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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.47 no.1 Lisboa mar. 2024  Epub 28-Fev-2024

https://doi.org/10.19084/rca.34953 

Artigo

O que podemos aprender com o uso de herbicidas para alcançar as metas do “Farm to Fork”. estado da arte dos viticultores da Península de Setúbal

What can we learn with herbicide use to match “Farm to Fork” goals. The state-of-the-art in the Península de Setúbal grapevine growers

Miguel Cachão1 

Ana Chambel1 

Sérgio Pinto1 

Goreti Trindade1 

1AVIPE, Palmela, Portugal


Resumo

A estratégia da União Europeia "do prado ao prato" define vários objetivos a atingir pelos agricultores, que, entre outros, visam reduzir a utilização de pesticidas. A Associação de viticultores do Concelho de Palmela - AVIPE tem um papel no apoio técnico aos agricultores no que diz respeito à gestão de pragas e doenças, nutrição, irrigação e controlo de infestantes. O objetivo deste trabalho é apresentar a investigação aplicada feita pela AVIPE e como é transferida para os agricultores. O uso de glifosato tem sido a principal estratégia para o controle de infestantes na região. No entanto, o aumento de vinhas com rega levou ao crescimento de infestantes com impacto nos rendimentos, na paisagem e na perceção social de "desleixo". Desde 2020 que a AVIPE realiza ensaios com herbicidas para demonstrar outras possibilidades de controlo de infestantes. Iniciou-se com a identificação das infestantes, e montou-se um ensaio com misturas de substâncias ativas para avaliação da sua eficácia. Além deste ensaio, a AVIPE também tem o papel de demonstrar melhores práticas agrícolas, como o impacto das atividades agrícolas no microbioma do solo, a instalação das culturas de cobertura versus o crescimento da vegetação natural e o uso de equipamentos para controle mecânico de infestantes. Para alcançar melhores resultados, são feitos dias de campo e os agricultores são convidados a participar e comentar. Para a campanha de 2024, os resíduos de herbicidas no solo e o possível uso de extratos de infestantes para o controle de pragas são os principais estudos a efetuar pela associação.

Palavras-chave: infestantes; “do prado ao prato”; tomada de decisão dos agricultores; extensão rural; campos de demonstração

Abstract

The European Union's "farm to fork" strategy sets out several objectives to be achieved by farmers, who, among others, aim to reduce the use of pesticides. The grapevine grower’s association of Palmela - AVIPE - has a role in providing technical support to farmers regarding the management of pests, diseases and weeds, nutrition, and irrigation. The goal of this work is to present the applied research of AVIPE on weed control and how it can be transferred to farmers. The use of glyphosate has been the main strategy to control weeds in the region. However, the increase in irrigated vineyards led to its growth, change in landscape and social perception of “bad work”. The vineyard rows were always tilled, mainly due to social pressure, as it could be considered “abandoned”. Since 2020, AVIPE has been performing trials with herbicides to demonstrate other possibilities for weed control. It started with the weeds’ identification, and a trial with active ingredient’ mixtures, followed by the evaluation of the results in May and August. Besides this trial, AVIPE has also the role of demonstrating better farming practices such as the impact of agricultural activities on soil microbiome, installation of the cover crops vs natural vegetation growth and the use of equipment for weeds’ mechanical control. To achieve better results, during the fieldwork farmers are invited to participate and comment. For the 2024 season, the assessment of herbicide residues on soil and the possible use of weed extracts to control pests are the main objectives of AVIPE.

Keywords: weeds; farm-to-fork strategy; farmers' decision; extension work; demo practices

INTRODUÇÃO

A gestão de infestantes foi, desde sempre, um grande desafio para o agricultor (Monteiro & Moreira, 2004). Não só pelas quebras de produção associadas à competição, mas também pela opinião social criada e divulgada pelas pessoas que passam junto aos terrenos agrícolas (Figura 1). Não é caso raro associar uma vinha com infestantes a uma vinha abandonada. Esta perceção é verificada um pouco por toda a Europa do Sul. É neste contexto que os herbicidas assumem um papel preponderante junto dos agricultores. No entanto, a falta de diversidade de substâncias de ativas (s.a) coloca algumas dificuldades no momento da escolha do herbicida a aplicar, o que se traduz na repetição de s.a. e na consequente quebra de eficácia, devido, provavelmente, a situações de resistência adquirida.

Figura 1 Aspeto de linhas e entrelinhas de vinhas em fevereiro na Península de Setúbal. 

No caso da Península de Setúbal, acresce o facto dos solos serem maioritariamente arenosos e existir a perceção que há risco de lixiviação dos herbicidas e que poderão atingir as raízes das cepas. O glifosato sempre ocupou um papel de destaque, não só pelo preço, mas também pelo rápido efeito. Nos últimos anos o preço do glifosato subiu de cerca de 4€/L, em 2017, para cerca de 8€/L, em 2023, o que levou muitos agricultores a considerarem outras alternativas. Associadas ao aumento do preço, as questões ambientais e a pressão dos consumidores para a redução do uso de pesticidas favoreceu o controlo mecânico. No entanto, o preço dos combustíveis também aumentou e essa opção deixou de por ser considerada com a frequência pretendida. Os ensaios de campo que a AVIPE tem instalados permitem compreender melhor os fatores que condicionam a eficácia das diversas substâncias ativas. Os dias de campo permitem que os agricultores fiquem mais cientes da necessidade de alternância de substâncias ativas e da melhoria na eficácia de pulverização. Outra prática habitual no controlo de infestantes é a mobilização da entrelinha através de grades de discos. O preço do combustível também contribuiu para a redução desta prática, mas ainda assim, uma vinha com infestantes na entrelinha é considerada abandonada. Nos ensaios que a AVIPE implementou, foi estudado o impacto que o enrelvamento da entrelinha (sementeira de misturas comerciais de gramíneas e leguminosas em outubro), tem no controlo de infestantes em março/abril. Os resultados foram apresentados aos agricultores e houve o reconhecimento que é uma prática a ser considerada no futuro. É conhecida a importância que as ações demonstrativas têm junto dos agricultores, pelo que a AVIPE considera importante continuar a demonstrar, educar e informar os agricultores das várias formas de controlo das infestantes.

Nos últimos anos, a dificuldade com as infestantes passou de espécies vivazes como Panicum repens L. para populações de Conyza spp. resistentes (Figura 2). O desconhecimento da forma como devem controladas, tem conduzido a aplicações pouco racionais de herbicidas, em especial do glifosato, sabendo da resistência que estas espécies já apresentam a este herbicida (Mendes et al., 2012).

Figura 2 Vinha com restos da parte aérea de Conyza spp. 

Este trabalho tem como objetivo dar conhecimento dos principais problemas de controlo de infestantes das vinhas na Península de Setúbal e dos métodos utilizados, bem como contribuir para a avaliação de diversos métodos de controlo de infestantes em vinhas da Península de Setúbal.

MATERIAIS E MÉTODOS

O ensaio foi montado em vinhas da casta ‘Castelão’ instaladas em 2013 e dotadas de rega gota-a-gota. O delineamento experimental inclui sete modalidades com 5 repetições distribuídas de forma aleatória. Cada repetição corresponde a 12 cepas. As modalidades foram definidas conforme se apresenta no Quadro 1. Em 2023, a data de aplicação foi a 3 de maio. As aplicações foram efetuadas com um pulverizador de dorso, bicos anti-deriva, com um volume de calda equivalente a 300 L ha-1. Em 2024, o ensaio será repetido estando prevista a aplicação de herbicidas na 2ª quinzena de fevereiro. Apesar de existir a proibição legal de aplicação de herbicidas antes de 1 de março, as alterações climáticas têm precipitado o abrolhamento da vinha e as aplicações de herbicidas tornam-se arriscadas.

Quadro 1 Modalidades, herbicidas e doses consideradas no ensaio 

Modalidades Produto Área (m2) Dose ( g s.a. ha-1) Volume de calda (L ha-1)
M1 SHARPEN® (pendimetalina, 330 g L-1, EC, SHANDRA) 60 1980 300
M2 NIRO® (diflufenicão, 500 g L -1 , SC, SYNGENTA) 1500 300
M3 Galigan® (oxifluorfena, 240 g L -1 , EC, NUFARM) 144 300
M4 BOAVIN® (penoxsulame, 20 g L-1, OD, CORTEVA) 7 300
M5 MINSK® (flazasulfurão, 25 %, WG, SYNGENTA) 16,75 300
M6 Controlo ----- 300
M7 ROUNDUP® (glifosato, sal potássico,360 g L-1, SL, BAYER) 1440 300

Antes das aplicações, foi efetuada uma mobilização na linha para garantir correta aplicação e eficácia do herbicida.

Em 2023 foi efetuada apenas uma avaliação da eficácia dos herbicidas de forma não quantitativa, mas em 2024 a avaliação será realizada com recurso à escala de Barralis (1976). Após a aplicação, seguir-se-á uma nova observação no mês de maio, à floração em agosto e à vindima. Não se pretende avaliar o impacto na produtividade das vinhas, mas somente a eficácia no controlo de infestantes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados deste ensaio preliminar foram interessantes e motivadores. Os herbicidas controlaram a maioria das infestantes, com exceção de algumas gramíneas e malváceas. Também se observou, relativamente à testemunha, o solo com poucas infestantes e com abundância reduzida. Na ação de campo realizada com os agricultores em 2023, os resultados foram bastante elogiados tendo-nos sido pedidas recomendações para aplicação de herbicidas residuais na próxima campanha de 2024.

A Arctotheca calendula (L.) K. Lewin (Moreira et al., 2000) é bastante frequente na região. Está muito associada à presença de um insecto coleóptero (Oxythyrea funesta Poda; escaravelho-das-flores) que pode danificar os abrolhamentos (Figura 3). Surge geralmente numa época mais precoce e é uma das razões que motiva a mobilização dos solos. Aproveitou-se a oportunidade de realização de ensaios e divulgação aos agricultores para demonstrar o efeito inibitório do enrelvamento na ocorrência de populações de A. calendula. O enrelvamento foi considerado pelos agricultores como uma prática a adotar no futuro (Figura 3).

Figura 3 Oxythyrea funesta em Arctotheca calendula (à esquerda) e redução com da sua ocorrência com enrelvamento (à direita). 

Uma das formas de reduzir o uso de herbicidas é através do controlo mecânico de infestantes. Apesar de dispendiosas, este tipo de intervenções vai tendo adeptos. A questão ambiental aliada aos bons resultados faz com que alguns agricultores optem por este método de gestão do solo. Não deixa de ser também importante referir que a subida considerável no preço do glifosato tenha levado alguns agricultores a reduzirem a aplicação de herbicidas. Por outro lado, a subida no preço do combustível levou a que muitos agricultores deixassem de mobilizar a entrelinha.

CONCLUSÕES

As diferentes vicissitudes dos últimos anos têm levado os agricultores a depararem-se com novos desafios no controlo de infestantes. Sejam por razões políticas, de mercado, de percepção do consumidor ou por práticas agrícolas, os agricultores sentem-se na obrigação de reduzir o consumo de herbicidas.

A gestão das infestantes tem particular importância em vinhas até aos cinco anos, o que é uma grande preocupação para os agricultores. Com a aplicação dirigida e utilizando campânulas, é possível que sejam usados herbicidas em vinhas com idades inferiores a quatro anos. Esta prática reduz consideravelmente os custos de controlo de infestantes.

O controlo mecânico tem sido muito utilizado, no entanto, num futuro próximo, o preço do combustível poderá limitar a sua utilização extensiva. De referir que a textura do solo tem uma grande importância no sucesso deste método.

Apesar de na Península de Setúbal os solos serem arenosos e a precipitação no período de março a outubro ser reduzida, o uso de enrelvamento nas entrelinhas no período outono-inverno para controlo de infestantes é recomendável, e teve particular sucesso no controlo de Arctotheca calendula. Por fim, os herbicidas têm a capacidade de controlar as principais infestantes e dar um aspecto à vinha socialmente aceitável. A pouca oferta de substâncias ativas limita as possibilidades de alternância de modos de ação, sendo que o apoio técnico e os serviços de extensão rural têm um papel crucial na informação e avisos para prevenir o aparecimento de resistências. Os resultados dos ensaios de 2024 serão determinantes para a confirmação da percepção da eficácia dos tratamentos realizados em 2023.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barralis, G. (1976) - Méthode d’étude des groupements adventices des cultures annuelles: Application à la Côte-d’Or. In: Véme Colloque fiil. Ecologie, Biologie Mauvaises Herbes. Dijon, 59-68. [ Links ]

Mendes, S. ; Portugal, J. & Calha, I.M. (2012) - Prospecção de resistência ao glifosato em populações de Conyza canadensis. Revista de Ciências Agrárias, vol. 35, n. 2, p. 322-328. https://doi.org/10.19084/rca.16272 [ Links ]

Monteiro, A. & Moreira, I. (2004) - Reduced rates of residual and post-emergence herbicides for weed control in vineyards. Weed Research, vol. 44, n. 2, p. 117-128. https://doi.org/10.1111/j.1365-3180.2004.00380.x [ Links ]

Moreira, I.; Vasconcelos, T.; Caixinhas, L. & Espirito Santo, D. (2000) - Ervas daninhas das vinhas e pomares. 2ª edição, DGPC. [ Links ]

Recebido: 15 de Janeiro de 2024; Aceito: 28 de Fevereiro de 2024

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