1. INTRODUÇÃO
O clima universitário pode ser compreendido como as atitudes, percepções e experiências compartilhadas entre as pessoas que integram este ambiente (Garvey et al., 2018; Hemer et al., 2019; Roza, 2018; Ryder & Mitchell, 2013; Souza et al., 2019). É um conceito fundamental, pois enfatiza a compreensão dos aspectos que são compartilhados pelos membros da comunidade universitária (Hemer et al., 2019), como, por exemplo, o quanto a instituição é inclusiva para diferentes grupos (Garvey et al., 2018 Souza et al., 2019). Diferentes estudos demonstram o clima universitário como variável associada positivamente à motivação (Barros, 2018), pertencimento (Budge et al., 2020), sucesso acadêmico (Garvey et al., 2018), engajamento acadêmico (Gunuc et al., 2019), saúde mental (Mitchell et al., 2016) e negativamente ao cyberbullying (Souza et al., 2019) e à vitimização sexual (Coulter & Rankin, 2020), entre outros. Neste sentido, o estudo do clima universitário pode possibilitar a construção de subsídios para mudanças institucionais, com vistas à criação, manutenção ou melhoria de diferentes aspectos (Ryder & Mitchell, 2013), como a segurança, o acolhimento e respeito à diversidade, as relações dialógicas e não violentas, o bem-estar entre os indivíduos, a qualidade da aprendizagem e da convivência, de modo geral, em favor do progresso institucional e social para a coletividade.
Pesquisas de clima universitário advêm de estudos de clima organizacional, os quais medem aspectos, como percepções e significados, que são compartilhados pelos membros da instituição. Um exemplo é o estudo de Barría-González et al. (2021), o qual avaliou a percepção de trabalhadores sobre o clima organizacional, utilizando como instrumento a Escala de Clima do Ambiente de Trabalho Subjetivo (ECALS), que avalia o clima organizacional por meio de cinco dimensões: confiança organizacional, tensão laboral, apoio social, retribuição e satisfação no trabalho. Estudos de clima são medidas que ocorrem no nível individual, mas representam um atributo de emergência no nível macro institucional.
Embora o foco da avaliação possa variar nas pesquisas de clima, o construto medido deve ser um atributo institucional e não individual para resguardar equivalência ao nível de teorização e generalização para aspectos da instituição (Schneider et al., 2013). É como se o clima fosse um termômetro que, ao invés de medir a temperatura, marcasse aquilo que se vivencia na instituição. Por se tratar de uma temperatura do ambiente vivenciado, logo, precisa ser compartilhado. Neste sentido, propõe-se como definição para o clima institucional um conjunto de percepções, comportamentos, atitudes, sentimentos e expectativas compartilhadas pelos membros da comunidade educativa em relação às políticas e práticas promovidas no contexto universitário.
Especificamente sobre o Clima Ético Universitário, utiliza-se como referencial de base a Convivência Ética, a qual é concebida como as relações sociais embasadas em valores sociomorais, implicando a formação de sujeitos autônomos, críticos e participativos (Zechi et al., 2021; Zechi & Vinha, 2022). Ainda, pode ser compreendida como um processo reflexivo sobre normas, relações e costumes, que potencializam pensar e discutir criticamente novas formas de conviver (Puig et al., 2000). Um ambiente em que a convivência é caracterizada como ética é aquele em que a convivência contribui para uma formação ético-cívica (Naval et al., 2011), para a educação em valores e para o desenvolvimento da autonomia moral (Kohlberg, 1992; La Taille, 2019; Menin, 2019; Menin et al., 2017; Piaget, 1994; Vinha et al., 2019), aspectos que são fundamentais no processo educativo integral, o qual deve ser valorizado nos diferentes níveis educacionais. No aspecto valorativo, a Convivência Ética preconiza valores sociomorais como solidariedade, justiça, diálogo, respeito mútuo e convivência democrática (Menin, 2019; Vinha et al., 2019). Para além disso, objetiva a formação de personalidades éticas, ou seja, o desenvolvimento de sujeitos autônomos e reflexivos que aderem a valores morais na sua personalidade, os quais são usados para orientar suas vidas para e com os outros (La Taille, 2019). Para alcançar tais objetivos, uma educação para a convivência ética apregoa, dentre os seus princípios, que valores morais sejam vivenciados nas relações interpessoais. Ou seja, para aprender sobre justiça é necessário vivenciar situações em que a justiça esteja presente (Menin, 2019).
Em suma, o Clima Ético Universitário materializa no nível da instituição (universidade) os indicadores que demonstram o nível de desenvolvimento da Convivência Ética no espaço universitário. Para tanto, diferentes dimensões são contempladas - segurança, engajamento acadêmico institucional, acolhimento institucional à diversidade, indicadores de vitimização, bem-estar, indicadores de ansiedade e depressão, enfrentamento institucional ao abuso e assédio e suporte social e institucional percebido - com o intuito de rastrear de que modo os atores sociais que pertencem à instituição (estudantes, docentes, técnicos etc.) percebem a efetivação de políticas e práticas favoráveis à Convivência Ética nos modos de fazer da instituição. Tais dimensões permitem perceber se valores morais como respeito mútuo, justiça, diálogo, dignidade humana, solidariedade e direito à vida são vivenciados nas relações universitárias. Objetivamente, considera-se que se tais valores são vivenciados e percebidos de forma compartilhada nas políticas e práticas da instituição, a universidade será vista como um espaço seguro, que acolhe a diversidade, não violento, que promove e cuida da saúde mental, que se preocupa com o desenvolvimento acadêmico e oferece suporte, além de receber e encaminhar de forma justa situações de violência, como o assédio ou abuso.
Embora existam estudos sobre clima organizacional ético (Çavuş & Develi, 2017; Martin & Cullen, 2006), os mesmos estão fortemente relacionados ao ambiente empresarial e focam nos procedimentos, políticas e práticas da organização com consequência moral. Trata-se de formas de raciocínio ou comportamento moral compartilhadas como desejadas ou esperadas, ou seja, das expectativas de como bem agir e tomar decisões dentro da organização.
Também se salienta que os estudos de clima universitário são incipientes no Brasil. Estudo recente, de Souza et al. (2019), avaliou a percepção de estudantes brasileiros e portugueses sobre o clima universitário, considerando o suporte social oferecido por professores, o quanto a instituição está preparada para receber estudantes, práticas de acolhida aos novos estudantes e a percepção de bem-estar dos estudantes na universidade. A perspectiva de clima universitário adotada nesse estudo é embasada na definição proposta por Hurtado et al. (2008) e Rankin e Reason (2008), os quais consideram quatro dimensões para análise do clima universitário: histórico de inclusão ou exclusão da instituição, estrutura de diversidade, dimensão psicológica e comportamental. Cabe ressaltar que essa definição é fortemente adotada nos Estados Unidos, e provém das pesquisas de clima racial, que foram ampliadas para avaliar atitudes, comportamentos e práticas relacionadas a habilidades, necessidades e potencialidades na perspectiva de diferentes grupos, tradicionalmente subrepresentados (Hurtado et al., 2008). Ancorados nesta perspectiva de clima universitário também se identificou, no contexto nacional, o estudo de Roza (2018), que investigou relações entre percepção de vitimização, suporte social percebido e engajamento acadêmico, e o estudo de Barros (2018) que explorou a relação entre clima universitário e qualidade motivacional.
No Brasil, ainda é possível encontrar outros estudos de clima organizacional na universidade, mas que focam os processos organizativos na perspectiva de servidores (Curvo & Heinzmann, 2017), alunos de pós-graduação (Moro et al., 2015) ou de gestores (Mattos, 2019; Veiga & Cortez, 2022). Identifica-se, portanto, que a perspectiva teórica adotada por estes estudos é distinta da que está sendo proposta, que foca nos aspectos valorativos da convivência materializados nas relações. Percebe-se, ainda, uma lacuna de estudos de clima universitário na perspectiva dos estudantes de graduação. Nesse sentido, faz-se necessário mais estudos sobre clima universitário na perspectiva brasileira, sendo desejável a proposição de instrumentos de mensuração com propriedades psicométricas adequadas para avaliação dos diferentes fenômenos, com potencial impacto no aprimoramento desta realidade (Cortez, 2019).
Com base nesse cenário, o presente estudo objetivou desenvolver um novo instrumento para avaliar o Clima Ético Universitário e analisar as suas evidências de validade baseadas na estrutura interna, consistência interna e validade critério. Essa contribuição incide na possibilidade de as universidades rastrearem de forma empírica as próprias políticas e práticas e, com isso, imprimir novas ações de gestão educacional em nível amplo que visem maximizar a formação moral e em valores dos atores sociais inseridos neste espaço. Em ambientes educacionais onde as relações são percebidas como respeitosas, acolhedoras à diversidade e justas, em que há apoio e incentivo ao trabalho cooperativo, os estudantes tendem a ter melhores índices de desempenho acadêmico e de saúde mental (Casassus, 2002; Vinha et al., 2016), o que torna fundamental manter a avaliação do clima universitário como prática recorrente (Ryder & Mitchell, 2013).
2. MÉTODO
2.1. PARTICIPANTES
A amostra foi composta por 3.484 estudantes universitários, com idade média de 22,8 anos (DP = 6,92), de 37 cursos de graduação de uma instituição pública da região Sul do Brasil. A maioria se autodeclarou do gênero feminino (56,5%, n = 1966), heterossexual (79,4%, n = 2747) e branca (72,7%, n = 2524). Com relação à área de conhecimento das graduações, os participantes disseram ser das Ciências Exatas (18,5%, n = 646), Ciências Sociais e Aplicadas (17,8%, n = 621), Ciências Agrárias (15,3%, n = 533), Engenharias (14,4%, n = 501), Ciências da Saúde (12,8%, n = 447), Ciências Humanas (9,3%, n = 326), Linguística, Letras e Artes (5,94%, n = 207) e Ciências Biológicas (5,4%, n = 190). O período diurno foi o mais frequente entre os participantes (66,3%, n = 2308).
2.2. INSTRUMENTOS
Escala de Clima Ético Universitário (ECEU) - Versão 1: instrumento de autorrelato para avaliação do Clima Ético Universitário por meio de 28 itens, compondo oito fatores (Segurança - 03 itens; Engajamento acadêmico institucional - 03 itens; Acolhimento institucional à diversidade - 05 itens; Indicadores de vitimização - 03 itens; Bem-estar - 04 itens; Indicadores de ansiedade e depressão - 04 itens; Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio - 03 itens; Suporte social e institucional percebido - 03 itens). O formato de resposta foi do tipo Likert de cinco pontos para descrever a frequência em que os fatos narrados nos itens ocorrem no contexto universitário (1 = Nunca; 5 = Sempre).
A construção da Escala de Clima Ético Universitário se deu em dois processos. Inicialmente, pesquisadores do Laboratório Interagir da UFPR, apuraram as dimensões avaliadas em outras pesquisas de clima universitário (Cantor et al., 2017; Hurtado et al., 2008; Roza, 2018), elencando construtos e itens considerados importantes para a qualidade da convivência em instituições de ensino superior, tais como: a. percepção de um ambiente seguro (Eisenberg et al., 2017); b. acolhedor à diversidade (Eisenberg et al., 2018; Hutchinson et al., 2008); c. em que haja engajamento com o processo de aprendizagem (Krause & Coates, 2008); d. sem violência (como as situações de vitimização e discriminação) (Bastos et al., 2012; Calvete et al., 2010); e. com ações efetivas de enfrentamento ao abuso e assédio (Cantor et al., 2017); f. com promoção da saúde mental dos indivíduos (incremento do bem-estar e diminuição de sintomas de ansiedade e depressão) (Diener et al., 2010; Eisenberg et al., 2017); g. oferecimento de suporte social para o enfrentamento dos desafios cotidianos ou emergentes (Carvalho et al., 2011).
Posteriormente, um Comitê de Especialistas realizou o agrupamento e adequação teórica da proposição, inspecionando os itens quanto à validade de conteúdo. Os três especialistas eram doutores com área de formação em Educação, Psicologia e Administração, além de possuírem experiência em Psicometria. Os especialistas apuraram a adequação dos itens frente à teorização e dimensionamento de políticas e práticas institucionais de promoção da Convivência Ética (Puig et al., 2000). As dimensões teóricas eram apresentadas para os especialistas, os quais propunham aprimoramentos em rodadas de avaliação das medidas, a fim de construir a versão síntese da medida que foi empregada no corrente estudo. Foram necessárias oito rodadas de avaliação entre os especialistas, sendo proposta uma rodada de avaliação por dimensão teórica a ser avaliada. A versão final do instrumento foi empregada no presente estudo.
Esses itens também foram avaliados quanto à pertinência prática e consequencial. Para isso, realizaram-se entrevistas qualitativas. Essas entrevistas foram realizadas com cerca de 30 estudantes universitários e 10 profissionais da equipe gestora de políticas afirmativas e de inclusão da universidade. Durante essas entrevistas, os instrumentos eram apresentados individualmente para esses participantes, com o intuito de obter aprimoramentos. Baseando-se nas sugestões obtidas por meio das entrevistas qualitativas, aplicou-se uma versão piloto do instrumento com 70 estudantes de graduação, sendo dois grupos de 35 estudantes em cada sessão de aplicação. Ao final da aplicação, os estudantes podiam contribuir ao refinamento linguístico e operacional de resposta ao instrumento por meio de mediação dialógica com o aplicador. Os estudantes relataram compreender o instrumento. Não houve mudanças ao instrumento final, sendo esta versão empregada na presente investigação.
Questionário sociodemográfico e institucional: instrumento de autorrelato para identificação de características descritivas e institucionais dos participantes. No aspecto sociodemográfico, o questionário teve questões objetivas para o estudante assinalar a opção que melhor descrevia suas próprias características: a) gênero; b) orientação sexual; c) estado funcional; d) autodeclaração étnica; e) área de conhecimento do próprio curso de graduação; f) período em que frequenta o curso na universidade. Na perspectiva institucional, havia um item em que o participante assinalava de 1 até 5 (1 = Discordo totalmente; 5 = Concordo totalmente), o quanto percebia a ocorrência de respeito e não discriminação na universidade. Este item foi nomeado como Percepção de Respeito e Não Discriminação (Exemplo: “Na universidade, as pessoas são respeitadas, independentemente de sua raça, cor, gênero, orientação sexual ou deficiência”), tendo como base o conteúdo proposto por revisão sobre o tema apresentado na literatura brasileira (Cortez et al., 2019).
2.3. PROCEDIMENTOS
A estrutura final do instrumento foi gerada pelos pesquisadores e, a posteriori, aplicada entre os estudantes participantes do presente estudo. Destaca-se o registro do protocolo de pesquisa (CAAE: 02575618.2.0000.0102). Todos os cursos de graduação da universidade foram convidados a participar. Após aceite das coordenações de curso, selecionou-se, ao menos, dois cursos por setor da universidade. No total, a amostra foi composta por estudantes de 34 cursos de graduação, dos 17 setores da universidade, o que representa uma amostra significativa da instituição. A coleta de dados foi realizada em larga escala nas salas de aula durante as atividades universitárias, entre os meses de agosto a novembro de 2019, com prévia autorização das coordenações de curso e docentes. Os participantes foram esclarecidos quanto aos objetivos da pesquisa e receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A participação dos estudantes se deu de forma voluntária e sigilosa. Estes responderam ao instrumento com caneta e papel. As aplicações duraram, em média, 25 minutos, considerando o tempo de apresentação inicial do profissional aplicador, obtenção de atenção dos alunos para a atividade, registro do TCLE (Termo de Consentimento Livre Esclarecido) e preenchimento do questionário pelos estudantes.
2.4. ANÁLISE DE DADOS
2.4.1 Inspeção dos dados
A tabulação, descrição e inspeção dos dados foram realizadas por meio do software estatístico JASP versão 0.16.4.0. Não foram inspecionados aspectos relacionados à normalidade, considerando-se o elevado tamanho amostral e os métodos robustos empregados que não apresentam como requisito a normalidade para efetivação das análises propostas. Primeiro, inspecionaram-se os índices KMO (Kaiser-Meyer-Olkin), o índice MSA (Medida de Adequação da Amostra) e o teste de esfericidade de Bartlett (Ferrando et al., 2022; Lorenzo-Seva & Ferrando, 2021; Williams et al., 2010).
2.4.2 Evidências de validade da estrutura interna dos instrumentos
Para a retenção fatorial, utilizou-se o software JASP versão 0.16.4.0. Observou-se o critério de análise paralela, que foi comparado com o dimensionamento teórico proposto para a medida (Basto & Pereira, 2012). Para identificar os fatores da escala, utilizou-se o estimador ML (Maximum Likelihood) para realização da análise fatorial exploratória e confirmatória devido à robustez desse algoritmo para modelagem de amostragem com maior vulto (Osborne, 2014). O ponto de corte empregado para considerar a carga fatorial representativa ao fator foi de 0,45 (Hair et al., 2009). Na análise fatorial confirmatória, além dos fatores específicos, foi incluído um fator geral de segunda ordem no qual os escores dos fatores específicos carregavam, a fim de criar um índice geral de Clima Ético Universitário. Salienta-se que para a análise fatorial exploratória foi empregado um terço da amostra e para análise fatorial confirmatória foram utilizados dois terços da amostra. O procedimento de divisão da amostra foi realizado de forma aleatória simples no próprio banco de dados (Rey-Sáez, 2022).
2.4.3 Estimadores de consistência interna
Utilizou-se o software JASP versão 0.16.4.0 para gerar os estimadores de fidedignidade para o instrumento. Os índices de consistência interna Alfa de Cronbach e Ômega de McDonald's foram calculados para os fatores específicos e para o fator geral de segunda ordem (Dunn et al., 2014).
2.4.4 Validade convergente e divergente
Implementaram-se as correlações bivariadas de Pearson para averiguar a validade convergente e divergente entre os fatores da Escala de Clima Ético Universitário (ECEU). Fez-se uso do software JASP versão 0.16.4.0 para essas análises. As correlações positivas entre variáveis do mesmo instrumento foram consideradas convergentes (Carlson & Herdman, 2012). As correlações negativas entre variáveis do mesmo instrumento foram consideradas divergentes (Echevarría-Guanilo et al., 2019).
2.4.5 Modelos explicativos
Com o uso do software JASP versão 0.16.4.0, propôs-se um modelo explicativo de regressão linear, visando analisar o efeito dos fatores da Escala de Clima Ético Universitário (ECEU) na explicação do indicador institucional que avaliava o quanto o estudante percebia a ocorrência de respeito e não discriminação na universidade. O coeficiente de determinação foi utilizado para analisar a percentagem de variância explicada pela variável dependente (R²). O método de entrada foi o backward, em que as variáveis antecedentes foram excluídas, na medida em que não alteravam o ajuste final de percentual explicativo do modelo por não efeito à variável critério, em função do baixo tamanho do efeito e do nível de significância estatística de 0,05 (Derksen & Keselman, 1992). O diagnóstico de adequação dos modelos de regressão seguiu as seguintes indicações: a) tolerância à colinearidade < 1; b) VIF < 5, c) RMSE dos resíduos próximos a 1,0 e d) estatística de autocorrelação dos resíduos entre 1,5 e 2,0 (Belsley et al., 2005; Chicco et al., 2021; Durbin & Watson, 1950). As variáveis preditoras do modelo foram os fatores da Escala de Clima Ético Universitário (ECEU). A variável critério foi o item de Percepção de Respeito e Não Discriminação.
3. RESULTADOS
3.1. INSPEÇÃO DOS DADOS E ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS
Inicialmente, verificaram-se os requisitos de fatoração da matriz de dados. O índice KMO foi adequado, apresentando 0,89, e o de MSA variou entre 0,74 e 0,92, demonstrando adequação. O teste de esfericidade de Bartlett também mostrou ajustamento por meio de significância estatística (χ2 = 2177,49; gl = 182; p < 0,01). Os valores de KMO, MSA e teste de Bartlett indicaram que a matriz estava adequada para aplicação de análise fatorial. As estatísticas descritivas são apresentadas para os diferentes itens do instrumento, com o intuito de facilitar a inspeção dos dados na Tabela 1.
3.2. EVIDÊNCIAS DE VALIDADE DA ESTRUTURA INTERNA DOS INSTRUMENTOS
A análise paralela indicou a retenção fatorial em oito fatores (autovalor empírico = 1,006; autovalor simulado = 0,912), o que foi compatível com o dimensionamento teórico. No total, esses oito fatores explicaram 71,30% da variância total, sendo considerado para representatividade dos fatores as cargas fatoriais superiores ao ponto de corte de 0,45, conforme Tabela 2.
Nota: Rotação oblíqua do tipo promax. F1: Acolhimento institucional à diversidade; F2: Bem-estar; F3: Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; F4: Indicadores de ansiedade e depressão; F5: Engajamento acadêmico institucional; F6: Indicadores de vitimização; F7: Segurança; F8: Suporte social e institucional percebido.
A estrutura se mostrou adequada e não apresentou grande quantidade de cargas cruzadas, o que despertou o interesse em testar uma estrutura fatorial exploratória e, portanto, restrita. Em relação aos ajustes, o modelo fatorial testado obteve CFI = 0,94, GFI = 0,99, NFI = 0,93, TLI = 0,93, SRMR = 0,04, RMSEA = 0,05 com p < 0,01 e Qui-quadrado de χ2 (322) = 2212,08 com p < 0,01. Na Tabela 3 apresenta-se a estrutura fatorial confirmatória.
Nota: F1: Acolhimento institucional à diversidade; F2: Bem-estar; F3: Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; F4: Indicadores de ansiedade e depressão; F5: Engajamento acadêmico institucional; F6: Indicadores de vitimização; F7: Segurança; F8: Suporte social e institucional percebido.
A estrutura interna se mostrou adequada em termos de cargas fatoriais nos fatores restritos e, portanto, foi explorado qual o efeito dos fatores específicos em um indicador de segunda ordem. A importância do indicador de segunda ordem e justificativa teórica para explorá-lo se respaldou na compreensão de que o clima emerge por meio de políticas e práticas percebidas em primeira ordem, o que sustenta a proposição da Tabela 4.
Os fatores de primeira ordem “segurança”, “engajamento acadêmico institucional”, “acolhimento institucional à diversidade”, “bem-estar”, “enfrentamento institucional ao abuso ou assédio” e “suporte social e institucional” são positivos em relação aos fatores de segunda ordem (clima ético universitário). Os fatores de primeira ordem “indicadores de ansiedade e depressão” e “indicadores de vitimização” são negativos em relação ao fator de segunda ordem. Isto é, na composição do escore de clima ético, os fatores que são positivos devem ser somados e os fatores negativos devem ser subtraídos.
3.3 ESTIMADORES DE CONSISTÊNCIA INTERNA
Em seguida, foi analisada a consistência interna dos fatores específicos de primeira ordem e do fator geral. Para os fatores específicos de primeira ordem a consistência foi adequada: Segurança - alfa = 0,68; ômega = 0,74; Engajamento acadêmico institucional - alfa = 0,84; ômega = 0,84; Acolhimento institucional à diversidade - alfa = 0,90; ômega = 0,91; Indicadores de vitimização - alfa = 0,69; ômega = 0,79; Bem-estar - alfa = 0,83; ômega = 0,84; Indicadores de ansiedade e depressão - alfa = 0,86; ômega = 0,86; Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio - alfa = 0,92; ômega = 0,92; Suporte social e institucional percebido - alfa = 0,66; ômega = 0,72. Para o fator geral, de segunda ordem, a consistência também foi adequada: Clima Ético Universitário - alfa = 0,90; ômega = 0,91.
3.4. VALIDADE CONVERGENTE E DIVERGENTE
De modo geral, todas as correlações exploradas foram significativas ao nível de 0,05. Conforme detalhado na Tabela 5, analisando-se os fatores específicos, pode-se perceber validade convergente entre diferentes variáveis, como entre segurança e os indicadores de engajamento acadêmico institucional, bem-estar, enfrentamento institucional ao abuso ou assédio e suporte social e institucional percebido. Notou-se validade divergente entre alguns fatores, como entre engajamento acadêmico institucional e os indicadores de vitimização e indicadores de ansiedade e depressão.
No que tange ao fator de segunda ordem, houve validade convergente entre segurança, engajamento, acolhimento, bem-estar, enfrentamento e suporte. Notou-se validade divergente entre indicadores de vitimização e indicadores de ansiedade e depressão. A respeito da validade critério, os fatores que demonstraram associação positiva com percepção de respeito e não discriminação foram segurança, engajamento, acolhimento, bem-estar, enfrentamento, suporte e clima ético universitário. Os fatores que tiveram uma associação negativa com respeito e não discriminação foram indicadores de vitimização e indicadores de ansiedade e depressão.
Nota: Todas as correlações foram significativas ao nível de p<0,01; 1: Segurança; 2: Engajamento acadêmico institucional; 3: Acolhimento institucional à diversidade; 4: Indicadores de vitimização; 5: Bem-estar; 6: Indicadores de ansiedade e depressão; 7: Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; 8: Suporte social e institucional percebido; 9: Clima Ético Universitário - segunda ordem; 10: Respeito e não discriminação.
3.5. MODELOS EXPLICATIVOS
A proposição de modelos explicativos na regressão linear empregou como variável critério o item de Percepção de Respeito e Não Discriminação, tendo os fatores da Escala de Clima Ético como variáveis preditoras. Os modelos foram inspecionados quanto à colinearidade e agrupamento dos desvios dos resíduos e autocorrelação, demonstrando adequação (VIF = 1,16 ~ 1,74; Durbin Watson = 1,93; p<0,03; RMSE = 1,03). Essas variáveis foram lançadas em um único bloco. O modelo inicial teve R² de 56% (R² ajustado = 31,10%) com oito fatores preditores (Segurança; Engajamento acadêmico institucional; Acolhimento institucional à diversidade; Indicadores de vitimização; Bem-estar; Indicadores de ansiedade e depressão; Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; Suporte social e institucional percebido).
Ao longo do processo backward dois fatores variáveis foram excluídos do bloco sem alteração do percentual de variância explicada, que manteve R² de 56% (R² ajustado = 31,10%) para a explicação da ocorrência de respeito e não discriminação na universidade por meio dos seguintes fatores preditores: Segurança; Engajamento acadêmico institucional; Acolhimento institucional à diversidade; Indicadores de vitimização; Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; Suporte social e institucional percebido. Na Tabela 6, os modelos, abrangendo as três etapas, e as variáveis preditoras são apresentadas em maiores detalhes.
4. DISCUSSÃO
O presente estudo objetivou analisar as evidências de validade baseadas na estrutura interna, consistência interna e validade critério para a Escala de Clima Ético Universitário (ECEU). Os modelos propostos para avaliação da estrutura interna demonstraram adequado ajuste, apontando a adequação do indicador definido para avaliação dessa variável. Pode-se afirmar o mesmo no caso da consistência interna, a qual foi adequada para todos os fatores avaliados por meio dos indicadores gerados. Em linhas gerais, os oito fatores da medida e o fator geral de segunda ordem apresentaram propriedades psicométricas adequadas.
O primeiro fator foi nomeado “acolhimento institucional à diversidade” e está relacionado ao quanto a instituição recebe, reconhece, apoia, respeita e promove o respeito aos diferentes grupos, principalmente aqueles que são tradicionalmente sub-representados, além de atender suas necessidades. Além disso, em que medida a instituição reconhece a importância da diversidade como elemento que agrega valor para as relações e tem atitudes e ações de fomento ao respeito pela diversidade (Denson & Bowman, 2013; Mosley-Howard et al., 2011). O segundo fator foi nomeado “bem-estar” e diz respeito à avaliação subjetiva do indivíduo em relação à sua vida, isto é, o quanto ele considera esta positivamente, percebendo-se satisfeito, realizado, feliz ou contente (Yıldırım & Çelik Tanrıverdi, 2020).
O terceiro fator foi nomeado “enfrentamento institucional ao abuso ou assédio” e relaciona-se às percepções dos sujeitos sobre as práticas da universidade frente às denúncias destas violências. Estas referem-se a uma série de comportamentos ofensivos, perturbadores e indesejados, sejam eles físicos, verbais ou psicológicos, podendo ser de natureza sexual, e que ocorrem numa relação de desequilíbrio de poder, seja ele físico, psicológico ou instituído (Cantor et al., 2017; Linhares et al., 2021; Wood et al., 2021).
O quarto fator foi nomeado “indicadores de ansiedade e depressão” e refere-se ao quanto os indivíduos percebem sintomas indicativos de ansiedade e depressão, como desânimo, preocupações constantes e dificuldades de relaxar. Ansiedade e depressão são considerados transtornos de saúde mental (Ribeiro et al., 2020; World Health Organization, 2017).
O quinto fator foi nomeado “engajamento acadêmico institucional” e refere-se às percepções quanto ao envolvimento dos membros da instituição (docentes e técnicos) no processo educativo dos estudantes, como atenção às suas dificuldades, necessidades e desempenho. O engajamento acadêmico é compreendido como o empenho e participação do estudante nas atividades de aprendizagem (Alrashidi et al., 2016; Lei et al., 2018) e envolve, ainda, o esforço da instituição, como disponibilização de recursos, seu incentivo para o uso, e as ações dos professores (Martins & Ribeiro, 2017).
O sexto fator foi nomeado "indicadores de vitimização" e refere-se à percepção dos membros da universidade sobre sofrerem diferentes formas de agressão, seja ela social, verbal ou psicológica (Aizpurua et al., 2018; Roza, 2018).
O sétimo fator foi nomeado “segurança” e refere-se ao quanto a instituição é percebida como um espaço seguro para conviver, estar e permanecer nos seus espaços e entornos (caminho de ir e vir) (Lenzi et al., 2017; Yano et al., 2021). O oitavo fator foi nomeado “suporte social e institucional percebido” e diz respeito ao quanto os sujeitos percebem apoio, cuidado, estima e ajuda na universidade, seja de amigos ou professores (Carvalho et al., 2011; Roza, 2018; Yano et al., 2021).
O fator geral de segunda ordem pode ser computado para avaliação do Clima Ético Universitário. Os fatores “indicadores de ansiedade e depressão” e “indicadores de vitimização” apresentaram relação negativa e os fatores “segurança”, “engajamento acadêmico institucional”, “acolhimento institucional à diversidade”, “bem-estar”, “enfrentamento institucional ao abuso ou assédio” e “suporte social e institucional” apresentaram relação positiva para a composição do escore dessa variável.
No que tange à validade convergente e divergente, nota-se que os fatores da escala convergem e divergem entre si e com o indicador de segunda ordem, conforme o esperado teoricamente (Menin, 2019; Puig et al., 2000; Vinha et al., 2016; Zechi et al., 2021), o que ressalta propriedades psicométricas apropriadas no que tange a esse aspecto de avaliação (Echevarría-Guanilo et al., 2019). Há convergência entre os seguintes fatores: Segurança; Engajamento acadêmico institucional; Acolhimento institucional à diversidade; Bem-estar; Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; Suporte social e institucional percebido; Clima Ético Universitário - segunda ordem; Respeito e não discriminação, que, por sua vez, divergem dos fatores a seguir: Indicadores de vitimização; Indicadores de ansiedade e depressão. Em linhas gerais, maiores escores na escala de Clima Ético Universitário se associam às consequências socialmente positivas nas práticas universitárias e diminuição da vitimização e problemas de ansiedade e depressão entre estudantes universitários (Vinha et al., 2016; Zechi et al., 2021).
Em relação à validade preditiva proposta no modelo de regressão, verifica-se que seis dos oito fatores foram preditores da ocorrência de respeito e não discriminação. Os fatores Segurança; Engajamento acadêmico institucional; Acolhimento institucional à diversidade; Indicadores de vitimização; Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; Suporte social e institucional percebido, da escala de Clima Ético Universitário, foram preditores significativos da Percepção de Respeito e Não Discriminação. Isso significa que quando a instituição promove políticas e práticas de acolhimento à diversidade, segurança, suporte social e não violência (Garvey et al, 2018; Lenzi et al., 2017; Roza, 2018; Souza et al., 2019; Yano et al., 2021) e o engajamento acadêmico institucional, maior será a percepção de ações respeitosas e não discriminatórias na universidade.
Cabe salientar que os indicadores Bem-estar; Indicadores de ansiedade e depressão não terem demonstrado relação significativa pode corroborar que esses fatores se apresentam mais distais das políticas e práticas institucionais que promovem a efetiva percepção de ações respeitosas e não discriminatórias na universidade (Casassus, 2002; Mitchell et al., 2016). Ao retomar a concepção de Clima Universitário apreende-se esta variável como nível macro de análise e inferência (Schneider et al., 2013). Portanto, o maior peso atribuído para os fatores que teorizam sobre a realidade institucional de forma expandida (Segurança; Engajamento acadêmico institucional; Acolhimento institucional à diversidade; Indicadores de vitimização; Enfrentamento institucional ao abuso ou assédio; Suporte social e institucional percebido) se adequa à proposta de avaliação em questão e estabelece evidências para que estudos futuros possam apreender se, de fato, aspectos próprios da dimensão individual (Bem-estar; Indicadores de ansiedade e depressão) devem ser mantidos e avaliados por meio de instrumentos que se propõem a compreender o Clima Universitário.
Em suma, a escala possibilita a avaliação de Clima Ético Universitário, o que é importante para pesquisadores e profissionais interessados em compreender percepções, comportamentos, atitudes, sentimentos e expectativas compartilhadas pelos membros da comunidade educativa, em relação às políticas e práticas promovidas no contexto universitário (Ryder & Mitchell, 2013) que potencializam a Convivência Ética (Menin, 2019; Puig et al., 2000; Zechi et al., 2021).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A principal contribuição deste estudo está na proposição de propriedades psicométricas de um instrumento de avaliação do clima universitário, especificamente Clima Ético Universitário, cujas bases fundamentadas na Convivência Ética podem abranger maior desenvolvimento moral, desempenho e saúde aos atores sociais nas instituições em que tal clima for promovido. Entre as limitações, destaca-se a necessidade de expandir as evidências em outros contextos universitários e transculturais para avaliar a estabilidade e generalização das evidências encontradas. Também é desejável expandir a amostra em termos funcionais, abrangendo técnicos, professores, entre outros atores inseridos no espaço educacional e de convivência da universidade. Outra limitação evidenciada foi que poderia ter-se acrescentado ao estudo outro instrumento de clima universitário para avaliar as provas de validade convergente e discriminatória do instrumento.
Estudos que busquem promover evidências de validade baseadas nas relações com outras variáveis também podem facilitar o mapeamento da rede nomológica do construto e, com isso, expandir as possibilidades de uso e aplicações mediante interfaces com outras áreas e conceitos que se mostram fundamentais para a promoção da Convivência Ética de modo expandido. Afinal, a realização do potencial humano nos ambientes educacionais, incluindo o espaço universitário, perpassa pelo desenvolvimento moral e eticamente valorativo que vise consequências socialmente positivas. Aos pesquisadores e praticantes interessados em tal proposição, oferece-se a Escala de Clima Ético Universitário (ECEU) como alternativa para rastreio e desenvolvimento futuro da Convivência Ética em múltiplos contextos.