O livro Geopolítica de Asia y el Indo-Pacífico da autoria de Javier Gil Peréz, foi publicado em 2020. Javier Gil Peréz tem no seu curriculum várias obras publicadas no âmbito da geopolítica do continente asiático, como por exemplo o livro “Política Exterior de Japón”, o capítulo “Sudeste Asiático” no livro “Ascenso del nuevo espacio indo-pacífico” e o artigo “Corea del Norte: amenazar para subsistir”. É professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Pontifícia Comillas e as suas áreas de investigação são o terrorismo e as insurgências no sueste asiático, assim como a geopolítica asiática.
Em Geopolítica de Asia y el Indo-Pacífico, o autor convida a mergulhar na imensidão de vetores e características geopolíticas presentes no vasto espaço da Ásia-Pacífico. Seguindo uma organização regional que conjuga os vários macro-espaços com desafios específicos, a obra aborda os casos de países da Ásia oriental, como a China, o Japão e as Coreias; do Sueste Asiático, como a Indonésia, a Tailândia e o Myanmar; da Ásia do Sul, como a Índia, o Paquistão e o Bangladesh; o Cazaquistão, na Ásia Central; o Afeganistão, na zona de contacto entre a Ásia Central e a Ásia do Sul; e, ainda, a Austrália.
Se procurarmos nos autores de referência que trabalharam o tema da geopolítica, encontramos uma miríade de definições do conceito “geopolítica”. Pérez tem o especial cuidado de, logo na introdução do livro, apresentar a sua definição do conceito, uma ajuda crucial para guiar o leitor e auxiliá-lo a compreender as diferentes temáticas abordadas, bem como os objetivos da obra. Pérez define geopolítica como sendo “a disciplina académica que analisa o impacto do meio físico nas decisões de âmbito político, económico e de segurança dos Estados, tanto a nível interno como nas suas relações externas”. A definição de Pérez, ainda que correta e pertinente para a compreensão da sua obra, engloba apenas os atores geopolíticos tradicionais, não colacionando as perspetivas críticas da geopolítica, que enfatizam aspetos como o discurso e a ideologia, isto é, a produção de geopolítica (Dodds, 2019).
Pérez propõe uma abordagem alargada e diversificada às características geopolíticas dos países e regiões, enfatizando algumas destas. Em primeiro lugar a posição - primeiro elemento de toda a geografia “clássica” (Ribeiro, 1977). Da posição derivam outros fatores geopolíticos que o autor considera fundamentais: zonas de tampão ou transição entre regiões; barreiras naturais de proteção; rios que atravessam o território de Estados e rios que nascem no território de determinado país; e, por último, as saídas para o mar. Todos estes aspetos, e as consequências que deles derivam, são complementados com dados muito ricos sobre a diversidade étnica, religiosa, cultural e linguística, bem como sobre o sistema político e a sua evolução, e ainda, o desenvolvimento económico. Para mais facilmente compreender as informações descritas, todos os capítulos são ilustrados com mapas e tabelas que transmitem informações muito pertinentes e que enriquecem profundamente os conteúdos desta obra.
Apesar de o autor dedicar um capítulo a cada país, num mundo cada vez mais multipolar e globalizado, é natural que vários países sejam referidos em diferentes capítulos em função de um determinado conflito ou tensão, ou até das trocas comerciais entre eles. Na contabilidade das menções ao longo dos diferentes capítulos, há um país que se destaca largamente. Esse país é, sem surpresa, a China. Seja pelas fronteiras terrestres que partilha com vários países, seja pela delimitação de fronteiras marítimas ou pela disputa de ilhas e os conflitos que delas advêm, seja pelo volume das trocas comerciais ou pelo estabelecimento de portos comerciais em territórios estrangeiros, fica indubitavelmente patente, o “assalto” da China ao poder mundial. Nas relações económicas e diplomáticas que o dragão asiático mantém com outras nações, é muitas vezes visto como parceiro ou como inimigo e, não sendo raros os casos em que desempenha ambas as funções. A posição geográfica da China constitui um ponto fulcral para projetar o seu poder além-fronteiras. Em 1950, somente um ano após a vitória comunista na Guerra Civil Chinesa, 40 000 soldados chineses invadiram e anexaram o Tibete. No seio das motivações desta invasão esteve a recuperação do prestígio que o antigo Império Celeste havia perdido ao longo do século anterior, mas também a importância geopolítica do Tibete, como zona tampão entre a China e a Índia e como região onde nasce a generalidade dos grandes rios asiáticos, o que lhe confere uma grande preponderância geopolítica. Outro exemplo que convoca a água como um elemento geopolítico preponderante é o do conflito pela região de Cachemira, entre a Índia e o Paquistão. Se bem que esta região tenha sido dividida entre as duas nações em 1949, é nos dias de hoje o principal foco de tensão entre elas. Parte desta tensão tem origem no facto de os cinco principais afluentes do rio Indo - o mais importante rio do Paquistão - nascerem ou transitarem pelo território da Cachemira indiana. Estes são claros exemplos do valor estratégico que os rios desempenham como ativo geopolítico e nas relações e tensões entre Estados.
Ainda em relação ao fator posição geográfica, Pérez destaca o papel que o Afeganistão desempenha no cruzamento entre a Ásia Central e a Ásia do Sul e entre o mundo sunita e xiita. É igualmente no Afeganistão que se localiza o corredor de Wakhan, um pequeno corredor entre o Tajiquistão e o Paquistão, que, no seu ponto mais estreito, tem apenas 11 km de largura e conecta o Afeganistão e a China. A norte deste corredor, no território tajique, a China construiu a sua segunda base militar permanente fora do seu território - já tem uma no Djibuti - de forma a controlar potenciais ajudas dos fundamentalistas islâmicos afegãos aos uigures em Xinjinag, território chinês que vive em constante clima de tensão pelas pretensões separatistas de alguns grupos islâmicos. O Cazaquistão tem uma posição geoestratégica chave, debaixo do manto russo e às portas de Xinjiang, mas também conectada ao resto da Ásia Central, através das suas extensas fronteiras terrestes. Pérez afirma que a integração da Ásia Central na URSS fez com que os seus territórios, especialmente o Cazaquistão, perdessem a sua importância geopolítica, que só seria recuperada com a queda daquela. Neste aspeto particular, não poderia estar em maior desacordo com o autor. A região nunca perdeu a sua importância geopolítica: houve apenas uma alteração na entidade política a quem a sua posição interessava.
Um outro aspeto que Pérez enfatiza e que talvez seja o mais preponderante para a definição do panorama atual da geopolítica na região do Indo-Pacífico, é a vertente marítima de cada país. A partir dos seus 14 mil km de costa, Pequim tem procurado expandir o seu poder marítimo, através da ocupação de diversas ilhas no Mar do Sul da China, com o principal objetivo de aumentar a sua Zona Económica Exclusiva (ZEE). As ações perpetradas por Pequim provocaram o descontentamento dos restantes países que também reivindicam os territórios ocupados. A disputa centra-se, principalmente, no controlo de diversas ilhas que compõem os arquipélagos das Spratlys e das Paracel por parte dos países que os rodeiam: China, Taiwan, Vietname, Filipinas, Brunei e Malásia. Os países que disputam a soberania destas ilhas contrapõem argumentos históricos e legais na reivindicação parcial ou total dos dois arquipélagos. Estas disputas parecem ter origem em questões históricas, mas a questão não se limita a esse fator, uma vez que estas ilhas têm uma grande importância militar para os Estados que as reivindicam. A elevada percentagem do comércio mundial que transita pelo Mar do Sul da China, o potencial de recursos naturais e a sua posição estratégica, conferem às ilhas Paracel e Spratlys uma fulcral importância económica, política e securitária (Bouchat, 2014). Ainda no âmbito da demarcação de fronteiras marítimas, a China disputa com a Indonésia parte da sua ZEE. As reivindicações chinesas no Mar do Sul da China estão expressas no famoso mapa dos nove traços. Ora, as ilhas Natuna, território indonésio, estão fora do famoso mapa, e por isso, Pequim não reivindica, por enquanto, qualquer controlo territorial das ilhas. No entanto, a ZEE das ilhas Natuna cruza-se com as reivindicações chinesas na ZEE das ilhas Spratlys. As ilhas Natuna situam-se entre a Malásia peninsular e a fachada noroeste da ilha de Bornéu e nas suas águas estão as maiores reservas de gás natural da Indonésia. São também um ponto de passagem obrigatória para as embarcações que circulam em direção ao estreito de Malaca, o que confere às ilhas uma grande importância geoestratégica.
Ainda na vertente marítima, Pérez indaga sobre a atuação nipónica nesta dimensão. O Japão, país insular, tem na vertente marítima o garante da sua estabilidade e sustentabilidade. É também pelo controlo de ilhas e na demarcação de fronteiras marítimas que mantém algumas tensões acesas. Com o seu primeiro aliado na região, a Coreia do Sul, disputa as ilhas Dokdo, controladas pela Coreia desde 1954. As águas territoriais das ilhas Dokdo são ricas em recursos energéticos e albergam grandes recursos pesqueiros. Não se prevê que desta disputa possa ocorrer uma escalada de tensão. Com a China disputa as ilhas Senkaku, localizadas a nordeste de Taiwan e a apenas 300 km da costa chinesa. O interesse destas ilhas prende-se com os abundantes recursos naturais, bem como na posição estratégica, próxima de Taiwan e da China continental. Esta disputa é o principal ponto de fricção entre ambos os Estados.
Regressando à China, rainha no xadrez geopolítico do espaço asiático, para além da ocupação de ilhas no Mar do Sul da China, Pequim empreendeu uma política de estabelecimento de portos comerciais em diversos países do continente asiático. Na Ásia do Sul, estabeleceu o porto de Chittagong, no Bangladesh, o porto de Hambantota, no Sri Lanka e o porto de Gwadar, no Paquistão. Estes três portos formam o denominado colar de pérolas em volta da Índia, numa clara estratégia de afirmação da China ao nível global por via da projeção do poder e das suas rotas comerciais.
Esta obra acrescenta à bibliografia tradicional uma abordagem integrada e diversificada da geopolítica do espaço da Ásia e do Indo-Pacífico. Não obstante, apesar do rigor e profundidade dos conteúdos, Pérez peca pelo uso reduzido de bibliografia e fontes, e pela ausência de uma conclusão. Muito mais poderia ser dito, tal é a abrangência e profundidade da obra de Pérez. Não sendo possível, por limitações diversas, detalhar todos os elementos deste significativo trabalho, foram aqui destacados os tópicos de natureza geográfica que considero essenciais para entender a geopolítica do espaço asiático. De facto, as disputas no espaço marítimo do Indo-Pacífico, são, atualmente, o principal motor das tensões geopolíticas a nível global. Lembrando a máxima escrita por Walter Raleigh no início do século XVII, “Quem controla o mar controla o comércio mundial; quem controla o comércio mundial controla a riqueza; quem controla a riqueza do mundo domina o próprio mundo”.