1. INTRODUÇÃO
No início de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a COVID-19 como uma pandemia. Após a vivência dos primeiros meses desta nova pandemia ficou claro que as suas consequências e implicações iriam mudar muito a realidade das nossas vidas. A maioria dos países afetados conseguiu desacelerar o ritmo da propagação do coronavírus, assumindo medidas restritivas muito duras, como a proibição de eventos e reuniões públicas, restrições à circulação, restrições significativas à mobilidade nacional e internacional e o encerramento de locais de trabalho e instituições educacionais (Ahrendt et al., 2020).
Em Portugal, esta realidade foi também vivenciada. O encerramento das Instituições de Ensino Superior (IES) obrigou a uma reorganização e adaptação das estratégias pedagógicas de forma a garantir a continuação do ano letivo e o término dos cursos. Estas mudanças e adaptações foram definitivamente uma forma eficiente de minimizar a propagação do vírus, mas trouxeram muitos desafios para estudantes e professores e, ainda mais, para as suas famílias, amigos, empregadores e, portanto, a sociedade e a economia global (Aristovnik et al., 2020).
Nas IES, especificamente na área da saúde, as alterações pedagógicas mais evidentes foram: a adoção de aulas online, a substituição de ensinos clínicos por outras atividades letivas e a adaptação a ferramentas de avaliação a distância.
Particularmente na Licenciatura em Enfermagem, cujo âmbito e contexto potencia a relação com os utentes e onde os ensinos clínicos assumem um papel preponderante ao longo de toda a formação, as estratégias de adaptação pedagógica implementadas acarretaram um esforço físico, mental e emocional extraordinário para os estudantes, quer pela necessidade de ajuste aos novos veículos de informação/educação e avaliação, quer pela frustração dos planos estabelecidos no início do ano letivo e para o percurso académico.
Na IES onde decorreu o estudo aqui apresentado, as aulas teóricas e as teórico- práticas, a partir de março 2020, foram lecionadas à distância, com recurso ao moodle e ao zoom. As aulas laboratoriais foram reconfiguradas. Procedeu-se à reorganização da turma em grupos mais pequenos (6 alunos), que frequentavam as aulas em modo presencial, mas com horários desfasados, de forma a reduzir o número de estudantes em simultâneo na escola. As reflexões prévias dos casos clínicos a simular e os registos das intervenções foram realizados à distância, via zoom. Estas alterações ocorreram principalmente nos 1º e 2º anos do curso de Enfermagem. No que concerne aos ensinos clínicos que na altura estavam a decorrer, estes foram suspensos, o que implicou, posteriormente, a reformulação das estratégias letivas para a conclusão dos estágios dos 3º e 4º anos, de acordo com as diligências da Ordem dos Enfermeiros, do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e do Presidente do Conselho de Administração da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, no sentido de completar as cargas horárias em falta dos ensinos clínicos.
Previamente ao desenvolvimento deste estudo, realizou-se uma revisão bibliográfica para perceber se já existiam estudos deste género nacionais ou internacionais, nomeadamente, no que concerne a estudantes de cursos de saúde ou, particularmente, de enfermagem. Verificamos uma escassez de estudos publicados neste âmbito, sendo os trabalhos identificados utilizados ao longo deste artigo (Huremović, 2019; Benavente et al., 2020; Xavier et al, 2020).
Esses mesmos estudos evidenciam que os estudantes do ensino superior, em particular os de enfermagem, manifestaram ansiedade, stress e dificuldades financeiras face às mudanças no ensino e à possibilidade de não concluírem o ano letivo (Huremović, 2019; Benavente et al., 2020; Xavier et al, 2020).
Tendo em conta o supracitado, a questão que deu o mote a este estudo foi: Qual o impacto das estratégias de adaptação pedagógica, adotadas no contexto da pandemia de Covid-19, nos estudantes de enfermagem?
Como principais objetivos foram formulados os seguintes:
Identificar o impacto das estratégias de adaptação pedagógica, adotadas no contexto da pandemia de Covid-19, nos estudantes de enfermagem, numa escola de saúde privada, do norte de Portugal.
Identificar propostas de melhoria para as estratégias de adaptação pedagógica, adotadas no contexto da pandemia de Covid-19, sugeridas pelos estudantes de uma escola de saúde privada, do norte de Portugal.
2. MÉTODOS
Desenvolveu-se um estudo de abordagem qualitativa, exploratório e transversal, com recurso a uma amostra não probabilística intencional.
2.1 Participantes
A amostra foi composta por 62 estudantes inscritos nos 1º, 2º e 3º anos do curso de Licenciatura em Enfermagem, de uma Escola Superior de Saúde privada do norte de Portugal, no ano letivo de 2019/2020. Na amostra não foram incluídos os estudantes do 4º ano, pois no período em que decorreu o estudo já se encontravam em situação de licenciados e a iniciar a sua vida profissional.
2.2 Instrumento de recolha de dados
Como instrumento de recolha de dados utilizou-se um questionário online, semiestruturado, composto por duas partes: na primeira, abordou-se a caraterização sociodemográfica dos estudantes (idade, sexo e ano de curso) e, na segunda, colocaram-se 6 questões abertas que visaram avaliar o impacto das estratégias de adaptação pedagógica nos estudantes, a saber: 1) Na sua perspetiva, qual a principal alteração que ocorreu no seu ano curricular devido à pandemia de COVID-19? 2) Indique as 3 principais dificuldades sentidas no processo de adaptação pedagógica devido à pandemia de COVID-19; 3) Indique 2 estratégias que adotou para se adaptar às alterações pedagógicas devido à pandemia de COVID-19; 4) Perante as alterações pedagógicas devido à pandemia de COVID-19 que sentimentos e/ou emoções experienciou?; 5) Na sua perspetiva, as soluções implementadas foram promotoras e facilitadoras da aprendizagem?; e, 6) Se for necessário manter o regime de ensino à distância, que sugestões propõe: a. Para as aulas teóricas e seminários; b. Para as aulas teórico-práticas e orientações tutoriais e c. Para as aulas de práticas laboratoriais.
2.3 Procedimentos
A colheita de dados decorreu durante os meses de setembro e outubro de 2020. Os estudantes foram notificados para a participação no estudo e para o preenchimento do questionário online através da plataforma de e-learning da instituição, sendo-lhes dado inicialmente o prazo de um mês para a participação e, posteriormente, face ao reduzido número de respostas, alargado o prazo para mais 30 dias.
2.4 Questões Éticas
O estudo foi autorizado pela IES onde foi realizado (ESSVA / ENF-VA - 004/20) e pela Comissão de Ética da mesma instituição (ref. N.º CE/IPSN/CESPU-06/21). Ao longo de todo o estudo foram assegurados os princípios éticos de investigação com humanos explanados na Declaração de Helsínquia e a proteção de dados conforme legislação em vigor.
2.5 Análise dos dados
Para a análise dos dados, recorreu-se à análise de conteúdo seguindo as 3 etapas descritas por Bardin (2006): a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Para a exploração dos dados, utilizou-se uma categorização pré-definida de 8 categorias, a saber: (i) alterações pedagógicas mais significativas; (ii) principais dificuldades; (iii) principais estratégias; (iv) emoções e sentimentos experienciados; (v) eficácia das medidas implementadas; (vi) sugestões para as aulas teóricas e seminários; (vii) sugestões para as aulas teórico-práticas e orientações tutoriais e (viii) sugestões para as práticas laboratoriais.
Para a caracterização sociodemográfica dos estudantes utilizou-se estatística descritiva (média, desvio padrão e distribuição de frequências). Para as restantes categorias em estudo, utilizou-se a distribuição de frequências (frequência absoluta e frequência relativa). O software utilizado no tratamento estatístico dos dados foi o Microsoft Excel 2013.
3. RESULTADOS
Participaram no estudo 62 estudantes com uma média de idades de 22.7 anos (DP 5.57), sendo na sua maioria mulheres (53, 85.5%). Responderam estudantes do 1º ano (21, 33.9%), 2º ano (26, 41.9%) e 3º ano (15, 24.2%), do curso de Licenciatura em Enfermagem.
No que concerne à principal alteração curricular, a maioria dos estudantes referiu as aulas à distância (25, 40.3%) e o cancelamento/interrupção dos ensinos clínicos (19, 30.6%). No que diz respeito às principais dificuldades, as mais expressas foram a “Dificuldade na atenção e na concentração” (19, 30.6%) e a “Adaptação/gestão da nova rotina” (12, 19.4%). A distribuição das respostas dos estudantes pelas categorias de análise pode observar-se na Tabela 1.
Categorias de análise | Frequência Absoluta (%) |
---|---|
Principal alteração curricular (os estudantes podiam referir mais do que uma alteração) | |
Cancelamento/Interrupção de Ensinos Clínicos | 19 (30.6%) |
Aulas à distância | 25 (40.3%) |
Encerramento das instalações | 2 (3.2%) |
Avaliações via moodle | 2 (3.2%) |
Redução do nº de horas de práticas presenciais | 7 (11.3%) |
Menor interação com o docente | 1 (1.6%) |
Alteração na metodologia de ensino | 3 (4.8%) |
Respostas não aplicáveis (cuja resposta não respondia ao item) | 12 (19.4%) |
Principais dificuldades (os estudantes podiam referir mais do que uma alteração) | Frequência Absoluta (%) |
Dificuldade na atenção e na concentração | 19 (30.6%) |
Falhas na plataforma de e-learning | 10 (16.1%) |
Tempos de avaliação reduzidos | 5 (8.1%) |
Adaptação/gestão da nova rotina | 12 (19.4%) |
Horários de aula sobrecarregados | 9 (14.5%) |
Isolamento social/Baixa interação | 7 (11.3%) |
Excesso de carga de trabalhos | 7 (11.3%) |
Excesso de tempo ao computador | 8 (11.9%) |
Dificuldade na aprendizagem | 8 (11.9%) |
Dificuldades na utilização da plataforma | 1 (1.6%) |
Redução do nº de aulas práticas | 3 (4.8%) |
Esclarecimento de dúvidas à distância | 2 (3.2%) |
Realização de trabalhos de grupo à distância | 1 (1.6%) |
Dificuldade na articulação com os serviços administrativos da escola | 2 (3.2%) |
Respostas não aplicáveis | 10 (16.1%) |
Relativamente às principais estratégias de adaptação utilizadas pelos estudantes, destacam-se “a otimização de rotinas diárias” (22, 35.5%) e o “aumento/gestão do estudo autónomo” (12, 19.4%). As emoções e os sentimentos mais vivenciados foram “a ansiedade” (24, 38.7%), o “stress” (11, 17.7%) e o “desânimo/desmotivação” (11, 17.7%). A distribuição das respostas dos estudantes pelas categorias de análise pode observar-se na Tabela 2.
Categorias de análise | Frequência Absoluta (%) |
---|---|
Principais estratégias (os estudantes podiam referir mais do que uma alteração) | |
Otimizar/Aumentar apontamentos | 8 (11.9%) |
Mais esclarecimento de dúvidas | 1 (1.6%) |
Otimização de rotinas diárias | 22 (35.5%) |
Mais tempo de estudo | 1 (1.6%) |
Novas estratégias de estudo | 2 (3.2%) |
Assiduidade letiva | 5 (8.1%) |
Aproveitamento dos tempos livres | 2 (3.2%) |
Reuniões online entre estudantes | 2 (3.2%) |
Aumento/Gestão de estudo autónomo | 12 (19.4%) |
Visualização de vídeos | 3 (4.8%) |
Respostas não aplicáveis | 17 (27.4%) |
Emoções e Sentimentos (os estudantes podiam referir mais do que uma alteração) | Frequência Absoluta (%) |
Bem-estar | 2 (3.2%) |
Ansiedade | 24 (38.7%) |
Medo | 7 (11.3%) |
Insegurança | 3 (4.8%) |
Preocupação | 4 (6.5%) |
Negatividade | 1 (1.6%) |
Solidão | 3 (4.8%) |
Stress | 11 (17.7%) |
Raiva/revolta | 4 (6.5%) |
Tristeza | 8 (11.9%) |
Desânimo/desmotivação | 11 (17.7%) |
Nervosismo | 4 (6.5%) |
Tédio | 2 (3.2%) |
Irritabilidade | 1 (1.6%) |
Frustração | 4 (6.5%) |
Desesperança | 1 (1.6%) |
Desespero | 1 (1.6%) |
Angústia | 1 (1.6%) |
Respostas não aplicáveis | 10 (16.1%) |
Quando questionados acerca da eficácia das medidas de adaptação pedagógica implementadas pela instituição, 43.5% (27) dos estudantes referiram estar de acordo com essas medidas e que as mesmas foram eficazes. No entanto, 29.0% (18) dos estudantes referiram não concordar com as medidas implementadas e 22.6% (14) dos estudantes consideraram que as medidas não foram totalmente eficazes.
Relativamente às sugestões dos estudantes para as modalidades letivas teóricas (T), seminários (S), teórico-práticas (TP), orientação tutorial (OT) e práticas laboratoriais (PL), os estudantes referem como melhoria para todas as modalidades uma aposta em metodologias mais interativas, nomeadamente, a utilização de vídeos e de dinâmicas em pequenos grupos. A distribuição das respostas dos estudantes pelas categorias de análise pode observar-se no quadro 3.
Categorias de análise | Frequência Absoluta (%) |
---|---|
Sugestões T e S (os estudantes podiam referir mais do que uma alteração) | |
Intervalos obrigatórios | 15 (24.2%) |
Metodologia interativa (ex. vídeos, exercícios práticos, etc.) | 28 (45.2%) |
Menor carga horária diária | 6 (9.7%) |
Fornecimento de material de apoio prévio | 3 (4.8%) |
Gestão de horário (mais dias menos aulas) | 5 (8.1%) |
Organização do corpo docente | 1 (1.6%) |
Redução de trabalho extra nas aulas | 2 (3.2%) |
Respostas não aplicáveis | 14 (22.6%) |
Sugestões TP e OT (os estudantes podiam referir mais do que uma alteração) | Frequência Absoluta (%) |
Metodologia interativa (ex. dinâmicas de grupo, trabalhos em pequenos grupos, simulação, vídeos) | 29 (46.8%) |
Redução de trabalhos escritos | 1 (1.6%) |
Menor carga horária diária | 4 (6.5%) |
Maior número de aulas presenciais | 3 (4.8%) |
Respostas não aplicáveis | 23 (37,1%) |
Sugestões PL (os estudantes podiam referir mais do que uma alteração) | Frequência Absoluta (%) |
Mais aulas presenciais (em pequenos grupos e mais curtas) | 26 (41.9%) |
Metodologia interativa (ex. dinâmicas de grupo, trabalhos em pequenos grupos, simulação, vídeos) | 24 (38.7%) |
Respostas não aplicáveis | 19.4%) |
4. DISCUSSÃO
As medidas adotadas pelo estado Português para controlar a pandemia produziram efeitos diretos nas IES e nos estudantes. O termo ‘ensino à distância’ ganhou novo sentido e os professores e estudantes tiveram de se adaptar a esta nova realidade. Neste estudo, foi analisado o impacto das estratégias de adaptação pedagógica, adotadas no contexto da pandemia de Covid-19, em estudantes de enfermagem e foram identificadas propostas de melhoria para as estratégias de adaptação pedagógica em situação de pandemia.
O estudo contou com a participação de 62 estudantes do curso da licenciatura em enfermagem, dos 1º, 2º e 3º anos do curso, maioritariamente do sexo feminino, com média de idade de 23 anos. Este perfil atesta os dados nacionais dos estudantes matriculados nas IES (ProDATA, 2020).
Para uma melhor organização da discussão de resultados, os mesmos serão discutidos em função dos objetivos do estudo.
Os estudantes do ensino superior possuem geralmente competências digitais adequadas no âmbito do ensino virtual (Kerimbayev, 2016), pelo que algumas das estratégias pedagógicas implementadas com os participantes deste estudo poderão ter beneficiado destas competências, mitigando o seu impacto. Por exemplo, a experiência com a utilização da plataforma Moodle era já comum para partilhar fundamentalmente referências bibliográficas de apoio às unidades curriculares e com muito pouca frequência utilizada para aulas assíncronas. A utilização da plataforma Zoom para aulas síncronas teve início com o cancelamento das aulas presenciais e implicou a adaptação de professores e estudantes a esta nova realidade, uma vez que estas ferramentas tecnológicas estavam pouco exploradas no ensino de enfermagem.
Das perceções partilhadas pelos estudantes, salientou-se, como a principal alteração curricular, as aulas terem decorrido à distância. Este facto criou a necessidade dos estudantes desenvolverem ou aprimorarem as suas competências de utilização de ferramentas digitais. Este resultado coaduna-se com o estudo de Matos e Costa (2020) que refere a necessidade de alargar novas competências digitais, para fazer face ao impedimento de aulas presencias. O contexto de ensino de enfermagem foi alterado, criando aos estudantes uma situação de preocupação e de stress face à situação de transição para aulas à distância. resultados que são semelhantes aos identificados no estudo de Benavente et al. (2020). Esta modalidade não permite o desenvolvimento de competências instrumentais e diferenciação clínica, uma vez que o ensino à distância não possibilita ao estudante a aprendizagem em contexto real de trabalho - ensino clínico - sendo esta outra das principais alterações referidas pelos estudantes. Para não comprometer o desenvolvimento dos estudantes, no que concerne ao desenvolvimento de competências técnicas e interpessoais, as aulas laboratoriais foram adaptadas (realizadas mais aulas, com pequenos grupos, em horários desfasados) e os ensinos clínicos foram atrasados para serem realizados, posteriormente, em momentos mais favoráveis no contexto pandémico.
Verificou-se que a alteração de modalidade pedagógica não afetou a interação do estudante com o docente, o que pode ser justificado com o facto de as aulas terem decorrido de forma síncrona e os professores terem orientado os estudantes sobre como organizar o estudo após as aulas. Este resultado é congruente com o descrito por Torres et al. (2020), onde os estudantes criticaram a substituição de aulas em tempo real por aulas assíncronas, validando assim a importância da interação docente/estudante.
As principais dificuldades dos estudantes foram na atenção, na concentração e na adaptação/gestão da nova rotina. Estes resultados vão ao encontro de outros estudos que apontam como causa principal a dificuldade de transpor o contexto de sala de aula para o ambiente de domicílio (Bezerra, 2020). No estudo de Matos e Costa (2020), mais de 80% dos estudantes consideraram que não conseguiram manter o nível de atenção ao qual estavam habituados.
Relativamente ao uso da plataforma de e-learning, os estudantes demonstraram não terem dificuldade na sua utilização, o que pode traduzir a facilidade com que utilizam as ferramentas digitais no seu quotidiano, facto também verificado no estudo de Ramalho et al. (2020), em que cerca de 80% dos estudantes entrevistados referiram utilizar ferramentas digitais para fins educacionais.
As estratégias adotadas pelos estudantes face à nova realidade levaram a mudanças do quotidiano. A otimização de rotinas diárias dos estudantes e o aumento/gestão do estudo autónomo foram as mais referidas, em resultado da transição abrupta de um ensino presencial para um ensino totalmente à distância. Como referem Xavier et al. (2020), a convergência dos espaços sociais no espaço da casa provocada pelo confinamento é acompanhada pela sobreposição de diferentes tempos dedicados às distintas atividades que se cumprem no quotidiano e nas quais os indivíduos desempenham diferentes papéis e tarefas. Pereira et al. (2020) referem que apenas 36% dos estudantes conseguiram fazer uma gestão regular do tempo para estudo. Algumas das razões que podem ter condicionado ou dificultado a construção de rotinas diárias no ambiente domiciliário podem relacionar-se com a variedade de papéis e tarefas desempenhados no domicílio, nomeadamente, o apoio às tarefas domésticas, a elementos da família, por exemplo, irmãos mais novos ou avós; a existência de distrações/hobbies acessíveis, entre outros. O facto dos estudantes se verem alienados da sua vida académica e das suas expectativas pessoais e escolares, aliado à multiplicidade de tarefas e papéis a que se viram obrigados, pode ter contribuído para o desenvolvimento de sentimentos negativos, que poderão ter trazido maior frustração e maior dificuldade de adaptação à nova realidade.
Da pesquisa bibliográfica realizada sobressai que a própria pandemia e os seus aspetos interferiram na vida académica e na saúde dos estudantes, causando efeitos negativos nas emoções e sentimentos dos mesmos. Cao et al. (2020) refere no seu estudo que cerca de 25% dos estudantes sofriam de stress, desmotivação e ansiedade devido ao surto de Covid-19 associados a fatores como: estabilidade do rendimento familiar, pressão psicológica e económica, preocupação com atrasos académicos, influência da pandemia na vida diária e sentimento de incapacidade frente ao isolamento.
Para responder ao objetivo “Identificar propostas de melhoria para as estratégias de adaptação pedagógica, adotadas no contexto da pandemia de Covid-19, sugeridas pelos estudantes de uma escola de saúde privada, do norte de Portugal”, analisamos as respostas dos estudantes de acordo com as modalidades letivas teóricas (T), seminários (S), teórico-prática (TP), orientação tutorial (OT) e práticas laboratoriais (PL). Os estudantes sugerem como melhoria para todas as modalidades uma aposta em metodologias mais interativas, nomeadamente, através da utilização de vídeos e de dinâmicas em pequenos grupos. Esta sugestão é uma preocupação de vários autores, entre eles Xavier et al. (2020), que reconhecem a complexidade de ensinar a quem vai cuidar de vidas e onde o ensino à distância necessita de otimização para que não haja perdas nas competências de comunicação e interação. A necessidade de adaptação a novas metodologias pedagógicas também foi(é) um desafio para os docentes, que devem apostar em estratégias de ensino à distância mais apelativas para os estudantes. Esta realidade expõe a necessidade de formação contínua dos docentes e a aposta persistente em desenvolver as novas ferramentas e estratégias tecnológicas, devendo estas também ser uma preocupação contínua das IES.
No contexto pandémico que vivemos foi necessário manter a confiança social na formação na área da saúde. A formação de enfermeiros não pode ser suspensa, pelo que foi mandatória e prioritária a adaptação à nova realidade que o mundo enfrentava, mantendo a qualidade do ensino e a qualidade da formação destes profissionais (Mussio, 2020; Nadarajah et al., 2020).
5. CONCLUSÕES
O confinamento imposto pela pandemia da Covid-19 criou um espaço de discussão e reflexão sobre as metodologias de ensino à distância, permitindo um novo olhar sobre as mesmas. Para a adaptação do processo de ensino-aprendizagem é necessário pensar em conjunto no uso de ferramentas que acrescentem valor aos métodos tradicionais de ensino superior, particularmente na área da saúde.
Neste momento pandémico, no que concerne ao impacto das alterações pedagógicas, os estudantes destacaram a necessidade de otimização de rotinas diárias e a dificuldade em manter níveis adequados de atenção e concentração durante as aulas à distância. Sugerem como propostas de melhoria, o recurso a metodologias mais interativas, tais como a utilização de vídeos e dinâmicas de trabalho em pequenos grupos.
Os resultados da análise exploratória do impacto das estratégias de adaptação pedagógicas, adotadas no contexto da pandemia de Covid-19, nos estudantes de enfermagem de uma IES do norte de Portugal, representam apenas uma visão parcial dessa realidade, pelo que não se pode generalizar a todo o universo em estudo, o que se assume como uma limitação da investigação. Outras limitações emergem, tais como: a não possibilidade de exploração de alguns resultados, que ficaram condicionados pelo instrumento de recolha de dados utilizado e pelo método quantitativo utilizado no estudo; a dificuldade da recolha de dados à distância e a impossibilidade de avaliar previamente a competência digital dos estudantes, que pode ter introduzido viés na investigação.
Em futuros estudos, seria interessante optar-se pela entrevista semi-estruturada como instrumento de recolha de dados, para explorar melhor as respostas dos estudantes e as suas causalidades. Seria também interessante explorar as implicações destas medidas nas competências adquiridas ao longo do curso e para o exercício profissional. Por último, parece-nos importante compreender o impacto destas alterações pedagógicas nos próprios docentes e no desempenho do seu papel.