INTRODUÇÃO
O Conselho das Comunidades Europeias publicou a Diretiva 91/676/CEE de 12 de dezembro de 1991 (JO, 1991), designada Diretiva Nitratos, com o objetivo de reduzir a poluição das águas subterrâneas, causada ou induzida por nitratos (NO3 -) de origem agrícola (JO, 1991), sendo este o documento orientador da atuação na proteção contra este tipo de poluição difusa das águas em conjunto com o Programa de Ação para as Zonas Vulneráveis de Portugal Continental (Portaria n.º 259/2012).
Shukla e Saxena (2020) consideram que a presença de fatores geomorfológicos e de fontes antropogénicas de poluição tornam a compreensão das fontes de contaminação por nitratos mais difícil, por conseguinte entendem que quando a contaminação por nitratos está estabelecida num aquífero é importante monitorizar a qualidade da água ao longo das estações do ano, reconfirmando o seu estado de poluído (> 50 mg/l NO3 -) e permitindo a exclusão de fatores que conduzem a esse estado ao longo do tempo.
Elevados níveis de nitratos nas águas subterrâneas podem ter origem em diversas atividades antropogénicas como o uso excessivo de fertilizantes, o armazenamento de impróprio de lixo industrial, desflorestação, má construção de fossas séticas sendo estes fatores agravados em áreas de chuva abundante, solos de textura ligeira e lençóis freáticos baixos (Shukla & Saxena, 2020).
Nas suas conclusões, Curk e Glavan (2023) salientam que diferentes medidas ou cenários de práticas agrícolas e ocupação e uso do solo podem ser eficazes na redução da lixiviação de azoto num tipo de solo, enquanto que noutros pode ter um efeito oposto, sendo de equacionar a necessidade de uma análise caso-a-caso nas ZVN.
Zhou (2015) citando Mahler et al. (2007) refere que o potencial de lixiviação dos nitratos depende dos tipos de solo e da quantidade de água na forma de precipitação e/ou irrigação, dando como exemplo o acréscimo desse potencial quando as instalações pecuárias estão localizadas em solos arenosos ou solos de textura fina sobre rocha fendida. Também Wortmann et al. (2013) apontam que a quantidade e taxa de lixiviação de nitratos se relaciona com a infiltração da água e com os fluxos das águas subterrâneas no solo, podendo no caso de aquíferos próximos da superfície, a pluviosidade e a irrigação transportar os nitratos para as águas em menos de um ano . Em alguns Estados do Centro-Oeste dos Estados Unidos da América (Iowa, Kansas, Missouri e Nebraska), as aplicações de azoto no outono têm maior lixiviação em solos arenosos e em áreas mais húmidas ou quentes da região, sendo também comum a lixiviação na primavera quando aplicado azoto em solos no limite da capacidade de campo e quando existe uma baixa ou nula extração de nutrientes pelas plantas. Neste sentido, a lixiviação será tanto menor quanto mais próxima a aplicação de azoto for de uma maior necessidade de nutrientes pelas plantas ou em alterativa a utilização de fertilizantes de libertação lenta.
Kranz et al. (2015) referem que no caso do Estado do Nebraska, o maior risco de lixiviação de nitratos é na primavera antes das culturas começarem a crescer rapidamente e quando ocorre maior precipitação (maio a junho).
No contexto da aplicação da Diretiva Nitratos na União Europeia, Alterra et al. (2011) identificou e mapeou à escala Europeia o risco de lixiviação de azoto e fósforo tendo como fatores influenciadores relacionados com o solo: o declive, a profundidade, textura, estrutura e cobertura do solo, a matéria orgânica no solo, o congelamento e terraceamento do solo.
Através da utilização de um modelo de Root Zone Water Quality Model, MAOT e MADRP (2000) simularam o processo de transferência de água e azoto nos sistemas culturais predominantes nas ZVN em Portugal. Os cenários de simulação envolveram as práticas tradicionais de fertilização, nomeadamente as quantidades de fertilizantes minerais e orgânicos aplicados e as datas de aplicação (cenário 1) e o efeito limitador das quantidades de azoto em ZVN previstas no Programa de Ação (cenário 2).
No caso da ZVN Esposende-Vila do Conde foram estudadas a sucessão milho + forragens (instalada em regossolos úmbricos espessos) e couve+cebola+cenoura (instalada em arenossolos háplicos). Foi comparado o resultado simulado para um período de nove anos, resultando no caso das culturas forrageiras numa redução de 49% dos nitratos lixiviados em regimes de rega frequente e 65% em regimes de rega deficitários. Quanto à horticultura a concentração média poderá reduzir cerca de 43% passando de 42 mg/NO3 -/l para 24 mg/NO3 -/l.
Agostinho et al. (2007) através da utilização do modelo RZWQM98 aplicado à Zona Vulnerável nº 1, estimou uma lixiviação média anual de 306 kg/ha de N na horticultura de ar livre, de 193 kg/ha de N na horticultura de estufa e de 136 kg/ha de N no sistema forrageiro, sendo neste sistema o azevém responsável por 77% da lixiviação (104 kg/ha de N). Assim, Agostinho et al. (2007) aponta que a horticultura de ar livre origina cerca de 2,3 vezes mais lixiviação que o sistema forrageiro e a horticultura de estufa origina 1,4 vezes mais lixiviação. Fonseca (2010) salienta que a textura dos solos agrícolas nesta Zona Vulnerável proporciona elevadas permeabilidades que favorecem a percolação das águas de rega até à zona saturada, arrastando consigo os fertilizantes adicionados aos solos. Esta constatação é reforçada por Gomes (2021) que salienta que na ZVN Esposende-Vila do Conde, os arenossolos, sobretudo em locais de erodibilidade média, apresentam concentrações médias de nitratos nas águas subterrâneas mais elevadas.
Num trabalho realizado sobre os nitratos nas águas de Esposende, Leite (2006) refere que na cultura outono-inverno (azevém anual), a prática tradicional de incorporação de chorume de bovino, antes da sua instalação (no outono), dá origem à lixiviação de azoto, dado que a extração do azoto na fase inicial da cultura é muito reduzida. Contudo, a proximidade do nível freático na zona radicular das culturas, a elevada permeabilidade dos solos, a elevada precipitação e a utilização intensiva de adubos são os fatores apontados para uma maior lixiviação dos nutrientes no solo.
OBJETIVOS
O esforço e empenho de recursos humanos e materiais (viaturas, equipamentos e material para realização de análises) que a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAP Norte) empregou na monitorização da Zona Vulnerável a Nitratos (ZVN) de Esposende-Vila do Conde ao longo de dezasseis anos (2008 a 2023) e que desde 1 de janeiro de 2024 foi transferida para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte I.P. (CCDRN, I.P.), permitiu a recolha sistemática de dados com relevância para o estudo do comportamento dos nitratos de origem agrícola no aquífero livre de Esposende-Vila do Conde.
Por conseguinte, este trabalho visou analisar e divulgar os resultados obtidos das análises de águas quinzenais efetuadas aos pontos de água fixos de monitorização entre 2008 e 2022, tendo como principais fatores diferenciadores os tipos de solos e o sistema de produção agrícola em que se encontram.
MATERIAL E MÉTODOS
Desde fevereiro de 2008 que é efetuado o acompanhamento quinzenal da concentração de nitratos na água de uma amostra fixa de 12 pontos de água (Quadro 1) . Esta monitorização quinzenal fornece dados com interesse sobre a evolução temporal da concentração em nitratos em cada ponto de água, sendo de grande pertinência pelo volume de dados que produz em “sistema contínuo” e por não ser conhecida qualquer outra fonte de dados com metodologia de trabalho idêntica no mesmo território.
Os dados foram classificados quanto ao tipo de solo, quinzena e mês de recolha, sendo usada análise de estatística descritiva (mínimos, máximos, média e desvio padrão).
Nº local | Profundidade (m) | Concelho | Freguesia | Solo | Utilização Cultural |
---|---|---|---|---|---|
1 | 9 | Esposende | Fão | Cambissolo | Milho x culturas arvenses |
2 | 7 | Esposende | Apúlia | Cambissolo | Milho x culturas arvenses |
3 | 9 | Esposende | Apúlia | Cambissolo | Horticultura ao ar livre |
4 | 7 | Esposende | Apúlia | Cambissolo | Milho x culturas arvenses |
5 | 4 | Esposende | Apúlia | Arenossolo | Horticultura ao ar livre |
6 | 2 | Esposende | Apúlia | Arenossolo | Pousio |
7 | 7 | V Conde | Vila Conde | Cambissolo | Casa e vacaria |
8 | 7 | P Varzim | Aguçadoura | Arenossolo | Horticultura em estufa |
9 | 1,5 | P Varzim | Estela | Arenossolo | Horticultura ao ar livre |
10 | 8 | P Varzim | Beiriz | Cambissolo | Milho x culturas arvenses |
11 | 3 | P Varzim | Aguçadoura | Arenossolo | Horticultura ao ar livre |
12 | 8 | P Varzim | Aguçadoura | Arenossolo | Horticultura ao ar livre |
Área de Estudo
Com uma extensão de 205,72 km2 e abrangendo quatro municípios, Esposende [46%], Barcelos [34%], Póvoa de Varzim [16%] e Vila do Conde [3%], a ZVN de Esposende-Vila do Conde, viu definida a sua atual configuração geográfica na Portaria nº 1433/2006, de 27 de dezembro, porém, a área de monitorização quinzenal de pontos fixos está contida na delimitação da antiga Zona Vulnerável Nº1 - Aquífero livre entre Esposende e Vila do Conde definida na Portaria nº 1037/1997, de 1 de outubro (Figura 1).
Neste território podemos encontrar três sistemas culturais principais (culturas forrageiras, horticultura ao ar livre e horticultura em estufa) e uma importante atividade pecuária (bovinos de leite e bovinos de carne).
Quanto às famílias de solos, segundo a carta de solos do Entre-Douro e Minho (Agroconsultores e Geometral, 1999) predominam os cambissolos (39%), seguidos dos antrossolos (22%), dos regossolos (20%) e arenossolos (8%).
Amostra
Nos 11 locais monitorizados com uma frequência quinzenal foram efetuadas entre 2008-2022 um total de 3.764 análises de água. Para a análise da concentração em nitratos nas amostras é utilizada uma metodologia expedita, que permite determinações do teor de nitratos “in situ”, com equipamento de medição de análises expeditas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os pontos de água localizados em parcelas de arenossolo, maioritariamente ocupadas com culturas hortícolas (ar livre ou estufa), apresentam, em regra, concentrações mais elevadas em nitratos e oscilações consideravelmente superiores quando comparados com os valores apresentados pelos pontos de água localizados em parcelas de cambissolo, predominantemente ocupados com culturas forrageiras (Figura 2).
O tipo de solo, em particular a sua maior ou menor permeabilidade, combinado com o tipo de culturas praticadas, culturas hortícolas ou forrageiras, às quais estão associados níveis de intensificação e práticas de fertilização distintas, permite encontrar diferentes comportamentos no nível médio de nitratos e amplitude de oscilação dos valores ao longo do tempo.
Ao agregar os 12 pontos de água por tipo de solo em que estão localizados, é possível verificar padrões de comportamento diferentes ao longo do tempo quanto à concentração em nitratos (Figura 3), sendo que nos pontos de água em arenossolos existe maior oscilação nos valores e uma concentração média em nitratos mais elevada.
Á semelhança da oscilação das concentrações em nitratos quinzenal, também o valor médio anual de cada poço pode ter grandes oscilações de ano para ano, assim como a variação ao longo do ano (Figura 4). No entanto, mantém-se a tendência de comportamento verificado desde o primeiro ano, onde existem pontos com alguma regularidade de valores ao longo do ano, enquanto outros apresentam uma enorme variação da concentração em nitratos ao longo de um ano.
Dentro da tipologia de pontos de água que apresenta maior regularidade de valores é ainda possível distinguir entre pontos de água com valores de nitratos sempre baixos, outros com valores de nível intermédio, e outros ainda que apresentam um nível elevado.
Cada ponto de água aparenta um comportamento com determinada especificidade relativamente à concentração em nitratos na água ao longo do tempo, não sendo possível observar a existência de um padrão comum do valor médio anual, sendo que cerca de 26 amostras anuais podem ter enormes variações de ano para ano.
A concentração em nitratos e a tendência de evolução anual (Figura 5) é semelhante para os dois tipos de solo, desde fevereiro até à segunda quinzena do mês de março, época em que o solo está saturado de água. A partir daí as curvas médias vão-se afastando sucessivamente durante os meses de primavera/verão, atingindo o maior afastamento entre outubro e novembro, altura em que nos seis pontos de água localizados em arenossolo se registam os valores em nitratos mais elevados do ano (115,3 mg NO3 -/l, valor médio de 15 anos). O valor máximo em cambissolos é apenas atingido no mês de janeiro com 69,9 mg NO3 -/l (valor médio de 15 anos).
Relativamente ao mínimo das curvas de valores médios, no caso dos arenossolos o valor mínimo do ano acontece logo em março, enquanto nos cambissolos o valor mínimo surge em outubro. A concentração mínima de nitratos em arenossolos (68,3 mg NO3 -/l) é aproximada da concentração máxima de nitratos em cambissolos (69,9 mg NO3 -/l), porém é importante verificar que nos arenossolos as concentrações em nitratos crescem gradualmente de março a novembro enquanto a curva de crescimento nos cambissolos é mais pronunciada em menos tempo (de outubro a dezembro).
Os agricultores têm de ajustar as fertilizações às necessidades das culturas durante o seu ciclo vegetativo. Quando não existe esta precaução, aumentam o risco de perdas de azoto por lixiviação, sobretudo no período outono-inverno. Por conseguinte, não deverão ser aplicados fertilizantes nas épocas em que as culturas não estão em crescimento ativo (Portaria n.º 259/2012; DGADR, 2016), precisamente a época em que as concentrações médias verificadas estão mais altas.
As concentrações médias anuais de nitratos nos pontos de água subterrânea analisados (2008-2022) foram de 101 mg NO3 -/l na horticultura em estufa, 99 mg NO3 -/l na horticultura ao ar livre e 57,5 mg NO3 -/l nas culturas forrageiras, ou seja, na água subterrânea não existe grande diferença na concentração média na horticultura, mas as suas concentrações são superiores às das culturas forrageiras. A evolução quinzenal da concentração de nitratos nas culturas forrageiras é semelhante à dos cambissolos, onde aliás são cultivadas, e a horticultura ao ar livre é semelhante aos arenossolos (Figura 6). A horticultura em estufa é ligeiramente diferente, verificando-se uma redução dos valores médios entre abril e outubro.
Os resultados apresentados indicam uma tendência de decréscimo da concentração média em nitratos registados na água subterrânea ao longo das doze campanhas de registos consecutivos, apesar da oscilação verificada de campanha para campanha, tornando-se evidente a probabilidade de grandes flutuações de valores ao longo dos anos sem que esteja encontrada explicação para este efeito.
CONCLUSÃO
As ações de acompanhamento do programa de ação da Zona Vulnerável a Nitratos (ZVN) de Esposende-Vila do Conde efetuadas pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAP Norte) de 2008 a 2023 e transferidas para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte I.P. (CCDRN, I.P.) a partir de 2024, incluem a realização de análise de água subterrânea a locais fixos, existindo um trabalho contínuo desde 2008 que permite uma série de 3.764 observações (2008-2022).
Com base neste esforço, o presente trabalho teve como objetivo analisar e divulgar os resultados obtidos estabelecendo algumas relações empíricas entre as concentrações de nitratos encontradas e alguns fatores diferenciadores como os tipos de solos e o sistema de produção agrícola.
No intervalo de tempo analisado (2008-2022) os resultados globais indicam uma tendência de decréscimo da concentração média anual em nitratos, contudo existe uma acentuada oscilação ao longo dos anos. A tendência verificada é coerente com o que acontece a nível nacional nos três quadriénios (2008-2011, 2012-2015, 2016-2019), onde a avaliação global da qualidade das águas subterrâneas com base nas estações de monitorização da Agência Portuguesa do Ambiente, aponta para uma estabilização e até tendência de decréscimo da concentração (média e máxima) do ião nitrato (DGADR, 2012, 2016, 2020).
Em solos com maior permeabilidade (arenossolos) e culturas com maiores níveis de intensificação o nível médio de nitratos obtido e a amplitude de oscilação dos valores ao longo do tempo foi maior.
O comportamento anual por tipo de solo está fundamentalmente associado às práticas de fertilização e sistemas de produção, com particular destaque para o aumento das concentrações de nitratos nos pontos de água localizados em cambissolos aquando da aplicação de chorumes para o arranque da cultura de outono/inverno e nos pontos de água localizados em arenossolos para as culturas ao ar livre na primavera/verão.
Quanto às limitações deste trabalho salienta-se a necessidade de alargar espacialmente os pontos de amostragem fixos, preferencialmente com outros tipos e solos, sistemas de produção e tipo de ponto de água (poço/furo) e de manter a recolha atual para assegurar a série temporal. Seria importante a recolha de dados climáticos locais, para identificar e quantificar a importância destes fatores, assim como o acompanhamento dos cadernos de campo das parcelas agrícolas onde se encontram os pontos de amostragem ou parcelas contíguas. Para detetar a existência e influência de outras fontes difusas de poluição seria importante caracterizar os sistemas de saneamento básico.