1. INTRODUÇÃO
Na mira do sucesso educativo e da inclusão de todos os alunos, independentemente das dificuldades que apresentam no acesso ao currículo e das consequentes adaptações curriculares necessárias, surgiu a Autonomia e Flexibilidade Curricular (AFC), destacando-se o papel preconizado pelo Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018) e pelo seu propínquo, o Decreto-Lei n.º 54/18, de 6 de julho (2018). De facto, hoje em dia não é possível continuar a negar-se a heterogeneidade das organizações educativas, pelo que “havendo desigualdades e sendo a sociedade humana imperfeita, não se adota uma fórmula única, mas favorece-se a complementaridade e o enriquecimento mútuo entre os cidadãos” (Martins et al., 2017, p. 5).
Em abono da verdade, a AFC constitui um desafio para consagrar a plena autonomia na gestão curricular, a flexibilidade, a capacidade de inovar e a diferenciação pedagógica (Lima, 2020), pelo que a dupla legislativa supramencionada estimula as escolas a agirem fora da sua zona de conforto (Lagarto & Alaíz, 2019). Evidentemente que estes desafios não são de agora, pois têm-se vindo a observar nas preocupações existentes nas políticas públicas das últimas décadas (Fraga, 2019; Lima, 2020), embora sem o sucesso ainda desejado (Verdasca, 2013). Sublinha-se que a autonomia é um instrumento para melhorar a qualidade da educação (Barroso, 2004, 2005; Formosinho et al., 2010), contrariando as escolas em que predomina o telecomando por controlo remoto (Formosinho et al., 2005). Cada espaço escolar constitui uma realidade única e ecológica (Fullan, 2003), pelo que, entre outros aspetos, é inquestionável a premência da autonomia na flexibilização do currículo.
A AFC deve ser considerada como uma oportunidade para a escola se reconstruir, tendo em conta o seu desígnio cultural e inclusivo, sendo simultaneamente congruente com os valores próprios de uma sociedade democrática (Cosme et al., 2018). Outrossim, está intimamente relacionada com a inovação do nosso sistema educativo (e.g., Cohen & Fradique, 2018; Cosme, 2018; Morgado & Silva, 2018), referindo-se que existem três dimensões inerentes a todos os processos de inovação: a utilização de novos materiais ou recursos educativos; a implementação de novas abordagens e metodologias de ensino; e a modificação de convicções (Fullan, 2003). É nesta terceira premissa que este trabalho de investigação pretende incidir, emergindo a questão de partida norteadora da investigação: qual é a perceção dos docentes acerca das funções do diretor na implementação da AFC?
Este tema é de capital importância, na medida em que as escolas não se transformam por decreto (Formosinho & Machado, 2008; Lima, 2009, 2020), anuindo-se que todas são distintas e, embora os seus atores estejam subordinados e condicionados, não estão determinados (Lima, 2020). Adicionalmente, embora seja relativamente fácil propor mudanças na escola, é difícil implementá-las e extraordinariamente difícil sustentá-las, dependendo sempre de uma liderança de sucesso, da sua sustentabilidade e da sucessão da própria liderança (Hargreaves & Fink, 2004, 2007). Por conseguinte, é necessária a envolvência de diversos agentes educativos na implementação da AFC (e.g., Cohen & Fradique, 2018; Cosme, 2018), dos quais se destacam os diretores dos agrupamentos de escolas/escolas não grupadas, doravante designados por escolas.
2. AUTONOMIA E FLEXIBILIDADE CURRICUCLAR E LIDERANÇA DOS DIRETORES
O conceito de AFC, que apela à inovação pedagógica e à mudança educativa, só faz sentido se for contextualizado e articulado com a própria realidade educativa, pautando-se pela diferenciação e autonomia (Morgado & Silva, 2018). Promover o sucesso educativo estará relacionado com a autonomia que a escola exerce ao nível da flexibilidade do currículo nacional que, no entender de Roldão (2009), se traduz no conjunto de aprendizagens julgadas como socialmente importantes e necessárias a uma determinada sociedade, num determinado momento. Por outras palavras, o currículo é a amálgama de conhecimentos, valores, capacidades e competências, consignando a organização, a sequência e os meios necessários para o seu desenvolvimento e concretização (Morgado & Silva, 2018).
Face à heterogeneidade dos alunos, o currículo deve ser aberto, dinâmico, modificável e evolutivo (Sá-Chaves, 2007), não podendo continuar a ser o currículo uniforme e pronto a vestir, de tamanho único ou estandardizado, emanado pelos serviços centrais (Formosinho & Machado, 2008) ou gerido de modo prescrito e burocrático (Cosme, 2018), pois as respostas uníssonas não servem às escolas (Morgado & Silva, 2018). Por conseguinte, o currículo não se traduz num conjunto de orientações rígidas e prescritivas, devendo a sua concretização traduzir-se num processo flexível, que subjaz a interpretação pessoal, os recursos disponíveis e as tomadas de decisão de cada contexto (Pereira & Brazão, 2013). Assim, a flexibilidade curricular permite repensar a reorganização do currículo, articulando as disciplinas e originando áreas e contextos de construção do conhecimento (Lagarto & Alaíz, 2019), bem como criar aprendizagens significativas e empoderadoras, tendo como base a relação entre os alunos e o património cultural da ação pedagógica (Cosme, 2018).
Acrescenta-se que a autonomia de gestão curricular pretende que o currículo nacional seja adaptado às características e necessidades dos alunos, assim como às especificidades do meio envolvente à escola, pressupondo a definição de linhas de ação e a introdução de novas temáticas contextualizadas (Morgado, 2011). Contudo, não se deve confundir autonomia curricular (i.e., autonomia na conceção, envolvendo a coautoria com o poder central), com autonomia de gestão curricular (i.e., envolve os meios, a execução e a operacionalização mais contextualizadas do currículo nacional, com uma natureza técnico-instrumental e execução subordinada), observando-se que a segunda é influenciada e comandada pela primeira (Lima, 2020). Note-se que, atualmente, a legislação em vigor oferece um currículo nuclear comum prescrito a nível nacional, competindo a cada escola o emagrecimento curricular, em que o enciclopedismo é substituído pelos saberes essenciais estruturantes (Roldão & Almeida, 2018).
Destarte, a autonomia das escolas ao nível das decisões curriculares, gerindo o currículo de forma flexível e contextualizada aos seus contextos específicos de aprendizagem, tem vindo a ganhar ênfase na atualidade educativa, evocando-se o Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018), que considera a AFC como a
faculdade conferida à escola para gerir o currículo dos ensinos básico e secundário, partindo das matrizes curriculares-base, assente na possibilidade de enriquecimento do currículo com os conhecimentos, capacidades e atitudes que contribuam para alcançar as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (artigo 3.º, alínea c).
Conforme está expresso no artigo 12.º da legislação em apreço, as escolas podem gerir até 25% das matrizes curriculares-base, destacando-se que a Portaria n.º 181/19, de 11 de junho (2019), possibilita uma gestão superior a 25%, que se revela ser fundamental para transformar o currículo através da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade (Cohen & Fradique, 2018; Cosme, 2018). Para tal, existem documentos curriculares estruturantes da AFC, dos quais se destacam o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO), as Aprendizagens Essenciais (AE) e a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC). Deste modo, o currículo passa a ser considerado como o conjunto de conhecimentos, capacidades e atitudes expressos nas aprendizagens essenciais, segundo as quais cada contexto educativo define as suas opções curriculares com vista à aquisição do PASEO (Cosme, 2018).
O PASEO define os princípios, a visão, os valores e as áreas de competências para as escolas e ofertas educativas ao longo da escolaridade obrigatória, pretendendo concetualizar um perfil que todos possam atingir com qualidade (Martins et al., 2017). As AE constituem os conhecimentos, as capacidades e as atitudes considerados indispensáveis para todos os alunos e que devem ser trabalhos, obrigatoriamente, em cada área disciplinar ou disciplina, tendo em consideração o ano de escolaridade ou de formação (Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho, 2018). Segundo o mesmo diploma legal, a ENEC “visa o desenvolvimento de competências para uma cultura de democracia e aprendizagens com impacto na atitude cívica individual, no relacionamento interpessoal e no relacionamento social e intercultural” (artigo 3.º, alínea g).
A autonomia ao nível da gestão curricular não se pode circunscrever ao ensino e à aprendizagem, relacionando-se inevitavelmente com a avaliação das aprendizagens (Lagarto & Alaíz, 2019). Por conseguinte, o currículo e a avaliação não são estanques, nem processos separados, mas componentes integradas de um mesmo sistema, devendo as escolas especificar as características do processo de avaliação (Cid & Fialho, 2011; Cosme, 2018; Fernandes, 2021; Lagarto & Alaíz, 2019; Roldão & Almeida, 2018). Daí que se fale da avaliação pedagógica, entendida como um processo mediante o qual docentes e discentes recolhem, analisam, interpretam, discutem e utilizam informações referentes à aprendizagem, recolhendo evidências diversificadas (Fernandes, 2021). Outrossim, no Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018) enfatiza-se o caráter formativo da avaliação, para que os alunos consigam adquirir os conhecimentos, capacidades e atitudes previstos no PASEO, enfatizando que, tanto nesta modalidade, como na avaliação sumativa, se devem diversificar os procedimentos e os instrumentos (Cosme, 2018; Fernandes, 2021).
Outro aspeto salientado pelo Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018), é a necessidade de se constituírem equipas educativas por conselho de turma, por um grupo de turmas ou por ano de escolaridade, trabalhando de forma colaborativa para definir o trabalho de natureza interdisciplinar, transdisciplinar e de articulação disciplinar, baseado nas especificidades das turmas e dos alunos. Este procedimento evoca a importância do trabalho colaborativo, enfatizando-se as suas diversas vantagens: planificação conjunta das atividades; partilha de recursos didáticos e/ou procedimentos de gestão do currículo; diversificação de estratégias pedagógicas; experimentação de novas práticas; articulação de diferentes experiências e perspetivas; maior criatividade, inovação e eficácia na resolução dos problemas; criação de uma rede de apoio que incrementa a confiança e autoeficácia; responsabilização, negociação e tomada de decisões conjunta; melhoria do conhecimento profissional; e maior eficácia do desempenho (Cosme, 2018; Formosinho & Machado, 2008; Fraga, 2019; Morgado & Silva, 2018; Palmeirão & Alves, 2017).
São as equipas educativas que definem as dinâmicas de trabalho pedagógico adequadas a cada turma e aluno, mas também são responsáveis por operacionalizar uma das opções curriculares mais inovadoras preconizadas pela legislação da AFC. Estamos a referir-nos aos Domínios de Autonomia Curricular (DAC) que, tendo em conta as AE de diferentes áreas disciplinares, consistem na definição de áreas de confluência de trabalho interdisciplinar, transdisciplinar e ou de articulação curricular (Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho, 2018). Realça-se que será o Projeto Educativo (PE) a consagrar as opções estruturantes de natureza curricular de cada escola.
Acrescenta-se que o PE é, igualmente, o espelho da principal meta da AFC prevista na legislação em vigor, ou seja, a educação inclusiva. Assim, almeja-se a equidade e a não discriminação, pelo que a “diversidade, flexibilidade, inovação e personalização respondem à heterogeneidade dos alunos, eliminando obstáculos e estereótipos no acesso ao currículo e às aprendizagens, assente numa abordagem multinível, que integra medidas universais, seletivas e adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão” (Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho, 2018, artigo 4.º, alínea c). Indubitavelmente, o maior propósito das escolas passa por conseguir incluir todos os alunos, independentemente das dificuldades que apresentam no acesso ao currículo, potenciando aprendizagens significativas assentes nos talentos e nos sonhos pessoais dos alunos e conducentes a uma maior qualidade de vida (Simões, 2016).
Congregar a AFC ao serviço da educação inclusiva, pressupõe uma visão abrangente da escola, onde todos os atores têm um papel e uma voz ativa na efetivação da equidade. A liderança do diretor influencia todos os atores organizacionais (pessoal docente e não docente), com impacto nos alunos, contribuindo para a inovação das práticas pedagógicas (Arroteia, 2008; Katzenmeyer & Moller, 2009). Dessarte, torna-se imperioso analisar o papel da liderança dos diretores na AFC, pois, entre outros aspetos, esta detém uma função determinante na organização escolar e a forma como estimula (ou não) os seus contextos envolventes e a inovação educativa.
As lideranças são fundamentais para a dinamização de culturas de escola colaborativas e a criação de comunidades escolares aprendentes (Arroteia, 2008), sendo um aspeto decisivo para a ocorrência de transformações no sistema educativo. Deste modo, a qualidade do ensino, da aprendizagem e da avaliação depende da existência de uma liderança escolar exitosa (Pereira, 2020), pelo que os líderes escolares assumem um papel ativo e determinante na AFC (Cohen & Fradique, 2018; Cosme, 2018; Lagarto & Alaíz, 2019; Verdasca, 2013). Sabendo-se que “as lideranças apenas terão de saber regar essas sementes” (Lagarto & Alaíz, 2019, p. 45) de inovação, pretendemos examinar que tipos de lideranças existem nas nossas escolas e qual a sua relação com a AFC?
2.1. LIDERANÇA DOS DIRETORES: QUE ALTERNATIVAS?
Embora persistam alguns rótulos, no contexto educativo, o conceito de gestão está a ser substituído pela conceção de liderança, exigindo uma maior compreensão, habilidade e resiliência para sustentar as organizações educativas (Bush, 2019). Nas escolas portuguesas, a liderança do diretor é caracterizada por ser unipessoal de acordo com o Decreto-Lei n.º 75/08, de 22 de abril (2008) e a sua republicação pelo Decreto-Lei n.º 137/12, de 2 de julho (2012). Não obstante, esta unipessoalidade jamais poderá ser confundida com uma liderança individualista, hierárquica ou um pedestal (e.g., estilo top down), pois a mesma deve ser suportada por múltiplas lideranças educativas, onde impera o trabalho coletivo e uma gestão partilhada (Hargreaves & Fink, 2007; Pereira, 2020), apresentando três dimensões cruciais: influência social, valores e visão (Bush, 2019).
Por conseguinte, as lideranças destes líderes devem ser promotoras de confiança, de encorajamento e da compensação, pautando-se pelo altruísmo, o respeito, a responsabilidade e a ética (Fullan, 2003; Maier, 2002), focando-se mais nos propósitos pedagógicos (Bush, 2019). Destarte, um diretor deve ter capacidades de diálogo, de tomar decisões, de influenciar, de despertar a mudança e a inovação, bem como estimular e coordenar os esforços dos outros para se atingirem os objetivos pretendidos, pelo que tem o papel crucial de mobilizar todos os agentes educativos para a qualidade (Arroteia, 2008; Fullan, 2003; Maier, 2002). Por conseguinte, exercer esta liderança significa ajudar a comunidade educativa a compreender os problemas que enfrenta, ajudá-la a administrar esses problemas e a aprender a conviver com eles, o que se coaduna com quatro atributos: esperança, confiança, piedade e civilidade (Sergiovanni, 2005).
As diferentes formas de liderar têm impacto na escola, sendo emergente analisar os critérios de desempenho das lideranças do diretor, em prol da eficácia da sua atuação (Becker, 2008). Será fundamental que as lideranças se preocupem em apontar o caminho, desafiar o processo, incentivar uma visão partilhada e encorajar os outros (Kouzes & Posner, 2009). Simultaneamente, esta liderança deve ser sustentável, pautando-se pela responsabilidade partilhada, que não esgota indevidamente os recursos humanos ou financeiros, que zela e evita causar danos negativos para a escola e a comunidade envolvente, fomenta a diversidade organizacional que promove boas ideias e práticas de sucesso em comunidades de aprendizagem (Hargreaves & Fink, 2004, 2007).
De facto, existe uma grande panóplia de definições de liderança e respetivas tipologias, enfatizando-se que as lideranças assumem particularidades no contexto educativo (e.g., Bush, 2011, 2019; Costa & Castanheira, 2015; Hallinger, 2003; Neves & Coimbra, 2018; Pereira, 2020). Não obstante, os modelos de liderança escolar traduzem distinções artificiais ou tipologias ideais, que os diretores tendem a incorporar na sua atuação (Bush, 2019). Acrescenta-se que a adequação ou eficácia de um determinado modelo de liderança está ligada a fatores existentes no ambiente externo e no contexto local da escola (Hallinger, 2003).
Apesar da diversidade de definições e nomenclaturas sobre a liderança educativa, observa-se que predominam duas grandes abordagens na literatura: a liderança instrucional e a liderança transformacional (Hallinger, 2003). Embora exista uma variedade de modelos concetuais, destaca-se que o modelo preconizado por Avolio e Bass (2004) e Bass e Avolio (2003) é um dos mais referenciados e estudados em termos internacionais (e.g., Antonakis et al., 2003), tendo sido aplicado à liderança dos diretores escolares portugueses (Castanheira & Costa, 2011; Cunha & Costa, 2008; Neves & Coimbra, 2018). Em certa medida, este interesse está muito relacionado com a liderança transformacional, que tem vindo a ganhar um relevo especial (Castanheira & Costa, 2011; Cunha & Costa, 2008; Neves & Coimbra, 2018; Pereira, 2020) pelos efeitos favoráveis que apresenta ao nível da motivação, do comprometimento, da satisfação, da cidadania e do desempenho organizacional dos liderados (Avolio & Bass, 2004; Castanheira & Costa, 2011; Leithwood et al., 1994; Maheshwari, 2021). O modelo é composto por três tipos de liderança (i.e., transformacional, transacional e laissez-faire) e pelos resultados da liderança (esforço extra, eficácia e satisfação - Avolio & Bass, 2004; Bass & Avolio, 2003).
De acordo com o paradigma de liderança selecionado para o presente estudo, o líder transformacional é proativo, inspira confiança, motiva os demais, o que se reflete no aumento do compromisso que os outros assumem e no desempenho para atingir as metas, tendo como referência a visão e a missão da organização (Avolio & Bass, 2004; Bass & Avolio, 2003). A liderança transacional é caracterizada pela utilização de recompensas e/ou punições contingentes, enquanto que a liderança laissez-faire se pauta pela ausência de liderança (Bass & Avolio, 2003).
A investigação tem revelado que, em Portugal, a liderança dos diretores de escola é maioritariamente transformacional e transacional (Castanheira & Costa, 2011; Cunha & Costa, 2008; Neves & Coimbra, 2018), não havendo diferenças estatísticas significativas entre estas duas tipologias (Castanheira & Costa, 2011). Será, pois, relevante equacionarmos que a liderança escolar não se pode centrar somente na gestão, devendo o seu âmago passar pelos aspetos pedagógicos que contribuem para que os alunos aprendam e se desenvolvam enquanto seres sociais (Bush, 2019; Hargreaves & Fink, 2007; Pereira, 2020), advogando-se a centralidade da liderança do diretor para estimular a AFC.
3. METODOLOGIA
Tendo-se como objetivo geral analisar a perceção dos docentes sobre a relação entre a AFC e a liderança do diretor, foram definidos os seguintes objetivos específicos: (a) conhecer a perceção dos professores sobre a forma como o diretor está a implementar o Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018); (b) compreender a perceção dos professores sobre o papel do diretor na implementação da AFC; (c) averiguar a perceção dos professores sobre a liderança exercida pelo diretor; e (d) analisar se a liderança transformacional é preditora da gestão das matrizes curriculares-base.
3.1. PARTICIPANTES
Foi selecionada uma amostra probabilística, não aleatória, constituída por 172 professores (consultar Tabela 1), 50 do género masculino e 122 do género feminino, cuja idade variou entre os 36 e os 65 anos (M idade=50,7; DP=6,2).
Na Tabela 1 também se observa que a maioria dos participantes tinha licenciatura (n=112; 65,1%), pós-graduação/formação especializada (n=92; 53,5%), pertencia ao quadro de agrupamento/escola (n=123; 71,5%) e exercia funções na zona centro do país (n=103; 59,5%). O tempo de serviço dos participantes oscilou entre os 5 e 47 anos (M=25,5; DP=7,1). Desde 2018, verificou-se que 73 (42,4%) docentes referiram ter frequentado formação sobre a implementação da AFC e 99 (57,6%) não fez qualquer formação neste âmbito.
3.2. INSTRUMENTO DE RECOLHA DE DADOS
O questionário utilizado nesta investigação é constituído por três partes: dados pessoais e profissionais; perceção sobre o papel do diretor na AFC; e a versão portuguesa do Questionário de Liderança Transformacional (QLT) (Neves & Coimbra, 2018). Salienta-se que as questões relativas à perceção sobre o papel do diretor na AFC, segunda parte do questionário, basearam-se no Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018) e em Cohen e Fradique (2018).
A terceira parte do instrumento de recolha de dados inclui o QLT de Bass e Avolio (2003), usando-se a versão validada à liderança dos diretores escolares portugueses (Neves & Coimbra, 2018). Esta escala avalia comportamentos de liderança transformacional, transacional e laissez-faire, bem como os resultados de liderança (i.e., esforço extra, eficácia e satisfação).
O QLT é constituído por quarenta e cinco itens, cotados através de uma escala Likert de 5 pontos (0=nunca; 1=raramente; 2=em algumas situações; 3=na maioria das situações; 4=em todas as situações). A versão portuguesa apresentou valores adequados de consistência interna, nomeadamente: na liderança transformacional α=0,92, na liderança transacional α=0,87 e na liderança laissez-faire α=0,70 (Neves & Coimbra, 2018). Segundo os mesmos autores, da análise fatorial exploratória emergiram três fatores (i.e., liderança transformacional, liderança transacional e liderança laissez-faire), observando-se bons índices de ajustamento na análise fatorial confirmatória.
3.3. PROCEDIMENTOS
Diversos professores foram contactados por mail para colaborar na investigação. O contacto com os respondentes não foi efetuado através dos diretores, dado que a literatura tem revelado que este procedimento inflaciona os resultados (Avolio & Bass, 2004). Os docentes que aceitaram participar contactaram outros colegas por mail e receberam um link para aceder ao questionário acessível no Google Forms, que foi preenchido de forma independente. Foi solicitado, a cada docente, que classificasse todos os itens, respeitando-se também as diretrizes e os procedimentos de administração do QLT (Neves & Coimbra, 2018).
Os princípios éticos preconizados pela Declaração de Helsínquia (World Medical Association, 2008) foram sempre assegurados ao longo do estudo. Todos os participantes foram informados, por mail, sobre os objetivos e procedimentos da investigação. A confidencialidade e o anonimato foram sempre garantidos, salientando-se que cada um era livre de desistir do estudo a qualquer momento.
3.4. ANÁLISE DE DADOS
As análises estatísticas foram realizadas com o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23,0 e a significância estatística foi aceite para o p≤0,001 e p≤0,005.
Inicialmente foram calculadas frequências, percentagens e médias, efetuando-se a análise estatística descritiva. Foi utilizado o teste one-way analysis of variance (ANOVA) para se examinar o impacto do tipo de liderança do diretor na percentagem de gestão das matrizes curriculares-base, realizando-se o teste Scheffé post-hoc para explorar quais eram as médias que diferiam.
Foram, igualmente, calculadas regressões lineares para se examinar se o tipo de liderança é preditor da gestão das matrizes curriculares-base. As variáveis independentes foram a liderança transformacional, a liderança transacional e a liderança laissez-faire. As variáveis dependentes estavam relacionadas com percentagem de gestão da matriz curricular-base. As regressões lineares foram verificadas através dos resíduos estandardizados e da estatística de Durbin-Watson. Assim, as pontuações próximas de 2 foram consideradas como uma auto-correlação nula (Marôco, 2007). O diagnóstico da multicolinearidade entre as variáveis independentes foi determinado através dos fatores de inflação da variância (VIF<5,0) e da tolerância (Tol>0,1; Fox, 1991).
4. RESULTADOS
Conforme se observa na Tabela 2, a maioria dos diretores promove a implementação da AFC (n=135; 78,5%), contempla a abordagem multinível no PE ajustada à aprendizagem e à inclusão de todos os alunos (n=153; 89,0%), promove a reflexão sobre os documentos estruturantes da AFC (n=142; 82,6%) e possibilita a implementação dos DAC (n=154; 89,5%). No entanto, a opção negativa aumenta quando se analisa se: envolve os docentes nas opções curriculares definidas no PE (n=44; 25,6%); constituiu equipas educativas (n=65; 37,8%); atribui tempo para o trabalho colaborativo (n=43; 25,0%); e fomenta a avaliação sustentada na dimensão formativa (n=73; 42,4%), sendo notório que 62,2% (n=107) dos professores não participaram em qualquer reunião com o diretor para planear a gestão do currículo. A maioria dos docentes é de opinião que a AFC não acrescentou novas funções ao diretor (n=122; 70,9%).
Considerando as perceções dos participantes sobre o papel dos diretores na AFC (consultar Tabela 3), o valor médio mais elevado observa-se na implementação da educação inclusiva (n=2,9; DP=1,1), seguindo-se a tomada de decisões ao nível da gramática escolar, facilitadoras da AFC (n=2,5; DP=1,1). Os valores médios mais baixos verificam-se na envolvência dos alunos e encarregados de educação na tomada de decisões (n=2,2; DP=1,2) e na implementação de rotinas de discussão, análise e reflexão (n=2,3; DP=1,2).
Os dados da Tabela 4 revelam que o tipo de liderança dos diretores mais evidenciado foi a liderança transformacional (M=2,3; DP=1,0), seguida pela liderança transacional (M=2,0; DP=0,8) e pela liderança laissez-faire (M=1,3; DP=0,9).
A Tabela 5 sumariza que 63 (36,7%) participantes afirmam que as escolas lideradas pelos diretores têm uma percentagem de gestão das matrizes curriculares-base até 10% e 10 (5,8%) têm uma gestão superior a 25%. Acrescenta-se, igualmente, que a média de gestão das matrizes curriculares-base é de 16,1 (DP=8,8).
A Tabela 6 ilustra que existem diferenças estatisticamente significativas (p=0,000) entre a gestão das matrizes curriculares-base nos diretores com liderança transformacional e liderança transacional. Na liderança transformacional, a média mais elevada encontra-se na gestão da matriz curricular-base entre 26% e 30% (M=2,8; DP=1,3) e a mais baixa entre 0% e 5% (M=1,6; DP=1,0). Na liderança transacional, o valor inferior coincide na percentagem de gestão da matriz curricular-base entre 0% e 5% (M=1,6; DP=0,7) e o valor mais alto observa-se entre 16% e 20% (M=2,4; DP=0,8).
Foram calculadas regressões lineares para se examinar se a tipologia da liderança do diretor é preditora da gestão da matriz curricular-base (consultar Tabela 7). A liderança transformacional revelou ser um fator com uma explicação moderada da gestão das matrizes curriculares-base (β=0,56; p=0,000). De acordo com os critérios de Cohen (1988), os coeficientes de determinação são classificados como pequenos (R 2≥0,02), médios (R 2≥0,13) e grandes (R 2≥0,26). No ponto de vista dos professores, o tipo de liderança explica 13,50% (F(3, 168)=8,761; p≤0,001; R 2=0,14) da gestão da matriz curricular-base.
5. DISCUSSÃO
O primeiro objetivo deste estudo consistiu em conhecer a perceção dos professores sobre a forma como o diretor está a implementar o Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018). Os resultados recolhidos são expressivos de que a grande maioria dos diretores está a promover a implementação da AFC prevista na legislação. Não obstante, de acordo com as perspetivas dos docentes, 21,5% dos diretores não o faz, questionando-se como é que o primeiro rosto da escola pode não se envolver diretamente neste processo de autonomia? Parece que, nestas escolas, a autonomia permanece uma ficção necessária (Barroso, 2004), continuando-se a observar uma ambivalência entre a autonomia decretada e a autonomia observada (Barroso, 2005).
Em consonância com os dados anteriores, a maioria dos diretores incentiva a reflexão sobre a implementação dos documentos estruturantes da AFC, designadamente o PASEO, as AE e a ENEC. Relativamente às opções metodológicas previstas no Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018), os docentes consideram que 89,5% dos diretores impulsionam a implementação dos DAC. Outro aspeto positivo consiste no facto de 50,5% dos diretores fomentarem uma percentagem de gestão das matrizes curriculares-base superiores a 15%, sendo que 5,8% já está a operacionalizar uma gestão superior a 25%, desenvolvendo planos de inovação curricular, pedagógica ou de outros domínios (Portaria n.º 181/19, de 11 de junho, 2019). Também Cosme e colaboradores (2018) referiram que os diretores, sozinhos ou em conjunto com os coordenadores da AFC, têm assumido as rédeas da implementação da AFC nas escolas.
Ainda no cerne da implementação do Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho (2018), 89,0% dos diretores contempla no PE uma abordagem multinível, ajustada à aprendizagem e à inclusão de todos os alunos, tal como também preconizado no Decreto-Lei n.º 54/18, de 6 de julho (2018). Este aspeto ganha ainda mais relevo quando se perspetiva a abordagem multinível como um desafio e uma oportunidade para repensar a realidade escolar, convidando a observar, a avaliar, a equacionar, a reconcetualizar e a reorganizar a escola, a turma, a relação do professor e aluno com o currículo e a avaliação, o tempo de cada aprendizagem e a relação com a comunidade (Gonçalves, 2018).
Deste modo realçamos que a AFC só será uma realidade substantiva se acionarmos a medida universal da diferenciação pedagógica (Decreto-Lei n.º 54/18, de 6 de julho, 2018, artigo 8.º). Destacando-se que a diferenciação pedagógica não pode continuar a ser feita (quando é) em função dos défices/diagnóstico dos alunos (Simões & Santos, 2018), mas dos talentos de cada discente, conduzida por uma planificação centrada no aluno e, por inerência, altamente personalizada (Simões, 2016).
Paradoxalmente, os diretores revelaram uma falta de incentivo, percecionada pelos professores, para fomentarem medidas que estimulam a dimensão formativa da avaliação, sendo a mesma parte integrante do ensino e da aprendizagem. Observou-se que 42,4% dos diretores não o faz. Esta constatação já tinha sido previamente observada nos professores (Cosme et al., 2018), tendo sido referido que não é fácil considerar a operacionalização da avaliação formativa, dado o tipo de conceções e práticas ainda existentes nas escolas.
No entanto, é necessário sublinhar que a legislação em vigor apela à avaliação pedagógica, altamente articulada com o ensino e a aprendizagem (Fernandes, 2021). Cabe às escolas clarificar as características deste processo (Cid & Fialho, 2011; Cosme, 2018; Fernandes, 2021; Lagarto & Alaíz, 2019; Roldão & Almeida, 2018), não podendo o diretor ficar imune à responsabilidade de estimular uma avaliação sustentada pela dimensão formativa, que tem por objetivo a “melhoria baseada num processo contínuo de intervenção pedagógica, em que se explicitam, enquanto referenciais, as aprendizagens, os desempenhos esperados e os procedimentos de avaliação” (Decreto-Lei n.º 55/18, de 6 de julho, 2018, artigo 22.º, ponto 1).
Assinala-se, também, que uma percentagem igual ou superior a 25% dos diretores (1) não envolve os docentes na identificação das opções curriculares definidas no PE, (2) não reuniu com os docentes da escola para planear a gestão do currículo no âmbito da AFC, (3) não constituiu equipas educativas e (4) não atribui tempo na componente não-letiva para o trabalho colaborativo. Estes dados evidenciam dificuldades na concretização de contextos profissionais mais colegiais e democráticos, quer na envolvência ativa dos docentes no desenho das matrizes curriculares-base, quer na implementação do trabalho colaborativo, tão fundamental para a natureza interdisciplinar e transdisciplinar, a articulação disciplinar e a educação em verdadeiros ambientes inclusivos.
Apesar da importância da envolvência dos professores, da constituição de equipas educativas e do trabalho colaborativo (e.g., Cohen & Fradique, 2018; Cosme, 2018; Formosinho & Machado, 2008; Fraga, 2019; Morgado & Silva, 2018; Palmeirão & Alves, 2017), os obstáculos encontrados também foram observados na investigação prévia da AFC (Cosme et al., 2018). Não obstante, a construção e organização dos processos de ensino, aprendizagem e avaliação devem ocorrer de forma participada e numa lógica de cidadania organizacional (Costa & Castanheira, 2015). Colocam-se questões que devem ser seriamente refletidas: qual a saúde da democracia nas escolas portuguesas? como podem os docentes articular, apostar no trabalho colaborativo, na interdisciplinaridade e na transdisciplinaridade, sem tempo no seu horário para tal? é a quantidade (número de horas diretas com alunos) ou a qualidade (sucesso educativo de todos) que deve sobressair do trabalho docente? A colegialidade e a democracia não podem ser somente requeridas ao macrossistema, sendo fulcral que sejam valores concretos e reais no quotidiano das escolas, pois são estas que educam os futuros adultos deste país.
Talvez os desencontros entre o previsto no Decreto-Lei n.º 54/18, de 6 de julho (2018) e as perceções dos docentes sobre a envolvência dos diretores na AFC, justifiquem que a maioria dos participantes tenha considerado que a AFC não acrescentou novas funções aos diretores. Este dado é oposto ao que se tinha inicialmente colocado em hipótese, assente na literatura existente (Cohen & Fradique, 2018; Cosme, 2018).
Quanto ao segundo objetivo da investigação, compreender a perceção dos professores sobre o papel do diretor na implementação da AFC, a maioria preocupa-se com as responsabilidades previstas por Cohen e Fradique (2018), designadamente: (1) esclarecer os propósitos e objetivos organizacionais, (2) implementar rotinas de discussão, análise e reflexão, (3) valorizar a partilha de informação no interior da escola (e.g., divulgação de práticas, problemas e soluções encontradas), (4) mobilizar os parceiros da comunidade para a gestão curricular, (5) envolver os alunos e encarregados de educação na tomada de decisões, (6) implementar mecanismos que garantem a educação inclusiva, (7) tomar decisões ao nível da gramática escolar facilitadoras da AFC (e.g., horários, gestão do crédito horário, gestão de recursos) e (8) promover a realização de formação para capacitar os docentes para a AFC.
É notória a preocupação atual com a educação inclusiva, sendo esta a função do diretor que teve uma média mais elevada. Destaca-se que os diretores devem estar conscientes do seu papel na promoção dos direitos de todos os alunos, pautando o seu comportamento e atitudes pela inclusão e considerando a sua responsabilidade na implementação de culturas e políticas mais inclusivas (Passarudo et al., 2015), transmitindo a todos os docentes uma visão clara do que se pretende com a educação inclusiva (Avissar et al., 2003). Os dados apontam que a segunda preocupação dos diretores passa pela gestão da gramática escolar, sendo este um desafio constante. A logística, o planeamento de horários, a gestão de tempos letivos e a afetação da bolsa de horas não é a parte mais nobre do processo, mas desempenha um papel fundamental para o seu sucesso (Lagarto & Alaíz, 2019). A problemática da falta de recursos físicos e materiais tecnológicos das escolas, bem como o elevado número de alunos por turma são considerados obstáculos à implementação da AFC (Cosme et al., 2018).
Contudo, as atribuições desta liderança de topo com médias mais baixas observaram-se na envolvência dos alunos e encarregados de educação na tomada de decisões e na implementação de rotinas de discussão, análise e reflexão com os docentes da escola. Porém, o diretor deve ter a responsabilidade de auscultar e envolver toda a comunidade educativa (e.g., professores, alunos, encarregados de educação, técnicos, parceiros), reduzindo a possível ansiedade existente e promovendo a sensibilização para a implementação da AFC nas escolas (Cohen & Fradique, 2018), sendo esta mobilização uma das tarefas destes líderes (Lagarto & Alaíz, 2019).
O terceiro objetivo do estudo pretendia averiguar a perceção dos professores sobre a liderança exercida pelo diretor. Relativamente ao tipo de liderança, os resultados do presente estudo acompanham a tendência descrita na literatura sobre os diretores escolares portugueses (Castanheira & Costa, 2011; Cunha & Costa, 2008; Neves & Coimbra, 2018). Na opinião dos docentes, o estilo mais evidenciado pelos diretores foi a liderança transformacional, seguida da liderança transacional e, por último, da liderança laissez-faire. Dito por outras palavras, estes dados significam que os diretores portugueses se aproximam do padrão de liderança recomendado por Avolio e Bass (2004). Para o autor, o perfil optimal engloba poucos comportamentos de liderança laissez-faire, níveis satisfatórios de liderança transacional e comportamentos significativamente mais elevados de liderança transformacional, o que se reflete em níveis superiores de esforço extra, de eficácia e de satisfação.
Outrossim, os líderes mais eficazes tendem a utilizar comportamentos de liderança transformacional e de liderança transacional, observando-se uma interação entre estes dois estilos (Avolio & Bass, 2004). Note-se que enquanto na liderança transacional existe uma relação de troca em função de objetivos contratuais, assente num sistema de recompensas e castigos, havendo uma distribuição e definição de tarefas para se atingirem as metas, na liderança transformacional existe motivação, compromisso, inspiração para se melhorar constantemente o desempenho da escola e se alcançarem metas mais arrojadas (Antonakis et al., 2003; Avolio & Bass, 2004; Bass & Avolio, 2003).
Relativamente ao último objetivo do estudo, os resultados evidenciam que o estilo de liderança transformacional revelou ser um preditor da gestão das matrizes curriculares-base por parte dos diretores, na implementação da AFC. Assente no contributo existente na literatura sobre o impacto positivo da liderança transformacional nas organizações educativas (Avolio & Bass, 2004; Bass & Avolio, 2003; Castanheira & Costa, 2011; Leithwood et al., 1994; Neves & Coimbra, 2018), considerámos que esta repercussão também se iria verificar na gestão da matriz curricular-base. Este estudo corrobora a hipótese de que a liderança transformacional do diretor tem um impacto positivo no aumento da gestão do currículo.
Em jeito de conclusão, esta investigação pretendeu refletir sobre novos caminhos a percorrer pela liderança educativa de topo, tendo em consideração o seu impacto na AFC, repensando-se como os seus atributos influenciam decisivamente a dinâmica organizacional. Apesar de termos focado duas temáticas debatidas ao longo dos últimos anos, a relação encontrada entre o binómio da AFC e da liderança do diretor possibilita reconsiderar a importância das responsabilidades partilhadas que promovem uma escola com mais equidade.
A nossa investigação descreve de que forma o estilo de liderança dos diretores se relaciona com o processo de implementação da AFC. No entanto, o estudo apresenta algumas limitações (e.g., o tamanho da amostra, seria importante também dar voz aos diretores). Infelizmente, não foi possível esta participação, sendo que futuramente a investigação se deve alargar a estes inquiridos e efetuar-se um estudo comparativo ao nível das perceções.