1. Introdução
Nos dias que correm, o trabalho em educação desenvolve-se num contexto de intensa transformação social que, em grande parte, é caraterizada pelo crescente recurso à tecnologia na vida quotidiana. É possível afirmar que nos encontramos no epicentro de uma revolução tecnológica sem precedentes, que altera a forma como vivemos e nos relacionamos com os outros. Trata-se de um tempo marcado pela convergência de tecnologias físicas, digitais e biológicas que, inclusivamente, alteram o sentido do que significa ser humano (Leahy et al., 2019), na tessitura de um momento sui generis concetualizado na figura de uma “Quarta Revolução Industrial” (Schwab, 2016).
As configurações sociais que emergiram a partir desta Quarta Revolução Industrial (Leahy et al., 2019; Schwab, 2016) apontam para a complexificação das relações a um nível jamais experimentado pela humanidade, agora refletidas, por exemplo, nas possibilidades ilimitadas que as tecnologias (móveis e digitais) oferecem, interligando biliões de pessoas e facultando-lhes, em simultâneo, o acesso a diferentes formas e fontes de conhecimento. De facto, há ainda muito por desvendar acerca da velocidade e magnitude da revolução em curso, embora alguns dos seus efeitos sejam claramente visíveis, com impacto no mundo do trabalho e da comunicação. Neste texto propomos uma reflexão acerca da transformação social em curso, a partir das lentes da educação. Incidimos, especificamente, na formação no contexto das tecnologias móveis e sua relação com o perfil dos participantes - professores com mais de 50 anos.
Nesse sentido, nas secções que se seguem: (i) enquadramos a necessidade de integrar as tecnologias no domínio da educação, destacando a sua relação com a ideia de inovação; (ii) enaltecemos o lugar ocupado pelos professores nesse processo, introduzindo, inclusivamente, um debate acerca da relação entre professores veteranos e tecnologias; (iii) discorremos sobre o desenho da investigação e seus objetivos; e, finalmente, (iv) apresentamos e discutimos os dados recolhidos, que destacam tendências e crenças dos professores acerca das tecnologias, as suas motivações para a realização de uma formação especializada em tecnologias móveis e as perceções dos efeitos de tal formação no exercício da docência.
2. A Integração De Novas Tecnologia Em Educação
Como pilar fundamental da sociedade, o sistema educativo não pode eximir-se da influência do mundo digital emergente, nem das transformações que o mesmo tem gerado aos mais diversos níveis. Ainda que exista uma certa desconfiança, ou mesmo descrença, acerca do contributo destas transformações em termos educativos, a verdade é que têm sido incorporadas algumas mudanças, quer nas formas pedagógicas, quer nas dimensões curriculares (Baruch & Erstad, 2018; Camilleri & Camilleri, 2017), com intuito de responder a um mundo em que as tecnologias digitais são cada vez mais omnipresentes (Kearney et al., 2019). Considerando que os processos de desenvolvimento das crianças e dos jovens têm sofrido alterações, em parte como consequência da saturação da tecnologia na vida quotidiana, estamos convictos de que é inquestionável o imperativo da reorganização do trabalho escolar, sobretudo por ser necessário responder a um novo conjunto de exigências que surgem em linha com as competências e habilidades desejáveis por parte da sociedade do século XXI (Baruch & Erstad, 2018; Orlando, 2014a).
A sistematização destas transformações no campo educativo é alimentada, por um lado, por legisladores, na medida em que reconhecem o papel da tecnologia como veículo imprescindível ao progresso socioeconómico e, por outro, pelos diferentes atores educativos, que associam a integração de novas tecnologias à possibilidade de inovação pedagógica (Camilleri & Camilleri, 2017). De facto, a construção do discurso de inovação no seio do edifício educativo tem sido forjada em estreita ligação com a integração de tecnologias (OECD, 2010; Thomas & Brown, 2011; Tuomi, 2006), prevalecendo a convicção de que o recurso às novas tecnologias, digitais e móveis, se associa, inevitavelmente, à promoção de uma nova cultura de aprendizagem.
Não deixando de reconhecer, com Morgado (2017), a necessidade clarificar o que se entende por inovação em educação, de modo a evitar que as reconfigurações dos processos de ensino e aprendizagem se resumam a meros ajustes cosméticos, Thomas e Brown (2011) consideram que as efetivas transições no espectro pedagógico passam pelo abandono de ações educativas caraterizadas pela mecanização, ainda que muitas vezes sejam justificadas sob a égide da construção colaborativa de conhecimento. No fundo, trata-se de valorizar paradigmas de organização e gestão do trabalho educativo, pautados pela valorização de uma participação mais ativa e colaborativa por parte dos estudantes, no processo de apropriação do património cultural (Freires, 2019). Na esteira de Thomas e Brown (2011), isso implica que os cenários de aprendizagem se estruturem de modo a usufruir das potencialidades que os recursos digitais oferecem, nomeadamente em termos de acesso à vasta fonte de informação, em franco movimento, sem se deixarem artificialmente “digitalizar” em função destes.
Nestes termos e assumindo que a crescente riqueza tecnológica do mundo em que vivemos contribui potencialmente para o redimensionamento da pedagogia, uma vez que disponibiliza as ferramentas necessárias para transformar e melhorar os processos de ensino e aprendizagem, promovendo a sua customização (OECD, 2010), um dos maiores desafios com que nos deparamos relaciona-se, sobretudo, com a capacidade de os agentes educativos articularem os recursos tecnológicos com um trabalho pedagógico orientado para a produção de sentidos. Como sugere Earle (2002), a integração da tecnologia em contexto educativo deve ser perspetivada a partir de um olhar abrangente, no pressuposto de que todos os elementos do sistema se encontram interligados, de forma a funcionarem como um todo.
Se a sala de aula sempre se estruturou na base de um conjunto de tecnologias, ainda que, predominantemente, materiais e físicas, a tecnologia digital representa um acréscimo importante para o enriquecimento desse contexto, dado o seu potencial distinto na promoção e comunicação de ideias e conhecimentos (Orlando, 2014a), reforçando a possibilidade do planeamento e conceção do que significa a inovação no terreno das práticas educativas. Um desafio que se coloca em paralelo à expetativa social de que a escola propicie a todos os jovens uma educação congruente com os desafios do século XXI (Martín et al., 2019; Orlando, 2014a), preparando para se integrarem de forma plena na sociedade, portanto como cidadãos incluídos (Surian & Sciandra, 2019), civicamente responsáveis e preparados para o mundo do trabalho (Willness & Bruni-Bossio, 2017).
3. Os Professores Como Protagonistas Da Mudança
É hoje amplamente aceite que vivemos num mundo orientado para a inovação, cuja relação com as (novas) tecnologias é explícita. Envolver as novas tecnologias no ambiente escolar significa, por isso, inserir o mundo da escola no mundo da vida dos estudantes, tornando-o mais familiar e mais próximo das experiências das crianças e dos jovens (Spiteri & Rundgren, 2017).
Atualmente, um conjunto considerável de crianças e jovens tem acesso a computadores pessoais e dispositivos móveis, que utilizam com os mais variados propósitos (Camilleri & Camilleri, 2017; Hannon, 2009) - embora não se deva perder de vista que o acesso a estas tecnologias ocorre de forma desigual entre diversos grupos sociais, contribuindo para consolidar o fenómeno da “exclusão digital” (Talaee & Noroozi, 2019), o que reforça, ainda mais, a importância de a educação escolar assumir um papel de vanguarda no processo de inserção digital das populações. Perante as questões elencadas, a escola não pode deixar de mudar e se adaptar às novas realidades, de modo a responder às necessidade, interesses e estilos de aprendizagem dos estudantes (Camilleri & Camilleri, 2017). Nesse processo, importa ter em conta as múltiplas potencialidades que as tecnologias móveis e/ou digitais podem proporcionar.
Nessa ordem de ideias, Zhu et al. (2016) consideram que com o desenvolvimento das tecnologias móveis, interconectadas e pessoais, a aprendizagem móvel se tornou num dos eixos estruturantes do paradigma de aprendizagem orientada pela tecnologia, de modo que o próximo passo a dar é o da consolidação desses sistemas de aprendizagem no âmbito da ação educativa.
Os avanços mais recentes no domínio tecnológico e sua ligação à educação deram origem ao que, atualmente, se designa como educação inteligente (smart education) (Morgado et al., 2021), cuja definição, ainda em curso, remete para a utilização no sistema educativo de ferramentas inteligentes, com emprego das mais recentes tecnologias da informação e comunicação, com o propósito de interligar os processos de ensino e aprendizagem (Daniela, 2019; Dron, 2018). Em causa, prevalece uma vez mais a possibilidade de utilizar os recursos tecnológicos para potenciar o sucesso académico dos estudantes, recorrendo, predominantemente, a abordagens pedagógicas centradas nos estudantes (Gros, 2016; Lister, 2018), de acordo com os princípios de uma ação contextualizada, personalizada, omnipresente e colaborativa (Kearney et al., 2019; Zhu et al., 2016).
Ora, mais assente em tecnologias de ponta ou mais circunscrita a tecnologias da informação e comunicação conhecidas, como é o caso dos computadores, dos tablets e dos telemóveis, a inovação nas escolas é um fenómeno em curso, inevitável e irreversível. Obviamente que a inovação se concretiza em diferentes fases e depende de diferentes recursos, bem como dos contextos onde ocorre. Em quaisquer dos cenários, porém, é essencial reconhecer que a transformação do sistema educativo, quer pelo emprego de tecnologias, quer pela adoção de outras medidas, implica sempre um período de realização. A esse respeito, Leahy et al. (2019) argumentam que a integração de novas tecnologias em educação envolve um período de desencontro entre a realidade e as expetativas, num momento em que somos confrontados com considerações mais críticas acerca da eficiência, ou não, do emprego de novas ferramentas.
Em idêntica linha de pensamento, Gros (2016) afirma que o recurso às tecnologias em processos educativos impacta nas experiências habituais dos estudantes e tem consequências diretas nos métodos de ensino e aprendizagem em contexto formal, exigindo dos profissionais da educação o reajustamento das suas abordagens pedagógicas. No entanto, a complexidade acrescida ao cenário escolar pode provocar a emergência de complicações, especialmente quando se verificam problemas de autoconfiança por parte dos professores e quando não lhes é oferecida formação adequada (Leahy et al., 2019; Thomas Dotta et al., 2019). Nesses casos, a consequência mais concreta é a ausência de uma integração significativa da tecnologia nos processos de ensino e de aprendizagem (Earle, 2002), o que torna evidente a importância do papel dos professores no seio dos processos educativos, permitindo-nos reconhecer que um eventual processo de mudança da cultura escolar só pode idealizar-se com o seu contributo e o fortalecimento das suas práticas. Os aspetos referidos permitem-nos concluir que, por um lado, é necessário prover apoios no contexto do desenvolvimento profissional, de modo a assegurar o domínio técnico-pedagógico dos recursos que se pretende que os professores utilizem (Snoeyink & Ertmer, 2001) e, por outro, é crucial que os professores se posicionem como agentes estratégicos de decisão curricular, capazes de garantir a promoção das especificidades locais e de estimular aulas que proporcionem uma autêntica vivência democrática (Morgado, 2017).
Em Portugal, ao cenário dos desafios da integração tecnológica em processos pedagógicos na educação formal, acresce o problema do envelhecimento do corpo docente (OECD, 2019), razão que nos leva a interessar pela ação estratégica dos professores definidos como veteranos (Admiraal et al., 2019; Carrilo & Flores, 2018). Concretamente, é considerado veterano um professor que tem um vasto percurso profissional, compreendendo uma carreira de vinte ou mais anos de prática docente. Uma revisão aprofundada da literatura centrada nos professores veteranos e na respetiva integração de tecnologia em práticas educativas revela dois mediadores fundamentais: (1) as atitudes/crenças perante a tecnologia (Buabeng-Andoh, 2012; Shifflet & Weilbacher, 2015); e (2) o sentimento de aperfeiçoamento pedagógico, quando do emprego de tecnologias (Bingimlas, 2009; Chandra & Mills, 2015; Meister & Ahrens, 2011; Orlando, 2014b). A partir destes dois argumentos, os paradigmas educativos são considerados como um ponto de partida essencial, interferindo com a predisposição dos professores para a reorganização dos ambientes do ensino e da aprendizagem, constatando que a produção de respostas mais positivas é feita pelos docentes que se enquadram em perspetivas construtivistas (Chandra & Mills, 2015; Lakkala & Ilomaki, 2015; Orlando, 2014b; Snoeyink & Ertmer, 2001).
Em termos de atitudes dos professores, prevalece na literatura a ideia de que uma mentalidade positiva em relação à tecnologia promove a sua integração nas práticas pedagógicas (Bingimlas, 2009; Chandra & Mills, 2015). No entanto, existem registos de algumas incompatibilidades entre essa atitude positiva e a transformação concreta das práticas (Buabeng-Andoh, 2012; Camilleri & Camilleri, 2017; Shifflet & Weilbacher, 2015). Por norma, esses desencontros são associados às diversas dimensões da mudança enquanto fenómeno no campo educativo. A esse propósito, Orlando (2014b) afirma que ao longo da carreira os docentes são recorrentemente convocados a alterar as suas práticas, muitas vezes sem serem informados ou consultados acerca das transformações requeridas, o que agrava o seu sentimento de desinteresse pela mudança.
A competência e confiança dos professores no manuseamento da tecnologia é um fator-chave para a sua inclusão nos processos de ensino e aprendizagem (Bingimlas, 2009; Chandra & Mills, 2015; Khlaif, 2018; Lakkala & Ilomaki, 2015). Daí que a formação seja reconhecida como uma variável decisiva para uma mudança bem-sucedida nas práticas de ensino (Camilleri & Camilleri, 2017). De acordo com Louws et al., (2017), existe um interesse significativo por parte da comunidade educativa na formação em tecnologia, considerando que é necessário conhecer o nível de competência dos professores para se poder estabelecer a formação adequada (Snoeyink & Ertmer, 2001). Por isso, Camilleri e Camilleri (2017) consideram que aumentar as oportunidades de desenvolvimento profissional para os professores é uma forma eficiente de impulsionar o envolvimento das tecnologias no ensino e aprendizagem, porque ajuda a formar professores confiantes e solidários.
Constatado o lugar inequívoco dos professores no processo educativo e o papel determinante que devem assumir na implementação de mudanças nesse contexto - no caso específico deste trabalho, no âmbito da integração tecnológica como recurso pedagógico -, nas secções a seguir caracterizamos a formação de professores que foi realizada no âmbito do projeto Rekindle+50, explicitamos a metodologia que serviu de base à investigação aqui apresentada, organizamos as motivações dos professores que participaram na formação, salientando algumas perspetivas relativamente à integração concreta das tecnologias na sala de aulas, e realçamos algumas tendências e efeitos da formação no desenvolvimento profissional dos professores. Por fim, tecemos algumas considerações acerca do processo de inserção tecnológica na escola do século XXI.
4. Metodologia
Tendo constatado que a inovação em educação pode pressupor a integração de novas tecnologias no contexto da sala de aulas e, conscientes do papel primordial dos professores nesse desafio, a investigação a partir da qual se redigiu este artigo teve por objetivo sistematizar a relação dos professores veteranos com a integração pedagógica das tecnologias em educação. Nesse sentido, delineámos duas questões de investigação a que procurámos responder:
Quais as disposições dos professores veteranos relativamente à integração tecnológica em contexto pedagógico? Quais as suas motivações para promover essa integração?
Como é que os professores percecionam os efeitos de uma ação de formação em tecnologias móveis no seu quotidiano profissional?
As ações de formação a que se reporta este texto e que sustentam este estudo foram realizadas no âmbito do projeto Rekindle+50. O projeto foi desenvolvido em parceria por duas universidades e envolveu dois Centros de Formação e Associação de Escolas (CFAE) da Região Norte de Portugal. Com uma dupla dimensão - investigação e intervenção, o projeto envolveu professores com mais de 50 anos e centrou-se na renovação do seu compromisso com a docência e a inovação curricular, mediada pelo recurso às tecnologias digitais móveis. Os CFAE envolvidos têm estado intrinsecamente ligados ao projeto “Salas de Aula do Futuro” - iniciativa que tenta responder à desmotivação dos estudantes e a questões relacionadas com o (in)sucesso escolar, recorrendo para o efeito a novas metodologias de ensino. As ações de formação, reconhecendo a situação de envelhecimento do corpo docente em Portugal, foram desenhadas para preencher as lacunas existentes entre os interesses dos professores veteranos e a cultura digital, promovendo um espaço de interconectividade em torno das alteridades dos professores e dos alunos, através do fortalecimento de um elemento comum - a linguagem da tecnologia. Entre 2019 e 2020 foram realizadas quatro ações de formação, duas em cada um dos CFAE, com o tema “Aprender com dispositivos móveis - cenários inovadores de aprendizagem”. As ações de formação foram acreditadas com 50 horas de duração (25 presenciais e 25 de trabalho autónomo), inseridas na área de formação “Práticas pedagógicas e didática na docência”, na modalidade de oficina de formação, e abordaram modelos pedagógicos como: flipped learning, gamification, game based learning e digital storytelling. Estes modelos pedagógicos inspiraram o trabalho com diferentes recursos tecnológicos, tendo sido realizadas planificações e implementadas atividades pedagógicas com apoio de tecnologias móveis. Além disso, foram realizadas rodas de conversa com especialistas sobre os seguintes temas: currículo, envelhecimento, desenvolvimento profissional e identidades. No total, concluíram as ações de formação 65 professores (52 mulheres e 13 homens). A média de idades dos participantes era de 55 anos e o seu tempo médio de exercício profissional era de 28 anos, podendo assim serem considerados como professores veteranos (Morgado et al., 2021; Admiraal et al., 2019; Carrilo & Flores, 2018). Acerca destes professores, interessa, ainda, referir que eram oriundos de todos os níveis de ensino que integram a escolaridade obrigatória, isto é, desde o primeiro ciclo do ensino básico até ao ensino secundário. Além disso, frequentaram as ações três educadoras de infância.
Ao longo da participação nas ações de formação, os professores foram envolvidos em diferentes momentos de recolha de informação, que incluíram questionários online, entrevistas, observação participante da formação, observação de aulas, produção de diários de bordo digitais (padlets), grupos de discussão focalizada e reflexões escritas sobre a formação. Para responder às questões de investigação que referimos atrás recorremos aos dados produzidos no âmbito dos questionários e às reflexões escritas produzidas pelos professores. Os questionários envolveram três conjuntos de questões: o primeiro relacionado com o perfil profissional (idade, sexo, experiência de ensino, área do conhecimento, funções desempenhadas, nível de ensino); o segundo em que se pretendeu explorar os usos e as crenças dos docentes em relação às tecnologias móveis e, por fim, o terceiro conjunto de questões procurou explorar as crenças dos professores sobre as potencialidades e os riscos do uso das tecnologias móveis nas atividades de sala de aula. Ao acederem e responderem ao questionário online, os 65 professores concordaram com o conteúdo do termo de consentimento livre e informado, onde foram garantidas as condições de preservação dos dados e do anonimato. Na etapa final de cada ação de formação os professores foram convidados a produzir uma reflexão que, entre outros aspetos, incidisse sobre o processo da formação (atividades desenvolvidas, objetivos iniciais, aspetos positivos e pontos a aperfeiçoar na própria prática profissional) e sobre os resultados (resultados das atividades desenvolvidas em termos de satisfação dos alunos/alunas, aprendizagens e possíveis efeitos a longo prazo, tendo como referencial o perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória).
Os dados foram sistematizados de acordo com os princípios da análise descritiva e de conteúdo (Freires et al., 2019; Pereira, 2010), com recurso ao software NVivo12. Como resultado, o modelo analítico que idealizámos organiza os dados em três dimensões: (i) as perceções e tendências de recurso às tecnologias por parte dos professores; (ii) as motivações e expetativas relativamente à participação numa ação de formação vocacionada para a integração de tecnologias móveis em ambientes pedagógicos; e (iii) as perceções dos professores sobre os efeitos da formação na sua prática profissional.
5. Os Professores Na Linha De Frente: Projetos De Mudança?
A literatura esclarece que o desenvolvimento de práticas pedagógicas baseadas no recurso à tecnologia é influenciado, significativamente, pelas perceções e atitudes dos professores face a essa possibilidade, sendo de considerar, também, a forma como conseguem conferir sentido à relação entre as ferramentas mobilizadas e os objetivos de aprendizagem a concretizar (Lakkala & Ilomaki, 2015).
No caso específico dos professores veteranos, ao desafio da inovação/mudança de práticas associam-se as particularidades relacionadas com a sua experiência no mundo digital e com um eventual sentimento de cansaço, ou mesmo de frustração, perante as contínuas solicitações institucionais de mudança com que são “bombardeados” (Orlando, 2014b). O facto de 65 professores veteranos se terem envolvido numa formação vocacionada para o desenvolvimento de práticas educativas com recurso a tecnologias móveis permite ainda inferir que, no processo de transformação do edifício escolar, os docentes continuam a fazer frente aos desafios que se colocam na sociedade contemporânea, o que exige uma reflexão alargada sobre os elementos que se incluem, numa perspetiva tecnológica, no domínio da inovação em educação.
Nas próximas secções apresentamos os resultados da investigação, em consonância com as três dimensões que identificámos atrás: (i) perceções e tendências de recurso às tecnologias; (ii) as motivações para participar numa ação de formação em tecnologias móveis; e (iii) perceções sobre os efeitos da formação na prática profissional. Desta forma, responderemos às questões de investigação que nortearam este estudo.
5.1 Professores Veteranos E Tecnologias Móveis: Perceções E Utilização
As respostas dos professores a um questionário utilizado para caracterizar o seu perfil, conhecer as suas perceções e a utilização que fazem das tecnologias, permitiu-nos constatar que, de modo distinto do que sugerem alguns mitos acerca desta relação (Thomas Dotta et al., 2019), todos os docentes participantes afirmam que utilizam as tecnologias móveis - telemóveis ou tablets - em termos pessoais e/ou profissionais. É no âmbito da gestão das tarefas e da comunicação com os pares em contexto profissional que está centrada a predominância do seu uso; apenas oito professores não utilizam o telemóvel na gestão das tarefas profissionais e quatro acreditam que o seu uso deveria restringir-se à comunicação com os pares. É de realçar que, no caso dos professores que se afastam da possibilidade de recorrer às tecnologias num âmbito profissional, as utilizam, no entanto, em esferas privadas, quer para comunicação, quer para atividades de lazer, afastando, desde logo, a ideia de que existe pouca familiaridade por parte dos professores veteranos com as tecnologias.
O conjunto de questões destinadas a conhecer as crenças dos professores, relativamente à integração dos telemóveis nos processos pedagógicos, permitiu-nos constatar que a maioria dos inquiridos reconhece o potencial deste recurso na dinamização de atividades de ensino e aprendizagem. De certa forma, trata-se de uma resposta esperada, se tivermos em conta que estamos em presença de um conjunto de professores que se inscreveram numa ação de formação direcionada para a utilização de tecnologias móveis nas atividades pedagógicas.
Todavia, importa realçar que, mesmo perante um cenário propício ao reconhecimento, pelos professores, das potencialidades resultantes da mobilização das tecnologias móveis em educação, tal cenário não se estrutura na ausência de dilemas e anseios acerca dessa mobilização. Aliás, quando os professores foram desafiados a posicionar-se perante as seguintes afirmações - “Os dispositivos móveis podem ser utilizados nas atividades escolares”, “Vejo os dispositivos móveis como um recurso que deverá ser explorado” e “Deveria haver uma maior utilização dos dispositivos móveis como recurso de apoio às atividades e aprendizagens escolares” -, a maioria (57 professores) concordou com essas afirmações. Por outro lado, quando confrontados com a questão “Utilizar o telemóvel em atividades na sala de aula distrai os alunos e perturba as atividades escolares”, 15 participantes não se posicionaram nem afirmativamente nem negativamente e dois professores concordaram com a afirmação.
No campo dos constrangimentos relativamente ao uso dos telemóveis, 33 participantes referem o risco de uma utilização indevida por parte dos alunos, com destaque para a possibilidade de serem “um fator de distração” ou um meio de “captar e disseminar imagens e sons para prejudicar os professores/colegas”. Os professores temem que os alunos naveguem por páginas inadequadas e impróprias, afastando-se das atividades propostas, fazendo emergir uma série de preocupações éticas que podem colocar em causa o próprio exercício profissional desses docentes. No fundo, em ligação com a literatura, podemos afirmar que, do ponto de vista dos professores, o dilema do recurso à tecnologia se relaciona com o efeito centrífugo da sua utilização (Daniela, 2019), ou seja, o afastamento inadequado das ferramentas dos seus propósitos pedagógicos. Tal constatação revela, ainda, a importância da rede no desenvolvimento de uma cultura de inovação (Willness & Bruni-Bossio, 2017). O trabalho que se realiza em colaboração com os pares e é sustentado, sistematicamente, ao nível da escola, tem mais possibilidades de enraizamento. Além disso, é fundamental em processos de experimentação ou fases de realização (Leahy et al., 2019), porque estimula a colaboração e promove o sentimento de confiança dos professores (Bingimlas, 2009).
Independentemente dos constrangimentos que possam existir, as respostas aos questionários permitem constatar que os professores estão dispostos a enveredar pela utilização das tecnologias com finalidades pedagógicas. Além disso, essa predisposição relaciona-se com um trabalho já iniciado, dos 65 professores, tendo 57 afirmado que utilizam ou utilizaram as tecnologias com fins pedagógicos. O que se coloca em causa, no sentido de avançar, é a necessidade de maior formação para promover o domínio, a nível das competências, no manuseamento das ferramentas (Camilleri & Camilleri, 2017; Louws et al., 2017). Uma necessidade que se transforma em motivação, como veremos de seguida, relativamente à participação na ação de formação, que é o ponto de encontro dos participantes na investigação abordada neste artigo.
5.2 Professores Veteranos E Formação: Razões Para Avançar
A emergência da inovação em contexto educativo, sobretudo no que concerne ao recurso às tecnologias, é amplamente associada à necessidade de promover competências, sobretudo a nível técnico, por parte dos professores (Camilleri & Camilleri, 2017; Leahy et al., 2019; Louws et al., 2017; Thomas Dotta et al., 2019). Para além do desenvolvimento de competências, é preciso identificar as necessidades específicas de cada grupo-alvo, de modo a orientar as ações de acordo com as especificidades dos professores interessados (Bingimlas, 2009). Este foi um dos pressupostos que esteve na base da organização das ações de formação para os professores com mais de 50 anos, no âmbito do projeto Rekindle+50.
A questão que se colocou, no contexto de uma investigação sobre a mudança das práticas, é a seguinte: Por que razões é que os professores veteranos procuraram participar nesta formação? A resposta resulta da análise das reflexões dos professores e desdobra-se em três dimensões: desenvolvimento profissional; relação educativa e relação pedagógica.
No tocante à motivação, neste caso associada ao sentimento de desenvolvimento profissional, os professores consideram a ação de formação como um recurso para o desenvolvimento de competências. Na perspetiva da professora Maria1, “Parar é morrer”, o que permite inferir que recursar o contacto com novas formas de inovar, neste caso através da tecnologia, é assumir que o desejo de continuar a exercer a profissão terminou. Nesta ordem de ideias, estamos perante uma conceção de formação que se ancora na atualização de competências, como forma de continuar a ser um profissional relevante. Assumindo-se como agentes estratégicos de decisão curricular (Morgado, 2017), os professores que estão imbuídos do desejo de “não parar”, procuram desenvolver competências bastante específicas, de caráter mais técnico, ainda que se relacionem com questões pedagógicas. Daí que assumam a ação de formação como “a aquisição de conhecimentos na área das tecnologias e da pedagogia” (Marta) e “oportunidade de conhecer outras ferramentas, partilhar experiências” (Fátima).
Uma segunda motivação, associada à relação educativa, diz respeito à necessidade de diminuir a distância entre os interesses e as linguagens dos professores dos que são próprios dos estudantes, fortalecendo, assim, a relação professor-estudante. Além disso, ao associarem a formação à melhoria da relação com os estudantes, os professores acabam, também, por dar resposta a uma necessidade que, mais recentemente, tem perpassado o cenário educativo: o desenvolvimento de uma cultura de aprendizagem centrada no estudante (Gros, 2016; Lister, 2018). É com base numa orientação desta natureza que a professora Joyce justifica a sua presença na ação de formação, alegando que gostaria de “aprender algo novo, que vá ao encontro dos gostos dos alunos e os ajude a aprender”. Em idêntica linha de pensamento, outros docentes relevam a importância das tecnologias e dos seus contributos para o desenvolvimento atual e futuro dos jovens: “A expectativa inicial passa pela possibilidade de aprender mais no sentido de ajudar os jovens de hoje a aceder às melhores aprendizagens de forma a capacitá-los para um futuro de mais oportunidades” (Carolina) e “Proporcionar aos alunos uma aprendizagem mais interessante indo ao encontro da era digital da qual eles fazem parte!” (Nara).
Finalmente, com justificações na esteira das anteriores, é referida uma outra dimensão: a relação pedagógica. Trata-se de uma dimensão que difere das demais, sobretudo por acentuar a valorização dos processos de ensino e aprendizagem e as metodologias utilizadas na sua concretização, tornando-as mais eficientes pelo recurso à tecnologia. Assim, no âmbito da relação pedagógica, o domínio de novas técnicas está relacionado com o aumento da atratividade das aulas, podendo, inclusive, ser utilizado como estratégia de combate à indisciplina. Assim se compreende que a professora Alice afirme que o seu interesse na formação se justificou por querer “(re)aprender a utilizar aplicações móveis que permitam lecionar e consolidar os conteúdos programáticos e conhecimentos de forma mais motivadora e mais interessante”. Trata-se de um desejo comum a outros docentes, que consideram que a tecnologia pode tornar as dinâmicas educativas mais eficientes e simples: “Interesso-me por esta temática pois reconheço-lhe grande potencial didático e pedagógico.” (André). “Sinto necessidade de conhecer novos métodos que poderão vir a ser facilitadores do processo de ensino/aprendizagem e simplificadores da dinâmica necessária ao contexto da sala de aula.” (Miriam).
Em suma, constatamos que as motivações dos professores veteranos, relativamente à formação, se encontram em sintonia com os valores associados à tridimensionalidade da relação pedagógica em educação. Pesem embora os diferentes motivos que estão na base das suas justificações, refletidas em torno da tríade Professores (desenvolvimento profissional), Estudantes (relação educativa) e Património Cultural (relação pedagógica) (Freires, 2019), parece prevalecer um reconhecimento mútuo: as tecnologias vieram para ficar e já não podem ser ignoradas.
Além disso, não podemos deixar de realçar o protagonismo que os professores veteranos têm assumido perante este cenário, o que contribuiu para diluir o mito de que, como veteranos, os professores seriam inaptos ou estariam desinteressados pelas transformações educativas que se têm realizado, essencialmente, com o contributo das tecnologias (Thomas Dotta et al., 2019).
5.3 Professores Veteranos E O Dia Seguinte: Os Efeitos Da Formação
Assumindo a inevitabilidade da inovação em educação e o contributo que as tecnologias têm propiciado para esse processo, se existia alguma dúvida sobre a importância das ações de formação nesse domínio, estamos convictos de que os acontecimentos mais marcantes no ano de 2020 diluíram quaisquer convicções que existissem a esse respeito. A coincidência temporal entre as segundas oficinas pedagógicas, realizadas no âmbito do projeto Rekindle+50, e a emergência de uma crise pandémica que exigiu do Governo medidas de confinamento e o encerramento das escolas, obrigando os sistemas educativos a recorrer ao “Ensino Remoto de Emergência”, contribuiu para realçar quer o lugar das tecnologias na sociedade contemporânea (Schwab, 2016), sem as quais o isolamento seria muito maior, quer as suas potencialidades como ferramenta de mediação pedagógica. Assim, a análise das perceções dos professores, sobre os efeitos da formação que realizaram na sua prática profissional, não pode deixar de referir que esta experiência, em contexto alargado, contribuiu e influenciou, em boa medida, a forma como os professores - especificamente os que frequentaram a segunda ação de formação - reequacionaram os seus percursos de formação e reordenaram as suas prioridades de aprendizagem.
O ponto de partida, crucial e idiossincrático, para repensar os efeitos da formação não pode dissociar-se do perfil dos formandos. Os professores veteranos que participaram na ação de formação em causa, ao contrário do que, em termos gerais, se poderia pressupor, não se consideram marginalizados em termos digitais (Talaee & Noroozi, 2019; Thomas Dotta et al., 2019). Aliás, como foi demonstrado tanto no domínio das suas perceções como da utilização das tecnologias, um dos maiores interesses destes professores passava por dar o salto da manipulação pessoal e desinteressada das ferramentas para a sua apropriação como instrumento pedagógico, o que lhes permitiria desenvolver práticas mais coesas (Earle, 2002). Talvez, por isso, o primeiro - e mais consistente - conjunto de efeitos da formação se relacione com o desenvolvimento de competências, ora técnicas, ora pedagógicas. É nesse sentido que, por exemplo, a professora Joana sustenta que a formação a tornou “mais confiante no uso das tecnologias digitais. Fomentou o desejo pessoal de ser mais criativa, motivadora e dinâmica”. De igual modo, outros depoimentos ressaltaram o enriquecimento profissional, que não pode dissociar-se de um crescendo em confiança: “Sinto-me, agora, mais confiante para a sua utilização frequente na minha sala de aula e aberta ao conhecimento e aprendizagem de outras que proporcionem ambientes educativos inovadores.” (Raquel).
A confiança, como elemento central na adesão dos professores a práticas pedagógicas integradoras da tecnologia (Bingimlas, 2009; Chandra & Mills, 2015; Lakkala & Ilomaki, 2015; Orlando, 2014b), é uma caraterística que sobressai na avaliação dos participantes acerca da sua atuação profissional, sobretudo a partir da ação de formação, reforçando, também, a importância de um conhecimento prévio e que abrange um vasto domínio - o do conhecimento pedagógico. O domínio do conhecimento pedagógico, reconhecido como um importante referente na formação inicial, justifica-se pela sua ação (prolongada) no terreno. Assim, os professores veteranos veem a sua idade e a sua experiência profissional como aliados e não como um obstáculo (Morgado et al., 2021). Esta confiança é corroborada pelo discurso dos professores que participaram na segunda ação de formação, com uma especificidade - o domínio da tecnologia passou de mera ‘opção’ para uma situação de ‘obrigação’, sobretudo por causa da crise pandémica. Daí que, ao reconhecerem os efeitos da formação, estes professores os relacionem com uma experiência abrupta de transformação pedagógica (Leahy et al., 2019). Os professores foram, de facto, confrontados com uma realidade incontornável:
Tendo em conta o contexto atual de ensino à distância, o que aprendi na Oficina, tanto a nível de metodologias de ensino como de novas ferramentas tecnológicas, foi de particular importância, pois houve mesmo necessidade de aplicar estes novos conhecimentos (Daniela)
Numa outra dimensão, a perceção de eventuais efeitos da formação inscreve-se no domínio mais lato da atuação profissional, para além da especificidade pedagógica das tecnologias. Tal empreendimento permitiu constatar que, nessa perspetiva, a influência da formação é limitada. É nesse sentido que a professora Vanessa considera que se pode admitir um possível reencantamento do exercício profissional, “muito embora, como uma chama trémula”, uma vez que, atualmente, se sente como “um pequeno farol, funcionando à distância”. O discurso predominante por parte dos professores, no domínio do reencantamento, é o de que nunca se chegou a um total desencanto, daí que a ação se desdobre mais numa lógica de reencantar outros atores educativos, nomeadamente os estudantes:
O reencantamento, neste contexto, visou claramente os alunos! Tendo em atenção as metas, o programa e as aprendizagens essenciais e os alunos que tinha, percebi, no início do ano letivo, que o desafio seria grande e que para os motivar e obter resultados interessantes, teria de fazer, forçosamente, aulas diferentes, e que os meus skills digitais certamente seriam importantes (Luciana)
A mensagem que sobressai, no contexto dos efeitos da formação no desempenho da função docente, tem uma direção clara, uma direção de futuro, fundada numa dimensão de movimento. Para regressar à justificação dada por uma das participantes de que “parar é morrer”, o envolvimento dos professores na ação Rekindle+50 e sua respetiva reflexão acerca desta jornada permitem-nos identificar duas premissas. A primeira, relativa à inevitabilidade da mudança em educação, um processo que não pode eximir-se do recurso a novas ferramentas e a tecnologias - digitais, móveis, inteligentes. Inscreve-se no reconhecimento de que o mundo da escola não se pode alhear do mundo da vida (Baruch & Erstad, 2018; Camilleri & Camilleri, 2017). A segunda, referente ao facto de os professores veteranos manterem o fôlego e estarem preparados para reorganizar os seus percursos profissionais e (re)significar as suas práticas. Nesse sentido, o importante é serem reconhecidos como agentes efetivos desta mudança e parte integrante da sua elaboração (Morgado, 2017; Orlando, 2014b). A mudança, sabem os professores, não está fundada no tempo futuro. Ela vive-se no aqui e agora.
Analisadas as questões de investigação em torno das quais estruturámos este texto, importa salientar a predisposição dos professores para usarem as tecnologias móveis com finalidades pedagógicas, independentemente dos possíveis constrangimentos que possam, eventualmente, possuir acerca da sua manipulação na sala de aulas. O facto de tais tecnologias poderem ser um estímulo facilitador das aprendizagens dos estudantes reforça, por si só, essa abertura por parte dos docentes. Assim se compreende que os professores reconheçam a pertinência da formação nesta área, uma vez que consideram que a mesma contribui para fazerem das tecnologias móveis um recurso propício para o desenvolvimento de competências e um artefacto facilitador da inovação curricular nas escolas. No fundo, um conjunto de aspetos que, inevitavelmente, contribuirá para o seu desenvolvimento profissional.
6. Considerações Finais
Em jeito de balanço final e tendo em conta, como refere Zabalza (2006), que a aprendizagem dos alunos é influenciada, de forma significativa, pelos estilos e métodos de ensino dos professores, mas também pelas características e pelos estilos cognitivos de aprendizagem dos alunos, isto é, pela relação entre uma dimensão mais externa - de cariz contextual - e uma mais dimensão interna - de cariz pessoal -, consideramos oportuno elencar duas ou três notas mais relevantes da formação que realizámos e que, inevitavelmente, influenciarão essa relação, sobretudo se tivermos em conta as mudanças que perpassam a sociedade atual.
A leitura de sociedade que aqui expressamos passa pelo reconhecimento, como reitera Schwab (2016), de que vivemos num mundo cada vez mais estruturado e movido pela tecnologia, no contexto do que designa por “Quarta Revolução Industrial”, para se referir a um paradigma em que os sistemas de fabricação virtuais e físicos passaram a cooperar de forma intensa e flexível entre si, gerando, de forma acelerada, profundas transformações tecnológicas, económicas e sociais. Por isso, parece-nos imprescindível, mas também inevitável, que a educação abrace essa revolução, de modo a contribuir para a preparação de cidadãos plenos, capazes de responder às exigências caraterísticas do século em que estamos.
Todavia, não podemos deixar de reconhecer que existem vários desafios a que é necessário dar resposta, para que a missão educativa se possa concretizar da forma mais cabal possível. De entre esses desafios, salienta-se a necessidade de assegurar uma formação contínua atualizada e de qualidade aos professores veteranos para que, apoiados na sua bagagem profissional, possam continuar a desempenhar funções de forma concatenada com as atuais expetativas sociais sobre a escola e o serviço educativo que presta aos cidadãos. Mais do que um desafio, trata-se de um compromisso fundamental, sobretudo em países como Portugal, onde o envelhecimento do corpo docente é um fator deveras marcante.
No espectro do referido compromisso, as ações de formação realizadas no âmbito do projeto Rekindle+50 representam pequeníssimas gotas de água num oceano que urge preservar. No entanto, a partir da experiência que realizámos e dos dados que partilhámos, importa destacar algumas considerações que consideramos mais relevantes.
Em primeiro lugar, é importante referir que os perfis dos professores veteranos são distintos, o que nos permite, desde logo, inferir que o tempo de serviço é, sobretudo, um elemento de convergência profissional. A esse respeito, importa ressaltar que as ações de formação destinadas a este tipo de público devem respeitar essa diversidade, embora sem deixar de reconhecer que a literatura focalizada na relação com a tecnologia considera que uma iniciativa deste género, para ser bem-sucedida, deve ter em conta o perfil e as expetativas desses professores.
Em segundo lugar, é necessário salientar o contributo das redes de colaboração numa cultura de inovação. Como argumentámos ao longo do texto, o enraizamento da mudança das práticas é influenciado pelo trabalho colaborativo e pelo apoio entre pares. Por último, é preciso que os sentidos desta inovação/mudança se construam perante as agências das diferentes partes envolvidas. Novamente, com recurso à literatura, recordamos que o eventual cansaço ou a sensação de recusa à mudança, no campo educativo, se pode ficar a dever mais à forma como essa mudança se processa, do que ao(s) sentido(s) que essa mudança transporta. Assim se compreende a necessidade de os professores, veteranos ou não, estarem na linha da frente dos processos e práticas de mudança, ou melhor, dos movimentos de inovação.
Por fim, importa deixar um alerta que nos ajude a clarificar o propósito das considerações finais que acabamos de partilhar. Uma vez que se trata de um estudo qualitativo, restrito a um conjunto de professores bastante limitado, é necessário contextualizar as afirmações que aqui se foram tecendo, o que revela algum cuidado da nossa parte. O facto de o conjunto de professores que participaram no estudo não ser representativo de um grupo ativo e interessado na mudança e revitalização das suas práticas não nos permite transpor os resultados para um cenário mais lato; estamos a falar de uma investigação que envolveu menos de cem professores. Todavia, as perspetivas apresentadas, quer ao nível das suas relações com as tecnologias, que da motivação para frequentar uma ação de formação nesse domínio, quer, ainda, da disponibilidade para incorporar os efeitos dessa formação nas suas práticas quotidianas, exigem que se revalorize o seu trabalho e se melhore a visão, tantas vezes reducionista, acerca do seu perfil e da sua atuação. É que, se, por um lado, a inovação é inevitável, por outro, ela não se constrói por defeito. Por isso, é necessário compreender e valorizar o trabalho dos atores do jogo educativo para, a partir daí, se conseguir uma chama menos trémula.