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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28636 

Artigo

Erosão do solo em áreas de matos de montanha: efeito do fogo controlado

Soil erosion in mountain shrub areas: effect of prescribed fire

Leonardo Kipper Alves1 

Tomás Figueiredo1 

Ana Caroline Royer1 

J.C. Nóvoa-Muñoz2 

M. Méndez-López2 

Felícia Fonseca1 

1Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia, 5300-253, Bragança, Portugal

2Universidade de Vigo, Departamento de Bioloxía Vexetal e Ciencia do Solo, Área de Edafoloxía e Química Agrícola, Facultade de Ciencias, As Lagoas s/n, 32004, Ourense, Spain


Resumo

Atualmente, um dos maiores problemas ambientais ao nível do globo é a perda de solo por erosão hídrica. O agente erosivo pode provocar perdas significativas de nutrientes e matéria orgânica, principalmente quando a superfície do solo suporta um reduzido coberto vegetal. Em Portugal, o fogo controlado é uma prática comumente utilizada no controlo da disponibilidade de combustível e consequente redução do risco de incêndio. Contudo, esta prática remove em grande parte a cobertura vegetal, deixando o solo mais exposto aos processos erosivos. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo avaliar o efeito do fogo controlado na erosão hídrica em áreas de matos do Parque Natural de Montesinho, NE Portugal. Após o fogo, foram instaladas 6 parcelas de erosão de 4 m2 cada (4 × 1 m), para avaliação da perda de solo e do escoamento superficial na área queimada. Os resultados englobam 8 meses de ensaio (março a dezembro de 2021), e as colheitas foram realizadas por cada evento de precipitação, perfazendo um total de 6 avaliações. O volume de água de escoamento e a perda de solo (massa de sedimentos) foram obtidos através de cálculos que englobaram o escoamento, os sedimentos transportados para o interior dos reservatórios de colheita do escoamento e os sedimentos depositados na parte frontal das parcelas de erosão (colocação de um dispositivo que permite a recolha dos sedimentos transportados). A quantidade média de perda de solo foi de 15,4 g m-2, o escoamento superficial médio foi de 1,4 mm, traduzindo-se num coeficiente de escoamento de 4,2%. Para avaliação das perdas de C e N, os sedimentos foram separados em 4 classes de tamanho (<0,2mm, 0,2-0,5mm, 0,5-2mm, >2mm) e analisadas em laboratórios as concentrações de C e N. A baixa precipitação total, durante o período de ensaio, ocasionou baixos valores de escoamento e, portanto, baixos valores de perda de solo, de C e de N.

Palavras-chave: Perda de solo; escoamento superficial; nutrientes; Portugal

Abstract

Currently, one of the biggest environmental problems at the global level is the soil loss by water erosion. The erosive agent can cause significant losses of nutrients and organic matter, especially when the soil surface supports a reduced vegetation cover. In Portugal, prescribed fire is a commonly used practice to control the fuel availability and consequently reduce the wildfires risk. However, this practice removes the vegetation cover, leaving the soil more exposed to erosive processes. In this sense, the present work aims to evaluate the effect of prescribed fire on water erosion in shrub areas of the Montesinho Natural Park, NE Portugal. After the fire, 6 erosion plots of 4 m2 each (4 × 1 m) were installed to assess soil loss and runoff in the burned area. The results encompass 8 months (March to December 2021), and samples were collected for each rainfall event, making a total of 6 evaluations. The runoff and soil loss (sediment mass) were obtained through calculations that encompassed the runoff, the sediments transported into the runoff collection reservoirs and the sediments deposited on the front of the erosion plots (placement of a device that allows the collection of transported sediments). The average of soil loss was 15.4 g m-2, the average of runoff was 1.4 mm, corresponding to a runoff coefficient of 4.2%. To evaluate C and N losses, the sediments were separated into 4 size classes (<0.2mm, 0.2-0.5mm, 0.5-2mm, >2mm) and analyzed in laboratory the C and N concentrations. The low total precipitation, during the test period, caused low runoff values and, therefore, low losses of soil, C and N.

Keywords: Soil loss; runoff; nutrients; Portugal

INTRODUÇÃO

Atualmente, um dos maiores problemas ambientais ao nível do globo é a perda de solo por erosão (Wang et al., 2016) e a consequente perda de matéria orgânica (Fonseca et al., 2017, 2022).

Em locais onde a erosividade da precipitação é elevada e a superfície do solo está desprovida de uma cobertura vegetal adequada, pode ocorrer grande degradação do solo associada a significativas perdas de solo, água e nutrientes, fatores essenciais para o crescimento e desenvolvimento das plantas. A perda de solo e os elementos químicos que lhe estão associados, causam relevantes danos ambientais, como o assoreamento e a eutrofização de cursos de água.

Neste sentido, a cobertura vegetal é uma grande aliada na prevenção do processo erosivo. Contudo, Portugal tem sido constantemente afetado por incêndios florestais desde a década de 80 (AFN, 2012), e o fogo é responsável por remover a cobertura vegetal viva e morta que recobre o solo, facilitando a perda de solo por erosão (Bertol et al., 1997; Fonseca et al., 2017).

O solo no NE de Portugal, onde está localizado o Parque Natural de Montesinho (PNM), é um recurso qualitativamente escasso, pelo que se impõe como prioridade a proteção desse recurso (Figueiredo et al., 2012). Os solos do PNM são dominantemente incipientes, classificados como Leptossolos.

No PNM as comunidades arbustivas apresentam notável interesse do ponto de vista pedológico e hidrológico, uma vez que se situam nas áreas marginais de relevo mais ondulado ou acidentado, onde predominam também os solos mais delgados, condições que podem gerar risco severo de erosão (IPB/ICN, 2007; Bompastor et al., 2009).

O presente trabalho tem como principal objetivo apresentar e discutir resultados de experimentação no terreno, com vista a avaliar o efeito do fogo controlado na erosão hídrica em áreas de matos no PNM.

MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo localiza-se no Parque Natural de Montesinho (PNM), NE Portugal (41°53'57.06"N, 6°40'55.39"W) (Figura 1). Apresenta relevo ondulado, declive suave e cotas superiores a 800 m. Assenta sobre uma litologia de xistos, com predomínio dos Leptossolos úmbricos, de textura média, ácidos, pedregosos, com teores médios a elevados de matéria orgânica no horizonte superficial (Agroconsultores & Coba, 1991).

Figura 1 Localização da área de estudo no Parque Natural de Montesinho, NE de Portugal. 

A área de estudo corresponde a um antigo povoamento de Pinus pinaster, que em agosto de 1998 sofreu um incêndio, destruindo boa parte da floresta. Desde então, a área foi invadida por vegetação arbustiva espontânea. Em março de 2011, foi realizado um fogo controlado, com o objetivo de diminuir a quantidade de combustível disponível e reduzir o risco de incêndio (Fonseca et al., 2017). Após 10 anos, em março de 2021, foi aplicado um novo fogo controlado na mesma área com o mesmo objetivo.

Após o fogo controlado, foram instaladas seis parcelas de erosão de 4 metros de comprimento por 1 metro de largura (4 m2 de área), para quantificar a perda de solo e o escoamento superficial na área queimada (Figura 2). Os valores referentes à precipitação (mm), ao escoamento superficial (mm) e à perda de solo (g m-2) foram determinados para cada evento de precipitação, totalizando 6 avaliações (colheitas) num período de 8 meses (março a dezembro de 2021).

Figura 2 Instalação de parcelas de erosão. 

Em cada colheita procedeu-se à troca dos reservatórios de recolha do escoamento superficial e sedimento em suspensão e à recolha do solo acumulado no dispositivo colocado na frente das parcelas (Figura 3).

Figura 3 Acumulação de sedimento no dispositivo colocado na frente das parcelas de erosão. 

Nos cálculos da perda de sedimento e água de escoamento por parcela e evento utilizaram-se as seguintes expressões:

Produção de sedimento

PS = ((Csa × Vae) + Psf) / A (g m-2) (1)

Escoamento superficial

ES = Vae / A (mm) (2)

Csa - concentração de sedimento em 100 ml de água de escoamento (g L-1); Vae - volume de água de escoamento (L); Psf - peso de sedimento colhido na frente da parcela (g); A - área da parcela (m2).

Também foram quantificadas, para os dois primeiros eventos de precipitação após o fogo, as perdas de C e N nos sedimentos. Os sedimentos foram separados em 4 classes de tamanho: <0,2 mm, 0,2-0,5 mm, 0,5-2 mm e >2 mm e analisados para as concentrações de C e N em autoanalisador por combustão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No período de 8 meses do ensaio foram registados 231,7 mm de precipitação total, a perda de solo média foi de 15,4 g m-2 e o escoamento médio de 1,4 mm (Quadro 1).

O coeficiente de escoamento foi de 4,2%, ocorrendo um ligeiro aumento quando comparado ao valor de 2,4% encontrado quando da aplicação do primeiro fogo controlado na mesma área em 2011 (Figueiredo et al., 2012).

Quadro 1 Perda de solo (PS) Escoamento superficial (ES) e Precipitação total (PT) por colheita (evento de precipitação) 

Colheita PS (g m-2) ES (mm) PT (mm)
4,5 0,4 32,8
18,5 1,2 47,4
31,7 1,3 56,6
18,1 1,5 30,9
13,4 2,1 43,9
5,9 1,9 20,1
Média/Total 15,4 1,4 231,7

A reduzida perda de solo, em primeira aproximação, será justificada pela baixa quantidade e intensidade da precipitação, uma vez que o escoamento superficial que é responsável pelo deslocamento das partículas de solo tem grande correlação com a precipitação (Lorenzon et al., 2015).

Outros fatores, ainda inexplorados na análise dos resultados, podem estar na origem do baixo potencial de perda de solo nas condições do ensaio. Destaca-se a elevada pedregosidade na superfície do solo, situação semelhante à de outras áreas estudadas no NE de Portugal (Figueiredo, 2001; Figueiredo et al., 2012; Fonseca et al., 2017).

Comparando a perda de solo com o escoamento, nota-se que na primeira colheita ocorreram baixos valores de escoamento e consequentemente baixos valores de perda de solo, uma vez que o escoamento superficial é a etapa do ciclo hidrológico mais associada ao desenvolvimento do processo erosivo (Pruski & Silva, 1997).

A evolução temporal da perda de solo e do escoamento superficial (Figura 4) segue um padrão já observado experimentalmente em áreas de solo nu ou de reduzido coberto vegetal (Figueiredo et al., 2012; Fonseca et al., 2017). As perdas de solo tendem a diminuir ao longo do tempo.

Figura 4 Evolução temporal da perda de solo e de escoamento num período de 8 meses: média das 6 parcelas de erosão. 

A quantidade média de C perdido no sedimento é de 32 kg ha-1, apresentando, as classes de sedimento de maiores dimensões os valores mais elevados. O N, com uma perda média de 0,75 kg ha-1, segue um padrão de distribuição pelas diferentes classes de sedimento idêntico ao do C (Figura 5). Estas perdas podem ser consideradas baixas, o que é principalmente explicado pelos baixos valores de perda de sedimento (Quadro 1).

Figura 5 Perda de C e N por classe de tamanho dos sedimentos produzidos nos dois primeiros eventos de precipitação após o fogo controlado. 

Apesar dos valores baixos registados para as perdas de solo, C e N, trata-se de solos delgados (Leptossolos), com deficientes condições produtivas e consequentemente incapazes de suportar um coberto vegetal que permita a conservação do solo (Fonseca et al., 2017, 2022).

CONCLUSÕES

A perda média de solo foi de 15,4 g m-2. O escoamento superficial médio foi de 1,4 mm, correspondendo a um coeficiente de escoamento de 4,2%. A baixa precipitação total ocasionou baixos valores de escoamento e portanto, baixos valores de perda de solo. As perdas de C e N durante as primeiras chuvas após o fogo (32 e 0,75 kg ha-1, respetivamente), são relativamente reduzidas, estando estritamente relacionadas com a produção de sedimentos.

Agradecimentos

TERRAMATER- Innovative preventive recovery measures in burnt areas, 0701_TERRAMATER_1_E, co-funded by FEDER through Interreg V-A España-Portugal (POCTEP) 2014-2022.

Referências bibliográficas

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Bompastor, A.; Figueiredo, T. & Fonseca, F. (2009) - Matos do Parque Natural de Montesinho, NE de Portugal - produção de serviços ecossistémicos. In: Proceedings 15º Congresso da APDR, Cabo Verde, p. 339-364. [ Links ]

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