se envelhece, rural ou urbano, tem implicações na qualidade de vida da população idosa, não apenas porque diferem os recursos e o acesso a equipamentos, sendo que os de saúde são os mais problemáticos para a população, mas também porque é possível encontrar grande heterogeneidade de situações de autonomia decorrentes das características individuais dos residentes. A questão do acesso e da acessibilidade aos serviços por parte da população idosa é uma dimensão fundamental de análise dos contextos de envelhecimento, uma vez que pressupõe a necessidade de conhecer não apenas a existência e uso de serviços, mas também outras condições, como por exemplo, a distância e transportes disponíveis, e perceção da sua acessibilidade (Marques da Costa et al., 2020; Vivas et al., 2023).
Na última década, têm aumentado os estudos sobre o envelhecimento em meio rural, muito enquadrados pelo desenvolvimento da gerontologia social, ambiental, geográfica, numa perspetiva interdisciplinar (Burholt & Dobbs, 2012; Skinner & Winterton, 2018; Skinner et al., 2020b). Por outro lado, a integração da dimensão da saúde veio permitir uma análise da interligação entre saúde e envelhecimento nas comunidades rurais, mormente no que diz respeito ao estado de saúde e à utilização dos serviços de saúde (Poulin et al., 2020; Skinner et al., 2020a). A importância da interligação entre a pessoa-espaço tem sido particularmente destacada pela geografia gerontológica (Andrew et al., 2007), uma vez que que o acesso a uma grande variedade de serviços sociais e de saúde é especialmente importante para contribuir para um sentimento de segurança, sobretudo à medida que se envelhece (Hanlon, 2019). A acessibilidade aos cuidados de saúde e de suporte social, evidencia Hanlon (2019), é um aspeto de extrema importância na inter-relação entre as pessoas e os lugares.
III. Metodologia
Este trabalho utilizou uma pesquisa quantitativa, inserida no projeto PerSoParAge. Os dados foram recolhidos através de um questionário, aplicado de forma indireta a indivíduos entre os 55 e os 64 anos, em seis concelhos do interior de Portugal (Guarda, Sabugal, Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Portalegre e Elvas), a viver na comunidade, com capacidade cognitiva para responder. Utilizou-se uma amostra representativa de regiões rurais e urbanas, já que se pretendeu perceber se havia diferenças entre os contextos rurais. Considerou-se como critério para a definição de concelhos rurais, o facto de maioritariamente a população residir em aglomerados com menos de 2000 habitantes, caso do Sabugal (em 2011, 96,4%, e em 2021, 100%) e Idanha-Nova (em 2011, 72,6%, e em 2021, 75,2%) (INE, 2012, 2022). Para o Alto Alentejo, consideraram-se freguesias de Portalegre, com características predominantemente rurais, seguindo o critério enunciado, e que não fazem parte dos aglomerados urbanos deste concelho. Para as regiões urbanas, consideram-se apenas as freguesias urbanas das cidades da Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Elvas.
A amostra final do projeto PerSoParAge é não probabilística, foi constituída por 484 sujeitos com 55 e mais anos, residentes na comunidade, representativa da população dos concelhos selecionados, estratificada por grupos etários quinquenais e por sexo, com um intervalo de confiança de 95% e com uma margem de erro de 5%. O cálculo foi realizado com base no recenseamento de 2011 e nas estimativas da população de 2016, publicadas pelo INE. A distribuição dos residentes em meio rural/urbano tendencialmente corresponde à distribuição da população dos respetivos concelhos, nos grupos quinquenais e por sexo. Neste artigo, utilizámos apenas a subamostra dos indivíduos entre os 55 e 64 anos, um total de 161 sujeitos, sendo que 39 residem em meio rural e 122, em meio urbano. As recolhas foram efetuadas em espaços públicos e associações locais, tendo previamente a equipa definido os espaços mais favoráveis à abordagem da população, contando com a colaboração da PSP e GNR, autarquias, párocos e associações culturais. Os inquéritos por questionário foram aplicados de forma indireta à população, sendo inicialmente explicado o objetivo do estudo e obtendo a anuência do participante, não sendo recolhidos dados de identificação individual.
O questionário, aplicado em 2019, é constituído por um total de 234 questões, abarcando as seguintes dimensões: caracterização sociodemográfica; recursos sociais; recursos económicos; saúde mental e física; atividades da vida diária; utilização de serviços: transportes, serviços sociais/recreativos, serviços de cuidados pessoais, serviços de emprego; cuidados de enfermagem; fisioterapia; supervisão contínua; serviços de monitorização; estruturas de residência; serviços domésticos, preparação de refeições; serviços de coordenação, informação e apoio; avaliação sistemática multidimensional; aprendizagem ao longo da vida; serviços de apoio; necessidades e expectativas de apoio.
Para este artigo partiu-se de uma questão inicial “Depois da reforma pensa continuar a viver na mesma localidade?”, com resposta dicotómica (sim/não), sendo seguida de uma pergunta aberta “Porquê?”, o que permitiu identificar quais os fatores que poderiam influenciar a sua decisão, nomeadamente em função do local de residência (rural/urbano).
As respostas foram analisadas em interligação com os fatores individuais (sociodemográficos, perceção de saúde e de segurança, expectativas relacionadas com o futuro: opções de residência, preocupações e dificuldades) e com os fatores contextuais dos territórios (necessidades, disponibilidade e adequação de serviços), através de uma análise descritiva e de testes de inferência estatística (t-test e qui-quadrado) na comparação de grupos.
IV. Resultados e discussão
Vejamos quais as principais características dos indivíduos que participaram neste estudo. Como seria expectável, tanto os que vivem em meio rural como os que residem em meio urbano são maioritariamente casados, ou estão em união de facto, e vivem em agregados com uma dimensão média de 2,51 e 2,35, respetivamente no meio rural e urbano. É uma população com escolaridade baixa, embora haja algumas diferenças consoante a área de residência. Assim, 65% dos indivíduos do meio rural têm como escolaridade máxima o 2º ciclo do ensino básico, 18% o ensino secundário e 12% o ensino superior, nos que vivem em meio urbano, 30% concluiu o 2º ciclo do ensino básico, 27% o ensino secundário e 23%, o ensino superior. Quanto aos rendimentos, na generalidade, os indivíduos que vivem em meio rural percebem a sua condição económica de forma mais desfavorável: 51,5% indica que o rendimento apenas chega para gastos próprios, 59% que não são suficientes para fazer face a uma situação inesperada e 56,4% que não tem o suficiente para garantir o futuro; já os que vivem em meio urbano, 49,2%, diz que o seus rendimentos apenas chegam para gastos próprios, 42,6% que não são suficientes para fazer face a uma situação inesperada e 49,2% que não tem o suficiente para garantir o futuro .
Relativamente à perceção do estado de saúde nos últimos 6 meses, 43,6% dos que vivem em meio rural e 41% dos urbanos avaliam a sua saúde como muito boa/boa, seguindo-se depois a opção “normal” (quadro I).
Rural | Urbano | ||||
---|---|---|---|---|---|
Nº | % | Nº | % | ||
Muito bom/bom | 17 | 43,6 | 50 | 41,0 | |
Normal | 15 | 38,5 | 57 | 46,7 | |
Mau/muito mau | 6 | 15,4 | 15 | 12,3 | |
NS/NR | 1 | 2,5 | - | - | |
Total | 39 | 100,0 | 122 | 100,0 |
NS/NR - Não sabe/não responde
Perceção do estado de saúde | Rural | Urbano | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Últimos 5 anos | Próximos 10 anos | Últimos 5 anos | Próximos 10 anos | ||||||
Nº | % | Nº | % | Nº | % | Nº | % | ||
Melhor | 5 | 12,9 | 8 | 20,5 | 11 | 9,0 | 12 | 9,9 | |
Igual | 13 | 33,3 | 17 | 43,6 | 69 | 56,6 | 78 | 63,9 | |
Pior | 20 | 51,3 | 12 | 30,8 | 42 | 34,4 | 32 | 26,2 | |
NS/NR | 1 | 2,5 | 2 | 5,1 | - | - | - | - | |
Total | 39 | 100,0 | 39 | 100,0 | 122 | 100 | 122 | 100,0 |
NS/NR - Não sabe/não responde
No quadro II podemos verificar que entre os residentes em meio rural a maior parte (51,3%) considera que a sua saúde piorou nos últimos cinco anos, enquanto nos residentes em meio urbano a resposta mais escolhida (56,6%) foi que o estado de saúde se manteve igual. Também as expectativas para os próximos dez anos são mais positivas entre os residentes em meio urbano (63,9% acham que a saúde se manterá igual e 26,2% que irá piorar) do que os do meio rural (43,6% acham que a saúde se manterá igual e 30,8% que irá piorar).
Questionados se em caso de doença e/ou incapacidade teriam alguém que os ajudasse, a grande maioria, independentemente da residência, diz que “sim” (cerca de 90%). Quem ajuda são principalmente os cônjuges e filhos. Percebe-se, pois, a importância da família, contribuindo de forma muito expressiva para a saúde e bem-estar (74,4% e 91,8% dos que vivem, respetivamente, em meio rural e urbano). Não é, pois, de estranhar, que quando se pergunta sobre o que lhe dá mais segurança (pedia-se que ordenasse por ordem de preferência três opções entre seis possibilidades), a primeira opção, no caso dos residentes urbanos, seja a família (primeira e segunda opções escolhidas). Para os que vivem em meio rural, ter saúde é o principal motivo de segurança (escolhidos como primeira e terceira opção), e a família ocupa a segunda posição. Veja-se que ter dinheiro também é importante para a segurança de quem vive em meio urbano (quadro III).
Rural | % | Urbano | % | |
---|---|---|---|---|
1ª Opção | Ter saúde | 33,3 | Ter família | 41,8 |
2ª Opção | Ter família | 25,6 | Ter família | 39,3 |
3ª Opção | Ter saúde | 15,4 | Ter dinheiro | 26,2 |
A existência de uma rede de apoio, preferencialmente familiar, interliga-se com outros aspetos que se revelam de grande importância quando se perspetiva o futuro deste grupo etário: a opção pelo local onde gostaria de residir, a existência e adequação das instituições de apoio social da sua área de residência e as principais preocupações na atualidade e dificuldades para o futuro.
A opção por envelhecer em casa é maioritariamente escolhida pelos inquiridos, independentemente do local de residência (quadro IV). Viver numa instituição é a primeira opção apenas para 1,3% dos residentes em meio rural e de 3,1% dos residentes em meio urbano (Pinheira et al., 2020). Ainda que não perspetivem a possibilidade de viver numa instituição, a maioria dos inquiridos considera que as instituições que existem atualmente são adequadas para eles, embora no meio urbano a opinião negativa tenha maior expressão (quadro V).
Rural | Urbano | |||
1ª Opção | 59% | Em sua casa com as condições atuais. | 74,60% | Em sua casa com as condições atuais. |
2ª Opção | 33,30% | Em sua casa fazendo algumas alterações & em sua casa com apoio domiciliar. | 51,60% | Em sua casa fazendo alguma alteração. |
3ª Opção | 28,20% | Em sua casa com apoio domiciliar. | 48,40% | Em sua casa com apoio domiciliar. |
Rural (%) | Urbano (%) | |
---|---|---|
Sim | 61,6 | 60,7 |
Não | 25,6 | 39,3 |
NS/NR | 12,8 | - |
Total | 100,0 | 100,0 |
NS/NR - Não sabe/não responde
Quisemos saber as razões, caso o inquirido tenha considerado que as instituições não são adequadas para si, e o que mudariam, dando três possibilidades de escolha e podendo escolher todas as opções que considerassem adequadas (quadro VI).
Porque não são as instituições adequadas a si? | Rural (%) | Urbano (%) | O que mudaria? | Rural (%) | Urbano (%) |
---|---|---|---|---|---|
Precisam de se modernizar. | 10,3 | 13,9 | Maior diversidade de serviços. | 10,3 | 12,3 |
Apresentam trabalhadores/ chefias com pouca formação. | 10,3 | 17,2 | Atividades que ocupem os tempos livres. | 5,1 | 9,8 |
Limitam-se à prestação de serviços básicos. | 23,1 | 21,3 | Intervenção mais individualizada e personalizada. | 25,6 | 30,3 |
Como se pode observar no quadro VI, a principal razão apontada é a oferta limitada de serviços, embora para os urbanos a falta de formação de colaboradores e chefias também possa ser um fator de inadequação. Para melhor fundamentar a sua opinião sobre o que mudariam podiam escolher duas opções. A mudança que colheu mais consenso foi a que aponta para a necessidade de uma oferta mais personalizada e individualizada, seguida de uma maior diversidade de serviços, tanto para os indivíduos das áreas urbanas como rurais.
Podendo escolher no máximo três opções, na atualidade, a saúde é a principal preocupação dos inquiridos, seguida da família e da questão financeira, neste caso com maior expressão para quem vive em meio rural (quadro VII).
Rural | Urbano | |
---|---|---|
Saúde | 76,9 | 75,4 |
Finanças | 35,9 | 29,5 |
Solidão | 15,4 | 21,3 |
Falta de apoio | 2,6 | 6,6 |
Família | 38,5 | 42,6 |
Questões existenciais | 2,6 | 9,0 |
Segurança | 5,1 | 8,2 |
Quanto às principais dificuldades que poderão sentir quando forem idosos (podiam escolher apenas duas opções), mais de metade dos indivíduos que vivem em meio rural consideram que será a “satisfação das necessidades básicas” (comer, vestir, higiene, etc.), já para os urbanos a principal dificuldade será a realização das Atividades Instrumentais da Vida Diária (fazer compras, tarefas domésticas, etc.), seguida da “satisfação das necessidades básicas” (quadro VIII). Note-se a valorização em meio rural da preocupação com o acesso a cuidados de saúde.
Dificuldades | Rural (%) | Urbano (%) |
---|---|---|
Satisfação das necessidades básicas | 66,7 | 47,5 |
Acesso a cuidados de saúde | 28,2 | 25,4 |
Realização das AIVD´s | 38,5 | 54,1 |
Para perceber melhor a importância da variável saúde apresenta-se no quadro IX a comparação entre os dois grupos nas respostas à questão “O seu concelho tem os cuidados de saúde que necessita?”. Entre os residentes em meio rural a percentagem dos que respondem negativamente é superior à dos residentes em meio urbano (28,2% e 23,8%, respetivamente). Esta diferença é estatisticamente significativa (t-test: p=0,000), revelando que os residentes no meio urbano consideram que há maior disponibilidade de serviços de saúde na sua zona de residência.
Cuidados de saúde no concelho | Rural | Urbano | |||
---|---|---|---|---|---|
Nº | % | Nº | % | ||
Sim | 24 | 61,6 | 91 | 74,6 | |
Não | 11 | 28,2 | 29 | 23,8 | |
NS/NR | 4 | 10,2 | 2 | 1,6 | |
Total | 39 | 100,0 | 122 | 100,0 |
NS/NR - Não sabe/não responde
Para explicar esta diferença será relevante considerar os tempos de deslocação para um hospital ou serviços de urgência, que apresentam tempos substancialmente maiores para os residentes em meio rural, o que está relacionado com a sua perceção do estado de saúde e a necessidade de mais transportes (Vivas et al., 2023).
Para perceber a preferência quanto ao local de residência no futuro perguntámos se “Depois da reforma, pensa continuar a viver na mesma localidade?”. As respostas mostram que 58,8% dos indivíduos rurais dizem que “não”, enquanto os que vivem em meio urbano manifestam de forma inequívoca, 92,2%, o desejo de permanecer na mesma localidade. Verificámos que há diferenças com significado estatístico (qui-quadrado: p=0,000), confirmando que a preferência de residência é explicada pela localização rural/urbano, ou seja, os residentes em meio rural manifestam maioritariamente a intenção de mudar.
Dos que se pretendem manter a residência após a reforma, para os residentes em áreas rurais (num total de dez respostas), as razões invocadas são maioritariamente pela existência de casa ou outros bens na localidade (seis respostas), pela existência de familiares ou amigos na localidade (duas respostas), ou por ser onde nasceu (duas respostas). Já nos residentes em meio urbano, de um total de 76 respostas, as razões referidas também estão relacionadas com a existência de casa ou bens (18 respostas), pela existência de familiares ou amigos na localidade (17 respostas), ou por ser onde nasceu (cinco respostas). Para além destas razões é referido ser o local onde viveu a maior parte da sua vida ou onde a construiu (15 respostas); e são ainda apontadas razões relacionadas com a qualidade de vida na cidade (17 respostas) ou com ser onde se sentem bem e gostam de residir (26 respostas). Estas respostas de carácter qualitativo que são mais referidas (correspondente a 34,2%), revelam claramente uma escolha por opção e não tão condicionada por outros fatores, sobretudo contextuais, como nos residentes em meio rural.
Embora não tenhamos perguntado de forma direta porque não querem continuar a viver na mesma localidade, é possível identificar de forma indireta as razões desta opção. Na verdade, a pergunta “Quais os equipamentos que não existem e fazem falta?” permite percecionar que dimensões os inquiridos valorizam na comunidade. Na identificação dos equipamentos em falta entre os residentes em zona rural destacam-se as farmácias (quatro respostas), mercearias ou supermercados (quatro respostas) e equipamentos recreativos ou desportivos (três respostas). No entanto, também os residentes em meio urbano referem a falta de farmácias (três respostas), mercearias ou supermercados (duas respostas) e equipamentos recreativos ou desportivos (duas respostas). Curiosamente, é entre os residentes urbanos que são identificadas faltas de equipamentos aparentemente mais presentes nas cidades: multibanco (cinco respostas), correios (duas respostas) e também comércio de proximidade (duas respostas). Referência ainda à falta de equipamentos sociais/centro de dia (duas respostas).
Importa ainda salientar que apesar de os residentes urbanos destacarem aspetos qualitativos na sua preferência por manter residência na cidade, referem também diversos aspetos que apontam para uma melhoria dessas condições: melhoria do espaço urbano/zonas verdes/mobiliário urbano/higiene urbana (seis respostas) e maior dinâmica/dinâmica cultural (quatro respostas). Quanto aos equipamentos de saúde que necessitam, nas áreas rurais menciona-se a necessidade de ter médico (cinco referências num total de nove respostas), em centro de saúde ou em extensão de saúde, no âmbito dos cuidados de saúde primários. As restantes respostas apontam no sentido de haver mais valências/especialidades (duas respostas) e existência de hospital e urgência durante a noite, apontando claramente para a escassez de serviços de proximidade disponíveis permanentemente. Nas áreas urbanas (25 respostas), indica-se “mais especialidades” (14 respostas), mais serviços diferenciados (cinco respostas), maior qualidade (três respostas), havendo ainda três respostas que referem a necessidade de hospital ou “ter médico mais tempo”.
E quem são os indivíduos que não pretendem continuar a viver na localidade de atual residência depois da reforma?
No caso dos que residem no meio rural são principalmente homens (66,7%, nos rurais e 47,4% nos urbanos), viúvos (75%). Já nas restantes situações relativas ao estado civil predomina a vontade de mudar de localidade, com valores mais elevados entre os solteiros e os divorciados (80,0% e 75,0%, respetivamente). No que diz respeito à escolaridade, não há um padrão relacionado com a vontade de mudar de localidade. Relativamente à situação perante o trabalho, são os que ainda trabalham a tempo inteiro, 64,3%, os que não querem viver na mesma localidade. Entre os que já estão reformados, apenas 42,9% não quer viver na mesma localidade. Quando se considera o rendimento, verificamos que todos os que têm rendimentos inferiores a 439€ querem continuar a viver na mesma localidade. Entre os que já estão reformados apenas 42,9% não quer viver na mesma localidade. Na avaliação do estado de saúde dos últimos cinco anos os que consideram que estão piores são maioritariamente (70%) os que não querem viver na mesma localidade. Entre os que avaliam a sua saúde como melhor ou igual, 57,1%, quer viver na mesma localidade. Relativamente à evolução do estado de saúde nos próximos dez anos, os que esperam estar melhor preferem continuar na mesma localidade (57,1%). Nos que esperam que a sua saúde seja igual ou pior, a tendência é inversa (35,7% e 41,7%, respetivamente). Quanto aos recursos de apoio social, não há diferenças relevantes entre os dois grupos (querem viver na mesma localidade/não querem) sobre os equipamentos que fazem falta, embora a percentagem dos que acham que as instituições atuais são adequadas é mais elevada entre os que pretendem continuar na mesma localidade (78,6%) do que nos que não pretendem continuar (65%).
No caso dos indivíduos que vivem em meio urbano, são as mulheres que revelam maior intenção de mudar (10,9%) do que os homens (5,3%), não havendo diferenças relevantes quanto ao estado civil. São os que têm escolaridade ao nível do ensino superior que tendencialmente mostram vontade de mudar de localidade (20,8%), o que não acontece nos níveis de escolaridade mais baixos e nos sujeitos sem escolaridade formal. Dos que ainda trabalham (a tempo parcial ou a tempo completo), 88,7% pensa continuar a viver na mesma localidade. Entre os reformados (por idade ou invalidez), essa percentagem é maior (100%). Já os que não pensam manter-se na mesma localidade (n=8), metade são quadros superiores (dois professores, um educador de infância e um médico). No entanto, considerando os rendimentos, não existem diferenças relevantes entre os dois grupos quanto à intenção de mudar de localidade. São os que fazem uma avaliação mais negativa da sua saúde nos últimos cinco anos, os que revelam intenção de mudar (13,9%), quando comparamos com os que acham que o estado de saúde se manteve (5,3%); nos que fazem avaliação positiva ninguém pretende mudar de localidade. Também são os que têm piores expectativas para a saúde nos próximos dez anos os que manifestam intenção de mudar mais elevada (13,8%), relativamente aos que esperam que a saúde se mantenha igual (6,2%). Já os que têm expectativas positivas de saúde não pretendem mudar de localidade. No que diz respeito à identificação de equipamentos em falta não há diferenças relevantes entre os que pretendem manter e os que pretendem mudar de residência. Também a perceção de que as instituições serão adequadas quando se tornarem idosos é positiva e muito semelhante tanto nos que responderam que pretendem manter como nos que pretendem mudar de localidade (92,2% e 92,3% respetivamente).
A análise das diferenças entre os que pretendem manter ou mudar de localidade quando se reformarem revela diferenças com significado estatístico (t-test, p=0,002) na avaliação do estado de saúde, quando comparado com cinco anos antes. Os que pretendem mudar avaliam a evolução do estado de saúde com valores mais baixos, o que vai ao encontro do referido no estudo de Johnson (2012). A importância da saúde como uma das razões que pode estar na origem da decisão de mudar de localidade verificou-se também noutros estudos (Angelini & Laferrère, 2008; Kohli et al., 2008), sendo a saúde uma dimensão problemática quando se analisa o envelhecimento em meio rural (Hanlon & Poulin, 2020; Poulin et al., 2020).
V. Conclusão
No processo de transição para a reforma, a escolha do local de residência ou a possibilidade de mudar de residência é uma questão que pode ter impacto na mobilidade das pessoas entre os meios rurais e urbanos, com impactos demográficos nos territórios. As diferenças passam pela existência, ou não, de suportes diferenciados, do comércio aos transportes, bem como serviços sociais e de saúde, redes sociais. A perceção dos recursos do ambiente local condiciona o quotidiano e a forma como se entende a progressão da idade (Caradec et al., 2017), o que torna pertinente considerar os contextos locais onde se vai envelhecer, onde se envelhece, pois as experiências de envelhecimento interligam-se com o ambiente social e físico e com a localização geográfica desses contextos. Referem Skinner et al. (2019) que compreender o envelhecimento onde acontece, como é experienciado em diferentes pessoas e lugares, é basilar para fundamentar a investigação e a intervenção.
Neste estudo, verificámos que a perspetiva de mudança de localidade é mais pronunciada entre os residentes em meio rural, particularmente entre os que ainda trabalham, e entre os homens. Esta tendência apresenta relação com várias questões conexas com a dimensão saúde: perceção do estado de saúde nos últimos seis meses, evolução nos últimos cinco anos, serviços existentes no concelho e condicionantes no acesso a serviços de saúde. A disponibilidade e acessibilidade aos cuidados de saúde afiguram-se, assim, como dimensões fundamentais e desafiantes, exigindo o desenvolvimento de um planeamento adequado às necessidades da população das zonas rurais.
Outro aspeto que é possível concluir é que, se o trabalho é um fator de residência em meio rural para alguns adultos ainda em idade ativa, no futuro poderemos assistir à saída de alguma população destes meios, fragilizando ainda mais a sustentabilidade destes territórios e contribuindo para um cada vez maior despovoamento. Na verdade, envelhecer em casa, na comunidade, a operacionalização do “ageing in place”, pressupõe a existência de um conjunto de condições ligadas à habitação, recursos sociais e de saúde, mobilidade, acessibilidade, ou seja, de organização das comunidades, privilegiando intervenções de proximidade e baseadas em articulação intersectorial, de modo a torná-las funcionais. Ora o que se verifica é que essas condições são percecionadas como não existentes, ainda que quando perguntados onde querem envelhecer, os inquiridos manifestamente escolham “em casa”, o que pode colocar em risco esta possibilidade, ou pelo menos fragilizar a possibilidade de escolha. Note-se que a percentagem dos que querem envelhecer em casa, com as condições atuais, foi menor nos rurais do que nos urbanos. Em futuras investigações será interessante perceber para onde querem mudar estes residentes do meio rural que indicam a vontade de mudar de localidade depois da reforma e aprofundar as razões desta possível decisão. É também necessário considerar o contexto geográfico restrito de recolha de dados do presente estudo, que não permite perceber se esta vontade de mudança dos residentes em meio rural é transversal às regiões do interior ou de baixa densidade, ou mesmo a regiões rurais de maior densidade populacional.
Envelhecer na comunidade em meio rural coloca, portanto, um conjunto de constrangimentos contextuais que, associados às características individuais (rendimento, escolaridade, perceção da saúde, redes familiares), podem influenciar a decisão de escolher o lugar da futura residência.
A Organização Mundial de Saúde identifica cinco principais áreas de intervenção necessárias para permitir o “ageing in place”: Pessoas, Lugares, Produtos, Serviços personalizados, Políticas de apoio social, os cinco P’s “People, Place, Products, Person-centered services, Policy” (WHO, 2016). Assim, a implementação deste processo supõe intervenções a diferentes níveis, sendo que os territórios, as comunidades, as instituições têm de se organizar de forma a responder à diversidade das necessidades, presentes e futuras, destas populações e dos contextos locais.
Contribuições dos/as autores/as
Maria João Guardado Moreira: Conceptualização; Metodologia; Análise formal; Investigação; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão e edição; Visualização; Supervisão; Administração do projeto; Aquisição de financiamento. Vítor Pinheira: Conceptualização; Metodologia; Análise formal; Investigação; Escrita - preparação do esboço original; Redação - revisão.
Agradecimentos
Este artigo foi elaborado com suporte nos dados do Projeto PerSoParAge - Recursos Pessoais e Sociais para a Autonomia e Participação Social numa Sociedade Envelhecida (POCI-01-0145-FEDER-023678), cofinanciado pelo Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (COMPETE 2020), na componente FEDER, e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).