1. Introdução
A emergência no que tange à incorporação das tecnologias digitais no processo de ensino e aprendizagem no cenário da educação está posta em inúmeras pesquisas e estudos já publicados. É inegável o crescimento da disponibilização de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) e a disposição destas a crianças, jovens e adultos, atualmente. Nesse sentido, torna-se arbitrária uma desarticulação de apropriação dessas tecnologias, considerando seu uso produtivo. Entende-se, ainda, que há limitações e ‘inapropriações’ quanto à usabilidade das tecnologias digitais em prol da Educação, tema que não se esgota nesta discussão.
São incalculáveis os desafios inerentes ao processo de ensino, postos aos docentes diariamente em sua vivência prática em diferentes ambientes de aprendizagem. A vivência da cultura digital é um deles. Considera-se que “a inserção das tecnologias digitais na vida escolar, com a consequente inserção da escola no modo de ser e de fazer mediado pelas tecnologias digitais, com sua lógica procedimental e sua racionalidade próprias, é o que chamamos cultura digital” (Nonato, 2020, p. 551). As instituições de ensino ainda estão “descoladas” da cultura digital e mantêm suas práticas muito distantes da fluidez e conectividade vivenciada pela sociedade da informação. Suas práticas continuam pautadas na lógica da transmissão de conteúdo e usufruem pouco do potencial colaborativo, criativo característico das tecnologias digitais.
Diante do exposto, e considerando a atuação docente, apropriar-se das TDIC é uma condição imperativa para a prática pedagógica atual. No entanto, saber utilizá-las não garante excelência no processo de ensino e aprendizagem, pois questões relacionadas ao contexto aplicável, à disponibilidade de recursos, ao acesso, à conexão com a internet, entre outros fatores, são fundantes para sua utilização.
No contexto da educação, em um cenário em que se fez necessário romper as limitações e os desafios quanto à apropriação de tecnologias digitais para manter a oferta do ensino diante de um contexto pandêmico, foi ainda mais desafiador utilizá-las para subsidiar a atuação do docente no contexto do Ensino Remoto Emergencial (ERE).
Neste estudo, será considerado um recorte do Ensino Remoto Emergencial vivenciado pela instituição de ensino pesquisada durante o período pandêmico que conduziu a momentos de isolamento social, com fechamento de escolas e universidades e o retorno ao ensino presencial após essa experiência.
O campo empírico desta investigação foi uma instituição de ensino superior do Brasil que oferta cursos de graduação e pós-graduação lato e stricto sensu que, diante da pandemia da Covid-19, adotou para a sua prática educacional o Ensino Remoto Emergencial. A referida instituição, a partir da data de publicação do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, suspendeu de forma integral as atividades acadêmicas presenciais e implementou ações de planejamento e execução para operar no novo modelo de ensino.
Diante disso, em apenas uma semana, a instituição se estruturou para a nova forma de ensino, retomando as aulas remotas de 289 disciplinas de todos os cursos em andamento (totalizando 1395 alunos), em 23 de março de 2020. Isso foi possível pela ação de estruturação de um grupo de trabalho multidisciplinar intitulado Força Tarefa, formado por profissionais da pró-reitoria, coordenação pedagógica, inovação acadêmica, docentes e suporte administrativo e tecnológico, que ficou responsável pelas ações de planejamento, implementação e apoio aos docentes e discentes nesse processo.
De forma a orientar a prática docente, foi criado um documento contendo o modelo padrão de aula e orientações preliminares para aulas remotas. Nesse modelo, todas as aulas deveriam ser compostas por pelo menos um recurso audiovisual, conteúdos e atividades atrelados aos objetivos de aprendizagem. Foi estabelecido também que cada aula deveria ter uma entrega por parte do estudante que deveria ser realizada, preferencialmente, durante a aula. Esta entrega de aula funcionou como mecanismo de autoavaliação para o discente, inputs do processo de aprendizagem para o docente e registro de frequência. Foi definido também que as aulas fossem gravadas e disponibilizadas para os estudantes de forma a contemplar os que não conseguiram participar por questões de conexão.
Visando dar suporte ao docente nesse processo de adaptação ao modelo remoto, no momento em que a Instituição anunciou a suspensão das aulas presenciais, cada professor recebeu uma mensagem da mediadora pedagógica que iria apoiá-lo no processo. Essa ação foi importante para assegurar ao docente que ele não estava sozinho e que teria apoio na superação do desafio de ensinar no formato remoto. Além de dar apoio ao docente, a mediadora pedagógica avaliava os planos de aulas, acompanhava as ações nas salas do Google Classroom™, além de intermediar questões trazidas pelos discentes.
Após os docentes vivenciarem essa experiência com o ERE, tornou-se necessário compreender as implicações para a prática docente após o regresso ao ensino presencial. Diante desse contexto, o presente estudo buscou investigar: quais as apropriações críticas do uso das tecnologias digitais na prática docente, no processo de retorno ao ensino presencial após o Ensino Remoto Emergencial? Para tanto, foi realizada uma análise longitudinal, onde os professores da graduação da referida instituição foram os sujeitos desta investigação.
A partir dos resultados foi possível identificar que os aprendizados construídos durante o ERE não foram ignorados pelos docentes que participaram desta investigação. Ao retomar o ensino presencial, os docentes relataram que houve ganhos referentes à atuação da prática no que tange a manutenção do uso das tecnologias e metodologias digitais.
A partir de agora serão discutidos aspectos conceituais e metodológicos com a finalidade de tentar responder ao questionamento supracitado.
2. Aspectos Conceituais Sobre a Educação no Contexto da Cultura Digital
Entre as discussões emergidas na educação, no que se refere ao ensino em tempos de pandemia, discutem-se conceitos relacionados à educação a distância e ao ensino remoto. Nesta perspectiva, surge uma inquietação por parte dos pesquisadores deste estudo para conceituar e caracterizar esses termos que possuem características próprias. A relevância dessa compreensão é decorrente de tais termos estarem em evidência no meio educacional em publicações científicas e debates nas universidades, por exemplo, além da emergência de clareza para entendimento e aplicação no contexto diário no meio educacional.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9394/96 regulamenta a modalidade de ensino a distância no Brasil em seu artigo 80. O Decreto nº 9.057/2017 atualiza esta regulamentação e conceitua a educação a distância como:
a modalidade educacional na qual a mediação didático pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos. (Art. 1.º, Presidência da República do Brasil, 2017)
Diante do exposto, considera-se que o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) podem contribuir para a mediação na educação a distância, de modo a fortalecer os processos comunicacionais, informacionais e educacionais do fazer educativo e a prática pedagógica nos diferentes âmbitos formativos da educação - formal e não formal. Neste contexto, pode-se agregar artefatos tecnológicos digitais que potencializem a condução e a execução do ensino, como: computador, tablet, smartphone, entre outros, quando efetivamente aplicados, a fim de desenvolver práticas contextualizadas e alinhadas com os objetivos e as metas educacionais predefinidos (Nonato et al., 2017).
Para além dessa discussão, uma educação a distância que de fato contribua para potencializar a aprendizagem dos estudantes requer, principalmente: objetivos predefinidos, aderentes e aplicados ao contexto dos estudantes; um currículo estruturado a partir de aspectos técnicos e pedagógicos fundamentados teoricamente, além de considerar experiências práticas; um planejamento coerente desenvolvido por professores especialistas e com acompanhamento pedagógico efetivo; o desenvolvimento de materiais didáticos embasados, contextualizados com a vivência dos estudantes e que contemplem aspectos pedagógicos e técnicos que propiciem a aprendizagem; a mediação ativa - pedagógica e docente - no ambiente virtual de aprendizagem; e o estudante no centro do seu próprio processo de ensino e aprendizagem, com voz e atitudes ativas.
Face ao exposto, é evidente que a educação a distância não ocorre “do dia para a noite”, visto que há a necessidade de organização estruturante, desde a elaboração do currículo, desenvolvimento, até a oferta, etapas que, na maioria das instituições, não foram possíveis de serem realizadas dada a urgência da implantação do Ensino Remoto Emergencial.
O ERE esteve em evidência e repercussão a partir da pandemia da Covid-19. O Parecer CNE/CP 16/2020 (Ministério da Educação do Brasil, 2020) discute orientações educacionais que visavam instruir a realização de aulas e atividades pedagógicas presenciais e não presenciais no contexto da pandemia, mas não conceitua o ensino remoto como tipo ou modalidade de ensino. Ademais, dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios analógicos e/ou digitais, enquanto durasse a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, e revoga as Portarias MEC nº 343, de 17 de março de 2020, nº 345, de 19 de março de 2020, e nº 473, de 12 de maio de 2020.
O Ensino Remoto Emergencial vem sendo interpretado sob perspectivas distintas nos âmbitos formativos. Para Behar (2020), o termo “remoto” evidencia distanciamento referente ao espaço geográfico e, nesse contexto, docentes e estudantes passam a estar em diferentes espaços físicos. Este distanciamento físico teve respaldo legal, conforme supracitado, com o objetivo de evitar a disseminação do vírus. Dadas as potencialidades dos meios digitais, quando possível o acesso dos alunos à internet, o ERE se constituiu em um espelho do presencial com manutenção dos dias e horários de aulas, momentos síncronos com o professor e realização de atividades. Esta migração aligeirada e não planejada, dadas as circunstâncias sanitárias, constitui-se em um dos principais argumentos dos que entendem a Educação a Distância (EaD) e ERE como diferentes. Contudo, há pesquisadores que entendem o ERE como uma variação da EaD.
Entendemos que a separação no tempo e/ou no espaço entre os sujeitos do ensino-aprendizagem e o uso de tecnologias que viabilizam a mediação pedagógica são as características basilares que fazem com que o ERE seja uma configuração possível para tudo aquilo que chamamos de EaD. O caráter emergencial tem sua importância, porque ele precisa compreender a situação histórico-social da pandemia. Mas apenas esse elemento não é, para nós, suficiente para defender uma cisão entre EaD e ERE, como tem sido feito recentemente (Veloso & Mill, 2022, p. 17).
O fato é que, apesar do esforço de muitos docentes para reinventarem suas práticas pedagógicas e se apropriarem das TDIC, na maioria das Instituições, o Ensino Remoto Emergencial não foi estruturado como EaD. Dessa forma, mesmo compartilhando as mesmas condições universais e necessárias da separação tempo/espaço e mediação pedagógica, há de se reconhecer que, apesar de as duas estarem no bojo das práticas educacionais no contexto da cultura digital, as condições de sua realização não são iguais, nem para docentes nem para os discentes.
3. Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação
A concepção de tecnologia, para os autores deste artigo, está para além da apropriação de artefatos tecnológicos. Neste sentido,
existe uma percepção primária de que a tecnologia é algo externo, que está presente em algum lugar para ser utilizada. Esta é uma interpretação que evidencia a tecnologia como um instrumento, algo que a pessoa pode se apropriar para resolver um fenômeno operacional. Em contraponto a esta visão, todo ato tecnológico, antes dessa percepção utilitária, de artefato, é um ato humano. Nesse sentido, a tecnologia compõe o ser humano, pois o sujeito se comunica, se expressa através de uma apropriação tecnológica (Pinheiro, 2022, p. 31).
A partir desta perspectiva, a tecnologia não é algo externo, pois faz parte do processo cognitivo criativo dos seres humanos, logo, é inerente à concepção humana e à sua organização em sociedade. Constitui-se a partir do princípio criativo e transformativo do ser humano e, dessa forma, está ligada à produção material e simbólica, que não se limita à assimilação, à reprodução de modos de fazer predeterminados, estanques e definitivos (Lima Júnior, 2005). Diante disso, compreende-se que a tecnologia possibilita o desenvolvimento de artefatos tecnológicos e estes propiciam ações em sociedade.
Assim, entende-se a tecnologia como um desdobramento humano, um constructo da sociedade que deve ser naturalmente apropriado pela educação no sentido de tornar os momentos de aprendizagem mais colaborativos, criativos, autorais, potencializando a aprendizagem.
Nesse sentido, depois da experiência com o ensino remoto na educação, vivenciada em diferentes contextos educacionais de ensino, o uso das TDIC para finalidades educacionais não pode ser mais ignorado. Principalmente porque o contexto da pandemia deu visibilidade ao modo nunca antes experimentado dessas tecnologias na mediação de processos educativos.
Contudo, ressalta-se a hipertrofia no que tange ao formato de uso de TDIC no processo de mediação pedagógica supracitado. Face ao exposto, embora haja potencial quanto ao seu uso na educação, ainda é desafiador implementar sua prática, pois a experiência vivenciada durante o ERE deixou nítidas as graves assimetrias quanto ao acesso e domínio das TDIC na educação (Nonato & Cavalcante, 2022).
Romper com as dificuldades conectadas à implementação das TDIC na prática pedagógica é e será uma atribuição complexa se considerada para além de uma adoção simplista de processos e/ou implantação de sistemas digitais. Portanto, a necessidade de formação continuada (Tardif, 2014; Barreto, 2015) de professores para a cultura digital (Kenski, 2018; Nonato, 2020) implica o reconhecimento da escola como espaço formativo por excelência; perspectiva pela qual cada formação precisa dialogar com as realidades autóctones, abandonando o modelo das formações gerais e descontextualizadas, na concepção do desenvolvimento profissional abraçada por Marcelo (2009), no intuito de potencializar “a capacidade do professor de gerar conhecimentos pedagógicos por meio da prática educativa” (Imbernón, 2010, p. 50).
4. Prática Docente no Âmbito Formativo Investigado: do Ensino Remoto ao Presencial
A instituição de ensino - locus investigado neste estudo - adotou o Ensino Remoto Emergencial (ERE) no início do período de isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19, em março de 2020. Esta prática teve como objetivo manter a execução das aulas que ocorriam presencialmente diante de um cenário de necessidade de distanciamento físico das pessoas, de modo a evitar a disseminação do vírus.
A adoção do ERE foi pautada na instituição investigada e teve o formato de utilização de mediação tecnológica digital através de plataformas digitais - Google Sala de Aula™, Google Meet™ e Microsoft Teams™; e Ambiente Virtual de Aprendizagem - Canvas. Em decorrência disso, o ERE despertou a atenção da equipe educacional envolvida no processo - Professores, Coordenação Técnica e Pedagógica - para os desafios da apropriação dessas tecnologias digitais para uso pedagógico, consoante a compreensão de que
a adoção de modelos de Ensino Remoto Emergencial (ERE) nos mais diversos formatos trouxe à luz as graves dificuldades para a inserção das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) na vida escolar, como expressões palpáveis da cultura digital que enfeixa a sociedade em rede, sejam de natureza infraestrutural, cultural e/ou formativa: a necessidade de utilizar tecnologias digitais para a mediação pedagógica de modo tão abrupto expôs violentamente o fosso que separa o uso social das tecnologias digitais nos mais diversos setores da sociedade e o lugar que elas ocupavam na vida dos sujeitos da educação brasileira (Nonato & Cavalcante, 2022, p. 21).
Diante da urgência para efetuar a virada das atividades presenciais para o ERE, os professores precisaram se (re)posicionar e se (re)adaptar rapidamente, mesmo em meio a dificuldades relacionadas à apropriação das tecnologias digitais, acesso à internet e disponibilidade de artefatos tecnológicos. O movimento de readequação e readaptação também se deu no caminho inverso, pois a melhora do quadro epidemiológico e a abertura das instituições educacionais levou à transição do ensino remoto para o presencial, e novamente as práticas pedagógicas em curso precisaram ser revistas. Nesse ponto, este estudo se apresenta como possibilidade de investigação do modo como a experiência do ERE é apropriada pelos docentes, considerando-se a relevância do aprendizado adquirido durante este processo de transição do presencial para o ERE e de volta ao presencial, bem como avaliando os processos pedagógicos desenvolvidos durante o ERE que possam ou não contribuir para a prática docente após o retorno do ensino presencial.
Essa atitude crítica parte da compreensão de que não se pode ignorar os conhecimentos pedagógicos e tecnológicos construídos durante a prática docente vivenciada no ERE, e entender que bastaria retomar o mesmo modo de ensinar anterior à pandemia, sem considerar os processos pedagógicos vivenciados e o que eles aportaram de possibilidades para os processos educativos. Tampouco se pode ignorar as influências da cultura digital no processo de educação e a necessidade de apropriação das tecnologias digitais da informação e comunicação para ensinar.
A cultura digital é desdobramento dos processos sociotécnicos de nosso tempo, em diálogo com “alguns aspectos da cultura popular, mas sem extingui-la integralmente” (Kenski, 2018, p. 140), pois “a cultura digital se enquadra como a expressão cultural da sociedade em rede sem negar as culturas locais” (Nonato & Cavalcante, 2022, p. 29). Contudo, é ingênuo pensar que a cultura digital está próxima da realidade das instituições de ensino em geral. Nonato & Contreras-Espinosa (2022) afirmam que há “a necessidade de formação de professores para uma efetiva inculturação digital na Educação” (p. 15).
Diante desse contexto, tornam-se ainda mais relevantes as discussões deste estudo, pois trazem desdobramentos da prática vivenciada durante e após o ERE sob a perspectiva do docente. Nesse sentido, este texto visa comunicar o resultado de uma pesquisa realizada com os docentes de um âmbito formativo específico, de modo a publicizar o conhecimento com a comunidade docente em geral.
5. Metodologia
A proposta metodológica que subsidiou este estudo foi a Análise de Emergência de Conceitos (AEC), preconizada por Pinheiro (2012). Trata-se de uma metodologia para análise cognitiva que permite identificar conceitos e perceber as relações entre eles, assim como o grau da dinâmica, evidenciando conceitos básicos e voláteis. Esta escolha justifica-se por ser uma metodologia focada na análise de questionários abertos e nas relações de conceitos que aparecem a partir de questionários de formulação aberta.
Trata-se de uma perspectiva metodológica inovadora que está sendo experimentada no âmbito dos programas de Pós-graduação em Educação (FACED - Universidade Federal da Bahia/Brasil) e Difusão do Conhecimento (PPGDC - Multi-institucional), desenvolvida a partir de uma tese de doutoramento de Pinheiro (2012), já tendo sido utilizada com sucesso em trabalhos publicados em periódicos científicos da área de Educação (da Silva & Pinheiro, 2019) e Difusão do Conhecimento (da Silva & Pinheiro, 2023). O exercício de aplicação da AEC é um ato propositivo de metodologias aplicadas à análise cognitiva, um dos pilares epistemológicos do Programa de Doutorado em Difusão do Conhecimento, que busca investigar e analisar estratégias para publicizar o conhecimento em distintos contextos.
Pinheiro (2012, p. 16) traz uma possibilidade para entender a AEC “desde contextos lineares de baixa dinâmica [...] até contextos complexos em que a emergência e a ressignificação dos conceitos se dão de forma dinâmica e contextualizada pelos atores que permeiam o contexto comunitário”. Assim, por meio da AEC, pode-se mapear comunidades epistêmicas ou comunidades institucionais de aprendizagem para criar uma modelagem de currículo, seja em ambiente formal ou não formal de aprendizagem.
Neste estudo, o desenvolvimento da AEC tem como foco o campo da educação, a partir da análise de percepções de sujeitos que vivenciam o mesmo contexto sob a perspectiva docente. Trata-se de uma metodologia de prospecção de emergência de conceitos, utilizada com a finalidade de analisar o processo de construção do conhecimento desses sujeitos e, nesta pesquisa, algumas fases foram desenvolvidas (Figura 1).
Nesse sentido, os pesquisadores definiram um tema gerador - Apropriações das tecnologias digitais na prática docente, após ensino remoto emergencial - que deu início ao processo investigativo. Em seguida, iniciou-se o registro ideográfico das fontes geradoras a partir da coleta de dados realizada com os sujeitos. As respostas obtidas foram traduzidas para a língua Inglesa, de modo a propiciar a interpretação por meio de um software específico de análise semântica: Tropes, analisador semântico em inglês. Ademais, foi utilizado um tipo de representação - análise por meio de redes, que se compõem de vértices e ligações - desenvolvido por meio da plataforma de composição e análise de redes - Gephi.
No que tange à análise semântica, é de se notar que a tradução das respostas representa um elemento algo fragilizador da pesquisa. Todavia, isto é minimizado na medida em que o enfoque metodológico não está diretamente na análise semântica, mas na possibilidade de relação entre os conceitos que emergem nessa análise. O tratamento, nessa perspectiva, não é linear e se dá com o enfoque na concepção topológica das redes de conceitos que emergem a partir dessas relações. No comportamento topológico, como é oriundo de uma perspectiva complexa na qual a autossimilaridade é estruturante, as redes emergentes acompanham essa autossimilaridade topológica independentemente do idioma escolhido para a análise. As categorias de análise são universos de referências baseados em bases epistemológicas generalizantes que transversalizam os idiomas e se afastam da tradução linear de textos.
Nesse sentido, a AEC é composta por uma prospecção semântica computacional que se desdobra em composições de relações, composição de redes com nós e arestas que são tratadas computacionalmente em geradores e analisadores de redes. A análise se dá evidenciando as áreas mais densas, intermediárias e menos densas dessas redes, procurando identificar conceitos aferentes, em estado de transição (estado T) e eferentes.
Posteriormente, verificou-se a emergência dos conceitos aferentes, eferentes e de estado T, para compor a análise de conceitos originada no entorno do tema gerador. Os conceitos aferentes são estruturantes das relações; têm baixa dinâmica nas relações de uma composição curricular ou de uma composição de um determinado tipo de análise que está sendo feito. Os conceitos eferentes são os mais voláteis e ficam nas periferias das redes; mais ligados à inovação, logo, estão relacionados aos conceitos-chave que geraram as redes. Já os conceitos em estado “T” são transitivos; eles articulam os conceitos aferentes (estruturantes de baixa dinâmica) e os eferentes (conceitos voláteis que estão nas bordas das redes).
O instrumento de recolha de dados utilizado foi um questionário misto no formato digital, dessenvolvido pelos autores a partir de apropriações empíricas vivenciada no locus, utilizado com o grupo específico de sujeitos desta pesquisa e aplicado exclusivamente online, uma vez que parte do público investigado tem vínculo institucional como horista e encontrava-se fisicamente na unidade de ensino apenas para ministrar as aulas, dificultando a abordagem via formulário analógico. Os questionamentos desenvolvidos para esse processo investigativo foram estruturados a partir de questões objetivas e discursivas, a partir da lógica de realização de ensino partindo do remoto para o presencial, considerando a vivência dos docentes. As questões objetivas tiveram como finalidade evidenciar aspectos quantitativos referentes ao público investigado, tais como: sexo, faixa etária, escolaridade, ferramentas e plataformas utilizadas pelos docentes. Por seu turno, as questões discursivas foram a base conceitual para realizar a análise de emergência de conceitos discutida na metodologia desta pesquisa.
O questionário foi dividido em seis seções, conforme detalhado no Quadro 1:
Assim, objetivou-se identificar e compreender, a partir da amostra pesquisada, as estratégias e as práticas utilizadas durante o ERE e que foram mantidas com o retorno ao presencial.
5.1 Apresentação e Discussão de Resultados
De um universo de cento e trinta docentes da graduação, vinte por cento responderam ao questionário, sendo obtidas vinte e seis respostas.
Inicialmente foram analisados os dados oriundos das questões objetivas. O perfil de docentes foi composto de 53,8% (n=14) do sexo feminino e 46,2% (n=12) do sexo masculino. A faixa etária desses profissionais é diversificada, pois 19,2% (n=5) indicaram ter até 34 anos; 46,2% (n=12) entre 35 a 50 anos; 30,8% (n=8) entre 51 a 65 anos; e 3,8% (n=1) acima de 66 anos. Entre eles, 7,7% (n=2) são especialistas; 65,7% (n=17), mestres; e 26,9% (n=7), doutores. A partir desses dados, pode-se considerar que a maioria dos sujeitos, quanto ao gênero, é do sexo feminino, possui idade entre 35 e 50 anos e formação acadêmica no nível de mestrado.
O questionário apresentou interrogativas sobre as percepções do ensino presencial antes do remoto, de modo a reconhecer situações comumente vivenciadas pelos docentes. O Quadro 2 apresenta os principais recursos tecnológicos e estratégias metodológicas utilizados no ensino presencial, anteriormente ao período de ERE.
Nesse sentido, percebeu-se que os sujeitos já utilizavam ferramentas ou aplicativos digitais como potencial recurso para o ensino presencial. Entre eles, o mais utilizado era o WhatsApp™, evidenciando um uso mais focado na comunicação do que em imbricamento com as práticas pedagógicas. Isto põe em evidência as assimetrias entre o uso social das tecnologias digitais e sua apropriação na mediação pedagógica, como salienta Nonato (2020). Ademais, entre as estratégias metodológicas utilizadas pelos docentes, destacou-se a exposição dialogada, indicada por 25 inquiridos. A aprendizagem baseada em problemas, a sala de aula invertida e a gamificação tiveram entre 11 a 8 escolhas. O retrato apresentado evidencia possível relação entre recursos tecnológicos utilizados antes do ensino remoto articulados às estratégias metodológicas, apesar de não ficar evidente o grau de apropriação quanto a sua utilização.
Bacich (2018) apresenta um processo de utilização das TDIC por parte dos docentes em 05 etapas: (i) exposição - apreensão das funcionalidades; (ii) adoção - substituição de tecnologias anteriores por mais novas; (iii) adaptação - reflexão do potencial da tecnologia e inserção nas suas práticas para potencializar o aprendizado; (iv) apropriação - uso crítico das tecnologias com vistas a melhoria da sua prática e (v) inovação - criação de práticas envolvendo as tecnologias com foco no aprendizado. Em última análise, entende-se que apropriação das tecnologias está relacionada ao que Buzato (2010) afirma ser nova mentalidade que enfatiza a participação, o conhecimento distribuído, a experimentação e a troca colaborativa.
Os docentes puderam também esclarecer parte da vivência durante o ensino remoto por meio das questões respondidas na respectiva seção do questionário. O Quadro 3 apresenta os principais recursos tecnológicos, sistemas de gerenciamento de conteúdo e estratégias metodológicas utilizados durante o ERE.
A partir dos dados do Quadro 3, percebe-se que a utilização de plataformas virtuais como o Google Meet™ foi intensificada, passando de 5 para 24 escolhas; e o Teams™ de 6 para 21 utilizações. Em contraponto, o WhatsApp™ passou de 15 para 8 escolhas. O descrito retrato fortalece o entendimento de que os docentes precisaram se apropriar das tecnologias digitais para conduzir o ensino durante o período em que o distanciamento físico se fez necessário, posicionando os sujeitos em um lugar de emergência de mudanças e aprendizados.
Pode-se inferir que a redução quanto à utilização do WhatsApp™ pode ter sido em decorrência de o Google Meet™ e Microsoft Teams™ suprirem a necessidade de uma comunicação instantânea, função também cumprida pelo aplicativo de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones.
Ainda nesta etapa, a utilização dos sistemas de gerenciamento de conteúdo, por exemplo, do Google Classroom™, foi ampliada. Tal fato foi evidenciado porque antes do ensino remoto apenas 11 sujeitos utilizavam o Google Classroom™ e, após a experiência do ERE, 23 sujeitos passaram a utilizá-lo. Esta amostra reforça a discussão de que as plataformas educacionais podem contribuir para o ensino intermediado por tecnologias, mesmo que a modalidade seja presencial.
No que tange às estratégias metodológicas utilizadas para apoio ao processo de ensino antes e durante o período do Ensino Remoto Emergencial, a exposição dialogada passou de 25 para 22 respondentes, respectivamente. Quanto à utilização de metodologias ativas: Sala de Aula Invertida passou de 10 para 15; Aprendizagem Baseada em Problemas de 11 para 14 indicações; Aprendizagem Baseada em Pares de 6 para 8 respostas. Esse recorte destaca que durante o ensino remoto as estratégias escolhidas pelos docentes propiciaram a atuação mais ativa dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem, com suporte de tecnologias digitais. Nesse sentido, malgrado as dificuldades inerentes à prática pedagógica no contexto da pandemia, o ERE permitiu processos de apropriação e uso de tecnologias digitais (Nonato, 2020; Bacich, 2018).
As interrogativas a respeito da prática docente no ensino presencial, após o período do ensino remoto, buscaram compreender se houve manutenção do uso de recursos tecnológicos e estratégias, bem como mudança no modo de ensinar. O Quadro 4 apresenta o resultado das questões objetivas referentes ao retorno ao presencial.
É possível perceber que 96,2% (n=25) dos sujeitos respondentes indicaram que continuam utilizando algum sistema de gerenciamento de conteúdos ou Ambiente Virtual de Aprendizagem, em sua maioria o Canvas. Destaca-se também a percepção de 92,3% (n=24) dos sujeitos quanto à manutenção de práticas intermediadas pelas tecnologias e mudanças no seu modo de ensinar. Nesse sentido, entende-se que a apropriação emergente quanto ao uso de tecnologias digitais exigida no período remoto trouxe contribuições para o ensino dos sujeitos investigados, pois foram mantidas por escolha dos docentes, uma vez que o retorno ao presencial não requer necessariamente seu uso.
Após a interpretação das questões objetivas do questionário, os pesquisadores realizaram a análise de emergência de conceitos a partir das respostas discursivas. Neste momento, iniciou-se a prática das fases indicadas na metodologia supracitada, a partir de uma análise longitudinal, pois envolveu a ação dos pesquisadores para análise de redes.
Pinheiro (2012) discute que, para a análise de uma rede, são necessárias as definições prévias das representações dos nodos e dos tipos de ligações que farão parte da composição do grafo da rede. Tais definições requerem organização, com a finalidade de alcançar os objetivos da análise da rede, isto é, uma estratégia é necessária para compreendê-las e interpretá-las. Neste processo, deve-se considerar:
Os nós apresentam cores e tamanhos diferentes que estão associados a aspectos qualitativos e quantitativos. As arestas apresentam em maior nível de detalhamento o comportamento da rede, identificando os indivíduos que a compõe. Este formato de organização das informações facilita uma análise qualitativa e quantitativa das diferentes variáveis que integram a pesquisa, possibilitando diagnósticos mais precisos (Pinheiro et al., 2020, p. 571).
O primeiro questionamento discursivo buscou investigar se os conceitos que surgiram através do modo de ensinar dos sujeitos investigados mudaram após a experiência com o ERE e retorno ao ensino presencial. Na Figura 2, temos conceitos aferentes (em vermelho) e nós medianos (em azul). Os conceitos aferentes permitem a análise dos termos com maior reincidência e relação de conceitos, quais sejam, ferramenta e digital; já os nós medianos representam conceitos que também estão presentes no modo de ensinar dos sujeitos da pesquisa e trazem possibilidades de inovação (tecnologias e recursos), não obstante com menor representatividade referente aos pontos de conexão, comportamento diverso dos conceitos aferentes que convergem com a prática vivenciada no ERE, quanto à apropriação emergente de ferramentais digitais para o ensino.
Por meio da análise da Figura 2, pode-se considerar que a maneira de ensinar atualmente não deve desconsiderar a experiência vivenciada no ERE. Nesse contexto, as apropriações tecnológicas, as ferramentas e as estratégias utilizadas foram incorporadas no processo de ensino presencial, de modo a potencializá-lo. No entanto, ressalta-se que adequações no modo de ensinar podem ser necessárias, uma vez que apenas replicar práticas do digital para o presencial não garante um ensino de qualidade e efetivo, pois deve-se considerar as especificidades de cada um deles. Nesta perspectiva, conforme apontado por Behar (2020), nesta pesquisa, independentemente de o ERE ser considerado como diferente ou variação da EaD, tais adequações em prol do ensino precisam ser consideradas.
A segunda questão discursiva indagou se após o retorno ao ensino presencial os docentes mantiveram alguma estratégia - intermediada via tecnologia digital - utilizada no ensino remoto. Os conceitos aferentes emergidos (Figura 3) foram a mesa digitalizadora e o uso de tecnologias relacionadas, retrato que ratifica o fato de as estratégias adotadas terem sido utilizadas em contextos virtuais ou presenciais de aprendizagem. Nesse contexto, nota-se que se trata de experiências de aprendizagem para o próprio docente, cujo reaproveitamento de vivências pôde ser incorporado à sua prática. Em contraposição, os equipamentos e as ferramentas Google utilizados referem-se a conceitos com potencial para exploração na prática docente. Assim, fica evidente que a integração de recursos digitais potencializou a adaptação e, consequentemente, a transformação das estratégias utilizadas em prol do ensino no contexto investigado. Esse processo evidencia características, de acordo com a concepção de Nonato (2020) e Buzato (2010), da dinâmica de inserção da cultura digital na educação, pois articula a inserção de tecnologias digitais no contexto escolar.
É importante ressaltar que, apesar dos resultados evidenciados na Figura 3, estratégias intermediadas pelas tecnologias digitais por si só não garantem a potencialização da aprendizagem. Com efeito, conforme afirmam Nonato et al. (2017), tais tecnologias podem contribuir para o processo de construção do conhecimento, embora fatores como modo de uso e aplicação possam direcionar para uma utilização efetiva ou não. Na verdade, as tecnologias são mediadoras do processo de aprendizagem, mas não têm o condão de garantir per se a aprendizagem. Logo, devem estar associadas aos objetivos de aprendizagem, conectadas com os temas propostos e recursos didáticos associados, isto é, bem articuladas no planejamento das aulas. Assim, poderão ser selecionadas efetivamente e utilizadas de modo a explorar seu potencial.
A questão três do questionário permitiu investigar as principais adaptações, associadas à prática docente, que foram realizadas através das aulas remotas durante o período da pandemia. A análise dos conceitos emergidos não gerou rede de relações porque as respostas apresentadas pelos sujeitos não permitiram identificar conceitos emergentes, logo, não foi possível sugerir a estruturação das ideias dos entrevistados. Por isso, foi utilizada a rede de ontologia (Figura 4), pois articula as categorias tratadas no texto e são conceitos que emergiram no entorno da relação de adaptação.
Nesse sentido, pode-se destacar que, no processo de ensino e aprendizagem, há conceitos fundantes que permeiam a prática docente, por exemplo: educação, aprendizado, ciência e tecnologia. Tais conceitos relacionam-se às categorias evidenciadas na Figura 4 e se conectam com a realidade vivenciada no processo de ensino da instituição pesquisada, uma vez que adaptações foram necessárias para a execução do ERE, por exemplo: utilização de software educacional gratuito, pois os computadores pessoais dos docentes e estudantes não tinham licença para uso de software pago; disponibilização de computadores e modems com acesso à internet para os docentes que não tinham acesso a estes equipamentos, para subsidiar a execução das aulas remotas; capacitação docente para apropriação do uso das tecnologias digitais, principalmente para aqueles que não tinham domínio no uso das TDIC.
É relevante destacar que muitas adaptações associadas à prática docente foram possíveis porque a instituição pesquisada articulou as condições necessárias para implementá-las. Contudo, esta não é uma realidade comum no contexto educacional brasileiro em geral, principalmente considerando as dificuldades e limitações de recursos disponíveis para o ensino público, ainda muito carente de políticas públicas efetivas, conforme já aludido por Nonato & Cavalcante (2022) e Barreto (2015).
O quarto questionamento buscou evidenciar as principais dificuldades associadas à prática docente, que foram vivenciadas desde o início do período da pandemia. Os conceitos que surgiram também não formaram redes de relações e, neste contexto, os pesquisadores utilizaram a rede ontológica (Figura 5).
Contudo, a aresta ‘dificuldades e estudantes’ é forte e evidencia que essas categorias foram amplamente indicadas pelos sujeitos. Assim como os termos aula, educação e trabalho, engajamento e dificuldade, citados com expressividade pelos sujeitos. Enquanto categorias como comunicação e tempo, por exemplo, apresentaram baixa representatividade na indicação dos docentes.
Diante disso, considera-se que as categorias mais citadas pelos docentes destacam os maiores desafios enfrentados por eles na vivência prática do ensino, desde o início da pandemia. De fato, o ERE ressaltou dificuldades quanto ao domínio das tecnologias digitais - por parte dos docentes e discentes, principalmente, conforme destaca Nonato & Cavalcante (2022), dada a forma abrupta como se deu a virada das práticas presenciais para o ERE. Além disso, manter a atenção e a participação dos estudantes não foi uma tarefa fácil. Entende-se que as dificuldades inerentes ao período pandêmico, associadas a simples transposição das práticas do presencial para o digital - com pouca adaptação ou aproveitamento do potencial das TDIC - potencializaram a falta de engajamento, e foi uma das principais dificuldades enfrentadas pelos docentes durante o ERE.
A questão cinco permitiu investigar os principais aprendizados, associados à prática docente, que foram alcançados desde o início do período da pandemia. Neste contexto, os conceitos emergidos fundamentaram a criação de uma rede de relações (Figura 6) e o nó aferente, mais forte, indica como potencial aprendizado o uso de tecnologias digitais.
Ressalta-se que as tecnologias digitais são conceitos com possibilidade de inovação e podem subsidiar a atuação dos docentes no processo de ensino e aprendizagem, contudo, sozinhas não têm efetividade. A apropriação dessas tecnologias e o modo de aplicação é que poderão permitir práticas potentes em prol de uma educação transformadora, pois conforme indica Pinheiro (2022), a tecnologia é inerente à condição humana e este pode se apropriar de tais práticas para potencializar o ensino.
Nota:
Atualmente, não é mais possível desconsiderar as tecnologias digitais no processo de ensino presencial, uma vez que docente e discente estão conectados e podem interagir via e-mail, WhatsApp™, plataformas virtuais, entre outros. Essa discussão não é nova no meio educacional e, depois da experiência com o ERE, ficou ainda mais fortalecida, pois tal prática só pôde ocorrer a partir da utilização das TDIC, independentemente das assimetrias discutidas por Nonato & Cavalcante (2022), evidenciadas a partir da adoção do ERE.
O questionamento seis permitiu investigar os principais desafios para a prática docente a partir da experiência vivenciada com o ensino remoto e retorno ao ensino presencial numa perspectiva futura. Os conceitos analisados permitiram criar uma rede ontológica (Figura 7) que destaca os termos estudantes, aprendizado, métodos, pandemia e aulas como fortes categorias no entorno dos desafios inerentes a futuras práticas docentes e serem vivenciadas pelos sujeitos investigados.
É relevante destacar que atuar como docente foi e sempre será uma tarefa desafiadora por diversos fatores e, no contexto apresentado, destacam-se: romper paradigmas de que o docente é detentor do saber; planejar aulas diversificadas que permitam a participação ativa dos estudantes; articular os conteúdos de modo a desenvolver competências técnicas e socioemocionais dispostas no currículo formativo. Tais desafios, já presentes na educação antes do período pandêmico, foram intensificados no retorno ao ensino presencial em virtude, também, das questões emocionais vivenciadas por docentes e estudantes. É possível perceber, na Figura 7, que vários conceitos referentes a doenças evidenciam a preocupação dos sujeitos com questões relacionadas à saúde.
A concepção de emergência de conceitos do período de ensino remoto e retorno ao presencial pode ser visualizada na rede geral de relações (Figura 8). As arestas ‘uso do digital’, ‘uso da tecnologia’, ‘uso de ferramenta’, ‘recurso tecnológico’ e ‘recurso digital’ são fortes e evidenciam exatamente a experiência vivenciada pelos docentes investigados, que precisaram se (re)inventar diante de uma necessidade iminente no que tange ao ensinar via intermediação tecnológica, necessidade posta diante de um contexto pandêmico. As arestas ‘engajamento dos estudantes’, ‘aulas digitais’, ‘novos métodos’, por exemplo, destacam-se como medianas, embora sejam fundantes para a execução das aulas. Em contraponto, as arestas ‘professor’ e ‘processos de aprendizagem’, ‘praticidade das aulas’ e ‘novos aprendizados’ indicam nós fracos que requerem exploração por parte dos docentes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem vivenciado.
A rede (Figura 8) conecta os nós ‘uso’ e ‘digital’ com significativo destaque, o que ratifica o fato de que o retorno ao ensino presencial deve manter a utilização das tecnologias digitais como suporte no processo de ensino, desde que utilizadas de maneira planejada e contextualizada, de forma a potencializar a participação e a criação no processo de ensino e aprendizagem. Nessa perspectiva, ressalta-se a relevância de uma formação continuada dos docentes (Imbernón, 2006; Tardif, 2014; Nonato, 2020; Barretto, 2015), para promover a apropriação quanto ao uso das tecnologias digitais e promoção da cultura digital (Buzato, 2010), tanto mais se essa formação for percebida na perspectiva integral e desenvolvimento profissional (Marcelo, 2009).
As interpretações abordadas nesta pesquisa podem ser reinterpretadas a partir das concepções dos leitores. Ademais, a análise de emergência de conceitos permite investigar diferentes áreas do conhecimento e contextos formais e não formais de aprendizagem.
6. Conclusão
O estudo realizado permitiu investigar as apropriações das tecnologias digitais por parte dos docentes do locus investigado, após a experiência com o ERE e retorno ao ensino presencial, considerando a amostra que respondeu ao questionário aplicado. Diante disso, pôde-se realizar a análise de emergência de conceitos a partir dessas respostas apresentadas pelos sujeitos.
O grupo de docentes investigado, com elevado nível instrucional - mestrado e doutorado - antes da experiência com o ERE ainda se mostrou tímido quanto à manipulação de ferramentas e aplicativos digitais. Não obstante, os sujeitos desafiaram-se diante de uma realidade imposta e buscaram meios voluntários e subsidiados pela instituição de ensino para viabilizar a execução das aulas remotas.
Contudo, considerando a prática desses docentes, quais as apropriações críticas do uso das tecnologias digitais no processo de retorno ao presencial após o Ensino Remoto Emergencial? Posteriormente ao ERE, retomaram a prática de aulas presenciais e, diante da experiência adquirida com o ensino intermediado por tecnologias digitais, (re)descobriram práticas, estratégias metodológicas, aplicação de metodologias, bem como o uso de novas tecnologias - ferramentas, aplicativos e plataformas virtuais.
Esta vivência trouxe ganhos para a prática dos docentes investigados, pois mantiveram a aplicação e a utilização dos recursos e/ou meios supracitados no retorno ao ensino presencial pós-pandemia. Ademais, reconheceram que o modo de ensinar não seria mais o mesmo, uma vez que a experiência vivenciada pôde contribuir para o despertar de práticas potentes pouco exploradas anteriormente e/ou não vivenciadas.
Nesse cenário, ratifica-se a necessidade de adaptações, superação de dificuldades, aprendizados e desafios futuros ainda a serem alcançados a partir da prática docente pelos sujeitos pesquisados. Estes, enquanto potenciais colaboradores no processo de ensino e aprendizagem, nunca estarão prontos, mas sim em constantes transformações e na busca por se autotransformarem.