INTRODUÇÃO
O incremento da procura de pescado está associado a uma maior informação sobre o valor nutricional e os benefícios ligados ao seu consumo. O pescado é hoje reconhecido como uma boa alternativa na dieta, sendo uma importante fonte de proteínas de elevado valor biológico, ampla variedade de sais minerais, vitaminas e, especialmente, lípidos constituídos por ácidos gordos polinsaturados, da série ω3.
O pescado de aquacultura apresenta um grande potencial dada a ampla diversidade de espécies, a larga gama de aplicações e o seu valor nutricional (Cardoso, 2011). Há espécies de aquacultura que, além da venda em fresco, apresentam potencialidades como matéria-prima para a indústria de transformação. A aquacultura possibilita o fornecimento de matéria-prima ao longo do ano, apresentando o pescado as mesmas características físicas e químicas, comparativamente ao pescado selvagem, a um menor custo.
O processo de reestruturação do pescado oferece aos industriais a oportunidade de obterem novos produtos. Adicionalmente, a oferta no mercado de novos ingredientes, aditivos e outros coadjuvantes tecnológicos, que podem modificar as propriedades físicas, enriquecer nutricionalmente e aumentar o tempo de prateleira, é uma realidade que permite a transformação do pescado em produtos de qualidade com boa aceitação pelo consumidor.
Nos últimos 30 anos tem-se desenvolvido uma nova geração de produtos da pesca, chamados análogos ou substitutos, a maioria dos quais a imitar marisco ou outros produtos de valor acrescentado. A polpa de pescado é a base de produção de “surimi” e de “kamaboko”, dois importantes produtos derivados do peixe, de origem japonesa, e é a matéria-prima principal na produção de produtos gelificados, como é o caso das delícias do mar.
Os derivados de produtos da pesca tiveram um grande desenvolvimento no Japão, sendo estes comparáveis aos enchidos de carne, em termos de sabor, textura e cheiro (Okada, 1992). No Japão, os fiambres de peixe são produtos altamente apreciados (Udupa & Kulkarni, 1972) e, segundo as referências mais antigas, era preparado por mistura de cubos de músculo escuro de atum e de baleia com gordura de porco e carne de ligação (Tanikawa et al., 1971). Tanikawa (1963) refere que as matérias-primas usadas na preparação de fiambre eram polpas de peixes ricos em músculo escuro, e.g. atum e salmão, não sendo adequadas como “carne de ligação”, porque geralmente apresentam fraca elasticidade após o processamento. Este fiambre era geralmente processado a baixas temperaturas, uma vez que acima de 100 °C a elasticidade da polpa de peixe é prejudicada (Tanikawa, 1963).
Os estudos de investigação sobre fiambre de peixe, entre os quais se destacam os trabalhos de Tanikawa (1963), Ramírez et al. (2002), Siddappaji & Prabhu (2002), Cardoso et al. (2011, 2012a, 2012b, 2013) e Chalamaiah et al. (2012), mostram que a obtenção de fiambre de pescado, com as características do típico fiambre de porco, é um desafio tecnológico particular. A estrutura e a bioquímica do músculo de peixe são diferentes das do músculo de mamíferos e aves (Ramírez et al., 2011), apresentando um comportamento reológico diferente. Consequentemente, devido ao comportamento da matriz proteica ao formar géis, os produtos de pescado devem ser processados de modo diferente. Outro aspecto é o comportamento dos pigmentos no processamento. Vários estudos mostram que diversos fatores como a temperatura, luz, ar/oxigénio, pH, estrutura química, solventes, materiais de embalagem e condições de armazenamento podem alterar a cor dos alimentos (Jiménez-Aguilar et al., 2011; Lemos et al., 2012; Zhu et al., 2015). Verificou-se também que a estabilidade química e a cor de pigmentos presentes em produtos alimentares eram significativamente afetados por tratamentos térmicos e pela presença de sais metálicos.
De modo a tornar a cor dos produtos de pescado cozidos mais atraente, tem sido considerada a adição de corantes naturais. Estes são obtidos a partir de plantas, insetos/animais e minerais, conhecidos desde a antiguidade pelo seu uso como ingredientes alimentares (Delgado-Vargas et al., 2000).
A carmina ou ácido carmínico é um corante natural, obtido a partir do corpo desidratado da fêmea do inseto Dactylopius coccus Costa, vulgarmente chamada cochonilha. Este inseto alimenta-se de catos selvagens (Opuntia spp.) e é indígena do Peru, México, Bolívia, Chile e Espanha (Ilhas Canárias) (Cabrera, 2005). A carmina é usada sob a forma de extrato de ácido carmínico ou laca de carmim (um complexo de sal de alumínio/cálcio contendo entre 50 e 65 % de ácido carmínico) (Méndez et al., 2004), é hidrossolúvel e a sua incorporação é permitida, desde 2005, em produtos de pescado cozidos, no máximo 500 mg/kg (Codex STAN 192-1995 revisão, 2018).
Perspetivando a comercialização de fiambres de peixe e adaptação da sua oferta à procura do mercado, através de um inquérito “on-line”, estudou-se a preferência do consumidor, relativamente à cor esperada ou desejada num produto destes e a sua aceitabilidade.
Sendo o consumidor o agente que determina o mercado através do seu comportamento aquisitivo, com este inquérito também se procurou conhecer o seu perfil, visto que este tem uma experiência de vida, uma história e características (e.g. idade, sexo, local de residência, preferências de consumo e grau de instrução) que determinam os seus hábitos de consumo.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os fiambres de peixe (corvina) foram obtidos segundo o procedimento descrito por Ribeiro (2020). A mistura da polpa de peixe e dos restantes ingredientes foi realizada num homogeneizador refrigerado (temperatura inferior a 7 °C) de cuba fixa (modelo UM12, Stephan und Söhne, Hameln, Alemanha) com sistema de vácuo. O envolvimento dos ingredientes foi auxiliado com um braço misturador acoplado ao homogeneizador, de forma a obter-se uma melhor mistura e homogeneização dos ingredientes. A polpa de peixe, o tripolifosfato de sódio, o sal refinado e o sal nitrificante foram homogeneizados durante 1 min, a 1420 rpm (lâminas na velocidade mais lenta). Na segunda mistura, foi adicionado cerca de 70 % do total de água sob a forma de gelo, a MTGase e a sacarose, procedendo-se a uma homogeneização durante 1 min à mesma velocidade. Por fim, foram adicionados os ingredientes remanescentes, carragenatos, fibra dietética, proteína vegetal e o aroma de fiambre, com mistura durante 2 min a 2800 rpm (lâminas na velocidade mais rápida). Imediatamente após a homogeneização, foram pesadas porções de 200g desta mistura e às quais se adicionaram os corantes nas proporções desejadas. Os corantes usados foram pigmento de cochonilha (tons vermelhos), Fibricolor (tons rosa) e Instanka sugar powder 75/700 (tons castanhos) (referenciados no Quadro 1). No Quadro 2 encontram-se indicadas as proporções em que os corantes foram adicionados, resultando 12 amostras de fiambres de cores distintas. Posteriormente, estas amostras foram embaladas a vácuo e imediatamente submetidas a um tratamento térmico que lhes confere uma pasteurização, num forno Combi-Master CM6 (Rational Grossküchen Technik GmbH, Landsberg am Lech, Alemanha) equipado com um termómetro digital, à temperatura inicial de 30°C durante 30 min (para actuação da MTGase) e posteriormente a 82°C até atingirem no seu ponto térmico 72°C. Imediatamente após este tratamento, colocaram-se as amostras de fiambres em água com gelo para promover um rápido arrefecimento e posteriormente foram conservadas em refrigeração, a cerca de 5°C.
Corante | Descrição | Máx. de utilização | Nome comercial |
---|---|---|---|
Pigmento de cochonilha | Corante natural, hidrossolúvel, obtido a partir do corpo desidratado da fêmea do inseto Dactylopius coccus Costa, vulgarmente chamada cochonilha. Código aditivo alimentar: E120. | 500 mg/kg em produtos de pescado cozidos (Codex alimentarius, 2018) | CARMIN 50 %, ACTIVA FOOD-TECH S.A. (RGS: ES/31.02087/GE). (Girona) Espanha |
Fibricolor | Corante natural, boa solubilidade e distribuição homogénea, intensifica e estabiliza a cor, adequada para salmouras de injeção. | POLYSONS Food Ingredients LTD. | |
Instanka sugar powder 75/700 | Pó de açúcar caramelizado escuro 75/700, pó higroscópico fino de tom castanho avermelhado. Tem um forte sabor amargo aromático. | Orchard Valley Food Ingredients, Alemanha |
Corante | Quantidade (%) adicionada às amostras de fiambre | Código | Parâmetros de cor medidos nos diferentes fiambres | ||
---|---|---|---|---|---|
L* | a* | b* | |||
Cochonilha | 0,0005 | A | 70,9 | 1,6 | 9,7 |
0,0025 | B | 68,6 | 6,1 | 7,1 | |
0,0050 | C | 66,7 | 9,2 | 6,4 | |
0,0100 | D | 61,9 | 15,5 | 3,1 | |
Fibricolor | 0,2000 | E | 69,3 | 5,3 | 9,1 |
0,3500 | F | 67,5 | 8,5 | 7,5 | |
0,5000 | G | 66,5 | 10,2 | 7,1 | |
0,6500 | H | 64,8 | 12,7 | 6,2 | |
Sem corante | --- | I | 71,6 | 0,5 | 11,0 |
Instanka sugar powder 75/700 | 0,3500 | J | 64,1 | 3,9 | 16,3 |
0,5000 | K | 60,0 | 5,8 | 17,7 | |
0,6500 | L | 57,9 | 6,6 | 18,0 |
Os parâmetros de cor dos fiambres foram medidos com um colorímetro (CR-410, Konica Minolta Camera, Co, Japão), obtendo-se os valores L*, a* e b*. Todas as determinações foram realizadas em triplicado. Também foram tiradas fotografias dos fiambres (Figura 1) para o inquérito (Quadro 3), que decorreu durante 4 meses numa plataforma “on line”.
RESULTADOS
Numa fase inicial de desenvolvimento e colocação de um novo produto no mercado, deverá ser tido em conta o conhecimento do cliente provável, visto que este tem uma experiência de vida, uma história e características que determinam o seu comportamento aquisitivo. Idade, sexo, local de residência, nível de rendimento e grau de instrução são apenas alguns dos parâmetros que influenciam este comportamento.
O inquérito foi respondido por 2237 pessoas, distribuídas por Portugal e outros países conforme se pode observar na Figura 2.
A caracterização dos inquiridos encontra-se apresentada no Quadro 4, onde se pode constatar que das 2237 pessoas, 70,6 % eram do género feminino e 29,4 % do género masculino. No total dos inquiridos, cerca de 47% eram da faixa etária dos 26 aos 44 anos, 30% dos 16 aos 25 anos e 20% dos 45 aos 60 anos.
Características sociodemográficas | Número de inquiridos | % |
---|---|---|
Género | ||
Feminino | 1579 | 70,6 |
Masculino | 658 | 29,4 |
Idade | ||
25 anos ou menos | 682 | 30,5 |
26 - 44 anos | 1056 | 47,2 |
45 - 60 anos | 445 | 19,9 |
61 ou mais anos | 54 | 2,4 |
Nível de formação | ||
1º ciclo do ensino básico (4º ano) | 3 | 0,1 |
2º ciclo do ensino básico (6º ano) | 8 | 0,4 |
3º ciclo do ensino básico ou equivalente (9º ano) | 28 | 1,3 |
Ensino secundário ou equivalente (12º ano) | 439 | 19,6 |
Bacharelato ou licenciatura | 906 | 40,5 |
Mestrado ou pós graduação | 261 | 11,7 |
Doutoramento | 592 | 26,5 |
O maior número de respostas foi dado por indivíduos com formação superior, sendo que os inquiridos da faixa etária entre os 26 - 44 anos detêm mais habilitações, independentemente do género (Figura 3). O grau de formação que mais se evidencia é o de bacharelato ou licenciatura. Contrariamente ao género masculino, que tem um número de inquiridos com mestrado ou pós-graduação muito semelhante ao do ensino secundário ou equivalente (12º ano), no género feminino é evidente um número maior de inquiridas com mestrado ou pós graduação.
Sobre a responsabilidade pelas compras em casa pode-se verificar que 1280 (81,1 %) mulheres são as responsáveis por essa tarefa e, no grupo dos homens, 437 (66,4 %) assumiu essa responsabilidade (Figura 4). Entre as faixas etárias onde se obtiveram mais respostas, verificou-se que o género feminino e o masculino apresentaram maior responsabilidade pelas compras entre os 26 e os 60 anos.
Para caracterizar o consumo de fiambre, este grupo de inquiridos foi questionado quanto ao facto de serem consumidores de fiambre e se sim, se de peru e/ou frango e/ou porco. Constatou-se que dos 2237 inquiridos, só 10,8 % não são consumidores de fiambre, equivalendo a 10,7 % do género feminino (total de 1579 inquiridas) e 10,9 % do género masculino (total de 658 inquiridos) (Figura 5). Dos que se consideraram consumidores de fiambre, 25 % do género feminino preferem fiambre de peru, 24 % de porco e 16,4 % de peru ou frango. Quanto ao género masculino, 27,5 % preferem fiambre de porco, 26,3 % é-lhes indiferente o fiambre ser de porco, peru ou frango e 15 % dão preferência ao fiambre de peru.
Nos grupos etários onde se obtiveram maior número de respostas constatou-se que no género feminino a preferência da espécie, por ordem decrescente, foi:
- Dos 25 ou menos anos e entre os 26 - 44 anos, fiambre de peru, de porco e peru/frango;
- Entre os 45 - 60 anos, fiambre de porco, de peru, de porco/peru/frango.
No género masculino:
- Dos 25 ou menos anos e entre os 26 - 44 anos, fiambre de porco/peru/frango, de porco, de peru;
- Entre os 45 - 60 anos, de porco, de porco/peru/frango e empatados, de peru/frango e de porco/peru.
A preferência pelo fiambre de peru, no género feminino e nas faixas etárias de menor idade, provavelmente denuncia já haver uma maior preocupação no consumo preferencial de carnes brancas. No género masculino não se verifica essa tendência, e numa primeira escolha não é visível uma preferência tão definida pela espécie; porém, o fiambre de peru repete-se nas preferências de espécie. Na faixa etária dos 45 - 60 anos, para os dois géneros, a escolha recai no fiambre de porco, provavelmente pelo hábito instalado ao longo dos anos. A frequência de consumo também foi estudada e, independentemente do género e por ordem decrescente, constatou-se que foi cerca de “3 x por semana”, cerca de “1 x por semana”, “raramente” e, por fim, “diariamente” (Figura 6). O género feminino, em relação ao género masculino, apresenta maior tendência para “raramente” consumir fiambre ou cerca de “1 x por semana”, principalmente até aos 44 anos. O género masculino, em relação ao feminino, apresenta uma maior frequência de consumo de fiambre de cerca de “3 x por semana” (entre 26 - 44 anos e 45 - 60 anos) e “diariamente” em todas as faixas etárias.
Sobre o consumo de peixe, apenas 1,4 % (feminino) e 1,1 % (masculino) dos inquiridos respondeu que não consome peixe (Figura 7). O raro consumo de peixe verificou-se mais na faixa etária dos 25 ou menos anos. O consumo 1 x, ou “3 x por semana” e “diariamente”, foram as opções mais escolhidas na faixa etária entre os 26 e os 44 anos. Não se verificaram muitas diferenças entre os géneros quanto à ausência de consumo, “raramente” ou “1 x por semana”. O género masculino apresenta uma maior percentagem de consumo diário de peixe quando comparado com o género feminino. Para a frequência de consumo de peixe “3 x por semana” é o género feminino que no geral apresenta maiores percentagens.
No caso de um dia surgir fiambre de peixe no mercado, foi pedido ao inquirido que, como consumidor, indicasse por ordem decrescente de preferência, quatro das cores apresentadas no inquérito em questão (Quadro 3). Das 2193 respostas obtidas (1548 inquiridos do género feminino e 645 do género masculino), as quatro cores mais escolhidas foram as A, D, F e I (Figura 8).
Na Figura 9 podem-se visualizar as amostras reais de fiambre com as cores mais votadas e a percentagem de cada uma delas. É interessante perceber que os consumidores deram preferência à cor A que é a que mais se aproxima da cor original do fiambre de corvina (cor I). Esta semelhança é confirmada pelos resultados obtidos na medição dos parâmetros de cor, nomeadamente, L*, a* e b* nas amostras de fiambre com as diferentes adições de corante (ver em Materiais e Métodos, Quadro 2). A amostra A e D têm adições de cochonilha (tons vermelhos) em diferentes proporções (0,0005 % e 0,0100 %, respetivamente) e a amostra F foi adicionada de 0,350 % de Fibricolor (tons rosa). As cores dos fiambres adicionados com diferentes proporções de corante Instanka (tons laranja) (J, K e L), foram as menos preferidas.
Apreciando a tendência dos géneros e respetivas faixas etárias (Figura 10) verificou-se que no escalão dos “25 ou menos anos”, a cor preferida foi a D (tons mais rosados) e no escalão dos “26 aos 44 anos” a preferência foi a cor A (tom mais pastel). Sobre a cor original do fiambre de corvina (I) pode-se verificar que a sua preferência recaiu nos inquiridos com 26 - 44 anos.
Os resultados quanto à questão: “Se este novo produto estivesse atualmente no mercado, acha que seria um potencial comprador?”, encontram-se apresentados nas Figuras 11 e 12. A intenção de compra de fiambre de peixe obteve a maior percentagem de respostas na suposição de “não sei”, que incluem a soma das escolhas de “talvez” e “não sabe” (opções de escolha no inquérito, Quadro 3). Por se tratar de um produto que não existe no mercado e ainda não foi saboreado, tendencialmente os inquiridos responderam “não sei”. À exceção do género feminino com 25 ou menos anos, a opção “sim” foi mais votada do que a “não”. A soma das respostas de “não sei” e “sim” ultrapassa a metade das respostas dadas pelos inquiridos demonstrando assim curiosidade e provável apetência pelo consumo deste produto.
Na globalidade dos inquiridos, verifica-se que o género masculino apresenta-se mais decidido e com maior intenção de compra (Figura 11). O género feminino apresenta uma maior relutância em relação a este novo produto.
Também foi interessante verificar o comportamento dos inquiridos que são ou não consumidores de fiambre de peru, frango e/ou porco face à possibilidade de virem a consumir fiambre de peixe (Figura 12). Para todos estes grupos verificou-se que a resposta “não sei” foi a mais escolhida. Provavelmente pelo facto de este produto alimentar ainda não existir no mercado, a resposta “não sei” seja a de mais fácil decisão. Dos inquiridos que não consomem fiambres, a intenção de não consumo é superior à do consumo, mas constatou-se que o género masculino respondeu mais com a incerteza de compra do que propriamente com a rejeição.
DISCUSSÃO
Os inquéritos aos consumidores requerem uma metodologia rigorosa e estima-se que seja necessário recolher, no mínimo, 400 questionários preenchidos para obter um resultado significativo (União Europeia, 2011). O facto de se ter obtido a opinião de 2237 consumidores permite-nos ter uma ideia mais clara sobre o seu possível comportamento aquisitivo.
Cerca de 78 % das respostas obtidas no inquérito do presente trabalho, representadas essencialmente pelos grupos etários dos 25 anos ou menos e 26 - 44 anos, correspondem à chamada geração “Millennials” ou geração Y. Esta geração é um grupo próximo de 80 milhões de pessoas nos EUA e que ultrapassa os 51 milhões na Europa, que em 2025 representarão em termos globais 75 % do total da força de trabalho mundial (Deloitte, 2015). É a população que, em 2020 tem idades compreendidas entre os 22 e os 38 anos. Os “Millennials” são a geração mais influente no consumo nos próximos anos.
O nível de formação dos inquiridos no presente inquérito também vai de encontro ao estudo que caracterizou a geração “Millennials”. Segundo o Agrocluster (2017), esta geração possui o nível de educação mais elevado de sempre, detendo mais habilitações que qualquer uma das gerações antecessoras. Em paralelo, perspetiva-se que nos próximos anos venha a consolidar esta evolução educacional, sendo que o género feminino se afirma como líder deste avanço (Agrocluster, 2017).
Em Portugal, segundo os resultados do inquérito alimentar nacional e de atividade física (IAN-AF 2015-2016), redigido por Lopes et al. (2016), ainda há uma adesão elevada dos consumidores relativamente ao consumo de produtos tradicionais (queijos, enchidos, doces, entre outros), inclusive por parte da geração “Millennials”. Segundo Lopes et al. (2016), em Portugal, a prevalência de consumo de carne processada (> 50 g/dia) é superior nos homens (11,9 %) do que nas mulheres (2,1 %) assim como o consumo de carne vermelha (> 100 g/dia), atingindo os 40,2 % nos homens e 8,4 % nas mulheres. Estes resultados de certa forma confirmam a preferência das mulheres pelo fiambre de peru. No género masculino não se verifica essa tendência; numa primeira escolha elegem o fiambre de porco. Também é o género masculino que apresenta uma maior frequência de consumo de fiambre.
No inquérito do presente trabalho, o género masculino apresentou um consumo de peixe ligeiramente superior ao do género feminino. Este resultado vai de encontro ao obtido no IAN-AF 2015-2016, onde o género masculino apresentou uma maior percentagem de dias de consumo de peixe (47,9 %) em relação ao género feminino (43,8 %).
Atualmente há cinco grandes tendências de consumo que estão a redefinir os hábitos alimentares do consumidor português: “smart shopping”, saúde e bem-estar, confiança, conveniência e experiência (Silva, 2017). O novo contexto de consumo deve ser encarado pelas empresas como uma oportunidade de diferenciação e reposicionamento (Silva, 2017).
O fiambre de peixe parece-nos ser um produto alimentar que por reunir estas cinco “condições” satisfaz o atual consumidor. Em particular, poderá apresentar preços compatíveis com a capacidade de poupança dos consumidores, considerando-se uma compra inteligente. É um produto com vários benefícios para a saúde, garantindo uma maior qualidade de vida, sem comprometer o prazer de comer. O facto de se poder usar espécies de aquacultura, valoriza a responsabilidade social e ambiental da empresa fornecedora do produto, com garantia da permanência sustentável do planeta e da comunidade. A conveniência é inerente ao fiambre de peixe, pois pode ser colocado à venda em grandes superfícies e em mercearias de bairro, podendo o consumidor obtê-lo sem grande esforço e consumir o mais rapidamente possível. Para a geração “Millennials”, a alimentação é fortemente valorizada, independentemente do género, 60 % diz gostar de experimentar comidas diferentes e que o étnico está na moda (Agrocluster, 2017).
É interessante perceber que os consumidores deram preferência à cor A, que é a que mais se aproxima da cor original do fiambre de corvina (cor I). Este aspeto pode ser uma vantagem acrescida à utilização de corvina, como matéria prima para obtenção de fiambre de peixe, não sendo necessária uma alteração significativa do seu aspeto original, indo de encontro à preferência dos consumidores por produtos com menos aditivos.
CONCLUSÕES
No inquérito do presente trabalho, do total de 2237 inquiridos, verificou-se que foi o género feminino que mais participou, contribuindo com cerca de 71% das respostas obtidas. Do total de inquiridos, cerca de 78 % apresentaram idades compreendidas entre os 25 anos ou menos e entre os 26 - 44 anos; independentemente do género, estes indivíduos apresentam formação superior, sendo o bacharelato ou licenciatura o grau de formação que mais se evidenciou.
Dedicando as conclusões às gerações dos 25 anos ou menos e dos 26 - 44 anos, simultaneamente as mais influentes no consumo nos próximos anos, constatou-se que nestas faixas etárias a responsabilidade das compras foi atribuída a 62% dos inquiridos do género feminino e a 48% dos indivíduos do género masculino. Em relação ao consumo de fiambre, evidenciou-se que no género feminino a preferência da espécie, por ordem decrescente, foi fiambre de peru, de porco e peru ou frango e, no género masculino, fiambre de porco, de porco, perú ou frango e de peru. A frequência de consumo de fiambre, assim como de consumo de peixe, para aquelas faixas etárias, foi de “3x por semana”. Porém, o facto de serem consumidores de peixe, quando confrontados com a questão “se comprariam fiambre de peixe caso este existisse no mercado”, estes inquiridos responderam em grande escala à opção “não sei”.
Em relação à preferência da cor dos fiambres de peixe, das quatro cores mais escolhidas, A, D, F e I, verificou-se que o género feminino escolheu mais a cor A e o género masculino a D, embora com uma diferença percentual muito pequena relativamente à cor A.
Concluí-se que um fiambre preparado com 0,0005 % de cochonilha, cuja cor era muito semelhante à do fiambre de corvina sem corante, teve uma boa aceitabilidade por parte dos inquiridos.
Os resultados obtidos são promissores quanto ao futuro da transformação de peixe em produtos de conveniência com boas características nutricionais. Como sugestões para trabalhos futuros temos a obtenção de géis de peixe com formatos, sabores e cores originais ou diferentes, de acordo com as idades dos consumidores alvo, para aumentar o consumo de pescado, sobretudo entre a população mais jovem. A concretização destes estudos reforçará o desenvolvimento de novos produtos, sendo os fiambres de peixes produtos que se acredita irem de encontro às necessidades do consumidor de alimentos nutritivos e funcionais, sem terem um caracter evidente de peixe.