Introdução
Definida em termos gerais, a educação é um processo de “partilha ou aquisição de conhecimento geral, desenvolvendo as capacidades de raciocínio e juízo e, em termos gerais, de preparação intelectual de si próprio e dos outros para uma vida madura”.2 Educar todo um povo, dentro e fora de ambientes institucionais formais, acaba por beneficiar esse povo como um todo, como sugere John Adams. Se isto se verificasse hoje na América, não haveria necessidade de discutir o tópico. Mas não é isto que se verifica. Dezenas de milhões de jovens adultos - pertencentes à geração dita millennial - não estão devidamente equipados, em termos do seu nível de capital humano, para serem bem-sucedidos no mundo de hoje. Este facto tem implicações não apenas para estas pessoas, com idades compreendidas entre os 16 e os 34 anos, mas para a sociedade como um todo.
Muitos millennials estão a entrar para o mercado de trabalho, a prosseguir a sua educação, a ter filhos e a estabelecer as suas próprias unidades familiares - muitas vezes pela primeira vez. Mas, quando observamos mais de perto aqueles que estão no caminho para a idade adulta, uma imagem mais complexa emerge. Tal como documentado em investigação disponível sobre o tema, um número preocupante dos mais jovens deste grupo estão “desconectados” (disconnected), um termo habitualmente usado para descrever aquelas pessoas que têm entre 16 e 24 anos de idade e que não estão empregadas nem a estudar formalmente.3 Hoje, nos Estados Unidos da América, de acordo com algumas estimativas, cerca de 6 milhões de pessoas naquele escalão etário integram esta categoria dos “desconectados”.4 Neste artigo, defendemos que a “desconexão”, definida apenas por relação com o facto de se estar empregado ou inscrito numa instituição educativa, subestima os obstáculos futuros. Se alargarmos a definição de desconexão de modo a incluir os níveis de competência (ou capital humano) da nossa geração millennial, o problema torna-se demasiado grande para ser ignorado. Cerca de metade dos millennials na América, ou seja, perto de 36 milhões de pessoas, de um total estimado de 77 milhões de indivíduos nesta categoria, estão a transitar para a vida adulta com baixas competências de literacia.5 Mais de metade - 46 milhões - estão a fazê-lo com baixas competências de numeracia.
O problema do baixo nível de competências - especialmente na geração dos que serão os pais, trabalhadores e cidadãos nas próximas décadas - irá afetar-nos a todos. O capital humano - e as diferentes oportunidades para o adquirir e aumentar - constitui uma componente decisiva da condição generalizada de desigualdade que observamos hoje nos Estados Unidos da América6. Isto deve-se, em parte, ao facto de a qualidade da educação, bem como as oportunidades de aprendizagem ao longo da vida, estar cada vez mais estreitamente ligada à acumulação de capital social (por exemplo, o local onde se vive, as redes de relações sociais de cada um, o nível de envolvimento social) - e isto bem mais do que John Adams ou Theodore Roosevelt poderiam prever.7 Quando Roosevelt lembrou aos americanos, no princípio do século passado - quando a desigualdade se encontrava a um nível comparável8 - , que o progresso do país dependia da capacidade de assegurar o bem-estar de todos, podia perfeitamente estar a dirigir-se aos americanos de hoje. Devíamos ter em conta que, tal como ele avisou, “nenhum de nós pode verdadeiramente prosperar de forma permanente enquanto houver multidões dos nossos compatriotas que vivem rebaixados e aviltados”.9
Contextualização
Como é que chegámos aqui? É uma questão complicada. Decisões políticas tomadas a todos os níveis de governo, para não falar da globalização e dos avanços tecnológicos observados nas três ou quatro últimas décadas, promoveram uma distribuição de competências cada vez mais desigual. Isto aconteceu precisamente numa altura em que se revelavam necessários níveis cada vez mais altos de competências para aceder à classe média e nela permanecer, bem como para participar plenamente numa sociedade cada vez mais complexa. Tal como foi por muitos documentado, a economia americana do pós-Segunda Guerra Mundial, construída a partir de uma base alargada de indústria e consumo interno, e incentivada por políticas federais de alargamento das oportunidades de educação e habitação para muitos, permitiu a expansão da classe média. O nível de educação dos americanos ultrapassou o da maior parte dos países e o investimento público em educação pós-secundária tornou a entrada na universidade possível, e mais acessível, para um número crescente de pessoas.10 Ao longo deste período, o mercado de trabalho ofereceu, de maneira geral, oportunidades de emprego para uma grande parte da população americana, a níveis geralmente suficientes para manter uma classe média forte, significando isto a capacidade para adquirir uma casa, investir em oportunidades educativas para os filhos e assegurar alguma segurança na terceira idade. A provisão destes benefícios a alguns à custa de outros é um elemento importante desta história, e tem havido muita investigação rigorosa que contribuiu para o nosso entendimento acerca do modo como esta prosperidade foi distribuída de forma desigual através de linhas de divisão racial e de género, aprofundando outras formas de desigualdade.11 Apesar disto, podemos caracterizar o pós-Segunda Guerra Mundial como um período em que as competências adquiridas no ensino secundário e pós-secundário nos EUA conseguiram ir ao encontro das oportunidades de emprego, com salários e benefícios que possibilitavam a um número crescente de famílias americanas a entrada na classe média.
Os contornos desta paisagem económica e social começaram a mudar por volta de 1970. Quando a “economia de colarinho azul” do período do pós-guerra começou a dar lugar à economia baseada no conhecimento que temos hoje, o capital humano passou a ser cada vez mais importante. A emergência desta nova realidade económica foi acompanhada por avanços tecnológicos, pela globalização e por uma série de políticas empresariais e governamentais que enfraqueceram as organizações de trabalhadores e levaram a uma diminuição do investimento público nas famílias e comunidades.12 O efeito acumulado destas mudanças aumentou a desigualdade de oportunidades, resultando numa concentração de riqueza nos níveis de rendimento mais elevados e num aumento significativo da pressão exercida sobre as classes baixa e média americanas.13 Ao mesmo tempo, outras nações industrializadas - tanto na Europa, como na Ásia - assistiram à melhoria da sua situação económica e também ao desenvolvimento do capital humano entre as suas populações mais jovens.
Pense-se, por exemplo, na realidade da República da Coreia ou no caso da Finlândia. Nas quatro últimas décadas, ambos os países concentraram atenção política e recursos económicos na oferta de opções escolares, a nível secundário e pós-secundário, acessíveis e de qualidade, dirigidas à sua população mais jovem. Num certo sentido, estavam a tentar alcançar países como os Estados Unidos da América, que ocupavam as posições de topo, no período pós-Segunda Guerra Mundial, em matéria de cumprimento da escolaridade secundária obrigatória.14 Dados respeitantes às competências, resultantes do Programa Internacional para a Avaliação das Competências dos Adultos (PIAAC), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), de 2012/2014,15 que comparam as classificações de millennials (idades compreendidas entre os 16 e os 34 anos) com as de adultos mais velhos (35-65), mostram precisamente isto. Os millennials na Finlândia obtiveram uma classificação em literacia 25 pontos acima (numa escala de 500 pontos) daquela obtida pelos adultos acima dos 35 anos; e, na República da Coreia, os millennials obtiveram uma classificação 29 pontos acima. Nos Estados Unidos, por seu turno, a diferença entre os dois grupos etários era de apenas 9 pontos. Mas os dados do PIAAC revelam bem mais do que isto. A análise destes dados demonstra que, embora os adultos mais velhos dos Estados Unidos tenham um melhor desempenho do que os seus homólogos internacionais em muitos dos países da OCDE que participaram no estudo, o desempenho dos millennials dos EUA ficava atrás do de muitos dos seus equivalentes internacionais.16 Por outras palavras, muitas nações industrializadas não só alcançaram o nível de sucesso educacional dos Estados Unidos, como viram o nível de competências dos seus jovens adultos ultrapassar o dos millennials dos EUA.17
As vastas mudanças acima apresentadas tiveram um impacto profundo no papel desempenhado pelo capital humano na consecução do nível de rendimentos que permite sustentar uma vida de classe média. Os economistas do trabalho estudaram as dimensões da nova economia que surgiram ao longo das quatro últimas décadas e demonstraram que o crescente “regresso às competências” (ganhos financeiros expectáveis em resultado da obtenção de níveis mais altos de educação e formação/competências), associado a uma queda aguda e precipitada no nível salarial potencial das pessoas com educação secundária, contribuiu para o crescimento da desigualdade, por um lado, e aumentou a importância do papel desempenhado pelo capital humano, por outro. Como sugere de forma inteligente o economista David Autor, este fenómeno constitui uma faca de dois gumes. O investimento em competências - especialmente nos níveis mais altos de competências - tem um retorno no mercado. Mas, assinala Autor, “esta tendência esconde uma verdade desanimadora: a subida dos rendimentos relativos das pessoas com formação no ensino superior não se deve apenas à subida dos rendimentos reais dos trabalhadores com licenciatura, mas também à queda dos rendimentos reais dos trabalhadores não licenciados”.18 Por outras palavras, a falta de oportunidades para adquirir e desenvolver o capital humano tem hoje um custo mais elevado do que tinha antes.
No que diz respeito à “desconexão”, noção a que é feita referência acima, queremos passar neste texto de uma ênfase na preocupação com o emprego e a educação para uma outra que inclui o capital humano, ou nível de competências. Utilizamos, para tal, de seguida, os dados do PIAAC relativos aos níveis de competência para nos dar um contexto internacional resumido quanto ao desempenho dos millennials dos EUA. Daqui, passamos a uma análise em profundidade da magnitude e dimensão geográfica do problema das baixas competências neste segmento da população. Por fim, analisamos a relação entre competências e indicadores de coesão social/capital social. Neste processo, defendemos que as baixas competências estão correlacionadas com uma sensação mais geral de desconexão e a ausência de participação na vida política e social.
Alargando o Conceito de Desconexão
Os investigadores têm dedicado bastante atenção ao crescimento do número de jovens “desconectados” na Europa e nos Estados Unidos da América, principalmente desde a grande recessão de 2008. O Measure of America referiu-se recentemente ao problema da desconexão da juventude face ao mercado de trabalho e à esfera educativa como uma “epidemia”, e estimou que hoje, nos Estados Unidos, 5,8 milhões de jovens adultos não trabalhem nem frequentem a escola.19 Em 2015, o Serviço de Investigação do Congresso dos EUA (Congressional Research Service) publicou um relatório que estimava o número em cerca de 6% da população total entre os 16 e os 24 anos.20 Nesse mesmo ano, a OCDE publicou um relatório que analisava as taxas de desconexão dos jovens nos respetivos países membros. O relatório em causa concluía que a dimensão desta população era de tal monta que tornava a “melhoria do emprego e da integração social entre a juventude uma preocupação política de primeira ordem”.21
O pressuposto que subjaz à investigação que presentemente se debruça sobre a desconexão juvenil é claro: aqueles que estão a trabalhar ou a frequentar a educação formal têm as competências e o conhecimento necessários à autossuficiência, e aqueles que não estão em nenhuma dessas situações arriscam-se a ficar para trás.22 Os resultados coletivos deste conjunto de investigações são importantes e alarmantes, mas não vão, provavelmente, ao fundo da questão.
A nossa abordagem ao conceito de “desconexão” é, neste texto, propositadamente mais alargada, centrando-se no papel das competências cognitivas, para além das ligações formais ao mercado de trabalho ou à educação. Embora estes últimos sejam sem dúvida aspetos importantes - emprego e níveis mais altos de escolaridade estão claramente correlacionados com salários mais elevados e melhores resultados na vida23 -, se atentarmos apenas a estas ligações, não estaremos provavelmente a ver o quadro completo. A investigação mostra que ter um baixo nível de competências limita a capacidade individual para tirar partido das oportunidades que se apresentam na nossa sociedade de conhecimento24. Desse modo, se definirmos desconexão a partir do nível de competências cognitivas de cada pessoa, ficamos com uma imagem mais rigorosa dos desafios que muitos jovens adultos enfrentam à medida que transitam para a próxima fase das suas vidas. Recorrendo aos dados do PIAAC, demonstramos que a ligação à educação e ao emprego são efetivamente necessárias, mas não suficientes. A nossa pesquisa indica que aproximadamente 31 milhões de millennials ligados à educação formal (seja no ensino secundário, seja nalguma modalidade de ensino pós-secundário) ou ligados a um emprego apresentam, apesar disso, níveis baixos de competências de literacia, com 39 milhões a mostrarem fracas competências de numeracia. Para além de uma reconceptualização do modo como entendemos e medimos a desconexão, a nossa pesquisa alarga a população estudada, acrescentando as pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos, uma vez que a geração millennial passa por uma transição para a idade adulta mais prolongada do que aquela por que passaram as gerações anteriores de jovens adultos, e continua a ser um importante objeto de investigação, de políticas e de atenção mediática.25
Abordar a desconexão em termos de níveis de competências também nos ajuda a considerar de forma mais completa os custos económicos e sociais de ter um baixo nível de competências. Estes custos têm um impacto duradouro, tanto para os indivíduos - facto que é amplamente reconhecido -, como para a sociedade em geral. Para o indivíduo, o papel desempenhado pelo capital humano no seu bem-estar é geralmente considerado óbvio: um nível alto de competências está correlacionado com melhores empregos, salários mais altos e resultados de vida mais favoráveis.26 As competências, contudo, desenvolvem-se, formal e informalmente, através de uma miríade de conexões ao longo da vida - dependem do “capital social” de cada pessoa. A Academia Nacional de Ciências (National Academy of Sciences) define capital social, em traços largos, como o nível, para cada pessoa, de “participação política; envolvimento em organizações comunitárias; ligação com amigos, família e vizinhos; e atitudes dirigidas à vizinhança, ao governo e aos grupos que não os seus próprios grupos”. Estas conexões são significativas porque estão associadas a “resultados positivos em muitos domínios da vida, incluindo saúde, altruísmo, educação, emprego, bem-estar infantil e conformidade com a lei”.27 Investigação recente aponta para que os indivíduos com níveis mais altos de capital social estão numa melhor posição para adquirir inicialmente, e depois manter, níveis mais altos de capital humano (competências) ao longo da vida.28
Indivíduos que apresentam níveis elevados de capital humano e social também transmitem vantagens aos seus filhos de modo mais ou menos tangível. A investigação sobre os níveis mais precoces da participação educativa e a psicologia infantil demonstram, por exemplo, que tais vantagens começam a ser transmitidas mesmo antes do nascimento, através dos cuidados pré-natais.29 É mais provável que os pais com mais tempo e recursos leiam para os seus filhos, criando a oportunidade de enriquecimento do vocabulário destes, que se reflete em classificações académicas mais elevadas. Para além disso, a posse de mais recursos permite-lhes oferecer aos seus filhos um maior acesso a atividades extraescolares e outras oportunidades extracurriculares.30 Resumindo, as vantagens tendem a acumular-se e a multiplicar-se com o tempo. Pelo contrário, aqueles que vivem em situações em que não é promovido o desenvolvimento do capital humano e social são confrontados com a perspetiva da mobilidade social descendente. As pessoas que vivem em ambientes difíceis ou em comunidades onde o nível de crime, desemprego e pobreza são altos e os cuidados de saúde são deficientes tendem a ter uma desvantagem à partida, tal como os seus descendentes. É bastante visível que as dinâmicas associadas àquilo que podemos designar como “acumulação de vantagens e de desvantagens”, e a desigualdade que daí resulta, estão a polarizar os EUA - de tal modo que, cada vez mais, não nos vemos uns aos outros.31 Como defende Robert Putnam, autor de Our Kids: The American Dream in Crisis (Os Nossos Filhos: A Crise do Sonho Americano), a desigualdade - e a segregação social que ela cria e perpetua - criou um ambiente de polarização onde “simplesmente não sabemos como é que a outra metade vive”. De acordo com Putnam, este fosso crescente “limita o nosso sentimento de reciprocidade. Limita o nosso sentido do que devemos uns aos outros. Somos cada vez menos uma comunidade”.32
A Geração Millennial
Muitas vezes referidos como millennials, mas também conhecidos como Geração Y ou echo boomers, este grupo de indivíduos, que aqui identificamos com aqueles que têm idade compreendida entre os 16 e os 34 anos, é geralmente identificado com o das pessoas nascidas entre 1980 e 2000. São, normalmente, os filhos e filhas da geração dos baby boomers do pós-guerra (1946-1964) e dos membros mais velhos da Geração X (1965-1980); outros são jovens imigrantes. No total, os millennials são cerca de 77 milhões, ou cerca de um quarto da população dos EUA, e é difícil descartar a sua importância. São a geração mais numerosa de americanos vivos, representando uma percentagem significativa da população ativa atual e futura.33 Não é provavelmente um exagero dizer que, para onde forem os millennials, também vai a América.
O nosso relatório anterior, America's Skills Challenge: Millennials and the Future (O Desafio das Competências na América: Os Millennials e o Futuro) (2015), apresentava uma abordagem declaradamente internacional e analisava as competências dos millennials americanos em comparação com as de outros 21 países da OCDE que participaram no PIAAC.34 O PIAAC foi concebido para analisar e comparar as competências-chave, cognitivas e profissionais, dos adultos (16-65 anos de idade) consideradas necessárias para participar com sucesso na sociedade do século XXI e numa economia globalizada. Na última vez em que foi administrado até à data de elaboração deste texto (2.ª Ronda do 1.º Ciclo, 2012-2016), o inquérito do PIAAC mediu as competências dos adultos em 33 países e em três domínios: literacia, numeracia e resolução de problemas em ambientes tecnologicamente desafiantes.35 Para além dos dados cognitivos recolhidos, a OCDE recolheu uma panóplia de informação sociográfica de base que pode ser relacionada com o nível de competências.36
O relatório O Desafio das Competências na América mostrava que, apesar de terem o nível de escolaridade mais alto da história dos Estados Unidos da América, os millennials residentes no país tinham geralmente resultados mais fracos nos três domínios avaliados do que os seus homólogos dos outros países da OCDE. Estes resultados revelaram-se particularmente evidentes no caso da numeracia. Quando olhámos para os diversos subgrupos populacionais de millennials - de acordo com a sua naturalidade, nível de escolaridade, nível de desempenho e antecedentes socioeconómicos - os millennials dos EUA tinham, de um modo geral, resultados abaixo dos alcançados pelos seus homólogos em muitos dos países que participaram no PIAAC. O presente texto baseia-se mais uma vez em dados do PIAAC e oferece uma análise centrada na magnitude e nas dimensões da população de jovens adultos dos EUA, em termos do nível de competências de literacia e numeracia, e das características associadas a estes níveis.37
Compreender o PIAAC
Como já foi dito, o objetivo do PIAAC é medir as competências-chave, cognitivas e profissionais, necessárias à participação na sociedade e ao desenvolvimento das economias. Exercícios concretos nos domínios da literacia e da numeracia testaram, por exemplo, a capacidade dos inquiridos para distinguir a informação relevante da irrelevante; preencher corretamente formulários de seguros em ambiente online; integrar, sintetizar e interpretar argumentos transmitidos por diferentes tipos de meios; compreender requisitos de um determinado emprego; ou calcular os custos e benefícios de planos de reforma.38 Por outras palavras, o PIACC, enquanto estudo de avaliação das competências dos adultos e jovens adultos - e ao contrário de outras avaliações internacionais e nacionais de populações que frequentam o sistema de ensino (Progress in International Reading Literacy Study, PIRLS; Program for International Student Assessment, PISA; Trends in International Mathematics and Science Study, TIMSS; National Assessment of Educational Progress, NAEP) - foi concebido para medir as competências funcionais exigidas para uma vida adulta, madura e independente. Estas competências, definidas de forma ampla, cruzam-se muitas vezes com aquelas que são fundamentais e úteis para a obtenção de um emprego remunerado, mas também é preciso reconhecer que elas são fundamentais para que os indivíduos naveguem através dos complexos sistemas que estão presentes nas nossas vidas quotidianas.39 Ademais, numa altura em que se dá cada vez mais atenção à nossa capacidade para avaliar criticamente a quantidade de informação sem precedentes que recebemos no dia-a-dia, estas competências nunca foram tão relevantes para a prática de uma cidadania informada e empenhada.40
Discutiremos, nas próximas secções deste artigo, o desempenho médio dos millennials e a percentagem desta população que obteve um determinado nível de proficiência nas avaliações de literacia e numeracia do PIAAC.41 Os níveis de proficiência do PIAAC vão desde “abaixo de 1”, o mais baixo, até ao “5”, o mais alto. Este relatório concentrar-se-á sobretudo nos millennials com desempenhos mais baixos (os de nível 1 ou inferior e aqueles que obtiveram nível 2), deixando de parte os que têm nível 3 ou superior. De acordo com a OCDE, o nível 3 representa um padrão de proficiência “mínima”, tanto no domínio da literacia, como no domínio da numeracia.42 A Tabela 1 oferece informação adicional acerca dos níveis de proficiência do PIAAC em cada domínio. Para uma descrição completa de todos os níveis de proficiência e para uma amostra das questões propostas no estudo, ver o Anexo B.
Os resultados aqui apresentados foram obtidos utilizando o IDB Analyzer da International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), software que permite criar uma sintaxe para utilização nos programas SPSS ou SAS que tem em linha de conta, no cálculo dos resultados, as características da amostra e o modo como a avaliação foi concebida.43 Diferenças observáveis (sejam entre países ou entre determinados grupos de adultos dos EUA) são assinaladas no texto apenas quando são consideradas estatisticamente significativas (p < .05). Não foram feitos ajustes estatísticos para explicar as várias comparações.44
Millennials com baixos níveis de competências nos EUA
Recorrendo a dados do inquérito aplicado no âmbito do 1.º Ciclo do PIAAC, o desempenho relativo dos millennials dos EUA foi, no melhor dos casos, medíocre, em comparação com o dos seus homólogos internacionais em 30 países. Na literacia, os millennials inquiridos nos EUA obtiveram uma classificação mais alta do que os seus equivalentes de 9 países, inferior à dos inquiridos de 11 países e globalmente situada na média do conjunto dos países participantes no estudo. Na numeracia, os resultados foram mais inquietantes. Em média, os millennials dos EUA tiveram um resultado acima de apenas quatro países (Espanha, Grécia, Turquia e Chile) e situaram-se abaixo da média do conjunto dos países participantes no PIAAC (Figura 1).
A classificação média é uma das formas de compreender o desempenho dos millennials de um país, mas deixa de fora detalhes importantes relativos à distribuição dos desempenhos dentro de cada país. Todos os países têm, obviamente, uma percentagem da sua população nos níveis mais baixos de competência, mas a amplitude e a distribuição de desempenhos entre os países participantes no PIAAC é significativa. Por exemplo, na literacia, a percentagem de millennials com baixo nível de competências variou entre os 2% no Nível 1 ou inferior, para o Japão, e um máximo de 41%, no Chile, com os Estados Unidos da América a situarem-se no meio, com 14% (Tabela 1). Na numeracia, a amplitude de desempenho no Nível 1 ou inferior variou de um mínimo de 7% (mais uma vez, no Japão) até um máximo de 53%, no Chile, com os Estados Unidos a situarem-se nos 25%. Doze países tiveram uma percentagem mais baixa de millennials no Nível 1 ou inferior no que toca à literacia; em numeracia, 23 países tiveram percentagens mais baixas. Em numeracia, apenas a Turquia e o Chile tinham uma percentagem mais elevada de millennials no Nível 1 ou inferior. Verificou-se um padrão semelhante no que diz respeito ao Nível 2: os millennials inquiridos nos EUA encontram-se no meio da distribuição no respeitante à literacia; em numeracia, apenas a Irlanda, Grécia e Espanha apresentaram percentagens mais elevadas da sua população neste nível.45
É de assinalar também a classificação relativa no respeitante à percentagem de millennials dos EUA com nível de competências mais altos (com desempenho de Nível 3 ou superior), em comparação com os seus homólogos internacionais com competências semelhantes. A percentagem variou entre um máximo de 81% (Japão) e um mínimo de 15% (Turquia), no domínio da literacia, e um máximo de 68% (Finlândia) e um mínimo de 16% (Chile), na numeracia. Aqui, mais uma vez, os Estados Unidos da América classificaram-se claramente no meio da tabela em literacia (com 53%) e mais abaixo em numeracia (40%), com apenas quatro países a apresentarem percentagens inferiores da sua população de millennials com proficiência de Nível 3 ou superior (Espanha, Grécia, Turquia e Chile).
A Tabela 2 mostra com maior detalhe o desempenho dos millennials dos EUA em determinados níveis de proficiência (no Nível 1 ou inferior, no Nível 2 e no Nível 3 ou superior). 14% da população de millennials, ou 10,4 milhões, tiveram um desempenho de Nível 1 ou inferior em literacia. Em numeracia, um quarto do total dos millennials - aproximadamente 19,4 milhões - teve um desempenho neste nível. Quando acrescentamos os millennials que se classificaram no Nível 2, o total aumenta de forma dramática. Estima-se que 36,2 milhões de millennials (47%) tenham um desempenho de Nível 2 ou inferior em literacia e que um número estimado de 46,1 milhões (60%) tenha um desempenho de Nível 2 ou inferior em numeracia.
É claro que, dos cerca de 76,7 milhões de millennials dos EUA, alguns são bem-sucedidos na economia e sociedade de hoje. Tendo em conta aquilo que se sabe acerca da associação entre competências e resultados na vida, é mais provável que as pessoas com níveis de competências mais elevados (Nível 3 ou acima) experimentem uma transição mais suave para a vida adulta.46 É provável que estes adultos sintam que estão a avançar no sentido de alcançar uma vida sustentável para si e para os seus filhos. Mas, para muitos outros, com níveis mais baixos de competências, o futuro pode parecer menos seguro. No respeitante à literacia, havia efetivamente quase tantos millennials com um desempenho de Nível 2 ou abaixo como os que tinham obtido o Nível 3 ou acima (Figura 2). Na numeracia, havia mesmo mais millennials (aproximadamente mais 15 milhões) que tiveram um desempenho de Nível 2 ou abaixo do que aqueles que atingiram o Nível 3 ou acima.
A existência de um número elevado de jovens adultos com um desempenho de Nível 2 ou inferior, combinada com o fraco desempenho dos millennials dos EUA quando comparados com os seus homólogos internacionais, é preocupante. Nos Estados Unidos, o baixo nível de competências tem impacto em vários aspetos da vida dos indivíduos, desde os mais óbvios, como o emprego e a educação, até outros menos óbvios, mas igualmente importantes, como os níveis de confiança e envolvimento na sociedade. Como é que estas dotações de capital humano e social, multiplicadas por milhões, afetam a sociedade como um todo? Numa perspetiva global, o nível medíocre de competências de literacia dos residentes adultos dos EUA e o seu fraco desempenho em numeracia colocam a questão da capacidade competitiva internacional dos Estados Unidos. Para além disso, e adotando uma perspetiva de longo prazo, precisamos de ter em linha de conta as oportunidades que se perdem quando tantas pessoas jovens nos EUA são potencialmente relegadas para as margens da sociedade.
Quem São Os Nossos Millennials Com Baixos Níveis de Competências?
Os millennials já foram designados como “o grupo de adultos mais etnicamente diverso na história americana” e calcula-se que a sua descendência, nas próximas décadas, seja ainda mais diversa.47 Em Diversity Explosion: How New Racial Demographics Are Remaking America (A lExplosão da Diversidade: Como a Nova Demografia Racial Está a Reconstruir a América) (2014), o demógrafo William Frey mostra como é importante estar atento às tendências demográficas que afetam a população de millennials. “É essencial perguntarmo-nos quão bem posicionada está - e estará - esta população para se sustentar a si e às suas comunidades”, avisa Frey. “Têm que estar bem formados. Têm que estar preparados para empregos que envolvem tecnologia avançada, os trabalhos de classe média, ou pelo menos ter a capacidade para se sustentarem e para sustentar a sua comunidade”.48 Apesar dos medos que as mudanças demográficas às vezes provocam no curto prazo, Frey defende que “investir nos jovens pertencentes a minorias - que (para alguns) ainda não são vistos como os seus filhos e netos - é crucial não apenas para o sucesso da economia nacional, mas também para as contribuições para programas governamentais como a Segurança Social e o Medicare”.49 Resumindo, quanto mais depressa percebermos que as diferenças acentuadas a nível de competências entre os diferentes grupos, e dentro de cada grupo, fazem parte de um problema geral que afeta a população como um todo, melhor ficaremos.
O presente texto oferece mais abaixo uma descrição estatística dos millennials por género, raça/etnicidade e naturalidade/língua, distribuídos pelos níveis de proficiência acima discutidos. Estes dados levantam duas questões importantes relacionadas entre si. Por um lado, eles refletem diferenças acentuadas no desempenho (especialmente a diferença racial/étnica), que nós - e muitos outros - acreditamos resultarem das desigualdades de acesso a oportunidades dentro do país.50 Ao mesmo tempo, e em termos de números absolutos, o problema do baixo nível de competências na nossa população de millennials é de âmbito geral, tendo, portanto, implicações para todos nós.
7.1.Género
Há, em geral, uma percentagem ligeiramente superior de indivíduos do sexo masculino do que de indivíduos do sexo feminino na população de millennials (Tabela 3). A reduzida diferença na classificação de literacia do PIAAC entre millennials do sexo masculino (276) e do sexo feminino (278) não é estatisticamente significativa. A proximidade relativa nas classificações em literacia dos jovens do sexo masculino e do sexo feminino contrasta com as avaliações nacionais e internacionais de crianças em idade escolar, que revelam uma diferença de género favorável às raparigas.51 Contudo, no que diz respeito à numeracia, no PIAAC, os millennials do sexo masculino obtiveram uma classificação mais alta do que as suas equivalentes do sexo feminino; e uma percentagem mais elevada de jovens adultas obteve uma classificação de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2, quando em comparação com a classificação obtida neste domínio pelos jovens do sexo masculino, verificando-se também uma percentagem mais reduzida de mulheres a obter o Nível 3 ou acima. Esta diferença no desempenho entre homens e mulheres no que diz respeito à numeracia encontra paralelo no que acontece em matéria de desempenho internacional dos estudantes dos EUA com 15 anos de idade e também no que acontece com os alunos do 12.º ano avaliados no quadro nacional.52
A diferença entre géneros observável na numeracia está relacionada com questões curriculares e estruturais na educação, com as escolhas profissionais e mesmo com a utilização de competências no plano profissional, todas questões que exigem mais investigação.53
7.2. Raça/Etnicidade
De acordo com os dados do PIAAC, 59% dos millennials inquiridos identificam-se como brancos, 19% como hispânicos, 14% como negros e 8% como pertencendo a outros grupos étnico-raciais.54 A Tabela 4 mostra que a probabilidade de os millennials negros terem um desempenho de Nível 1 ou inferior em literacia é três vezes maior do que a dos millennials brancos, sendo a dos millennials hispânicos quatro vezes superior. A diferença de 3 pontos percentuais entre negros e hispânicos que tiveram uma classificação de Nível 1 ou inferior em literacia não é estatisticamente significativa. No Nível 2, também não se verificou uma diferença estatisticamente significativa no desempenho de negros e hispânicos (46% e 40%, respetivamente), sendo que os millennials brancos ou de outros grupos étnico-raciais obtiveram percentagens mais baixas neste nível do que os millennials negros ou hispânicos. Em numeracia, o padrão de desempenho entre grupos étnico-raciais é ligeiramente diferente. Embora haja uma percentagem maior de millennials brancos e de outros grupos raciais (52% e 47%, respetivamente) do que de millennials negros e hispânicos a obter uma classificação de Nível 3 ou superior (e uma percentagem menor no Nível 1 ou abaixo), não havia diferença de percentagens entre os grupos étnico-raciais que ficaram classificados no Nível 2.
A magnitude das diferenças observadas entre grupos étnico-raciais é profundamente inquietante. Estudos mostram que a segregação por rendimento é cada vez maior nos Estados Unidos da América, havendo também uma longa história de segregação étnico-racial, e que estas realidades estruturais sobrepostas desempenham seguramente um papel decisivo na produção e perpetuação das diferenças de desempenho observadas entre grupos étnico-raciais ao longo dos 12 anos de escolaridade primária e secundária.55 As mesmas desigualdades podem estar na base de muitas das diferenças observadas nos dados do PIAAC para os níveis de competência. Não surpreende que estas diferenças sejam notórias nos dados relativos às competências da população de jovens adultos. Mas o que isto nos diz acerca da igualdade no presente e no futuro é bastante preocupante.
Deixando por um momento de lado os fatores que subjazem às diferenças significativas entre o desempenho dos grupos étnico-raciais nas avaliações nacionais e internacionais, os dados do PIAAC sobre os jovens adultos mostram que, em termos quantitativos, o problema das competências desadequadas é transversal aos diversos grupos.56 Mais de 16 milhões de millennials brancos obtiveram classificações de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2, em literacia, e 22 milhões obtiveram tais níveis no domínio da numeracia.
7.3. Naturalidade e língua
Para dar conta da interseção entre a naturalidade e a língua, a nossa escala utiliza uma variável combinada de “autóctone ou língua materna” versus “nascido no estrangeiro e língua estrangeira”. Isto permite-nos distinguir entre os millennials para os quais o inglês é a primeira língua e aqueles para os quais não é. No resto do artigo, designaremos o grupo dos autóctones ou falantes da língua materna com recurso à categoria “língua materna” e o grupo dos nascidos no estrangeiro e de língua estrangeira com recurso à categoria “língua estrangeira”.
A crescente heterogeneidade da população jovem adulta dos EUA faz parte de um fenómeno global que marca vários outros países, designadamente muitos países da OCDE. Embora os Estados Unidos tenham o maior número absoluto de imigrantes, os millennials de língua estrangeira representam apenas 9% da população total de millennials. Este valor é inferior à percentagem de millennials de língua estrangeira em vários outros países da OCDE, incluindo, por exemplo, a Áustria (13%), o Canadá (15%), a Alemanha (11%), a Noruega (14%) e a Suécia (15%) (Tabela A-4, Anexos). A comparação das competências dos millennials de língua materna com as dos seus homólogos de um subconjunto de outros países com percentagens semelhantes de millennials de língua estrangeira revela vários pontos importantes.57 Em primeiro lugar, na literacia, os millennials de língua materna dos EUA obtiveram, em média, uma classificação mais elevada do que os seus homólogos de língua materna em apenas três países (Irlanda, Espanha e Itália). Em segundo lugar, no domínio da numeracia, os falantes de língua materna dos EUA obtiveram uma classificação média superior à dos seus homólogos de apenas um país - Espanha. Em terceiro lugar, os millennials de língua estrangeira nos Estados Unidos obtiveram, em média, resultados mais elevados do que os seus homólogos de língua estrangeira em apenas três países (Suécia, Espanha e Itália), no caso da literacia, e em apenas dois países (Espanha e França), no caso da numeracia (Tabela A-5, Anexos).
No nosso subconjunto de países, os millennials de língua materna obtiveram, em média, pontuações mais elevadas do que os seus equivalentes de língua estrangeira, tanto em literacia como em numeracia, e houve uma percentagem menor de millennials de língua materna a obter um desempenho nos níveis de proficiência mais baixos (Tabela A-6, Anexo). Este é, em grande medida, um resultado esperado, dado que o PIAAC é administrado nos países da OCDE na língua materna do país de acolhimento. As análises comparativas revelam que a diferença observada entre adultos de língua estrangeira e de língua materna em todos os países está relacionada com o país de origem, os níveis de escolaridade, a idade aquando da imigração e o acesso/experiência escolar nos países de acolhimento.58 Para além da questão das diferenças de desempenho entre os grupos de língua materna e língua estrangeira, o número de millennials de língua materna dos EUA no grupo com baixos níveis de competências é visivelmente elevado. Em termos de literacia, quase 8 milhões tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, com outros 23 milhões a terem um desempenho de Nível 2. Estes números são ainda maiores, mais uma vez, no domínio da numeracia. Cerca de 16,4 milhões de millennials de língua materna tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, com 24,4 milhões a terem um desempenho de Nível 2 (Tabela 5).
Passamos agora de uma análise do perfil demográfico dos millennials dos EUA e da sua relação com as competências para uma investigação da forma como o emprego e a participação em atividades educativas se relacionam com os níveis de competências.
Millennials em Transição
De um modo geral, os millennials encontram-se numa fase de transição em termos dos seus papéis sociais, à medida que se aproximam e avançam na idade adulta; muitos continuam a tentar concretizar os seus objetivos educativos, a entrar no mercado de trabalho, a constituir o seu primeiro agregado doméstico e a criar as suas próprias famílias. A investigação em demografia determinou que a transição para a idade adulta desta população se prolonga frequentemente para além dos 25 anos.59 Há, de facto, um consenso crescente entre os demógrafos de que, desde a década de 1980, os EUA têm assistido a um padrão de “prolongamento” da transição para a idade adulta, em contraste com uma fase de transição mais rápida em meados do século XX. No período do pós-Segunda Guerra Mundial (aproximadamente de 1945 a finais da década de 1970), as forças económicas, políticas e sociais convergiram para permitir que um maior número de adultos residentes nos EUA, embora certamente não todos, conseguisse um emprego remunerado ao sair das instituições de ensino (frequentemente do ensino secundário), casasse em idades mais jovens e constituísse família. Durante algum tempo, os demógrafos consideraram que se tratava de uma nova norma, que se diferenciava de um padrão observável no final do século XIX e início do século XX, em que os jovens adultos faziam a transição para a independência mais lentamente (por exemplo, casando e constituindo agregados familiares mais tarde). No entanto, quando analisada numa perspetiva mais alargada, esta fase de transição mais curta dos jovens adultos de meados do século XX parece agora mais o desvio do que a norma. Os millennials estão, enquanto grupo, a adiar o fim da escolaridade e a constituição de agregados familiares com um parceiro.60
Por conseguinte, é claramente útil considerar se o emprego e o estatuto de estudante (inscrito ou não no ensino formal) afetam os níveis de competências deste grupo, e de que modo o fazem. Tanto em termos de literacia, como de numeracia, os millennials que estavam simultaneamente empregados a tempo inteiro e envolvidos em atividades educativas formais apresentavam a percentagem mais elevada de desempenho de Nível 3 ou superior, bem como a percentagem mais baixa de desempenho de Nível 1 ou inferior ou de Nível 2 (Tabela 6). Estes são, essencialmente, os millennials duplamente empenhados. No outro extremo do espectro, os millennials que estavam desempregados e não estavam inscritos no ensino representavam quase o dobro da percentagem (26% em literacia e 47% em numeracia) no Nível 1 ou abaixo deste, em comparação com os millennials em geral (14% em literacia e 25% em numeracia). Estes dados corroboram em grande medida as conclusões da literatura que se debruça sobre a “desconexão”, e que este artigo anteriormente referiu. De um modo geral, aqueles que não têm laços com o mercado de trabalho e a educação representam alguns dos nossos jovens adultos mais vulneráveis e correm um risco maior de ter resultados negativos na vida.61
Os dados do PIAAC assinalam, no entanto, que ter um emprego não garante, por si só, a posse de competências. Nem tampouco o garantem, aparentemente, algumas vias do ensino secundário e pós-secundário formal. As Tabelas 7 e 8 permitem-nos ver os dados de forma ligeiramente diferente, e destacar a questão da conexão - tanto à educação como ao emprego -, na sua relação com as competências. Nestas tabelas, as percentagens são calculadas com base no número total em cada nível de competências, e não numa categoria de emprego/educação, como era o caso na Tabela 6. Quando o fazemos, observamos que, dos cerca de 10,4 milhões de millennials que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia, 30% - ou aproximadamente 3,1 milhões - estavam inscritos na educação formal/em programas certificados. Relativamente à numeracia, dos cerca de 19,4 milhões de millennials que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, cerca de 35% deles, ou seja, 6,9 milhões, estavam matriculados no ensino na altura de realização do inquérito do PIAAC.
Para compreender melhor a relação entre as competências - e, em particular, as competências mais baixas - e a educação, analisámos os millennials atualmente matriculados no ensino segundo o seu nível de escolaridade mais elevado (Tabela 8). Dos cerca de 3 milhões de millennials dos EUA com baixa classificação no domínio da literacia que estavam matriculados no ensino, quase dois terços (62%) tinham menos do que o ensino secundário. No que diz respeito à numeracia, dos cerca de 7 milhões de millennials com baixa classificação em numeracia inscritos no ensino formal, 56% tinham menos do que o ensino secundário. Embora mais de metade destes millennials fosse estudante do ensino secundário, ou estivesse, aquando do PIAAC, a obter uma equivalência ao ensino secundário, o desempenho no Nível 1 ou inferior deveria ser motivo de grande preocupação.62 Com competências de tal modo baixas, estes indivíduos enfrentarão provavelmente obstáculos substanciais para concluir com êxito um curso pós-secundário de dois ou quatro anos, ou para progredir no mercado de trabalho.63
Igualmente surpreendente, porém, é que 34% dos que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia, e 37% dos que tiveram os mesmos resultados em numeracia, estavam de facto inscritos no ensino formal e tinham o ensino secundário/frequência do ensino superior (não diplomados). Além disso, dos millennials que obtiveram resultados de Nível 2, 42%, na literacia, e 46%, na numeracia, estavam inscritos no ensino formal e tinham o ensino secundário/frequência do ensino superior (não diplomado).
Os dados do PIAAC vão ao encontro, neste ponto, de uma série de trabalhos académicos acerca das diferenças relevantes nos tipos e na qualidade dos programas de educação/certificação/formação oferecidos aos millennials, e assinalam que, num país tão grande e diversificado como os Estados Unidos da América, o ensino pós-secundário está “longe de ser um produto padronizado”.64 Além disso, estas conclusões vão ao encontro de uma literatura robusta que analisa a questão da equidade no que respeita ao ensino superior. Estudos recentes documentaram que muitos dos que iniciam o ensino superior e não o terminam, bem como muitos dos que frequentam instituições com fins lucrativos não regulamentadas, começam e terminam frequentemente em clara desvantagem. É provável que a complexa interação entre as disparidades étnico-raciais e de rendimento esteja aqui, de várias formas, em jogo.65 Por exemplo, em média, os estudantes negros e com baixos rendimentos contraem mais empréstimos - e com maior frequência - do que os estudantes brancos e com rendimentos mais elevados, para pagarem a sua licenciatura, mesmo em instituições públicas.
Além disso, o endividamento dos estudantes negros e com rendimentos mais baixos para obterem graus de “associado” (: grau de ensino pós-secundário obtido ao fim de dois ou três anos, abaixo do nível da licenciatura) e graus em instituições de ensino superior com fins lucrativos aumentou na última década, apesar de alguns destes graus conferirem muitas vezes poucas competências e escassas perspetivas de emprego.66 A dívida estudantil contraída para pagar estes graus é também muitas vezes diferenciada em função do rendimento e da raça/etnia, colocando demasiados millennials e suas famílias em situação de risco face a outras dificuldades económicas no futuro.67
O número de millennials ligados nos EUA ao mercado de trabalho e com baixo desempenho é outro aspeto da questão relacionada com a noção de “conexão” que merece uma análise mais aprofundada. Também neste caso, especialmente num mercado de trabalho como o dos Estados Unidos, que tem uma grande proporção de empregos na extremidade inferior do espectro de competências, o facto de ter um emprego não protege de forma alguma os indivíduos da exposição às dificuldades associadas às baixas competências.68 De facto, como um estudo demonstrou, embora muitos indivíduos com baixas competências tenham elevada probabilidade de estar empregados nos Estados Unidos, este emprego muitas vezes não oferece grande proteção. As pessoas empregadas com baixas competências correm maior risco de evicção do mercado de trabalho em caso de recessão económica, bem como de recebimento de salários baixos, não se encontrando muitas vezes em condições de melhorar as suas competências.69 Dos cerca de 10,4 milhões de millennials que tiveram em literacia um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, quase dois terços (65%) estavam empregados a tempo inteiro (43%) ou a tempo parcial (22%) (Tabela 9). Isto significa que aproximadamente 6,7 milhões de millennials com alguma ligação ao mercado de trabalho podem ter dificuldades decorrentes das baixas competências de literacia, como as que resultem de dificuldades em ajuizar, comparar ou contrastar a informação fornecida. Quando olhamos para o desempenho no domínio da numeracia, os números são ainda mais impressionantes: estima-se que 12 milhões de millennials que trabalham a tempo inteiro ou parcial possam ter dificuldades relacionadas com as baixas competências de numeracia, tais como as que decorrem de dificuldades para identificar e fazer operações com base em informações e ideias numéricas - mesmo quando estas estão inseridas em contextos comuns, em que o conteúdo é bastante explícito ou visual e a informação é transmitida com poucas distrações.
A isto acresce o número de millennials empregados que tiveram um desempenho de Nível 2. Em termos de emprego, verificamos que, no domínio da literacia, cerca de 26 milhões (34% de todos os millennials) tiveram um desempenho de Nível 2; destes, cerca de 17,5 milhões (69%) estavam empregados a tempo inteiro ou parcial. No respeitante à numeracia, cerca de 27 milhões de millennials (35% do total de millennials) atingiram o Nível 2 de proficiência; destes, cerca de 19 milhões (71%) trabalhavam a tempo inteiro ou parcial (ver Quadro A-3, Anexos, para mais pormenores). No total, havia mais millennials a trabalhar a tempo inteiro ou parcial abaixo do Nível 3 - o que significa que tinham baixos níveis de competências - do que no Nível 3 ou acima (Figura 3). Embora este padrão esteja invertido na literacia, estimava-se ainda assim que 24 milhões de millennials possuíssem baixos níveis de competências neste domínio.
Quando analisamos o Nível 2 de competências e o nível de escolaridade, verificamos que mais de 10 milhões de millennials em cada domínio estavam inscritos nalgum programa de ensino/certificação. De facto, na numeracia, refletindo o padrão que encontrámos para o emprego, dos millennials atualmente inscritos em programas de educação/certificação, eram mais aqueles com competências de Nível 2 ou inferior do que aqueles com competências de Nível 3 ou superior (Figura 4).
Os dados do PIAAC dão-nos algumas indicações sobre o tipo de profissões e de remuneração destes millennials pouco qualificados. Em termos de numeracia, embora um pouco mais de metade (51%) dos millennials que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 trabalhasse em profissões qualificadas (por exemplo, legisladores, funcionários superiores e gestores, profissionais liberais, técnicos e profissionais afins), 43% dos que tinham um desempenho igual ou inferior ao Nível 1, e 43% dos que tinham um desempenho de Nível 2, trabalhavam em profissões semiqualificadas de “colarinho branco” (por exemplo, empregados de escritório, trabalhadores dos serviços e vendedores em lojas ou em grandes superfícies). Os padrões são semelhantes no que toca à literacia. No entanto, os millennials que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia tinham cerca de três vezes mais probabilidades de trabalhar em profissões pouco qualificadas (por exemplo, assistentes de preparação de alimentos, operadores de máquinas e empregados de limpeza) do que os que tinham um desempenho igual ou superior ao Nível 3 (Tabela A-7, Anexo).
A ligação entre competências e salários tem sido bem documentada em inquéritos e pesquisas sobre o mercado de trabalho, e os dados do PIAAC estão em linha com as conclusões gerais. Tal como será demonstrado num próximo texto, existe uma forte associação entre uma maior capacidade produtiva dos trabalhadores, níveis mais elevados de escolaridade e níveis mais elevados de proficiência em literacia e numeracia. Estes fatores traduzem-se geralmente em "melhores resultados em termos de emprego e de rendimentos nos mercados de trabalho dos EUA", onde as vantagens em termos de rendimentos, para os adultos com idades compreendidas entre os 25 e os 65 anos, associadas a elevados níveis de competências de literacia e numeracia, são bastante significativas.70 Isto também se observa nos dados do PIAAC relativos aos jovens adultos: os que têm níveis de competências mais baixos ganham menos. Cerca de três quartos, ou 76%, dos que obtiveram uma pontuação igual ou inferior ao Nível 1 na escala de literacia do PIAAC tinham ganhos situados nos dois quintis mais baixos de rendimento, ou seja, menos de 2.300 dólares mensais e menos de 28.000 dólares anuais (Tabela A-8, Anexo). Além disso, muitos destes millennials estão confinados a empregos pouco qualificados e com salários baixos.
A investigação atual sobre o trabalho, que recorre aos dados do PIAAC, demonstra que, embora se verifique alguma melhoria de competências relacionadas com o emprego, as empresas tendem a dar prioridade às oportunidades de formação adicional para os principais gestores e funcionários, e não para os seus trabalhadores menos qualificados.71 Um relatório da Coligação Nacional para as Competências (National Skills Coalition) revelou também que muitos adultos com empregos pouco qualificados no setor dos serviços nos Estados Unidos da América não possuem as competências de literacia e numeracia necessárias para aproveitar plenamente as oportunidades de progredir nas empresas do setor dos serviços, o que cria "um entrave invisível à produtividade e à mobilidade dos trabalhadores".72 Para além do benefício óbvio do aumento dos salários e das perspetivas educativas, há uma série de outras vantagens para os trabalhadores que têm acesso a melhores oportunidades de emprego (por exemplo, planos de poupança-reforma, cuidados de saúde acessíveis, baixa médica paga, etc.). Embora o último inquérito do PIAAC não tenha medido todos estes indicadores de benefícios laborais, os dados confirmam que os millennials com menor desempenho têm menos probabilidades de ter um seguro de saúde do que os seus equivalentes mais qualificados (Tabela A-9, Anexo).
Ao chamar a atenção para as ligações com a educação formal e o mercado de trabalho, a investigação sobre a desconexão centra a atenção num segmento claramente vulnerável da população adulta mais jovem. Mas a noção alargada de desconexão aqui apresentada - uma noção de marginalização devida às baixas competências - revela uma imagem mais matizada dos desafios que uma geração de jovens adultos com baixas competências enfrenta atualmente. Embora exista claramente uma relação positiva entre a proficiência em competências e a educação, a investigação demonstrou que existe uma grande variação dos níveis de competências dentro de cada categoria de habilitação literária. Além disso, apesar de o mercado de trabalho dos EUA acomodar muitos dos indivíduos com baixas competências, o emprego para esses indivíduos pode proporcionar apenas vantagens limitadas.73 Milhões de millennials que avançam na idade adulta não possuem as competências necessárias que lhes permitam tirar pleno partido das oportunidades que se lhes podem apresentar - apesar de muitos terem concluído o ensino secundário, manterem ligações ao ensino pós-secundário formal ou participarem no mercado de trabalho. De modo igualmente relevante, a investigação mostra que as competências estão correlacionadas com o modo como os indivíduos se sentem ligados à sociedade em geral, e com o seu bem-estar geral, incluindo os seus níveis de confiança e de envolvimento com os outros e com as instituições sociais. Na secção seguinte, exploramos estes importantes fatores, não relacionados com o mercado de trabalho, associados às competências.
Capital social
No final do século XIX - o início da era moderna -, o filósofo francês Émile Durkheim preocupava-se muito com a erosão das ligações entre os indivíduos e a sociedade. Ele acreditava que o indivíduo e a sociedade estavam tão fortemente ligados que estudou especificamente a forma como as taxas de suicídio - na variante a que chamou "suicídio anómico" - estariam ligadas ao nível de desintegração social. É curioso - e assustador - que os investigadores e os meios de comunicação social tenham começado a documentar um novo fenómeno nos Estados Unidos da América: o aumento dos suicídios (sobretudo entre as pessoas com baixos níveis de escolaridade - a única forma de medição das competências utilizada nestes estudos), fenómeno que passou a ser conhecido como o das "mortes por desespero".74 Angus Deaton e Anne Case, autores de um estudo sobre o aumento da taxa de mortalidade entre os indivíduos brancos de meia-idade com menos do que o ensino secundário nos EUA, reconhecem que a preocupação se deve estender, de facto, à população da chamada geração millennial: "A América não é um bom lugar para pessoas que têm apenas o ensino secundário", observa Case, "e não creio que isso vá melhorar tão cedo".75 O grande número de millennials com baixos níveis de competências, juntamente com a complexa e importante relação entre competências e aquilo a que os investigadores chamam "capital social", tem claramente consequências profundas e de grande alcance.
A forma como as competências interagem com o capital social é uma questão decisiva e complexa. A OCDE promoveu uma iniciativa para examinar os padrões de confiança, uma componente importante do capital social, nos seus países membros, na sequência da crise financeira mundial de 2008. Num relatório de 2015, surgem provas de que as nações com competências cognitivas gerais mais elevadas apresentavam níveis de confiança mais elevados.76 Em 2014, Patrícia Dinis da Costa et al., do Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia, analisou a relação entre educação, competências e bem-estar social, numa seleção de países da União Europeia que participaram no PIAAC. Os seus resultados indicam que "as competências e capacidades dos indivíduos são fundamentais para uma participação efetiva e proveitosa na vida social e económica nas atuais economias globalizadas”.77
Os dados do PIAAC permitem-nos analisar a forma como os níveis de competências se alinham com as noções de capital social, através de uma série de perguntas presentes no respetivo questionário-base.78 Aqui, tal como na secção anterior, analisamos estas questões através da observação das percentagens calculadas sobre o total em cada nível de competências. As características associadas ao nível de confiança individual são analisadas através de duas questões: "São poucas as pessoas em quem podemos confiar plenamente" e "Se não tivermos cuidado, as outras pessoas aproveitam-se de nós". A nossa análise mostra que, para os millennials como um todo, não é evidente que exista um nível elevado de confiança nos outros. No entanto, as pessoas com níveis de competências mais baixos parecem ter níveis de confiança mais reduzidos do que os seus equivalentes com níveis de competências mais elevados. Pouco mais de três quartos dos millennials que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 (76% em literacia e 77% em numeracia) afirmaram que concordavam, ou concordavam totalmente, com a afirmação de que "São poucas as pessoas em quem se pode confiar totalmente" (Tabela 10). Estas percentagens são mais elevadas do que as dos que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 (65% em literacia e 62% em numeracia). Além disso, 82% das pessoas que tiveram um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia e 84% em numeracia, concordaram ou concordaram totalmente que "Se não tivermos cuidado, as outras pessoas aproveitam-se de nós" - um número que também é superior ao das pessoas que tiveram um desempenho igual ou superior ao Nível 3 em ambos os domínios (74% e 72% em literacia e numeracia, respetivamente). De acordo com o Pew Reasearch Center, "as pessoas que se sentem vulneráveis ou, por qualquer razão, em desvantagem acham que é mais arriscado confiar, porque estão menos capacitadas para lidar com as consequências de uma confiança mal depositada”.79 Estes dados sobre a confiança devem ser vistos como particularmente alarmantes, sobretudo no que diz respeito a uma população que está a entrar na idade adulta.
A investigação também mostra que os níveis de confiança estão correlacionados com a doação graciosa de tempo e dinheiro.80 As taxas de voluntariado foram apuradas no PIAAC através de uma questão que perguntava aos participantes: "Nos últimos 12 meses, com que frequência, se alguma, fez trabalho voluntário, incluindo trabalho não remunerado para uma instituição de caridade, partido político, sindicato ou outra organização sem fins lucrativos?". Espelhando os resultados relativos à confiança, 63% das pessoas com um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia, e 57% em numeracia, afirmaram nunca fazer trabalho voluntário, enquanto somente 35% das pessoas com um desempenho igual ou superior ao Nível 3 em literacia, e 33% em numeracia, afirmaram nunca fazer trabalho voluntário.
Os adultos que participaram no PIAAC também foram inquiridos acerca do seu nível de eficácia política ("As pessoas como eu não têm nada a dizer sobre o que o governo faz"). Mais uma vez, tal como observámos com as medidas de confiança, os millennials com menos competências eram mais propensos a mostrar atitudes desfavoráveis relativamente a este aspeto do capital social. De facto, os millennials com um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 tinham uma probabilidade 20 pontos percentuais superior, no caso da literacia, e 17 pontos percentuais superior, no caso da numeracia, de acreditar que "não têm nada a dizer sobre o que o governo faz”, por comparação com os que tinham um desempenho igual ou superior ao Nível 3. Dada a forte correlação entre competências e rendimentos, a afirmação resumida de Robert Putnam sobre a divisão entre privilegiados e desfavorecidos, em termos de impacto no governo, aplica-se provavelmente neste caso: "Os jovens ricos estão mais confiantes de que podem influenciar o governo e, em grande medida, têm razão. Não é de surpreender que os miúdos pobres tenham menos probabilidades de tentar fazê-lo”.81
Os dados do PIAAC relacionados com o capital social - confiança social, eficácia política e participação cívica - permitem matizar um padrão geral referido noutros inquéritos e investigações. Os dados do Pew Research Center confirmam que, enquanto grupo, os millennials têm menos probabilidades do que as gerações mais velhas de possuir filiações sociais e políticas e de confiar nas instituições públicas.82 O Pew Research Center atribuiu parte da responsabilidade pelo fosso entre os grupos à maior percentagem de minorias e de pessoas com um estatuto socioeconómico mais baixo entre os grupos mais jovens; embora seja plausível, outra razão para os baixos níveis de confiança entre a população milennial (ou partes dela) pode também residir na relação complexa entre níveis de competências, oportunidades e resultados obtidos na vida.
Como ler este gráfico: Este gráfico mostra a percentagem de millennials com três níveis de proficiência (igual ou inferior ao Nível 1, Nível 2 e igual ou superior ao Nível 3) em literacia e numeracia, numa série de questões do questionário-base do inquérito do PIAAC. Atentando à primeira questão cujos dados são aqui apresentados - "Existem poucas pessoas em quem se pode confiar plenamente" -, os dados do PIAAC mostram que 76% dos millennials com um desempenho igual ou inferior ao Nível 1 em literacia concordaram, ou concordaram totalmente, que existem poucas pessoas em quem podem confiar plenamente. Três quartos (75%) dos millennials que se classificaram no Nível 2 concordam ou concordam totalmente que há poucas pessoas em quem çpodem confiar totalmente, o que, mais uma vez, é significativamente diferente da percentagem que afirmou concordar, ou concordar totalmente, com esta afirmação, e que tinha competências no Nível 3 ou superior.
Implicações
Quase metade dos millennials dos EUA - cerca de 36 milhões - está a tentar fazer a transição para a vida adulta com baixos níveis de competências em literacia, e mais de metade - cerca de 46 milhões - está a fazê-lo com baixos níveis de competências em numeracia. Os millennials com baixas competências têm maior probabilidade de estar desempregados, de estar excluídos da população ativa, de trabalhar em profissões pouco qualificadas e de auferir baixos rendimentos; têm também menor probabilidade de ter cobertura em matéria de cuidados de saúde do que os aqueles que têm competências mais elevadas. Além disso, é menos provável que tenham confiança nas outras pessoas, que se empenhem civicamente e que sintam que têm capacidade para influenciar o governo. Estes números e correlações não podem nem devem ser ignorados. São especialmente preocupantes quando levamos em linha de conta a cada vez maior desigualdade, entre os nossos millennials, no plano das oportunidades para adquirir e desenvolver capital humano, e a forma como isto se relaciona com a combinação de vantagens e desvantagens que existe nos Estados Unidos da América dos nossos dias.
Ao basearmo-nos exclusivamente na desconexão face ao mercado de trabalho e à educação como indicadores do problema, talvez estejamos a aplicar critérios do século XX para compreender um desafio do século XXI. Durante grande parte do século passado, os Estados Unidos da América foram vistos como líderes na duração da escolaridade que proporcionavam aos seus cidadãos. Uma licenciatura de quatro anos era acessível, do ponto de vista financeiro, para um número crescente de indivíduos nos EUA. Nas três décadas imediatamente a seguir à Segunda Guerra Mundial, o ensino secundário proporcionava a muitos as competências suficientes para obterem um emprego capaz de sustentar uma vida de classe média: salários sustentáveis, acesso a cuidados de saúde e outros benefícios para os trabalhadores, tais como pensões e reformas, e oportunidades acessíveis de ensino superior para os filhos. Durante este período, quem estivesse desconectado do emprego ou da educação, e tivesse entre 16 e 24 anos de idade, corria o risco de ter um futuro incerto.
O final do século XX assistiu à convergência de uma série de mudanças fundamentais que alteraram esta equação. Tínhamos passado, para o bem e para o mal, para uma economia dependente de cadeias de abastecimento global, impulsionada por uma série de avanços tecnológicos e decisões políticas. Como defendeu Thomas Friedman em 2005, o mundo tinha-se aplanado.83 Esta mudança de enorme alcance teve consequências significativas por todo o lado; nos Estados Unidos da América, tal mudança também teve impacto em muitos aspetos da vida, mas talvez tenham sido mais evidentes os seus efeitos na natureza do trabalho e nas competências que passaram a ser necessárias. Esta nova economia diferia em aspetos importantes da economia de crescimento acelerado do período pós-Segunda Guerra Mundial nos EUA, quando as oportunidades eram abundantes para um vasto leque da população. Atualmente, porém, há menos oportunidades sustentáveis para quem não possui competências de nível superior. E o trabalho que está disponível para a população pouco qualificada tem muitas vezes os seus próprios riscos. Muitos dos empregos pagos à hora, no setor em expansão dos serviços - onde muitos dos que possuem baixos níveis de competências encontram emprego -, não oferecem seguro de saúde, benefícios de reforma, salários sustentáveis, nem mesmo horários estáveis. Para piorar a situação, embora as taxas de escolarização - tanto no ensino secundário, como em muitas modalidades de ensino pós-secundário - tenham aumentado,84 muitos jovens adultos que obtiveram, ou estão a obter, esses diplomas não têm as competências essenciais para progredir economicamente, e podem estar, para além disso, sobrecarregados com dívidas relativas ao ensino pós-secundário que frequentaram ou frequentam. Por outras palavras, o que se verifica é que um número considerável de millennials com um nível de competências baixo está efetivamente empregado ou matriculado no ensino. A definição de conexão simplesmente como uma associação ao emprego e à educação esconde, portanto, uma realidade mais incómoda. As desvantagens estão a aumentar para demasiados millennials nos EUA - incluindo alguns dos que estão “conectados”, no sentido mais tradicional.
O facto de tantos dos nossos jovens adultos terem baixos níveis de capital humano não coloca em risco apenas a capacidade de algumas pessoas terem sucesso no mercado de trabalho. Ameaça também as nossas tradições e instituições democráticas fundamentais. Um importante constitucionalista, Ganesh Sitaraman, defende que "a Constituição Americana assenta no pressuposto de que a nação tem uma relativa igualdade económica - uma classe média forte, sem riqueza ou pobreza extremas, e com oportunidades económicas"85 Afirma ainda que, "em contraste com dois milénios de constituições assentes na desigualdade de classes, a nossa Constituição foi forjada, em parte, na tentativa de reconstruir o destino económico das pessoas comuns".86 Barry C. Lynn, que escreve acerca dos perigos da consolidação do poder das empresas, referiu-se recentemente a esta questão quando afirmou que, no fundo, os autores da Constituição se esforçaram por construir uma sociedade em que os cidadãos tivessem a "capacidade de se envolver numa conversa aberta e com vista a tomar decisões uns com os outros, para que pudessem efetivamente tomar ... decisões quotidianas acerca de como manter a sociedade”.87 É verdade que, no entendimento dos autores da Constituição, a noção de igualdade de condições se aplicava apenas à população branca de ascendência europeia, mas é igualmente verdade que se tratava de um rutura espantosa e radical com as sociedades europeias de final do século XVIII, uma rutura que permitiu a expansão da comunidade política. O que observamos nos dados relativos às competências pode ser lido como parte desta narrativa mais alargada, que está profundamente ancorada na nossa tradição política. A literacia e os conhecimentos adquiridos através dela podem ser vistos como essenciais para a aquisição e manutenção da igualdade económica e de uma cidadania informada e empenhada. As duas coisas andam de mãos dadas. Se não forem controladas, as disparidades nas competências dos nossos jovens adultos só irão aprofundar a desigualdade e a anomia social, que Durkheim tanto temia.
Em textos como este, é comum esperar recomendações políticas conducentes à resolução dos problemas identificados. Apesar de todos os conhecimentos que os dados do PIAAC nos oferecem, o seu verdadeiro poder reside na capacidade de nos esclarecer acerca do ponto em que estamos e, portanto, para onde nos dirigimos se não mudarmos de rumo. Os autores de um relatório recente do Educational Testing Service (ETS), Choosing Our Future: A Story of Opportunity in America (Escolher o Nosso Futuro: Uma História das Oportunidades na América), analisaram de forma abrangente a questão da desigualdade de oportunidades e defenderam que nos encontramos num momento decisivo, que exige que "desenvolvamos forças de compensação suficientemente fortes", de modo a interromper a tendência atual. Para o fazer, será necessário um quadro de ação que, no essencial, se dirija a um "esforço coerente e sustentado por parte de todos - indivíduos, organizações e associações comunitárias, organizações não-governamentais, instituições religiosas, empresas e todos os níveis de governo".88 Parece efetivamente haver um reconhecimento cada vez maior de que, para alargar verdadeiramente as oportunidades, é necessária uma ação que englobe toda a multiplicidade de sistemas económicos e sociais interligados, que moldam as nossas vidas, em particular a educação, a habitação, o governo, a comunidade e a família.89 No entanto, com demasiada frequência, as soluções destinadas a resolver as desigualdades em termos de capital humano enquadram-se apenas no contexto dos sistemas educativos. Só é possível obter melhorias reais quando se compreende a amplitude total do problema, e se procura um esforço coordenado, consciente da forma como adquirimos e estimulamos o capital humano ao longo da vida e o prolongamos para as gerações futuras. Neste ponto, vem-nos à memória a declaração de James Baldwin acerca das relações raciais na década de 1960: "Nem tudo o que é enfrentado pode ser mudado, mas nada pode ser mudado até ser enfrentado”.
Para além disso, está a tornar-se cada vez mais claro que aqueles que deixamos cair ou ficar para trás, não são tanto "eles”, mas são antes "nós". De formas que podem não ser totalmente evidentes, particularmente em tempos de convulsão social, as pessoas nos EUA estão indissociavelmente ligadas umas às outras, mesmo quando se estão a afastar. Dependemos daqueles que estão no mercado de trabalho para ganhar salários que lhes permitam comprar bens, e assim viabilizar outras indústrias; temos um Estado social com sistemas que dependem do rendimento dos adultos em idade ativa (Segurança Social, assistência social, Medicaid); e dependemos dos impostos dos adultos que trabalham para financiar programas públicos a nível nacional, estatal e local. A frase "a maré cheia levanta todos os barcos" foi popularizada durante a “Era da Afluência”, nos Estados Unidos da América do pós-Segunda Guerra Mundial, para significar que as mudanças positivas na economia deveriam e iriam ter um efeito de subida de maré, empurrando os necessitados para cima, juntando essencialmente os que têm mais oportunidades e os que têm menos, numa aventura conjunta, embora idealizada.90 Mas a “Era da Afluência”, que tinha no seu centro uma classe média alargada, apoiada em competências que eram bem remuneradas no mercado de trabalho, pertence ao passado. A nossa tarefa agora é reafirmar um contrato partilhado que persista mesmo quando a maré está baixa. Temos, então, e acima de tudo, de encarar o nosso destino como estando associado ao destino dos outros.