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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.28 no.1 Braga  2014

 

Enunciados do tipo injuntivo em géneros de texto publicitários sobre o vinho

Injuntive utterances on advertising textual genres about wine

 

Carla Teixeira*

*Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

carla.teixeira@fcsh.unl.pt

 

RESUMO

A partir de um corpus de géneros de texto publicitários, rótulos e contrarrótulos de garrafa de vinho e anúncios sobre o vinho, neste trabalho, serão analisados os enunciados injuntivos em ocorrência para averiguar as relações que se estabelecem entre marcas comerciais e consumidores, o tipo de informação veiculada e as representações linguisticamente construídas destes sujeitos.

Situando-se no âmbito da Teoria do Texto e combinando patamares de análise linguística com a dimensão social, esta investigação convoca ainda o Interacionismo Sociodiscursivo que defende uma perspetiva ontogenética da linguagem, consentânea com uma abordagem discursivo-textual da Linguística. A análise dos dados indica que os domínios sociais ou as atividades envolvidas, publicitária e de produção e de comercialização do vinho, preconizam imagens do consumidor ideal de vinho no que diz respeito à prova de vinho, a um comportamento socialmente adequado e sobre as boas propriedades do vinho.

Palavras chave: Teoria do Texto, Interacionismo Sociodiscursivo, géneros de texto publicitários, injunção, competência.

 

ABSTRACT

In this paper, we will analyse the occurrence of injunctive utterances in a corpus of genres such as advertising texts, labels and back labels in wine bottles and also advertisements about wine. The purpose of this research is to investigate the relations established between commercial brands and consumers, as well as the type of information conveyed and the linguistically constructed representations of these subjects. Within the framework of Text Theory and combining linguistic analysis levels with the social dimension, this research also calls upon Socio-Discursive Interactionism, which defends an ontogenetic perspective of language, consistent with a discursive and textual approach to Linguistics.

Data analysis shows that the social domains or the activities involved, namely those of advertising, production and commercialization of wine, support the images of the ideal wine consumer, on what concerns wine tasting, appropriate social behaviour and good properties of the wine.

Keywords: Text Theory, Socio-Discursive Interactionism, advertisement text genres, injunction, competence.

 

1. Introdução [1]

O presente trabalho[2] é realizado no âmbito da Teoria do Texto, campo linguístico que convoca outros saberes para uma compreensão mais conseguida das noções de género de texto e de texto. Considerados ontológica e praxiologicamente codependentes, o género de texto é entendido como uma configuração comunicativa cuja manifestação física é o texto, um objeto complexo construído em vários patamares linguísticos e encaixado num contexto social.

Nesse sentido, a orientação teórica assumida coincide com a do Interacionismo Sociodiscursivo (doravante, ISD; Bronckart, 2003, 2008), um quadro epistemológico que dimensiona a produção de textos perante os modelos e no exercício das atividades sociais.

Embora se aponte o género de texto e o texto como objetos de estudo privilegiados, neste estudo, o objeto de investigação evidenciado focaliza os enunciados injuntivos que ocorrem num corpus de géneros publicitários, nomeadamente, rótulos e contrarrótulos de garrafa de vinho e anúncios sobre o vinho.

Sendo caraterístico dos géneros publicitários a presença de enunciados do tipo injuntivo e a formulação de atos ilocutórios diretivos, refletirei sobre a presença destes enunciados no corpus já identificado, respondendo às seguintes questões:

como é que as marcas comerciais que representam os produtos se relacionam com os consumidores?

que tipo de informação relevante as marcas comerciais expressam para convencer o consumidor a adquirir o produto?

que representações linguísticas do interlocutor configuram estes enunciados inseridos nos géneros de texto em que ocorrem?

Neste contexto, relacionarei a noção de injunção com as noções de competência textual e de cortesia verbal e farei uso do dispositivo interacionista conhecido como tipos de discurso para efeitos de análise, destacando o valor modal presente nos enunciados do corpus.

2. Enquadramento teórico

Esta investigação inscreve-se na perspetiva da Teoria do Texto como disciplina linguística que descreve e carateriza os géneros de textos, observando-os como objetos localizados dos pontos de vista social, histórico e geográfico, e considerando-os testemunhos das vivências dos sujeitos em sociedade.

Entende-se, assim, a Teoria do Texto como uma ciência da área da Linguística de "abertura interdisciplinar" (Coutinho, 2003: 28) que coopera com outros campos confluentes para uma melhor descrição de aspetos relevantes no texto, dos quais se destacam, tendo em vista o presente trabalho, os aspetos enunciativos e os aspetos pragmáticos. Evidencia-se, também, um entendimento da Teoria do Texto de "um ponto de vista globalizante" (Coutinho, 2003: 29) que, ao invés de outras opções mais delimitadas ou focadas da Linguística, postula uma abordagem metodológica e uma abordagem linguística em vários patamares de análise:

Elle [a Linguística] affronte alors des problèmes d’une autre échelle, en vraie grandeur pourrait-on dire. Elle n’abandonne pas pour autant son domaine de prédilection, la phrase, mais au contraire se prépare à y faire retour d’une façon nouvelle, dans la mesure où le global détermine le local. Si l’on ne peut réduire un texte où elle figure des déterminations inoubliables, jusque sur sa syntaxe, voire sa phonétique. (Rastier, 1996: 11)

Tomando um objeto de estudo dual, o género textual e o texto, em que a única via de acesso do género é realizada por intermédio do texto, este último é motivo de observação devido aos elementos que o compõem e que se revelam significativos para a compreensão de uma mensagem global.

Procurando uma descrição mais minuciosa do objeto de estudo género de texto entre os vários níveis de análise, neste trabalho, combinarei, a Teoria do Texto com outras áreas linguísticas, nomeadamente, conhecimentos de base pragmática e de análise microlinguística. Convocarei, ainda, o Interacionismo Sociodiscursivo, que passarei a caraterizar sumariamente, devido à forma como reflete sobre a relação entre linguagem e sujeitos no espaço social ou, por outras palavras, sobre a dimensão logocêntrica da linguagem.

Para Jean-Paul Bronckart (2003: 42), "a tese central do interacionismo sócio-discursivo é que a ação constitui o resultado da apropriação, pelo organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem." Neste sentido, a linguagem é considerada um recurso ontogenético do ser humano na integração em sociedade, em detrimento de outras perspetivas bio-cognitivistas que atribuem à linguagem um modesto papel filogenético (Bronckart, 2008: 6).

Ao cooperar no desenvolvimento de uma ciência do humano por meio de colaborações entre várias esferas científicas, das quais se privilegia a Sociologia, a Psicologia e a Linguística, o ISD atribui aos géneros de texto e aos textos um papel de destaque como objetos de estudo preferenciais das interações entre os sujeitos em sociedade.

Esta perspetiva dialógica da linguagem no ISD é assente no pensamento de Valentin Voloshinov que, de acordo com Bronckart, foi o primeiro a afirmar nos seus escritos a importância do contexto de comunicação:

les textes ne pouvaient être interprétés qu’en tenant compte des divers paramètres du contexte de communication, mais il a souligné surtout que ce contexte ne pouvait être considéré comme une force qui exercerait un effet mécanique sur la teneur des énoncés; pour lui, contexte et énoncé sont dans un rapport de co-construction (Bronckart, 2010, 157).

Com base no programa metodológico apoiado no dialogismo de Voloshinov, preconiza-se, então, a utilização de uma abordagem de lógica descendente nos textos em que a análise destes objetos é contextualizada, isto é, integrada nas atividades sociais e nos géneros mobilizados nas interações. Deste modo, a observação linguística é orientada em função da atividade (ou domínio social), um patamar de análise extralinguístico[3]. Num momento posterior, a análise progride para os níveis designadamente linguísticos, o género de texto e o texto. Nesse âmbito, assumindo um ponto de vista enunciativo de análise dos discursos e coincidente com a posição de Voloshinov (Bronckart, 2010: 157), o ISD apresenta os tipos de discurso:

como formas lingüísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem a criação de mundos discursivos específicos, sendo esses tipos articulados entre si por mecanismos de textualização e por mecanismos enunciativos que conferem ao todo textual sua coerência seqüêncial e configuracional. (Bronckart, 2003: 149)

Os tipos de discurso são, assim, semiotizações decorrentes de uma língua natural com propriedades morfossintáticas e semânticas estáveis e regulares; estes resultam, ainda, de quatro mundos discursivos ou arquétipos psicológicos sem semantização particular aos quais correspondem os mencionados tipos de discurso como construtos identificados a partir das entradas da temporalidade e da atorialidade[4]. O quadro 1 expõe de modo sintético os quatro tipos de discurso, a saber, discurso interativo, discurso teórico, pertencentes à ordem do expor, e relato interativo e narração, integrados na ordem do narrar, podendo também dizer-se que correspondem a modos de enunciação, como já mencionado.

 

Quadro 1. Os tipos de discurso

(traduzido de Bronckart, 2008: 71 apud Coutinho, 2010: 197)

Organização temporal

Conjunção

Disjunção

EXPOR

CONTAR

Organização atorial

Implicação

Discurso interativo

Relato interativo

Autonomia

Discurso teórico

Narração

 

Embora os tipos de discurso sejam configurações semióticas de estatuto intermédio que se relacionam tanto com o género como com o texto, a verdade é que os géneros tendem a mostrar uma certa regularidade nos tipos de discurso selecionados, bem como de alguns subconjuntos de caraterísticas linguísticas.

Com uma intenção meramente exemplificativa, é modificado o quadro anterior, na tentativa de ilustrar a ocorrência (ou ocorrência predominante) de um tipo de discurso num determinado género de texto, a par de eventuais caraterísticas microlinguísticas.

 

Quadro 2. Exempli?cação da relação entre géneros de texto e tipos de discurso

Organização temporal

Conjunção

Disjunção

EXPOR

CONTAR

Organização atorial

Implicação

Exemplo de discurso interativo: entrevista (pr. pessoais referentes

aos sujeitos em interação, deíticos,

formas verbais no presente do indicativo).

Exemplo de relato interativo: intervenção política oral (referências ao produtor textual, expressões temporais disjuntas relativamente ao momento da enunciação, formas verbais no pretérito imperfeito do indicativo).

Autonomia

Exemplo de discurso teórico: entrada de dicionário (apagamento enunciativo do sujeito, formas verbais no presente do indicativo com valor genérico).

Exemplo de narração: romance

(personagens identificadas através de nomes próprios, implicitamente, por uma voz, expressões temporais disjuntas relativamente

ao momento da produção textual, formas verbais no pretérito imperfeito/ perfeito do indicativo).

 

Destaca-se, então, no contexto interacionista, o uso de discurso como afeto aos tipos de discurso, por contraposição a outras utilizações correntes nos estudos do texto e do discurso que se referem a práticas linguísticas ou a regularidades descontextualizadas.

Tendo sublinhado que a Teoria do Texto é uma disciplina linguística que incorpora vários patamares de análise linguística e que estabelece parcerias com outras áreas, evidenciei uma ligação com o ISD no estudo do género textual e do texto, focando a relação que se estabelece entre a dimensão social e a materialização do género textual. De seguida, convocarei mais algumas noções teóricas relevantes para a consecução deste trabalho.

3. Considerações teóricas sobre a competência textual, a cortesia verbal e a injunção

Sendo o contexto situacional fundamental para a compreensão dos textos, é de observar as condutas sociais entre os sujeitos, ou, neste caso, a maneira como as marcas representantes dos produtos se relacionam com os consumidores. Dado que estas práticas sociais se encontram legitimadas com implicações discursivas e textuais, considera-se relevante recuperar a noção de competência.

Num primeiro momento, a noção competência pode associar-se à Linguística Generativista, nomeadamente, o termo competência linguística, como uma aptidão inata ou biologicamente determinada da espécie humana.

De facto, tal como Vítor Aguiar e Silva (1977: 106-132) demonstrou, houve um primeiro momento de transposição da noção de competência para o campo da Literatura, tendo sido tentada a formulação do conceito de competência literária. Duas das tentativas realizadas foram feitas por Manfred Bierwisch e por Teun van Dijk que, individualmente, tentaram adaptar o modelo de Chomsky à Literatura, postulando a existência de uma capacidade humana específica (human ability) que possibilitasse a produção e o reconhecimento de estruturas poéticas a partir de uma internalized literary text grammar. À semelhança da competência linguística, a competência literária, podendo ser expandida, seria dependente de uma gramática literária à qual corresponderia uma realidade mental.

Na opinião de Aguiar e Silva, estes projetos tinham limitações de formulação, pois as propriedades dos textos literários necessitam de algum tipo de aprendizagem formal, ao contrário do que é defendido pela hipótese inatista. Na opinião do autor, a competência literária é uma espécie de competência secundária derivada ou uma subcompetência para linguagens específicas (tais como os textos literários) da competência primária (linguística). Ou seja, ainda que dependente do conhecimento do falante sobre a língua, a competência literária seria de natureza sociocultural.

Do mesmo modo, os estudos realizados sobre o texto e na área da Didática referem-se à competência textual como uma técnica ou uma capacidade prática com um potencial de desenvolvimento pelo sujeito. Como afirma Coutinho (2003: 126), "um desempenho textual eficaz" deve-se à articulação das questões discursivas, de género e de texto, pelo que é de considerar os domínios tanto da escrita como da leitura. A competência textual é, então, uma proficiência do sujeito em produzir e reconhecer os modelos e interpretar os respetivos textos.

Em consonância com Coutinho e salientando a complexidade dos elementos em causa para uma definição de cortesia, Rodrigues (2003: 15-16) considera que esta é uma competência discursivo-textual que conjuga "conhecimentos e saberes de natureza psicossocial e sociocultural diversos, por um lado e da natureza linguística, paralinguística e metalinguística, por outro." Além de identificar os campos linguísticos textual e discursivo como aqueles que estudam este tipo de manifestações, esta competência designa, igualmente, "os fenómenos verbais de cortesia e as suas regras, como, pela sua ausência ou negação, os de descortesia." (Rodrigues, 2003: 15-18) Dependendo de elementos como o locutor, o interlocutor, o espaço e o tempo da situação específica de produção e o contexto social, a cortesia inclui múltiplos elementos na sua configuração, sendo, por isso, ainda segundo o mesmo autor, de natureza escalar.

É observando uma diversidade de formas e de construções que a injunção se pode expressar como uma ordem, um pedido, um conselho, uma exortação ou uma simples instrução, em função de uma gradação injuntiva mais ou menos forte, de acordo com Duarte (2006: 155-156). Em termos gerais, a injunção encerra um ato ilocutório diretivo cujo fim é conduzir à realização (ou não) de uma ação verbal ou não verbal, cumprindo uma expetativa existente entre quem se manifesta em prol de uma ação e quem a executa[5].

Na variante europeia do Português, os atos diretivos são expressos por estruturas explícitas e implícitas, sendo o imperativo o modo canónico para cumprir esta intenção, à semelhança de outras línguas românicas como, por exemplo, o Italiano (Lazard, 2006). Na verdade, o imperativo, escolha preferencial para a realização dos enunciados diretivos só dispõe das formas da segunda pessoa do singular e do plural, pelo que o modo conjuntivo é utilizado para suprir as formas verbais das outras pessoas (Duarte, 2006: 159-160).

4. Apresentação do corpus

Considerando que os géneros textuais em questão, rótulo e contrarrótulo de garrafa de vinho e anúncio publicitário, são produzidos nas esferas de duas atividades sociais, a atividade publicitária e a atividade de produção e comercialização do vinho, é possível verificar que estes domínios sociais contribuem de modo distinto na produção do texto, isto é: a atividade publicitária detém o protagonismo de execução na organização do conteúdo e a atividade do vinho é a fonte de conhecimento sobre o vinho para a exposição da informação relevante. Neste sentido, pela intervenção da atividade publicitária ao nível do texto e pelo reconhecimento social que é feito pelos consumidores, opto por designar, metonimicamente, os géneros observados de géneros publicitários.

Efetivamente, os géneros referidos apresentam traços textuais comuns a outros textos publicitários, dos quais se destacam a promoção de um produto e a situação de interação encenada a partir da ficcionalização de um enunciador que se dirige a um coenunciador. De um ponto de vista praxiológico, estes textos publicitários apresentam formas injuntivas que configuram um macroato[6] indireto ilocutório diretivo, que não se encontra formalmente explicitado, e com o qual se pretende obter um efeito perlocutório de compra do vinho, como se verificará no próximo ponto.

Contudo, sendo estes géneros fortemente estruturados no equilíbrio entre uma componente visual (sem oportunidade de ser explorada neste trabalho por motivos de espaço) e uma componente verbal caraterizada pela economia de palavras, importa observar como esta última dimensão formaliza a orientação do consumidor ao ato da compra e qual é o conteúdo informativo associado. Considerar-se-ão, então, os enunciados injuntivos sem distinção do tipo de instrução, mas descrevendo-os em termos dos tipos de discurso segundo o ISD e caraterizando-os do ponto de vista da temporalidade e da atorialidade.

Desta forma, o corpus de géneros textuais mobilizado para este trabalho foi coligido atendendo à publicidade associada à área do vinho, estando dividido em rótulos e contrarrótulos de garrafas de vinho e anúncios sobre o vinho, como já mencionado.

A seleção dos exemplares de texto foi feita em função da ocorrência de formas verbais com valor injuntivo consideradas potencialmente indutoras de uma compra do vinho e da reunião de exemplares representativos de diferentes marcas do vinho. Pretende-se, então, conseguir uma melhor descrição da presença do vinho, e, consequentemente, das formas linguísticas usadas neste contexto, bem como das representações emergentes nos textos do corpus relativamente à compra e ao consumo do referido produto, usadas, conjuntamente, pelas atividades publicitária e de produção e de comercialização do vinho. Assumindo o estatuto de representante do género, os textos observados e, consequentemente, as respetivas ocorrências das formas verbais injuntivas, serão objeto de uma análise de natureza qualitativa, no sentido de exemplificar as configurações linguísticas associadas à materialização dos géneros de texto em estudo.

No caso do género de texto rótulo e contrarrótulo de garrafa de vinho, foram considerados doze exemplares, pertencentes às seguintes marcas: Castelo d’Alba[7] [R1], Evidência [R2], Lello [R3], Hobby [R4], Irreverente [R5], JP Azeitão [R6], Moscatel de Setúbal [R7], Palmela [R8], Pancas [R9], Quinta de Alcube [R10], Herdade Paço do Conde [R11] e Ilógico [R12]. Estas duas últimas marcas tinham rótulos sem enunciados injuntivos, e os textos das restantes marcas revelaram a presença de vinte e um enunciados injuntivos.

Os anúncios sobre o vinho considerados foram seis exemplares de Monte Velho [A1, A2, A3, A4, A5, A6], da Herdade do Esporão, e dois exemplares de Mateus Original [A7, A8], da Sogrape Vinhos. Este género de texto, anúncio sobre o vinho, apresentou nove enunciados injuntivos em oito textos[8].

Com o estatuto de exemplares dos géneros de texto anunciados, de seguida, apresenta-se as imagens de dois desses textos, ilustrando ocorrências situadas dos enunciados injuntivos, ainda que se realce que este trabalho se centra nos valores que orientam à compra e que são construídos socialmente:

 

 

 

 

5. Análise dos dados

Como se pode verificar pela leitura do quadro 3, no corpus estudado constatou-se a ocorrência de formas verbais na voz ativa, o presente do conjuntivo, o infinitivo, e o presente do indicativo, e na voz passiva, também o presente do indicativo, sendo que neste último caso só se comprovaram ocorrências nos textos pertencentes ao género rótulo e contrarrótulo.

 

Quadro 3. Presença de formas verbais injuntivas no corpus de géneros publicitários

Rótulos

Anúncios

imperativo

não

não

presente do conjuntivo

sim

sim

infinitivo

sim

sim

presente do indicativo

sim

sim

passiva

sim

não

 

Na sequência do que já foi afirmado sobre a construção da injunção por meio do imperativo, este está ausente de qualquer ocorrência nos enunciados do corpus, o que evidencia um valor injuntivo sem recurso à formulação frontal do ato ilocutório diretivo. Esta é uma especificidade da publicidade enquanto atividade que faz uso de estratégias persuasivas específicas para convencer o consumidor (Adam & Bonhomme, 2007: 25), como se verá adiante. Deverá, igualmente, ser entendida como uma estratégia comunicativa da ordem da cortesia e inerente a estes géneros textuais. A este propósito, relembram-se as palavras de Carreira sobre a cortesia linguística: "Il faut tenir compte également des procédés variés de modalisation et d’indirection, ainsi que des stratégies mises à l’œuvre, telles que la façon d’encourager son interlocuteur, de lui exprimer son accord ou son désaccord, etc." (Carreira, 2001: 57)

De facto, tal como é possível averiguar nos quadros 3 e 4, além da ausência do imperativo, é possível constatar a omissão de outro tipo de estratégias explícitas da diretividade, que pudessem, por exemplo, contribuir para uma melhor definiç do interlocutor, cuja indicação da pessoa é unicamente transmitida pela terminação da forma verbal. Este fenómeno de situação encenada e de indefição de interlocutores através do uso exclusivo da 3ª pessoa (ausência de nome, pronome ou sujeito verbal) é chamado de "grau zero" de deferência:

Je me limiterai à attirer sur une forme d’adresse de vouvoiement très particulière: il s’agit de la 3ème personne verbale (avec absence du nom, pronom, sujet verbal). Cette forme délocutive peut devenir allocutive, lorsque le locuteur vouvoie quelqu’un en évitant de nuancer la désignation de son allocutaire. Il s’agit d’une sorte de "degré zéro" de déférence. (Carreira, 2001: 55)

 

Quadro 4. Enunciados com formas verbais injuntivas no corpus de géneros publicitários

Rótulos e contrarrótulos de garrafa de vinho

Anúncios publicitários sobre o vinho

presente do conjuntivo

"beba como aperitivo"/ "lembre-se de…" [R3],

"Faça os seus telefonemas (…) desligue o telemóvel (…) desfrute calmamente (...) a 12ºC. Não acompanhe com carnes elaboradas..."

[R4], "Consuma com moderação" [R6], "Sirva ligeiramente fresco. (12-14ºC)" [R7]

"Seja responsável" "Beba com moderação"

[A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8]

"… experimente a leveza" [A8]

infinitivo

"Não gelar" [R1], "Se optar por estagiá-lo (…) deitar a garrafa e conservá-la" [R3], "a acompanhar

pratos de...", " (...) a acompanhar pratos de caça." [R5], "Servir: à temperatura de 14-16ºC" [R6],

"Consumir já ou guardar em local fresco, garrafa deitada por um período máximo de 7 anos" [R10]

"Como iniciar um romance (...) [A1]/ na história de um almoço entre amigos (...) [A2]/ um presente de Natal (...) [A3]/ um grande discurso à mesa (...) [A4]/ impressionar o sogro (...) [A5]/ saudar o sol (...) [A6] em apenas duas palavras"

presente do indicativo

"Acompanha pratos…" [R10], "Este Douro está pronto a consumir" [R3]

"Mateus Rosé é a companhia perfeita" [A7],

"Se quer um rosé diferente" [A8]

passiva

"Deve ser bebido à temperatura de 16ºC [R2] ", "não é permitida a venda menores de 18 anos de idade." [R6], "Deve ser servido à temperatura a uma temperatura de 16ºC" [R8]",

"Deve servir-se à temperatura de 18ºC." [R5], [R8] ,

"Deve ser consumido entre 16º e 18º graus de temperatura." [R10]

 

Assim, os dados expostos no quadro 4 permitem deduzir que existem dois tipos de enunciados no corpus: um primeiro conjunto de dados refere-se a enunciados injuntivos no presente do conjuntivo ("beba como aperitivo" [R3]; "Seja responsável", "Beba com moderação" [A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8]) e no infinitivo ("Se optar por estagiá-lo (…) deitar a garrafa e conservá-la" [R3]; "Como iniciar um romance em apenas duas palavras" [A1]). Neste conjunto, é tematizado o melhor modo de consumir o vinho, ou seja, são explicitadas práticas adequadas ao consumo do vinho que variam entre o consumo moderado aos procedimentos certos a aplicar para uma correta preservação/consumo imediato ou degustação do vinho (temperatura e harmonização gastronómica). Deste modo, destaca-se, igualmente, a presença de um valor modal deôntico construído a partir do desempenho do sujeito que bebe ou beberá o vinho, pelo que, no presente do conjuntivo é o sujeito implícito das formas verbais "beba" ou "seja". É de sublinhar que alguns destes segmentos aparecem conjugados com orações nominais ([a sublinhado] "À temperatura certa (16º C-18º C), beba como aperitivo..." [R3]) ou precedidos por orações nominais ("Dicas para o beber" [R4]) que, tal como os segmentos já observados, apresentam o mesmo valor injuntivo subjacente ao ato ilocutório diretivo e a construção de um valor modal deôntico idêntico, preconizando-se uma ação por parte do consumidor a fim de obter a melhor experiência do vinho.

Em consonância com a noção defendida de macroato ilocutório diretivo, a formulação de orientações ao consumidor é entendida como constituída por um segmento ou por um conjunto de segmentos, no plano textual.

Em termos de tipos de discurso no entendimento do ISD, estes exemplos correspondem a segmentos de discurso interativo, pressupondo um outro sujeito a ser convocado para o interior do espaço textual, o que implica a recriação de uma cena interlocutiva simulada. As formas verbais em ocorrência pressupõem e constroem exatamente a presença de um interlocutor não delimitado ou alguém que esteja disposto a aderir à conduta recomendada. Desta forma, é promovida uma imagem do interlocutor dependente de uma instrução para alcançar representações de uma prova de vinho bem sucedida e de comportamentos socialmente aceites relativamente à ingestão desta bebida alcoólica.

Os dados apresentam também um segundo conjunto de enunciados injuntivos conjugados no infinitivo ("Não gelar" [R3]), no presente do indicativo ("Este Douro está pronto a consumir" [R3]; "Mateus Rosé é a companhia perfeita" [A7]) e na passiva ("deve ser bebido" [R2] e "deve ser consumido" [R10]), associados ao tipo de discurso teórico que configura um apagamento do sujeito e/ou uma ancoragem enunciativa no presente, embora possa ser formalizada no presente do indicativo com um valor atemporal.

As formas verbais que constam deste conjunto definem as propriedades do produto o vinho (que ocorre em posição sintática de sujeito realizado ou não realizado foneticamente nas formas do presente do indicativo, do infinitivo e da voz passiva), verificando-se uma instrução à degustação pela valorização das propriedades referenciais do vinho e dos comportamentos socialmente aceites. Deste modo, de um ponto de vista da construção de valores modais, nestes segmentos coexistem a modalidade deôntica (em "Não gelar" [R1] e "deve ser bebido"/ "deve ser consumido" [R10]) e a modalidade epistémica ("Este Douro está pronto a consumir" [R3] e "Mateus Rosé é a companhia perfeita" [A7]), o que diferencia este conjunto do primeiro grupo que se foca na ação do sujeito[9], como se pode comprovar no quadro 5 que apresenta a síntese dos dados.

 

Quadro 5. Quadro síntese da injunção no corpus de géneros publicitários: rótulos e contrarrótulos de garrafa de vinho e anúncios publicitários sobre o vinho

Tipos de discurso

Caraterísticas dos enunciados injuntivos

Representações textuais construídas pelos enunciados injuntivos

Discurso interativo

tempo/modo: presente do conjuntivo, infinitivo (podem ser conjugados com orações nominais ou precedidos de orações nominais)

valor modal deôntico

simulação de uma cena interlocutiva

– A instrução é feita relativamente à prova de vinhos e aos comportamentos que um interlocutor construído no texto deverá ter.

Discurso teórico

tempo/modo: infinitivo, presente do indicativo (voz ativa; voz ativa)

apagamento do sujeito enunciativo

outro valor do presente do indicativo: atemporal

valor modal deôntico e epistémico

posição sintática de sujeito (foneticamente ou não realizado) ocupada pelo nominal vinho

– A instrução à degustação assenta nas propriedades referenciais do vinho e do modo como deve ser consumidos

 

Retomando a questão dos tipos de discurso de acordo com o ISD, em termos gerais, os dois conjuntos de enunciados injuntivos configuram uma temporalidade localizada no momento presente, típica da ordem do expor. Contudo, estes enunciados podem apresentar diferentes valores injuntivos em função da deslocação da atorialidade: no caso dos enunciados do primeiro grupo, está-se perante uma atorialidade implicada, já que os predicados reproduzem um desempenho, no qual está incluída uma vertente social e é desejado por parte do interlocutor; no segundo grupo, é patente uma atorialidade autónoma, isto é, conseguida por meio do apagamento do sujeito enunciativo, na qual as predicações marcam as boas propriedades do vinho.

6. Notas ?nais: a injunção em géneros publicitários sobre o vinho

Assumindo a perspetiva teórica da Teoria do Texto e o quadro epistemológico do ISD, entende-se a linguagem como mediadora das relações entre os sujeitos. É no centro desta mediação associada aos usos que se defende a existência de regularidades linguísticas condicionadas pelos domínios sociais, a publicidade e a produção e a comercialização do vinho, e afetas a vários géneros textuais, no caso, o rótulo e o contrarrótulo de garrafa de vinho e o anúncio sobre o vinho.

Por isso, no contexto assumido do vinho como produto, foi inicialmente apresentada a intenção de responder ao modo como as marcas presentes no corpus se relacionam com os consumidores e qual a informação considerada relevante para orientar o consumidor à compra.

No âmbito desta abordagem, as atividades e os géneros de textos influenciam a concretização do valor injuntivo que está associado a uma ancoragem enunciativa localizada no presente, adaptável a qualquer texto no qual a marca possa recriar uma cena de interação para cativar o consumidor. Como cena simulada, contribuindo para a construção de um macroato ilocutório diretivo, os enunciados compostos por formas verbais injuntivas designam os interlocutores, sem particularizar ou oferecer traços específicos de caraterização dos sujeitos a quem se dirigem os textos. O produto vinho pode, ainda, aparecer pelas suas propriedades e pelo modo como deve ser degustado.

Especificamente, os enunciados injuntivos configuram o discurso interativo e o discurso teórico, tipos de discurso pertencentes à ordem do expor, que, neste corpus, se distinguem pelo foco na ação do sujeito consumidor ou nas propriedades do produto vinho, respetivamente.

Presentes no corpus de géneros de textos analisados, as imagens dos sujeitos ou do produto comercial são, pois, projeções do que as duas atividades, publicitária e produção/comercialização e de produção do vinho, evidenciam sobre o consumidor ideal de vinho no que diz respeito a uma degustação de vinho e/ou a um comportamento socialmente recomendado ou acerca do melhor modo de usufruir as boas propriedades do vinho.

 

Referências

Adam, Jean-Michel & Marc BONHOMME (2007). L’argumentation publicitaire, Rhétorique de l’éloge et de la persuasion, Paris, Armand Colin.         [ Links ]

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Notas

[1]Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e Tecnologia no âmbito do projeto PEst-OE/LIN/UI13213/2014.

[2]As citações de textos anteriores à adoção do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor desde 2009, são mantidas de acordo com o original.

[3]Sem espaço para ser convocado além da nota de rodapé, um outro autor que contribuiu para a formação dos princípios epistemológicos do ISD e para esta investigação foi Leontiev, na defesa do estudo do ser humano (atividade e psiquismo) em interação com a sociedade (Leontiev, 2004: 169) ou em definir a linguagem como "aquilo através do qual se generaliza e se transmite a experiência da prática sócio-histórica" (Leontiev, 2004: 184).

[4]Para um melhor entendimento e caraterização dos tipos de discurso, cf. Bronckart (2003: 137216) e Miranda (2010: 136-143).

[5]Num contexto de face a face, as formas injuntivas poderão ainda ser reforçadas com fórmulas de polidez ou de civilidade, por exemplo, por favor ou tenha a bondade.

[6]Adam e Bohomme falam de um ato ilocutório implícito diretivo na maioria dos géneros publicitários (2007: 25); cf. também Maingueneau (1997: 68).

[7]Para facilitar a identifi da origem dos exemplos, os géneros de texto são referenciados por um "R" que designa o género rótulo e contrarrótulo de garrafa de vinho e um "A" que indica o anúncio sobre o vinho, seguidos de numeração. As garrafas foram lançadas no mercado entre 2004 e 2010 e os anúncios publicados entre 2006 e 2011. Uma listagem mais completa destas informações encontra-se no fi al do trabalho apresentada como anexo 1 e anexo 2, referindo-se, respetivamente, aos anúncios publicitários sobre o vinho e aos rótulos e contrarrótulos de garrafa de vinho.

[8]A maior parte da imprensa especializada portuguesa nomeia os vinhos sem recurso a letra cursiva ou aspas, procedimento que adoto.

[9]É de sublinhar que os tipos de discurso, como semiotizações, permitem uma apreciação diferenciada dos dados, por comparação com uma abordagem que se detenha nos enunciados, de um ponto de vista composicional: A1, A2, A4, A5 e A6, sendo slogans, pertencem ao primeiro grupo, e A7 e A8, slogans também, localizam-se no segundo grupo, destacando-se este dispositivo em função da enunciação e não de outro critério.

 

Anexos