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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28748 

Artigo

Os microrganismos do solo no montado: uma estratégia para adaptação às alterações climáticas

Soil microorganisms in montado: a strategy for adaptation to climate change

Márcia de Castro Silva1  2 

Helena Machado1 

Isabel Videira e Castro2 

1 Laboratório de Micologia, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, INIAV, I.P., Unidade Estratégica de Investigação e Serviços - Sistemas Agrários e Florestais e Sanidade Vegetal Av. da República, 2780-159 Oeiras, Portugal

2 Laboratório de Microbiologia do Solo, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, INIAV, I.P., Unidade Estratégica de Investigação e Serviços - Sistemas Agrários e Florestais e Sanidade Vegetal Av. da República, 2780-159 Oeiras, Portugal


Resumo

O Montado é um ecossistema mediterrânico florestal com particular resiliência, rico em biodiversidade e de grande relevância para a conservação da natureza. No entanto, está exposto a ameaças por pressões ambientais agravadas pelas mudanças climáticas e pela pressão do Homem, o que está a levar ao seu declínio. Os microrganismos do solo são cruciais na manutenção de várias das funções do solo onde se inclui a regulação de azoto no solo disponível para as plantas. As bactérias dos nódulos radiculares das leguminosas (conhecidas por rizóbios) podem melhorar o rendimento destes ecossistemas agroflorestais devido ao processo de fixação biológica de azoto que é levado a cabo pela simbiose que se estabelece entre estas bactérias e as leguminosas. Em Portugal, a mortalidade generalizada registada em sobreiros e azinheiras nas últimas décadas deve-se, entre outros fatores, a infeções por Phytophthora spp. nas raízes destas árvores. É, por isso, importante desenvolverem-se meios de biocontrolo para esta doença. O presente trabalho tem por base a avaliação da dimensão e eficácia da população rizobiana existente em solos de Montado. Foram também avaliadas outras importantes atividades in vitro, das bactérias isoladas dos nódulos radiculares dos trevos, como o antagonismo à Phytophthora, a solubilização de fosfato e a capacidade de degradarem a celulose.

Palavras-chave: Montado; solos degradados; Bactérias fixadoras de azoto (Rhizobium); Phytophthora

Abstract

The Montado is a particularly resilient Mediterranean forest ecosystems, rich in biodiversity and of great importance for nature conservation, However, it is exposed to threats from environmental pressures aggravated by global climate change and human pressure, which is leading to its decline. Soil microorganisms are crucial in the maintenance of several soil functions including the regulation of soil nitrogen available to plants. The bacteria in the root nodules of legumes (known as rhizobia) can improve the performance of these agroforestry ecosystems due to the process of biological nitrogen fixation that is carried out by the symbiosis established between these bacteria and legumes. In Portugal, the widespread mortality recorded in cork and holm oaks in recent decades is due, among other factors, to infections by Phytophthora spp. in the roots of these trees. It is therefore important to develop means of biocontrol for this disease. The present work is based on the evaluation of the size and effectiveness of the rhizobial population existing in Montado soils. It was also evaluated, the in vitro antagonist activity to Phytophthora, of the bacteria isolated from root nodules, phosphate solubilization and the ability to degrade cellulose, an essential component of Phytophthora cell wall.

Keywords: Montado; degraded soils; Nitrogen fixing bacteria (Rhizobium); Phytophthora

INTRODUÇÃO

O Montado é um ecossistema mediterrânico com particular resiliência, rico em biodiversidade e de grande relevância para a conservação da natureza. Nas últimas décadas, as mudanças ambientais, culturais, económicas e sociais têm provocado um desequilíbrio no ecossistema Montado levando muitas vezes ao seu declínio. Particularmente, as alterações climáticas, devido ao aumento de temperaturas extremas e redução das chuvas, têm provocado o aumento dos locais com mortalidade das árvores, causado pelo aumento de pragas e doenças, como o oomicota Phytophthora sp. A simbiose entre as leguminosas e as bactérias (rizóbios), a qual permite a fixação biológica do azoto, constitui um trunfo essencial para a manutenção e melhoria da fertilidade dos solos pela introdução de quantidades apreciáveis de azoto no solo, de uma forma ambientalmente não poluente. Por outro lado, estas simbioses contribuem também diretamente, para o crescimento das plantas do sob-coberto, como as pastagens naturais ou introduzidas à base de leguminosas. Desta forma, estas simbioses proporcionam um enriquecimento nutricional de solos empobrecidos, reequilibrando a sua produtividade e sustentabilidade (Videira e Castro et al., 2019). Por isso, um dos objetivos deste estudo foi avaliar a dimensão e a eficácia na fixação de azoto, da população rizobiana natural em solos associados ao Montado. Estes resultados irão fornecer informações valiosas sobre a importância do estabelecimento ou manutenção do sob-coberto (pastagens) nestes locais. Neste trabalho fez-se ainda o isolamento das bactérias dos nódulos radiculares de leguminosas (trevo subterrâneo) para avaliar outras importantes atividades in vitro como a solubilização do fósforo, atividade de celulase e antagonismo contra Phytophthora.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo foi realizado num dos locais de demonstração do projeto LIFE-MONTADO-ADAPT, no Alentejo. Foram avaliados vários parâmetros em contexto de declínio, como a presença de Phytophthora e aplicadas classes de desfoliação da copa das árvores a amostrar, de modo a estudarmos casos distintos, em declínio versus boas condições fitossanitárias: C0 - sem desfoliação, C1 - desfoliação ligeira ≤ 25%, C2 - desfoliação moderada 26-60% e C3 - desfoliação severa > 60% (Cadahia et al., 1991). Em cada local escolhido fizeram-se colheitas de amostras de solo, sendo cada amostra composta por 4 subamostras da camada superficial do solo, colhidas nos quatro pontos cardeais e a 1-2 m de distância de cada árvore (até 20 cm de profundidade). A presença/ausência de Phytophthora em cada amostra de solo foi detetada pelo método de armadilha vegetal, seguido de isolamento em cultura pura e identificação com base em características morfológicas (Jung et al., 1996) e métodos moleculares (White et al., 1990). A população rizobiana natural foi estimada por contagem indireta, através da infeção de plantas, pelo método do número mais provável (NMP) utilizando-se Trifolium subterraneum como hospedeiro-armadilha. No início as sementes de trevo pré-germinadas foram inoculadas com diferentes diluições de solo e mantidas em câmara fitoclimática durante 8 semanas. Foram também incluídos controlos: TN (plantas inoculadas com KNO3, como fonte química de azoto) e T0 (plantas sem adição de N, nem de diluição de solo). No final, as plantas foram caracterizadas quanto à presença ou ausência de nódulos radiculares e o número de bactérias g-1 de solo calculado em função de tabelas de acordo com Somasegaran & Hoben (1994). A parte aérea das plantas das primeiras diluições, e com nódulos, bem como as plantas/controlo TN e T0 foram secas em estufa a 80°C durante 2 dias e os respetivos pesos secos utilizados para calcular o índice de eficácia simbiótica (Es) da população rizobiana: Es ( % ) = ( Xs - XT0 ) / ( XTN − XT0 ) x 100, sendo Xs - peso seco médio das plantas inoculadas com solo, XTN e XT0 - peso seco médio de plantas do controlo de azoto e das não inoculadas, respetivamente (Ferreira & Marques, 1992). Em seguida, os nódulos foram removidos para isolamento das bactérias com recurso a meios específicos (Agar de Manitol Levedura - AML). Os isolados obtidos foram testados in vitro quanto à solubilização de fosfato mineral, atividade de celulase e antagonismo contra Phytophthora cinnamomi. Os testes in vitro para avaliação da solubilização de fosfato foram efetuados com base na metodologia descrita em Peix et al. (2001). Para a atividade de celulase seguiu-se o método descrito em Verma et al. (2001). Nos testes para avaliação da atividade antagonista foram usados 2 meios de cultura: Potato Dextrose Agar (PDA) e AML. O inóculo de Phytophthora foi colocado no centro das placas de Petri e após 2 dias de incubação a 27°C aplicaram-se 3 μl de cada cultura bacteriana (4/placa), previamente crescidas durante 48 h em meio líquido de Triptona (TY). As placas foram incubadas durante 10 dias a 27°C. A caracterização molecular de alguns dos isolados foi efetuada com base na análise de sequência do gene 16S rRNA (Weisburg et al., 1991).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos locais sem desfoliação (classe 0) verificou-se que a população rizobiana natural foi muito elevada, variando entre 1,47x104 e 9,33x104 bactérias g-1 de solo. Estes valores (acima de 104 bactérias g-1 de solo) podem ser considerados como suficientes para que a simbiose entre as leguminosas, como Trifolium sp., e as bactérias/rizóbios, se estabeleça e seja eficiente na fixação de azoto. A eficácia simbiótica desta população atingiu 147,4%, podendo ser considerada uma população natural altamente eficaz na fixação de azoto. Por outro lado, verificou-se que a dimensão da população rizobiana foi bastante mais baixa nos locais com árvores com maiores classes de desfoliação (classe 3), variando entre 1,47x102 e 9,18x102 bactérias g-1 de solo. Nestes solos, a eficácia simbiótica atingiu também valores elevados variando entre 68,5 e 106,6% (Quadro 1).

Quadro 1 Dimensão da população rizobiana nos vários locais selecionados com diferentes classes de desfoliação da copa das árvores e respetiva eficácia simbiótica 

Classes Nºde bactérias g-1 solo Eficácia (%)
0 1,47x103 - 9,33x104 98,5 - 147,4
1 1,47x104- 4,27x104 72,9 - 104,9
2 4,24x102 - 4,27x104 75,8 - 80,4
3 1,47x102 - 9,18x102 68,5 - 106,6

Obtiveram-se 120 isolados de bactérias dos nódulos radiculares de T. subterraneum. Os resultados obtidos nos vários testes in vitro efetuados mostraram que apenas um pequeno número de isolados possuía pelo menos uma das atividades testadas distribuídas do seguinte modo: solubilização de fosfato (6%), de antagonismo à Phytophthora (4%) e de celulase (17%) (Figura 1).

Figura 1 Percentagem das atividades dos testes in vitro nos 120 isolados - (SA) Sem Atividades, (AC) Atividade de Celulase, (APc) Antagonismo à Phytophthora, (SF) Solubilização de fosfato 

Apesar do pequeno número de bactérias que mostraram atividade de solubilização do fósforo, estas podem ser consideradas de grande importância em solos pobres e degradados, pela sua capacidade para mobilizar o fósforo indisponível tornando-o acessível às plantas e reduzindo assim as necessidades de fertilização fosfatada. A capacidade de degradar a celulose foi verificada em 17% dos isolados, sendo a sua maioria provenientes de solos recolhidos junto a árvores pertencentes à classe 2 de desfoliação. Sendo a celulose um componente essencial da parede celular da Phytophthora, estas bactérias podem também ajudar no seu combate. Por outro lado, as bactérias que mostraram possuir atividade antagonista contra Phytophthora, foram isoladas dos nódulos radiculares das plantas de trevo subterrâneo inoculadas com os solos recolhidos junto a árvores com classes de desfoliação 0 e 3. Porém, nestes locais não foi detetada a presença de Phytophthora. Estas bactérias com atividade antagonista foram identificadas molecularmente como Bacillus subtilis, Pseudomonas moraviensis, Streptomyces umbrinus e Rhizobium sp. e apresentaram simultaneamente atividade de celulase e solubilização de fósforo, incluíndo a fixação de azoto, para o caso do Rhizobium sp.. Estas espécies estão descritas como bactérias promotoras de crescimento de plantas (PGPR). Por exemplo, a espécie Bacillus subtilis é muito comum no solo e desempenha um papel fundamental ao conferir tolerância ao stress biótico e abiótico nas plantas (Mahapatra et al., 2022). Embora estas bactérias tenham sido isoladas dos nódulos radiculares das plantas de trevo nos ensaios das camaras bioclimáticas, estariam também presentes nos solos avaliados, tendo compartilhado o nódulo juntamente com bactérias Rhizobium sp. responsáveis pelo processo de nodulação nestas leguminosas e poderão por isso também desempenhar um papel importante conferindo tolerância a agentes fitopatogénicos.

CONCLUSÕES

Os microrganismos do solo, designadamente as bactérias fixadoras de azoto (rizóbios) têm um papel importante em solos degradados, como alguns que existem em áreas de Montado, ao contribuírem para a entrada de azoto nestes solos através das simbioses que estabelecem com as leguminosas. Nos locais examinados correspondentes a classes de desfoliação elevada a população rizobiana encontrada foi baixa não se estabelecendo, por isso, simbioses eficientes. Nestes casos o recurso a biofertilizantes, com bactérias fixadoras de azoto será indispensável. Igualmente, a utilização de bactérias que mostraram ser antagonistas de Phytophthora e com atividade de celulase são promissores para o biocontrolo desta doença. Desta forma, este trabalho permitiu a obtenção de bactérias altamente eficientes na fixação de azoto que para além de terem diversas funções benéficas para o solo e para o seu equilíbrio, poderão ser usadas em futuros bioinoculantes para a recuperação do montado face às alterações climáticas e no controlo de doenças radiculares.

Agradecimentos

Trabalho suportado pelo projeto Life Montado & Climate - A Need to Adapt - 15 CCA/PT/000043

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