1. INTRODUÇÃO
A prevalência estimada do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)1 varia de 2% a 7%, com uma média de 5% (Polanczyk et al., 2014; Sayal et al., 2018). Uma recente meta-análise (Salari et al., 2023) identificou, em 53 estudos, que a prevalência de TDAH em crianças (entre 3 e 12 anos) foi de 7,6% (CI 95%: 6,1 - 9,4%) (N = 96.904). Neste mesmo estudo, a prevalência do transtorno em adolescentes (entre 12 e 18 anos) foi de 5,6% (CI 95%: 4 - 7,8%). O TDAH está associado a prejuízos funcionais importantes tanto na infância e adolescência (Silverstein et al., 2020) quanto na vida adulta (Holst & Thorell, 2020). Entre os diversos prejuízos funcionais, notavelmente, o TDAH está associado a significativos prejuízos acadêmicos (DuPaul & Langberg, 2015). As três principais características do TDAH são flutuações em processos atencionais; hiperatividade; e impulsividade, podendo variar em graus (American Psychiatric Association, 2023) e em heterogeneidade na apresentação clínica (Luo et al., 2019). Recentemente, a desregulação emocional tem sido proposta como um quarto sintoma central do TDAH (Soler-Gutiérrez et al., 2023).
Essas características são negativamente percebidas no âmbito escolar, visto que é justamente neste contexto que são exigidas a manutenção da atenção sustentada durante as aulas e atividades, a postura serena durante longos períodos, bem como as reflexões e o automonitoramento constantes para a realização de tarefas acadêmicas. Como consequência dessas exigências iguais para crianças com e sem TDAH, o resultado, em muitos casos, traduz-se em problemas para organizar e executar tarefas escolares; em perturbações na aprendizagem; em baixo rendimento escolar; em reprovação; em evasão escolar; assim como em dificuldade para concluir o ensino médio e para ingressar no ensino superior (Barbaresi et al., 2007; Evans et al., 2004; Landgraf et al., 2002; Rabiner et al., 2008; Thorell & Rydell, 2008). Portanto, parece óbvio que o professor pode ser considerado uma figura-chave no auxílio a crianças com TDAH, objetivando a superação dos obstáculos educacionais (Soroa et al., 2014).
Posto isto, seria desejável que a equipe pedagógica e, em particular, os professores fossem capazes de atender, de forma satisfatória, os alunos diagnosticados com TDAH nas suas necessidades acadêmicas. Entretanto, há evidências de que esses profissionais apresentam limitações consideráveis em identificar até mesmo conceitos básicos sobre o TDAH, dada a ausência de formação adequada para atender esse público (Fernández et al., 2007; Jarque & Tárraga, 2009). A falta de conhecimento dos professores envolve, em graus variados, aspectos gerais do transtorno, do reconhecimento de sintomas característicos e dos critérios diagnósticos, tal como aspectos relacionados com as intervenções terapêuticas disponíveis para o TDAH (Fernández et al., 2007; Ghanizadeh et al., 2006; Jarque & Tárraga, 2009; Ohan et al., 2008; Palacios-Cruz et al., 2013; Perold et al., 2010; Sciutto et al., 2000; Soroa et al., 2016).
Como consequência da falta de conhecimento dos professores acerca do TDAH, os grandes prejudicados são os alunos diagnosticados com o transtorno, porque essas crianças e adolescentes apresentam, como características comuns, dificuldade em organizar e completar o dever de casa; insucesso acadêmico; reprovação ou abandono escolar; problemas de ordem emocional/comportamental; e dificuldade em desenvolver relações sociais (Casas et al., 2005; Evans et al., 2004; Kellner et al., 2003; Langberg et al., 2008; Rabiner et al., 2008; Thorell & Rydell, 2008). Por outro lado, há evidência acumulada na literatura sobre os efeitos de programas de treinamento/capacitação sobre o conhecimento de professores a respeito do TDAH (Ward et al., 2022).
Devido às consequências na vida acadêmica, social e emocional de crianças e adolescentes diagnosticados com TDAH, torna-se evidente a necessidade de avaliar o nível de conhecimento dos professores acerca deste transtorno. Esta avaliação é, assim, fundamental, porque os professores passam um tempo considerável com esses jovens, e são esses profissionais que podem, precocemente, observar traços de comportamentos que indiquem a possibilidade do TDAH.
2. MÉTODO
2.1 PARTICIPANTES
Participaram do estudo 202 professores, lotados em escolas em 17 municípios e 1 distrito, no Estado de Rondônia. Os participantes tinham entre 23 e 61 anos (M = 38,2; DP = 9,3), com predomínio do sexo feminino (73,3%); todos possuíam ensino superior completo, sendo 80 (39,6%) formados em Pedagogia. Além do curso de graduação, 134 professores (66,3%) concluíram a especialização e 4 (2%) o mestrado. Em relação à experiência profissional, houve variação de 1 a 35 anos, (M = 13,0; DP = 8,6). Quanto ao vínculo empregatício, 174 (86,1%) dos professores estavam vinculados ao regime estatutário, e 28 (13,9%) encontravam-se no regime de contrato emergencial, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
2.2 INSTRUMENTO
A Knowledge of Attention Deficit Disorders Scale (KADDS) é uma escala de 39 itens, que objetiva avaliar o nível de conhecimento, os equívocos e as lacunas dos professores acerca do TDAH em três dimensões: características gerais; sintomas/diagnóstico; e tratamento (Sciutto et al., 2000). Para cada afirmativa/item, a KADDS apresenta três opções de resposta: “Verdadeiro” (V), “Falso” (F), ou “Não Sei” (NS). O estudo atual utilizou a versão traduzida e adaptada para a variante do português do Brasil (KADDS-Br). O processo de tradução e adaptação, descrito em da Silva e Kristensen (2021), foi realizado em seis etapas: (1) tradução; (2) avaliação do comitê de especialistas; (3) revisão realizada por especialistas em linguística; (4) pré-teste na população-alvo; (5) retrotradução; e (6) avaliação dos autores do instrumento original. Todos os itens da KADDS-Br apresentaram coeficiente de validade de conteúdo > 0,8, que mensura a clareza da linguagem, a pertinência prática e a relevância teórica dos itens. A KADDS-Br apresentou evidências satisfatórias de fidedignidade, verificadas pelo exame da consistência interna da escala total através do alfa de Cronbach = 0,90 e do ômega de McDonald = 0,80. A validade da KADDS-Br foi examinada através de uma análise fatorial confirmatória, utilizando-se o método de estimação Diagonally Weighted Least Squares (DWLS) robusto, com correlações policóricas. A solução com melhores parâmetros de ajuste foi de três fatores, Comparative Fit Index (CFI) = 0,954, Tucker-Lewis Index (TLI) = 0,951, Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) = 0,039, com 33 itens com cargas fatoriais variando entre 0,33 e 0,87 (da Silva & Kristensen, submetido à publicação). Alguns estudos (Sciutto et al., 2016) computam, apenas, respostas corretas (escore de conhecimento) e respostas incorretas (escore de equívocos) para a KADDS, menosprezando respostas do tipo “não sei”. Para o estudo atual, foram calculados três escores separados: (1) conhecimento (total de respostas corretas); (2) equívoco (total de respostas incorretas); e (3) lacunas (total de respostas “não sei”).
2.3 PROCEDIMENTOS
O estado de Rondônia, localizado na região norte do Brasil, possui 52 municípios. A Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) (Secretaria de Estado da Educação, 2019) dispõe de 18 Coordenadorias Regionais de Educação (CRE), localizadas em 17 municípios diferentes (Alta Floresta D’ Oeste, Ariquemes, Buritis, Cacoal, Cerejeiras, Costa Marques, Espigão D’ Oeste, Guajará-Mirim, Jaru, Ji-Paraná, Machadinho D’ Oeste, Ouro Preto D’ Oeste, Pimenta Bueno, Porto Velho, Rolim de Moura, São Francisco do Guaporé e Vilhena) e um distrito (Distrito de Extrema de Rondônia), visando atender as 439 escolas estaduais.
Inicialmente, solicitámos à SEDUC uma autorização para nos dirigirmos às 18 CRE e às escolas selecionadas da sua jurisdição. Somente após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética de número 88504618.5.0000.5336, iniciaram-se os procedimentos para a coleta de dados nas escolas e a aplicação da KADDS-Br junto aos professores.
Após a análise da distribuição organizacional, delimitámos, como lócus da pesquisa, uma escola por CRE, buscando representatividade das escolas no Estado. Para cada CRE, foram tabulados todos os municípios da sua jurisdição e todas as escolas. A seleção do município deu-se pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), semelhante à média brasileira, e, para cada estrato, a ideia foi selecionar uma amostra aleatória simples (uma escola), considerando o Indicador de Nível Socioeconômico por Escola (INSE).
Num primeiro momento, os pesquisadores dirigiam-se à CRE de cada município, apresentando o projeto ao Coordenador Regional de Educação e à sua equipe pedagógica, e, em seguida, acompanhados do Coordenador da Educação Especial da CRE, iam à escola. O projeto era apresentado ao/à diretor(a) de cada escola e à sua equipe pedagógica, incluindo o responsável pela sala de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Após os devidos esclarecimentos para a equipe gestora, era realizada uma reunião com os professores para a apresentação do projeto, elucidavam-se dúvidas quanto a detalhes geográficos da pesquisa, do recrutamento, dos instrumentos, incluindo a KADDS-Br. Terminando a reunião com os professores, entregava-se um kit, contendo todos os instrumentos da pesquisa - incluindo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) - para cada um dos professores que concordasse em participar voluntariamente da pesquisa.
2.4 ANÁLISE DE DADOS
A análise estatística foi realizada no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 27.0), usando um nível alfa ≤ 0,05. Foram conduzidas análises descritivas exploratórias para as variáveis de interesse. Posteriormente, realizou-se uma ANOVA (oneway), para comparar o nível de conhecimento dos professores sobre o TDAH na escala total da KADDS-Br. Por fim, realizou-se um teste de Kruskal-Wallis com comparações pairwise, a fim de explorar os dados sobre conhecimento em relação a varáveis sociodemográficas.
3. RESULTADOS
Os professores evidenciaram percentual de conhecimento sobre o TDAH de 52,67%, mas com relevantes equívocos e lacunas, conforme ilustrado na Tabela 1. Em relação aos domínios específicos, o percentual de conhecimento apresentou alguma variabilidade, sendo mais evidente em relação aos sintomas/diagnósticos e menos proeminente sobre as características gerais e sobre o tratamento, a saber: F (1,89; 380) = 23,93; p < 0,001.
Conhecimento | Equívoco | Lacuna | |
---|---|---|---|
KADDS-Br | % Correto | % Erros | % Não Sei |
Total | 52,67 | 18,90 | 28,43 |
Características Gerais | 46,45 | 23,99 | 29,56 |
Sintomas/ Diagnóstico | 69,54 | 14,35 | 16,11 |
Tratamento | 48,95 | 15,98 | 35,07 |
Nota: N = 202.
Não foram observadas diferenças no nível de conhecimento em relação ao sexo do professor nas subescalas de características gerais [X 2 (2) = 3,560; p = 0,059], de sintomas/diagnóstico [X 2 (2) = 0,219; p = 0,640] e de tratamento [X 2 (2) = 0,059; p = 0,808].
As Figuras 1, 2 e 3 ilustram a distribuição da área de formação em relação ao conhecimento dos professores nas subescalas da KADDS-Br. Foram observadas diferenças significativas entre as áreas de formação para os domínios de características gerais [X 2 (10) = 24,793; p = 0,006] e de tratamento [X 2 (10) = 24,112; p = 0,007], mas não em relação ao domínio de sintomas/diagnóstico [X 2 (10) = 16,134; p = 0,096].
A seguir, buscou-se explorar diferenças entre o grau de instrução do professor (graduado, especialista ou mestre) e o conhecimento sobre o TDAH. Não foi verificada diferença nas subescalas de características gerais [X 2(2) = 1,987; p = 0,370] nem de tratamento [X 2(2) = 3,088; p = 0,214]. Já na subescala de sintomas/diagnóstico, identificou-se que, quanto maior era o grau de instrução, maior era o nível de conhecimento neste domínio [X 2(2) = 6,355; p = 0,042]. Não foram observadas diferenças entre o tempo de experiência profissional e o nível de conhecimento dos professores nas subescalas de características gerais [X 2(2) = 1,060; p = 0,983], de sintomas/diagnóstico [X 2(2) = 2,753; p = 0,839] e de tratamento [X 2(2) = 1,703; p = 0,945]. Também relativamente à a idade do professor e às subescalas de características gerais [X 2(2) = 1,399; p = 0,844], de sintomas/diagnóstico [X 2(2) = 0,366; p = 0,985] e de tratamento [X 2(2) = 0,856; p = 0,931] não se observaram diferenças.
Para fins exploratórios, são apresentados, na Tabela 2, os itens com maiores percentuais de conhecimento, de equívoco e de lacuna sobre o TDAH.
4. DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi avaliar o nível de conhecimento, os equívocos e as lacunas dos professores das escolas públicas estaduais de Rondônia acerca do TDAH, em três áreas: conhecimentos gerais, sintomas/diagnóstico e tratamento.
Entre as três dimensões avaliadas pela KADDS-Br, os professores apresentaram maior conhecimento sobre as questões relacionadas a sintomas e diagnóstico do TDAH, com 69,54% de acerto, resultado que corrobora os estudos anteriores (Jarque & Tárraga 2009; López-López et al., 2018 et al., 2018; Sciutto et al., 2000; Soroa et al., 2016; Woyessa et al., 2019). Este achado indica que os professores da rede estadual de Rondônia, no Brasil, parecem ter maior capacidade em reconhecer os sintomas de TDAH, em comparação com outros aspectos do transtorno - resultado semelhante foi encontrado por Francis (1993). Uma hipótese provável para isso pode ser o fato dos itens deste domínio, na KADDS-Br, estarem diretamente relacionados ao trabalho do professor no âmbito escolar, incluindo aspectos sobre a distração; a desatenção; a hiperatividade/impulsividade; os alunos se manter sentados por período prolongado; e as dificuldades em organizar tarefas escolares. As subescalas de conhecimentos gerais e de tratamento, por outro lado, incluem itens que avaliam conhecimentos sobre a natureza do transtorno, pesquisas relacionadas ao TDAH, cursos de aperfeiçoamento profissional, tratamentos psicossociais e medicamentos, portanto, aspectos mais distantes da área pedagógica.
Na revisão sistemática da literatura, identificou-se que estudos em contextos geográficos muito variados, empregando a KADDS, apontam para níveis medianos ou mesmo baixos de conhecimento dos professores sobre o TDAH (da Silva & Kristensen, 2021). Nessa revisão sistemática, um caso extremo foi reportado num estudo na cidade de Nekemte (Etiópia), onde 76,2% dos professores pesquisados tinham, de forma geral, ideias erradas sobre o TDAH (Woyessa et al., 2019). No entanto, a maioria dos estudos apontou para índices de acerto mais próximo dos 50%, variando para mais ou para menos (Fernández et al., 2007; Sciutto et al., 2016; Soroa et al., 2016). Os resultados de outra pesquisa (Padilla et al., 2018), realizada com professores em Sabaneta (Colômbia), mostrou, para conhecimento geral (escore total da KADDS), um percentual de 48,52%, assemelhando aos encontrados no presente estudo, com 52,67%. Uma possível explicação é que os dois estudos foram realizados na América do Sul, com problemas sociais, educacionais, econômicos e políticos parecidos. Outra equivalência está relacionado à questão dos professores desses dois países apresentarem o maior percentual de acertos na subescala de sintomas/diagnóstico.
Foram exploradas associações entre as variáveis sociodemográficas e o conhecimento dos professores sobre o TDAH. Em relação ao sexo e à idade, não foram observadas diferenças acerca do conhecimento sobre o transtorno, corroborando os estudos anteriores, que não encontraram diferenças para o sexo (Kos et al., 2004) ou idade (Fernández et al., 2007; Perold et al., 2010).
Neste estudo, encontraram-se diferenças entre as áreas de formação e o conhecimento sobre as características gerais e o tratamento, mas não em relação ao domínio de sintomas/diagnóstico. Proporcionalmente, os professores da disciplina de Pedagogia apresentaram o maior índice de acerto. Em contrapartida, os professores com menores índice de acerto eram formados em Matemática. É provável que os professores formados em Pedagogia tenham alcançado proporcionalmente o maior índice de acerto por dois motivos: primeiro, dado que 39,6% da amostra de 202 professores eram pedagogos; segundo, porque o curso de pedagogia, no Brasil, contempla, na sua grade curricular, disciplinas como dificuldade de aprendizagem; educação inclusiva; psicomotricidade e aprendizagem; psicologia da educação; biologia da educação; educação infantil; e desenvolvimento social e humano. Por outro lado, tais disciplinas não fazem parte da grade curricular de outros cursos como o de Matemática, que, como já explicitado, apresentou o menor índice de acerto entre todos os professores.
No que concerne a variável das áreas de formação, apenas o estudo de Soroa et al. (2016) explorou esta associação, mas com categorias diferentes, comparando escores dos professores que receberam educação formal sobre o TDAH (graduação, pós-graduação, mestrado, conferências e cursos de formação continuada) com quem recebeu apenas educação informal, e com os que receberam tanto a educação formal como informal. Nesse caso, os resultados indicaram que houve uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos (Soroa et al., 2016). No entanto, no estudo atual, identificámos diferenças entre o grau de instrução formal do professor (se graduado, especialista ou mestre) em relação ao conhecimento sobre os sintomas e diagnósticos do TDAH, corroborando o estudo anterior (Perold et al., 2010). Ou seja, quanto maior o grau de instrução do professor, maior, também, o seu nível de conhecimento sobre o TDAH. Além deste achado, Perold et al. (2010) ainda encontraram correlações significativas entre as pontuações totais da KADDS e o nível educacional dos professores (r = 0,10, p < 0,05).
Não foram encontradas diferenças para o tempo de experiência profissional em relação ao conhecimento sobre TDAH, o que está em consonância com estudos anteriores (Kos et al., 2004; Perold et al., 2010). Embora Sciutto et al. (2000) tenham verificado uma diferença significativa para os anos de experiência, no presente estudo, o foco foi o treinamento. Mais concretamente, a experiência em docência, por si só, não eleva o conhecimento dos professores sobre o TDAH, a menos que seja realizado um trabalho de formação continuada específica para atender essa necessidade (Fernández et al., 2007; Kos et al., 2004; Perold et al., 2010; Sciutto et al., 2000; Sciutto et al., 2016).
Como mencionado anteriormente, a subescala de sintomas/diagnóstico foi aquela onde os professores mais responderam corretamente. Nesta subescala, os itens com o maior percentual de acertos foram os 3, 26 e 16 (conforme ilustrado na Tabela 2). Estes itens estão diretamente implicados na prática pedagógica, abarcando aspectos do cotidiano do professor, como, por exemplo, exigir a atenção e a concentração dos alunos para a realização das tarefas e atividades escolares. Um aluno que apresente características como desatenção, hiperatividade ou impulsividade, muito frequentemente, demanda ação pedagógica e encaminhamento ao setor de atendimento especializado.
Entre os itens com maior percentual de erro (27, 4 e 30), estão afirmativas relacionadas às características gerais do transtorno. Um nível de conhecimento mais acurado sobre estes itens comumente pressupõe formação específica sobre o TDAH, o que geralmente está mais distante da realidade observada nas escolas públicas. Os dois itens com maior percentual de respostas “não sei” pertencem à subescala tratamento e incluem conhecimento sobre o uso prolongado de medicamentos e a dependência (item 37), bem como a eletroconvulsoterapia (item 35). Um conhecimento mais aprofundado destas questões, novamente, suporia constante atualização numa área que não envolve diretamente o exercício docente.
Este estudo mostrou que o nível de conhecimento dos professores de escolas públicas estaduais de Rondônia, no Brasil, avaliados pela KADDS-Br, é de mediano para baixo; nem mesmo os 80 pedagogos (39,6% da amostra) apresentam grande diferença em relação aos demais, mesmo possuindo, na sua grade curricular, disciplinas que não são ministradas noutros cursos de licenciatura. Os pontos fora da curva com alto índice de acerto foram de um único professor de Química e dois de Sociologia.
Em relação ao professor de Química, o fato de ele ter respondido de forma mais assertiva aos 39 itens da escala pode ser explicado pelo que estava escrito na sua ficha individual e pela afirmação - realizada pessoalmente em conversa com os pesquisadores - que tem interesse em conhecer melhor o TDAH, devido a circunstâncias familiares, tendo-se empenhado em buscar materiais de apoio para lidar com este transtorno.
Quanto aos dois professores de Sociologia, que também apresentaram um bom desempenho em responder a KADDS-Br, talvez possa ser explicado pelo fato desses professores estarem mais envoltos nas mudanças da sociedade contemporânea - com as suas características de pós-modernidade e as suas modificações culturais -, conseguirem distinguir o funcionamento das sociedades humanas e terem uma percepção aguçada da nova configuração da infância, envolta numa era de inovações tecnológicas e informacionais.
É preciso reconhecer que os professores pesquisados, assim como os demais da rede pública estadual de ensino de Rondônia, não tiveram, na sua formação inicial, conteúdos e disciplinas especificas sobre TDAH e, em raras exceções, uma formação que aborde a temática. Somado a essa problemática, ainda é possível acrescentar o desinteresse de alguns professores em adquirir formação sobre o transtorno. Contudo, os alunos com TDAH já estão inseridos na rede de ensino estadual, sendo necessário um trabalho de conscientização sobre o tema, bem como um programa de formação continuada que contemple a necessidade de trabalho pedagógico diferenciado no atendimento educacional de crianças e adolescentes diagnosticados com TDAH. Alguns professores que participaram da pesquisa, referiram-se a educação de crianças com algum tipo de deficiência ou transtorno como “educação 6.0”, ou seja, considerando melhor atribuir-se a nota 6,0, que é a média, para a aprovação, do que ter algum tipo de “problema”.
Então, é possível apontar contribuições deste estudo para os campos da pedagogia, da formação de professores e da inclusão escolar. Mas, primeiramente, é preciso entender que a estrutura organizacional da educação pública brasileira é centrada na figura do pedagogo - sendo que eles podem atuar na escola como professores dos anos iniciais (entre a 1.ª e a 5.ª série do Ensino Fundamental) -; como orientadores educacionais; como professores nas salas de atendimento especializado; e como supervisores escolares. Inclusivamente, nesse último caso, são os responsáveis diretos pela formação continuada dos demais professores da escola.
Posto isto, a primeira contribuição do estudo foi disponibilizar um instrumento que pode passar a ser usado para medir o nível de conhecimento dos professores acerca do TDAH. Outra contribuição foi mostrar a realidade do nível de conhecimento dos professores das escolas públicas de Rondônia, inclusive mostrando em qual subescala há um maior déficit de conhecimento. Portanto, agora, há um ponto de partida indicando que se faz necessário as instituições de ensino repensarem as suas grades curriculares e ofertarem, na graduação e nas especializações lato sensu, disciplinas específicas voltadas para temáticas de inclusão e que contemplem transtornos como TDAH, tanto para os pedagogos como para os professores das diversas áreas do conhecimento
O estudo também contribui com o poder público, ao indicar que a inclusão não se limita apenas à ampliação de matrículas para alunos com algum tipo de transtorno. Em vez disso, é imprescindível dar condições para aprendizagem por investir na formação de capital humano para prestar um atendimento especializado a esse público. Ainda assim, além de uma política de ampliação de vagas, é indispensável a criação de um programa de formação continuada e de preparação das escolas para receber crianças com transtornos como o TDAH.
Os resultados encontrados e a comparação com diversos estudos de outros países mostram que a escola não só tem um papel importante como também pode, por meio da sua gestão, tornar-se um centro de formação continuada - aproveitando as horas semanais destinadas por lei para isso - por estabelecer um programa de formação em pares e uma rede de aprendizagem.
À medida que os professores forem recebendo formações específicas para lidarem com alunos diagnosticados com TDAH, vão perceber que a sua prática pedagógica está melhor e, com o auxílio dos supervisores escolares, poderão buscar mais conhecimento, bem como fazer ajustes e adaptações básicas para ajudar crianças com TDAH na sala de aula. Desta forma, é possível fazer intervenções específicas no ambiente, na organização, na comunicação e, principalmente, na gestão de sala, evitando que a chamada “educação 6.0” se torne uma prática docente. Afinal, não se pode esquecer que os professores também têm um papel fundamental na sua autoformação, por estudarem novos saberes para estarem à altura da sua tarefa profissional, que inclui participar da educação inclusiva.
Não obstante, o estudo apresentou algumas limitações. Primeiramente, esperava-se uma amostra maior do que a obtida, de 202 professores, considerando que a pesquisa foi realizada em 18 escolas, com uma média de 25 professores por escola, o que seria cerca de 450. Vários professores recusaram-se a responder o questionário, alegando falta de conhecimento sobre o TDAH e problemas pessoais. Em segundo lugar, há a inexistência de estudos, no Brasil, com o uso de um instrumento confiável para avaliar o nível de conhecimento dos professores sobre o TDAH, com dados psicométricos publicados. Por último, uma terceira limitação foi apontada pelos próprios professores, que solicitaram, se possível, uma formação prévia sobre o TDAH, de 12 a 16 horas, antes de responder a KADDS-Br. Esse, todavia, não era o objetivo deste estudo; porém, devido à carência de cursos com essa temática para os professores da rede pública estadual de Rondônia, seria ideal que estudos futuros pudessem fazer formações e intervenções de curta duração, parecidas com as realizadas por outros pesquisadores (Frölich et al., 2002; Rossbach & Probst, 2005).
Outros estudos deverão ser realizados com o uso da escala KADDS-Br, em diversas partes do país, sendo possível, dessa forma, comparar o nível de conhecimento dos professores nos âmbitos municipal, estadual, regional e nacional, possibilitando a criação de políticas públicas educacionais de formação inicial e continuada de professores ou programas como o Irvine Paraprofessional Program (IPP) - uma intervenção intensiva de 12 semanas, incluindo intervenção direta em crianças com TDAH por profissionais especialmente treinados, consulta ao professor, pelo psicólogo escolar, sobre o uso de estratégias eficazes de gestão de sala de aula, de reforço escolar e de treinamento de habilidades sociais (Kotkin, 1998). Sugere-se, ainda, uma investigação específica acerca da prevalência do TDAH nas escolas públicas de Rondônia, no Brasil, considerando que não foram encontrados estudos nas bases de dados.
Em conclusão, é possível afirmar que o nível de conhecimento dos professores das escolas públicas estaduais de Rondônia, no Brasil, no total e na subescala de sintomas/diagnóstico, é mediano, mas, nas subescalas de características geral e de tratamento, o nível de conhecimento é abaixo da média. Os resultados deste estudo comprovaram que os professores precisam de formações especificas para melhorar os seus conhecimentos sobre o TDAH. Além disso, verificou-se que a versão Knowledge of Attention Deficit Disorders Scale Brazil (KADDS-Br) se mostrou internamente consistente, estando apta a ser utilizada para avaliar o nível de conhecimento dos professores brasileiros.