O movimento do acesso livre ao conhecimento tem uma história rica e diversificada. Entre as iniciativas mais marcantes deste movimento, podem registar-se a criação e disseminação de repositórios institucionais de publicações; a criação dos bancos de dados de investigação abertos e a criação de revistas de acesso livre. Todas estas abordagens e estratégias são extremamente importantes como recursos de disseminação e de democratização de acesso ao conhecimento.
As publicações científicas de acesso livre apresentam várias virtualidades na disseminação da produção académica e científica, quer para os autores, quer para os seus leitores. Entre essas virtualidades, a literatura identifica as seguintes: (1) Democratização do acesso ao conhecimento; (2) Maior rapidez na disseminação do conhecimento; (3) Maior visibilidade e, consequentemente, maior impacto.
Às vantagens elencadas, pode acrescentar-se a maior rapidez na publicação, particularmente no caso das revistas digitais de publicação contínua, tendência crescente nas revistas de acesso livre, modalidade de edição que a RPE recentemente adotou (Pereira et al., 2023).
As características referidas têm implicações importantes no ecossistema académico e científico. Mesmo que indiretamente, contribuem para o desenvolvimento de redes de colaboração internacional, decorrentes de um maior conhecimento do trabalho desenvolvido por autores de diversos países, o que pode conduzir ao estabelecimento de contactos e parcerias de investigação e coautoria. Quando associadas a uma política de publicação contínua que, potencialmente, diminui o tempo entre a submissão dos manuscritos e a sua divulgação, podem contribuir para uma mais rápida disseminação e aplicação do conhecimento divulgado. Acresce que, quando articuladas com uma política de disponibilização de dados nos repositórios/bancos de dados de investigação, incentivam maior transparência relativamente à investigação assim como um melhor e maior aproveitamento dos dados de investigação recolhidos, maximizando assim os investimentos e esforços associados à investigação científica.
Apesar das suas virtualidades, as publicações de acesso livre enfrentam diversos desafios, alguns comuns às publicações comerciais, mas outros que lhe são específicos. Entre estes últimos, destaca-se o problema da sustentabilidade financeira, particularmente no caso das revistas de acesso livre sem taxas de publicação e de acesso gratuito a leitores, publicações que se inserem no designado Acesso Aberto Diamante, conceito consolidado e amplamente disseminado particularmente a partir da publicação do Relatório sobre o Acesso Diamante publicado pela Comissão Europeia (2021).
A inexistência de taxas de publicação é uma condição determinante para uma maior democratização da oportunidade de publicação académica e científica, limitando as condições de publicação ao mérito da pesquisa e à qualidade da forma como é comunicada, evitando que a menor disponibilidade de financiamento dos autores seja fator limitante na capacidade de publicar. Com efeito, apesar da existência de publicações científicas com taxas de publicação que têm algumas medidas no sentido de atenuar este constrangimento - como sejam taxas diferenciadas para certa tipologia de autores (por exemplo, estudantes) ou para autores que colaboram nessas publicações como revisores - o financiamento é um fator que continua a dificultar e limitar o acesso à oportunidade de publicação nessas revistas, podendo conduzir a uma sub-representação de autores com menores recursos financeiros.
Criar e manter uma revista científica em acesso livre - tipicamente revistas digitais - tem encargos significativos, de entre os quais se destacam a manutenção de plataformas de publicação; serviços (sistema) de deteção de plágio; serviços de revisão linguística e de formatação de texto, custos associados ao arquivamento digital, entre outros. Daqui decorre que a existência de revistas com tipologia Diamante está dependente de formas alternativas de financiamento, como sejam financiamentos institucionais ou mecenato, mesmo considerando que muitos outros processos essenciais, associados aos próprios autores, editores e revisores, são, na maioria dos casos, suportados de forma graciosa pelos mesmos. Por conseguinte, aumentar a qualidade e a robustez das publicações científicos de acesso livre (e mais ainda sem taxas de publicação) depende de todo um ecossistema de intervenientes e de relações e pode ser perspetivado como uma responsabilidade social dos investigadores e autores, mormente daqueles cuja investigação é financiada por fundos públicos.
O processo de publicação académica e científica tem diversos intervenientes, entre os quais se destacam os editores, os autores, os revisores e os leitores. Em uma, ou em várias destas categorias de agentes, todos nós somos membros do ecossistema complexo que é a atividade de investigação e disseminação científica, e a cada um de nós cabe a responsabilidade coletiva de contribuir para sua consolidação.
Os autores são, em paralelo com os seus leitores, os destinatários centrais deste ecossistema. E se a ambos cabe o usufruto principal da existência de publicações científicas de acesso livre, é legítimo pedir-lhes uma corresponsabilização na consolidação dessas mesmas publicações. Aos autores pede-se que resistam à tentação de publicar em revistas que o próprio ecossistema científico classifica de “predatórias”, uma expressão disseminada por Beall (2012). Revistas que, cobrando taxas de publicação, se pautam pela ausência ou fraca qualidade de processos de revisão científica, linguística ou gráfica, afigurando-se um “modelo de negócio” que, independentemente da sua legitimidade legal, configura um contexto de duvidosa legitimidade no que concerne à publicação científica e académica. Tais práticas, em que frequentemente é a própria revista que convida o autor a publicar, muitas vezes propondo a publicação de textos (similares a outros) já publicados em atas de eventos científicos, podem contribuir para uma perceção de baixa qualidade e/ou eficiência das revistas de acesso livre, diminuindo a sua credibilidade. Importa, assim, que os autores priorizem revistas com processos exigentes de revisão por pares, contribuindo deste modo para a sua consolidação. No mesmo sentido, importa que os autores aceitem priorizar a publicação de estudos e manuscritos da mais alta qualidade em revistas de acesso livre, mesmo que em detrimento da sua publicação em revistas eventualmente já mais consolidadas, prestigiadas ou com maior fator de impacto, como forma de contribuírem para o acesso ao conhecimento por todos, colocando, assim, efetivamente o seu conhecimento disponível a um maior número de leitores.
Sendo os leitores os destinatários da publicação científica e académica, também a eles cabem responsabilidades no desenvolvimento e consolidação das revistas de acesso livre. Se o acesso livre permite que os investigadores ou leitores de ciência tenham ao seu dispor um maior número de publicações sem carácter oneroso, de eles se espera contribuírem para a sua divulgação, fator importante para a consolidação e reconhecimento das mesmas.
Nesta equação entre autores e leitores, muitas vezes num movimento de tandem, é frequentemente esquecido, ou menorizado pela insuficiente valorização, o papel essencial dos revisores científicos, garante da qualidade e da credibilidade das publicações científicas. A função dos revisores é, de facto, crucial para que qualquer publicação científica possa cumprir as suas funções de disseminação de conhecimento, assegurando que as mesmas apresentam investigação original, respeitadora do trabalho e conhecimento já existentes, eticamente desenvolvida, significativa, relevante, publicada e disseminada num curto prazo de tempo. Aos revisores científicos cabe a responsabilidade científica de “validar” o rigor e a relevância científica dos textos que analisam e a responsabilidade académica e pedagógica de contribuir para a melhoria da qualidade dos mesmos e também para o desenvolvimento dos respetivos autores. Desta forma, os revisores, em parceria com os editores, são os “garantes” da qualidade e rigor das publicações com as quais colaboram. Tratando-se de uma atividade exigente do ponto de vista académico, científico e de disponibilidade, efetuada, na sua generalidade, com caráter voluntário e sem remuneração, a revisão científica deveria ser altamente valorizada académica e socialmente, desse modo reconhecendo o contributo indiscutível dos revisores para a qualidade da publicação. Este reconhecimento e valorização é ainda mais importante quando, progressiva, mas lentamente, caminhamos no sentido dos processos de revisão por pares aberta, que reforça o escrutínio do papel e das funções dos revisores, tornando-o mais visível e mais exigente, nomeadamente na dedicação de tempo exigida pelo esse processo.
Entendemos que a consolidação das políticas de acesso livre ao conhecimento, particularmente no caso das publicações científicas, é uma prática de grande valor societário e para a qual todos somos chamados a contribuir, numa lógica de serviço ético. Apesar de todos os constrangimentos com que também se debate, a Revista Portuguesa de Educação tem assumido as suas responsabilidades e continuará a empenhar-se no sentido de consolidar e reforçar as suas práticas em prol da construção do ecossistema das Publicações Científicas de Acesso Livre.