INTRODUÇÃO
Os grãos de pólen são considerados uma das principais fontes de aeroalergénios e um risco em termos de saúde ambiental. A inalação de alergénios polínicos induz sintomas de alergia respiratória, nomeadamente de rinite, rinoconjuntivite e asma, em indivíduos geneticamente predispostos e/ou expostos em termos ambientais 1.
Em particular nos países ocidentais e mais industrializados há evidência de que a incidência e a prevalência de doenças respiratórias, como a rinite alérgica e a asma, estão a aumentar. Este aumento pode estar relacionado não apenas com a poluição do ar e com as mudanças no estilo de vida, mas também com o aumento das concentrações de alergénios polínicos no ar atmosférico 2-6.
Em 2002 foi criada a Rede Portuguesa de Aerobiologia - RPA, um serviço público totalmente gratuito financiado pela Sociedade Portuguesa de Alergologia Clínica - SPAIC e que visa a monitorização contínua de bioaerossóis no ar atmosférico (ambiente exterior), nomeadamente de grãos de pólen com importância alergológica.
A rede cobre atualmente várias localidades do país, continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores, abrangendo praticamente todo o território português.
A RPA tem fornecido informações fundamentais co relevância na área clínica e tem contribuído para uma maior perceção das doenças alérgicas causadas por aeroalergénios polínicos pela população em geral e pelos decisores políticos, em grande parte pela publicação do instrumento criado e denominado “Boletim Polínico”.
Atualmente é um importante e imprescindível serviço público para doentes com alergia aos grãos de pólen e para os seus médicos assistentes, imunoalergologistas e outros. A informação polínica emitida pela RPA é divulgada de forma contínua na página web da SPAIC (https://www.spaic.pt ou https://www.rpaerobiologia.com).
Ao longo destes anos constatou-se que seria importante construir e disponibilizar imagens do mapa do país com as zonas coloridas relativas à incidência da polinização dos principais taxa, fontes dos principais tipos polínicos com relevância alergológica. Como tal, este trabalho vem colmatar essa lacuna, fornecendo à comunidade médica um instrumento adicional de informação aerobiológica.
O objetivo deste trabalho é dar a conhecer a incidência dos principais tipos de pólen presentes no ar exterior de Portugal, continente e ilhas, que está estreitamente relacionada com a distribuição da vegetação ao longo do país e com o clima, e mostrar a importância das redes de monitorização para o conhecimento dos principais tipos de pólen presentes na atmosfera de uma região para que se possa realizar um correto diagnóstico, tratamento e prevenção de sintomas de alergia nos doentes.
METODOLOGIA
A RPA utiliza captadores de sistema Hirst (polinómetros do tipo Burkard 7-Day Volumetric Spore Trap), cuja metodologia adotada para a identificação e quantificação de grãos de pólen presentes na atmosfera do ambiente exterior corresponde à metodologia recomendada pela International Association for Aerobiology, organizações congéneres e pela European Aerobiology Society, e segue a Norma Europeia EN16868:2019 7.
A RPA é constituída por nove estações ou centros de monitorização: a norte - Porto (região de Entre‑Douro‑e‑Minho) e Vila Real (região de Trás-os-Montes e Alto Douro); na região Centro - Coimbra (região da Beira Litoral) e Castelo Branco (região da Beira Interior); em Lisboa (região de Lisboa e Setúbal); a sul - Évora (região do Alentejo) e Faro (região do Algarve); na Região Autónoma da Madeira, no Funchal; e na Região Autónoma dos Açores, em Ponta Delgada. A incidência polínica está representada nessas regiões e importa referir que a representada no Algarve foi efetuada com base na informação aerobiológica de Portimão (estação que foi substituída em 2020 pela de Faro).
Os mapas de incidência visam apresentar a incidência dos principais tipos de pólen com capacidade alergológica no país, nomeadamente dos tipos da família Betulaceae (Alnus glutinosa e Betula sp.), da família Fagaceae (Quercus sp. e Castanea sativa), das famílias Cupressaceae e Taxaceae, da família Asteraceae (sem incluir os géneros Artemisia e Ambrosia), do género Artemisia, família Myrtaceae (Eucalyptus sp.), família Poaceae/Gramineae, da espécie Olea europaea, família Arecaceae (palmeira), família Urticaceae (Parietaria/Urtica e Urtica membranacea), família Pinaceae, do género Plantago, da espécie Platanus hispanica, família Amaranthaceae e do género Rumex.
A elaboração dos mapas de incidência dos principais tipos de pólen com capacidade alergizante no país foi efetuada com base na análise da informação aerobiológica (2002-2017) que deu origem aos calendários polínicos publicados pela RPA em revistas e em comunicações científicas apresentadas em congressos científicos de Imunoalergologia e de Aerobiologia 1,8-16. Por conseguinte, a informação aqui disponibilizada é considerada robusta, pois é baseada em aproximadamente 20 anos de monitorização de pólen.
Em cada mapa encontra-se uma legenda com uma escala representada por cores que mostra a incidência do tipo polínico ao longo do país: a cor branca/incolor significa que o tipo de pólen é raro ou mesmo ausente no ar atmosférico, a cor verde que a incidência no ar é baixa, a amarela moderada, a laranja elevada e a vermelha muito elevada.
Esta escala respeita as categorias polínicas propostas pela RPA: raro ou ausente: <1 grão de pólen/m3; baixa: 1-30 grãos de pólen/m3; moderada: 31-50 grãos de pólen/m3; elevada: 51 a 100 grãos de pólen/m3 e muito elevada: >100 grãos de pólen/m3. O diâmetro dos círculos é o apresentado no website da RPA relativo às previsões polínicas, a sua dimensão é proporcional às categorias de concentração.
Para complementar, em cada mapa de incidência de determinado tipo de pólen colocou-se a informação acerca da sua alergenicidade: baixa, moderada ou elevada 17.
RESULTADOS
A Figura 1 apresenta 19 mapas ilustrativos da incidência dos principais tipos polínicos com capacidade alergizante ao longo de todo o país (continente e arquipélagos da Madeira e dos Açores) e a informação relativa à sua alergenicidade como complemento.
DISCUSSÃO
Os mapas de incidência polínica baseados na monitorização aerobiológica realizada no país ao longo de duas décadas, bem como os vários estudos publicados, indicam:
1 - A presença no espetro polínico de grãos de pólen provenientes de espécies frequentes na Europa, essencialmente com caraterísticas mediterrânicas (Cupressaceae, Olea europaea, Pinaceae, Platanus hispanica, Fagaceae (Quercus sp.), Poaceae ou Gramineae e Urticaceae (Parietaria sp. e Urtica sp.)); dominado por importantes tipos polínicos de plantas anemófilas com elevada capacidade alergizante 1,8,9-13;
2 - Uma clara existência de notáveis diferenças no espetro polínico da atmosfera entre as várias regiões, diferenças espaciais qualitativas e quantitativas significativas, reflexo das diferentes condições climatológicas e consequentemente da diferente distribuição da vegetação que constitui a paisagem de cada região 10,11,14;
3 - De acordo com os resultados aqui apresentados e em toda a informação contida nos calendários polínicos publicados 1,13, em Portugal ocorre uma predominância de tipos de pólen com potencial impacto na saúde da população alérgica, durante um período alargado de tempo: no inverno pelos taxa Cupressaceae, Urticaceae e Betulaceae (Alnus glutinosa); na primavera a início do verão pelos taxa Cupressaceae, Platanus hispanica, Poaceae, Parietaria/Urtica, Olea europaea, Plantago sp. e Amaranthaceae, e no Norte e Centro norte também Betula sp.; e no verão a outono por Amaranthaceae, Poaceae, Parietaria sp. e Asteraceae 1,13;
4 - A incidência de grãos de pólen de Artemisia sp. é baixa, e muitíssimo baixa e/ou praticamente nula/ausente para os grãos de pólen de Ambrosia, importantes taxa na Europa e inclusivamente no Mediterrâneo 1,13. Dada a raridade ou praticamente ausência de grãos de pólen de Ambrosia no ar optou-se por não se construir qualquer mapa de incidência para este tipo de pólen. As plantas de Ambrosia são plantas consideradas invasoras e encontram-se em expansão, cada vez mais presentes em novas áreas 18. Em Portugal ocorre a espécie Ambrosia artemisiifolia L. Embora tenha sido introduzida, tem atualmente o estatuto de naturalizado, estando presente no Noroeste ocidental (Minho e Douro Litoral), Sudeste setentrional (Alto Alentejo) e Algarve, mas com uma distribuição muito limitada 19-23. Até ao momento, não é considerado um importante aeroalergénio em Portugal, mas dada a sua natureza (de espécie invasora) e relevância clinica importa não deixar de o monitorizar.
A composição do ar em termos de pólen atmosférico está a modificar-se com as alterações na distribuição, abundância e na fenologia das plantas 6,17. Estudos aeropalinológicos efetuados no âmbito da Rede Portuguesa de Aerobiologia 14,16 mostram que estão a ocorrer alterações nos timing de libertação de pólen em alguns dos taxa com polinização anemófila e de importância alergológica em Portugal. Por um lado, o aumento da temperatura que se tem verificado no início da primavera tem induzido a uma floração e antese mais precoces por parte das plantas. Por outro lado, o aumento dos níveis de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera desencadeia um aumento da quantidade de pólen produzido, e as temperaturas mais altas podem inclusivamente aumentar o teor proteico (teor alergénico) no pólen 2-6. Estas alterações ambientais podem traduzir-se em sintomas alérgicos sazonais mais precoces e graves, daí a importância da monitorização contínua do pólen atmosférico, bem como da sua análise e divulgação. Nos dias de hoje, em Portugal, a informação polínica disponibilizada é já considerada pelos doentes com alergia ao pólen como uma informação imprescindível no seu quotidiano.
Os mapas de incidência apresentados serão certamente úteis para os doentes e para os seus clínicos. Para os doentes, dado ficarem a conhecer os tipos polínicos mais prevalentes na sua região, ou em qualquer outra a que se desloquem, e quais os tipos com maior capacidade alergizante. Para o clínico constituirá uma importante ferramenta, provavelmente até imprescindível, na sua prática clínica, para o diagnóstico de alergia ao pólen dos seus doentes. Estes profissionais ficarão a conhecer com uma maior exatidão, por exemplo, se fará sentido a realização ou não de determinados testes cutâneos a todos os tipos polínicos. A título de exemplo, numa região localizada a sul do país não fará sentido fazer um teste cutâneo ao pólen de Betula, mas sim ao de Alnus, pois é este que está presente, mas se o fizer e der positivo a causa da positividade não será a pólen de Betula mas o de Alnus. Há ainda que ter em consideração que a polinização de Alnus é invernal e a de Betula é primaveril. Outro exemplo será com um teste cutâneo ao pólen de Ambrosia, cujos grãos de pólen são raros ou até mesmo ausentes no ar. Neste caso, a sua positividade dever-se-á à reatividade cruzada com os grãos de pólen de outras Asteráceas, inclusive aos grãos de pólen de artemisia, e possivelmente aos de outros taxa.
O pólen presente no ar atmosférico tem um importante papel no desenvolvimento e na gravidade da doença alérgica e está relacionado com fatores como a duração da exposição, intensidade da exposição e a alergenicidade do pólen 24. Estes fatores apresentam variação geográfica e temporal, levando a variações na prevalência das doenças alérgicas causadas por pólen, na sensibilização e na intensidade sintomatológica para cada tipo de pólen nos doentes entre diferentes locais e períodos temporais.
Em suma, o conhecimento da incidência dos principais tipos de pólen presentes no ar exterior de Portugal, que está intimamente relacionada com a distribuição da vegetação ao longo do país e com o clima, será com certeza extremamente útil para que na prática clínica se possa realizar um correto diagnóstico, um concomitante tratamento adequado e prevenção de sintomas de alergia nos doentes.
CONCLUSÃO
Por todo o continente há uma elevada incidência dos tipos Cupressaceae, Urticaceae, Platanus, Poaceae, Olea e Pinaceae. O mesmo se verifica para as ilhas, com exclusão do tipo Olea, que é raro/ausente. A incidência dos restantes tipos varia consoante a região do país.
Os mapas de incidência polínica aqui apresentados mostram a incidência dos principais tipos polínicos alergizantes a que as populações de cada região do país estão expostas e certamente constituirão um instrumento essencial na prática clínica no domínio da doença alérgica em Portugal.