Introdução
É indubitável que os media desempenham um papel crucial na promoção da transparência, agindo como promotores do discurso democrático. Todavia, o surgimento e rápida progressão das fake news têm vindo a ameaçar minar aquela confiança, desafiando a noção de transparência e criando uma atmosfera de ceticismo. A ideia abstrata de fake news, no sentido de se inventar ou hiperbolizar notícias, inclusive por motivos de entretenimento, não é algo recente (Giachanou et al., 2020). Já em 1897, William Randolph Hearst foi o responsável pelo conflito entre os EUA e Espanha, por ter culpado os espanhóis pela explosão do USS Maine no porto de Havana (Gelfert, 2018). No entanto, Gelfert (2018) reconhece que “cada iteração de avanço tecnológico, desde o telégrafo no século XIX até aos algoritmos atuais das redes sociais, tem vindo a abrir novas possibilidades de engano e fabricação” (p. 90).
A “crise das fake news” surgiu, fundamentalmente, com o BREXIT, no Reino Unido (Carmi et al., 2020), e com as eleições presidenciais norte-americanas de 2016 (Nelson & Taneja, 2018). Com efeito, estes dois casos tornaram claro até que ponto os cidadãos não estão conscientes das utilizações e abusos a que os seus dados podem ser sujeitos, sendo que esta falta de literacia expõe os cidadãos a riscos e danos - pessoais, sociais, físicos e financeiros -, mas também limita a sua capacidade de serem cidadãos proativos numa sociedade cada vez mais informatizada (Carmi et al., 2020). E se, originalmente, o termo fake news era aplicado em contextos de sátira política, a verdade é que, atualmente, o mesmo é utilizado para caracterizar tudo aquilo que é “pouco preciso” (Egelhofer & Lecheler, 2019). Não obstante, Egelhofer e Lecheler (2019) argumentam que o que as fake news representam transcende o próprio termo, representando uma mudança fundamental nas atitudes políticas e públicas em relação ao que o jornalismo e as notícias retratam, bem como a forma como os factos e as informações podem ser obtidos no novo mundo digital (p. 1). Ainda, Gelfert (2018) argumenta que, o facto de os sites de notícias falsas normalmente imitarem a “aparência” das principais fontes para ganhar credibilidade, insinua um certo descontentamento com os media tradicionais. Nesta linha, o autor afirma mesmo que “para alguns consumidores, as notícias falsas parecem inundar as fontes de notícias tradicionais, subvertendo até mesmo a alegação de autoridade destas últimas” (Gelfert, 2018, p. 91). Neste sentido, é de notar que um estudo recente do observatório Iberifier, resultante de entrevistas realizadas no ano de 2022, constatou que mais de 80% dos media portugueses já tinham difundido notícias falsas.
Nesta nova era digital, as fake news são principalmente disseminadas através dos social media. Assim, fará sentido que Floridi (1996) considere que a Internet se tornou numa autoestrada para a disseminação de informação falsa e que Akers e colegas (2018) mencionem que a tecnologia, cada vez mais, é usada para disseminar informação falsa - de forma intencional ou não - em larga escala, com efeitos sociais de grande alcance. Estes efeitos sociais são considerados uma ciberameaça pela Interpol, além de serem considerados uma ameaça à democracia por muitos Estados e instituições supranacionais e, como consequência, objeto de regulamentação ou mesmo de criminalização (Miró-Llinares & Aguerri, 2023). Aliás, Miró-Llinares e Aguerri (2023) argumentam que se está a gerar um certo grau de pânico moral em relação às notícias falsas e à desinformação, que justifica o estudo do fenómeno para uma resposta ao nível do controlo social e regulação criminal.
Para se combater o fenómeno das fake news é crucial explorar os mecanismos que lhe estão associados, não apenas relativamente à suscetibilidade ao mesmo, mas, igualmente, à disseminação de notícias falsas. Segundo a literatura científica, existem diferenças individuais nas crenças sobre a veracidade das notícias que são dependentes de um leque de circunstâncias. Isto leva a questionar “quem acredita nas fake news?” e “que aspetos multifacetados estão associados à vontade de as disseminar?”. Tal surge, no presente artigo, como os dois principais objetivos. Para os alcançar, efetuar-se-á uma revisão sobre os determinantes individuais, sociais e contextuais que a literatura tem vindo a apontar como responsáveis por um dos principais problemas da era digital. Identificar os motivos para a suscetibilidade às fake news e a disseminação das mesmas poderá não só informar políticas relativas à transparência e literacia mediática como, também, contribuir para a integridade, em última instância, da ordem democrática.
Fake News: Clarificações Conceptuais
É premente estabelecer uma definição precisa de fake news, uma vez que concetualizações demasiado gerais podem chegar a ser perigosas devido à dificuldade, por parte dos indivíduos, em distinguir notícias reais e legítimas de notícias falsas (Allcott & Gentzkow, 2017). A literatura tem vindo a demonstrar que os indivíduos consideram fake news aquilo em que meramente eles não acreditam (Egelhofer & Lecheler, 2019), o que dificulta ainda mais a distinção entre factos e crenças (Nielsen & Graves, 2017). Assim, se podemos definir o conceito de informação enquanto “dados que tenham sido tratados de uma forma que transmita significado e, portanto, tenham o poder de informar” (Lim, 2023, p. 2), fake news poderão ser entendidas como “informações falsas veiculadas, principalmente, nas redes sociais”. Em suma, trata-se de desinformação, algo que se opõe a notícias reais e coloca em causa o debate livre e informativo (CNCS, 2020). Batista e Gradim (2020) apresentam uma definição relevante em que fake news são consideradas
“um tipo de desinformação online, com conteúdo totalmente ou parcialmente falso, criado intencionalmente para enganar e/ou manipular um público específico, através de um formato que imita uma notícia ou reportagem (adquirindo credibilidade), através de informações falsas que podem ou não estar associadas a eventos reais, com uma estrutura oportunista (título, imagem, conteúdo) para atrair a atenção dos leitores e persuadi-los a acreditar na falsidade, a fim de obter mais cliques e compartilhamentos, portanto, maior receita publicitária e/ou ganho ideológico." (p. 5).
Com efeito, Rubin e colegas (2015) argumentam que existem três tipos de fake news: (i) fabricações expostas, ou seja, artigos sensacionalistas que, através de clickbait, visam aumentar o seu tráfego e consequentemente gerar lucro; (ii) hoaxes, ou seja, fabricação ou falsificação deliberada nos media convencionais ou nas redes sociais, como rumores, gráficos ou tabelas falsas, falsa atribuição de autoria, imagens dramáticas; (iii) notícias satíricas ou paródias, que, se os leitores não estiverem cientes do seu caráter humorísitico, podem ser consideradas pelos mesmos como misinformation. Contudo, o HLEG1 argumenta que o termo fake news é inadequado, por falhar em capturar o complexo problema da desinformação, que envolve conteúdo que não é real ou completamente "falso", mas informações fabricadas misturadas com factos, e práticas que vão muito além de qualquer coisa parecida com "notícia".
De acordo com Egelhofer e Lecheler (2019), existe uma diferença fundamental entre o que constitui fake news e aquilo para que o termo é usado: o género fake news refere-se à criação deliberada de disinformation pseudojornalística, e o rótulo de fake news, representa a instrumentalização do termo para deslegitimar os meios de comunicação (p. 2). Seguidamente, estes serão alvo de análise.
Fake news enquanto Género de Notícias
Apesar da popularidade do termo “fake news”, não existe ainda consenso numa definição do mesmo (Allcott & Gentzkow, 2017; Pennycook & Rand, 2019a; Sindermann et al., 2020). Num esforço de análise de diversas definições de fake news, Egelhofer e Lecheler (2019) notam que os académicos não têm facilitado a concetualização do termo, uma vez que o têm utilizado para descrever muita coisa distinta, como: (i) mensagens propagandísticas de meios de comunicação estatais; (ii) meios de comunicação alternativos extremamente partidários; e (iii) notícias fabricadas a partir de sites efémeros. A situação agrava-se devido a atores políticos que usam o termo de forma imprecisa e como arma para minar qualquer informação que contradiga a sua própria agenda política (Sindermann et al., 2020).
Não obstante, é possível encontrar algumas definições de fake news na literatura, designadamente “artigos noticiosos, intencional e comprovadamente falsos, que possam induzir os leitores em erro” (Allcott & Gentzkow, 2017, p. 213); notícias "totalmente falsas ou que contenham elementos deliberadamente enganosos incorporados no seu conteúdo ou contexto" (Bakir & McStay, 2017, p. 154); “informação criada com a intenção de parecer credível quando, na verdade, não o é" (Barclay, 2018, p. 30); "notícias falsas que são embaladas e publicadas como se fossem genuínas" (DiFranzo & Gloria-Garcia, 2017, p. 34); “informação falsa publicada por órgãos de comunicação social para induzir os consumidores em erro” (Karami et al., 2021, p. 225); “informação que não é verdadeira, mas disfarçada de notícias supostamente verdadeiras” (Lim, 2023); “disinformation intencional (invenção ou falsificação de factos conhecidos) para fins políticos e/ou comerciais, apresentada como uma notícia real" (McNair, 2017, p. 38); “informações falsas ou enganosas feitas para parecer uma notícia baseada em factos” (Nelson & Taneja, 2018, p. 3721); “histórias fabricadas apresentadas como se fossem de fontes legítimas” (Pennycook & Rand, 2017, p. 2); e notícias que tentam parecer notícias reais, mas são “fabricações baixas em facticidade e altas na intenção imediata de enganar” (Tandoc et al., 2017, pp. 147-148).
Considerando todas as definições apresentadas, verificam-se nas mesmas três características-chave que, segundo Egelhofer e Lecheler (2019), definem as fake news enquanto género de notícias. Primeiramente, para que a notícia seja considerada fake news, a mesma deverá ter pouca facticidade - no entanto, não existe literatura sobre o rácio de informação falsa e verdadeira que torna uma notícia falsa, pelo que se aceita que tanto notícias completamente falsas, como notícias parcialmente falsas, podem ser consideradas fake news (Egelhofer & Lecheler, 2019). Continuando, as fake news são apresentadas num formato jornalístico e, portanto, dispõem de uma estrutura semelhante às notícias reais, contendo uma manchete, um corpo de texto, e, inclusive, fotografias. Por tal, a informação é apresentada sob o falso pretexto de que resultou de pesquisa jornalística que segue certos padrões profissionais, o que significa que as notícias falsas podem ser descritas como pseudojornalísticas (Egelhofer & Lecheler, 2019). Consequentemente, os indivíduos podem considerar, erroneamente, artigos de notícias falsas como artigos de notícias genuínas e credíveis (Vargo et al., 2018). Por fim, considerando que a produção de informações imprecisas, com estrutura e forma semelhantes a artigos noticiosos, não é inadvertida, Egelhofer e Lecheler (2019) argumentam que as fake news são criadas deliberadamente com a intenção de enganar2 Inclusive, existem websites pseudojornalísticos e efémeros, criados com o único propósito de divulgar fake news (Vargo et al., 2018). Importará, no entanto, atentar ao facto de existir conteúdo que é criado com a intenção de enganar, mas que não é considerado fake news, por não conter outras características cruciais, como é o caso da publicidade nativa, ou seja, publicidade que é apresentada como notícias nos meios de comunicação social, que, apesar de ser criada com a intenção de enganar, e, inclusive, poder ser apresentada em formato jornalístico, é maioritariamente factual (Egelhofer & Lecheler, 2019).
Misinformation e Disinformation
As fake news enquanto género relacionam-se com outros conceitos, como misinformation e disinformation (Lazer et al., 2017). Apesar de serem termos frequentemente usados como sinónimos, a verdade é que a misinformation se refere a informação incorreta ou enganosa disseminada de forma não intencional, enquanto disinformation descreve informação incorreta ou enganosa disseminada de forma intencional, para provocar dano ou gerar lucros (HLEG, 2018). Assim, o que distingue os dois termos é a intenção de disseminar a informação incorreta ou enganosa (Egelhofer & Lecheler, 2019). Surge, ainda, o conceito de malinformation, ou seja, informação verdadeira partilhada com o propósito de causar dano (Walker, 2019; Chen et al., 2023).
É também importante referir que, embora o termo fake news tenha sido cunhado para captar o uso de disinformation e misinformation em reportagens jornalísticas, ele é agora utilizado por atores políticos como uma tática, na tentativa de desacreditar reportagens e factos que não são do seu agrado ou de acordo com os seus interesses (Carmi et al., 2020), algo que a literatura tem denominado de “rótulo de fake news”.
Misinformation é definida na literatura como “informações imprecisas, abertas a múltiplas compreensões e usos” (Santos-D’Amorim & Miranda, 2021, p. 9); “informação falsa” (Floridi, 2005, p. 352); “dados bem formados e significativos (ou seja, conteúdo semântico) que são falsos” (Floridi, 2011, p. 260); e “informações falsas, partilhadas pelo remetente, consideradas verdadeiras, por exemplo, conteúdo enganoso” (Lim, 2023, p. 2). Fallis (2014) menciona que este tipo de informação pode derivar de erros honestos, negligência, ou parcialidade inconsciente, e Karlova e Lee (2011) apontam que a “misinformation pode também ser incerta (talvez por apresentar mais do que uma possibilidade ou escolha), vaga (pouco clara) ou ambígua (aberta a múltiplas interpretações)” (p. 3).
A questão da intencionalidade, já previamente mencionada, está presente de forma clara nas definições de disinformation encontradas na literatura. Nesse sentido, a disinformation “vem de alguém que está ativamente a tentar enganar” (Fallis, 2014, p. 136), e, “para desinformar, é preciso ter a intenção de enganar alguém” (Fallis, 2009, p.3). Portanto, de um modo simples, a disinformation constitui misinformation transmitida propositadamente para induzir o recetor a acreditar que se trata de informação (Floridi, 2011, p. 260). Desse modo, a “disinformation é informação deliberadamente enganosa” (Karlova & Fisher, 2013, p. 3), isto é, informação falsa compartilhada pelo remetente, que a sabe como tal, por exemplo, conteúdo fabricado ou manipulado (Lim, 2023, p. 2).
Fake news enquanto Rótulo
Segundo Egelhofer e Lecheler (2019), o termo “fake news” tem sido ainda utilizado por atores políticos como uma arma, cujo propósito é minar a confiança do público nos meios de comunicação institucionais como partes centrais dos sistemas políticos democráticos. Assim, o rótulo de fake news retrata os meios de comunicação como instituições que propositalmente espalham desinformação com a intenção de enganar. Conforme abordado anteriormente, as eleições presidenciais norte-americanas de 2016 foram um marco importante para o fenómeno das fake news e o seu estudo. Este episódio ainda representa o mais proeminente exemplo do uso do termo fake news como um rótulo (Egelhofer & Lecheler, 2019). Na literatura enfatiza-se que a utilização do rótulo de fake news por parte de atores políticos não é acompanhada de uma explicação para se acusar a fonte da notícia de ser incorreta ou parcial (McNair, 2017). Assim, o termo é utilizado não para avaliar criticamente as notícias, mas, sim, para atacar a legitimidade da fonte. Inclusivamente, as Nações Unidas afirmaram estar “alarmadas com casos em que as autoridades públicas denigrem, intimidam e ameaçam os meios de comunicação”, frequentemente alegando que os media são a oposição, que estão a mentir e que têm uma agenda política oculta (UN et al., 2017, p. 1). Por tudo isto, Egelhofer e Lecheler (2019) consideram que o rótulo de fake news representa o sintoma mais visível de uma tendência na comunicação política: um aumento da deslegitimação da crítica mediática por parte de atores políticos.
Determinantes da Disseminação e Suscetibilidade às Fake news
Considerando que a viralidade das fake news depende das pessoas que as propagam (Karami et al., 2021; Giachanou et al., 2020), a presente secção debruça-se sobre os determinantes individuais, sociais e contextuais da suscetibilidade às fake news e da disseminação das mesmas por parte dos indivíduos.
Sentimentos e Emoções
DiFonzo e Bordia (2007) argumentam que a ansiedade pode criar uma pressão emocional nos indivíduos que os conduz a disseminar fake news e que, em situações marcadas por elevada ansiedade, as fake news podem servir para justificar os sentimentos dos indivíduos, bem como aliviar a tensão emocional que os mesmos sentem (Allport & Postman, 1947).
As relações anteriormente enunciadas têm sido corroboradas empiricamente em vários estudos. Por exemplo, Freiling e colegas (2023), através de um estudo experimental, observaram que quanto mais ansioso um indivíduo se sentia, mais acreditava em fake news sobre a Covid-19. Resultados consistentes foram encontrados por Escolà-Gascón e colegas (2023), que aplicaram a 1 452 participantes uma escala de avaliação de sintomas clínicos de ansiedade e stress, bem como uma escala de sintomas afetivos e de avaliação de distúrbios presentes no DSM-V, antes de pedir aos mesmos que indicassem a veracidade de 18 afirmações sobre a Covid-19 (seis falsas, seis verdadeiras, e seis indeterminadas). Os autores concluíram que, de entre outras psicopatologias, como histrionismo e paranoia, a incapacidade de reconhecer fake news estava associada a maiores níveis de ansiedade. Ainda, Martel e colegas (2020) expuseram 409 indivíduos a 20 notícias verdadeiras ou falsas, avaliando o seu estado emocional. Ademais, mediram o discernimento como a diferença entre a deteção de notícias verdadeiras e falsas. Os autores verificaram que um menor discernimento se encontrava relacionado com emoções como "excitado", "assustado", "perturbado" ou "envergonhado", enquanto outros estados emocionais, como "determinado" ou "atento", estavam relacionados com o pensamento analítico3, não apresentando este efeito. Desta forma, uma maior inteligência emocional parece se repercutir numa melhor deteção de fake news (Beauvais, 2022).
Personalidade
Mirzabeigi e colegas (2023) investigaram o efeito dos traços de personalidade nos comportamentos de evitamento de informação sobre a Covid-19, bem como na capacidade de detetar notícias falsas sobre a doença. Para tal, aplicaram a uma amostra de 242 estudantes um questionário que media os traços de personalidade do modelo Big Five, a capacidade de detetar fake news e o evitamento de informação. Os resultados demonstraram uma correlação significativa e positiva entre a extroversão, abertura à experiência, agradabilidade e conscienciosidade e a capacidade de detetar notícias falsas. Na mesma linha, Sampat e Raj (2022) descobriram no seu estudo (N=221) que os indivíduos que apresentavam níveis mais altos de extroversão, neuroticismo e abertura partilhavam instantaneamente as notícias nas plataformas das redes sociais. Em contrapartida, os traços de personalidade de agradabilidade e conscienciosidade estavam associados à autenticação das notícias antes de as partilharem na plataforma de redes sociais.
Por fim, Apuke e Omar (2021) abordaram o papel do altruísmo na disseminação de fake news, medindo o mesmo com questões como “partilho notícias sobre a Covid-19 nas redes sociais: porque gosto de ajudar os outros; porque quero inspirar e encorajar os outros; porque quero dar informações aos outros”. Concluíram que este construto previa a partilha de fake news relacionadas com a Covid-19. Em concreto, os autores mencionam que o mesmo está relacionado com querer ajudar os outros através da partilha de informações e, por conseguinte, durante a pandemia, as pessoas pretendiam apenas partilhar informações que achavam que podiam ajudar a travar o vírus e, ao fazê-lo, dificilmente pensavam na autenticidade da mensagem. Investigações anteriores mostraram também que a partilha de notícias é vista como um contributo para a coesão social, onde os utilizadores são motivados pela relevância que podem ter para o destinatário e pela intenção do remetente de "dar conselhos ou avisos" (Apuke & Omar, 2020).
Atitudes Políticas
Partindo da teoria da dissonância cognitiva, que sugere que as inconsistências cognitivas são desconfortáveis para os indivíduos (Festinger, 1962), Sindermann e colegas (2020) argumentam que os indivíduos tendem a avaliar notícias como falsas se as mesmas incluírem conteúdo que se opõe às suas atitudes políticas, por forma a reduzir ou prevenir uma potencial dissonância. Winkielman e colegas (2012) corroboram esta ideia, ao referirem que as informações que são coerentes com os conhecimentos e as crenças de uma pessoa são processadas com maior fluidez, e, por conseguinte, entendidas de forma mais positiva. Ora, no contexto específico das notícias, esta premissa pode indicar que o conteúdo noticioso que mais se alinha com as atitudes políticas dos indivíduos será processado de forma mais fluída e, por tal, ser entendido como mais exato. Na mesma senda, alguns autores, como Kahan (2017) e van Bavel e Pereira (2018), têm argumentado que os indivíduos são suscetíveis a decidir sobre a perceção da exatidão da informação, como as notícias, com base nos seus valores partidários. Em essência, os indivíduos tendem a sobrevalorizar a veracidade de notícias que são consistentes com as suas atitudes políticas e, em sentido inverso, subavaliar a veracidade de notícias que são inconsistentes com as suas atitudes políticas.
Quanto ao trabalho empírico desenvolvido neste âmbito, Anthony e Moulding, no seu estudo de 2019, testaram a relação entre a identidade política e a crença em fake news4 através da aplicação de um questionário a uma amostra de 125 participantes. Concluíram que quanto mais os indivíduos fossem a favor de Trump/Partido Republicano, mais avaliavam manchetes de fake news com conteúdo sobre Clinton como fidedignos e vice-versa. Por sua vez, quanto mais fossem a favor de Trump, menos avaliavam manchetes de fake news com conteúdo negativo sobre Trump como fidedignos e vice-versa. Na mesma linha, estudos, como o de Allcott e Gentzkow (2017) e Bago e colegas (2020), apoiam a ideia de que os indivíduos tendem a sobrevalorizar a veracidade de todas as notícias que se enquadram melhor nas suas crenças e atitudes políticas em comparação com as notícias que não se enquadram5.
Também o já mencionado estudo de Freiling e colegas (2023) analisou a influência da ideologia política e do partidarismo na crença e disseminação de fake news. Os autores concluíram que quanto mais os indivíduos se identificavam como republicanos, maior era a probabilidade de acreditarem em misinformation, mas não em informações exatas ou fact-checks. Além disso, os republicanos mais acérrimos estavam, de facto, mais dispostos a partilhar desinformação, como os autores anteciparam, mas também estavam mais propensos a partilhar fact-checks e informação correta. É ainda de mencionar que Freiling e colegas (2023) tentaram perceber se a ansiedade manipulada na experiência interagia com a ideologia política, verificando que a relação entre o partidarismo e a crença nas afirmações foi significativamente mais forte entre os inquiridos altamente ansiosos, sendo a crença nas afirmações mais elevada entre os republicanos fortes. Os republicanos altamente ansiosos também mostraram a maior vontade de partilhar todos os tipos de mensagens, bem como os níveis mais elevados de crença, especialmente na misinformation. Esta ideia já tinha sido apresentada por Weeks (2015), que conduziu uma experiência na qual manipulou os sentimentos de ansiedade e raiva dos participantes (N=768), antes de questionar os mesmos acerca da veracidade de artigos noticiosos sobre a imigração ou pena de morte, controlando também a afiliação política dos indivíduos. Quando expostos inicialmente a alegações incorretas acerca de política, os indivíduos com níveis mais elevados de raiva têm uma maior probabilidade de processar informação de uma forma partidária, representando crenças que reforçam a sua afiliação partidária. Em contraste, a ansiedade reduz a dependência do partidarismo numa fase inicial e leva a crenças consistentes com a informação presente na mensagem. Em suma, as perceções políticas erróneas demonstram ter origem, não apenas do partidarismo, mas sim de uma interação de emoções, identificação partidária e ambiente da informação.
Cognição
Ainda na linha do estudo das atitudes políticas, Bago e colegas (2020) solicitaram à sua amostra de 1 012 participantes que, após lerem 16 manchetes de notícias (falsas e verdadeiras), indicassem se a manchete descrevia de forma precisa um acontecimento que realmente ocorreu. A diferença neste estudo é que, num primeiro momento, os participantes não tinham limite de tempo para completar a experiência. Num segundo momento, os participantes deram uma resposta inicial, em que o grau de deliberação foi minimizado pelo facto de os participantes terem de completar uma tarefa de esforço (memorizar um padrão de cinco pontos numa matriz 4X4) e responder em sete segundos. De seguida, foi-lhes apresentado novamente o mesmo título (sem tempo limite ou esforço) e foi-lhes pedido que dessem uma resposta final. Os autores verificaram, tal como previamente mencionado, que os indivíduos atribuem maior importância à veracidade de notícias que estejam alinhadas com suas crenças e posicionamentos políticos, tanto antes como depois de um período de deliberação. No entanto, os participantes, após o período de deliberação, tendiam a corrigir a sua resposta quanto à veracidade das notícias, independentemente de o conteúdo das headlines ser consistente ou não com as suas atitudes políticas.
Pennycook e Rand (2019a), por seu turno, questionaram-se sobre o papel do raciocínio no discernimento de notícias falsas e reais, independentemente da ideologia política. Assim, pediram a 802 participantes que indicassem a veracidade de 30 manchetes e se as partilhariam, bem como solicitaram aos participantes que respondessem a sete itens do Cognitive Reflection Test (CRT). O CRT (Frederick, 2005; Thomson & Oppenheimer, 2016) é um teste que mede se os indivíduos pensam de forma analítica, isto é, um pensamento controlado e consciente, ou de forma intuitiva, isto é, um pensamento mais automático e inconsciente (Kahneman, 2011). Tendo isto em conta, Pennycook e Rand (2019a) constataram que o pensamento analítico se encontrava negativamente relacionado com a perceção de veracidade de manchetes de fake news, independentemente de as mesmas serem ou não consistentes com as atitudes políticas dos indivíduos.
Em suma, por um lado, o pensamento analítico parece estar apenas ligeira e positivamente relacionado com a perceção de veracidade de notícias reais. Por outro lado, tem sido constatado que o pensamento analítico está positivamente relacionado, de forma consistente, com a capacidade de distinguir notícias reais de fake. Assim, o pensamento analítico, em contraste com a intuição, demonstra ser um fator de resiliência robusto no que concerne a acreditar em fake news (Machethe & Turpin, 2020; Pehlivanoglu et al., 2021; Pennycook & Rand, 2019b), independentemente da consistência das mesmas com as atitudes políticas dos indivíduos.
Por fim, Pennycook e colegas (2018) abordam ainda a exposição prévia e o efeito de verdade ilusória. Concretamente, a exposição prévia a uma notícia aumenta a probabilidade de as pessoas a considerarem verdadeira, em virtude de a repetição da exposição aumentar a fluência do processamento cognitivo que, por sua vez, é usado para inferir a exatidão das notícias (van der Linden, 2022). No entanto, os autores verificaram que, se as pessoas forem expostas a avisos sobre a veracidade das notícias, este efeito é atenuado (Pennycook et al., 2018).
Literacia
Numa nota final, importará ainda mencionar que a literacia digital é identificada um fator de proteção à suscetibilidade a fake news, tal como a cultura da informação (quadro intelectual para compreender, encontrar, avaliar e utilizar a informação), sendo que a exposição a programas que fomentam as mesmas demonstram efeitos na capacidade de deteção de conteúdos falsos (respetivamente, Guess et al., 2020; Jones-Jang et al., 2021). Numa recente revisão sistemática, Melchior e Oliveira (2024) verificaram que os artigos analisados consideraram que uma das soluções mais relevantes a adotar tanto pelos governos, como pela sociedade civil, deve ser o aumento da literacia digital através de políticas públicas que promovam a educação digital dos cidadãos. Adicionalmente, a educação de literacia mediática é uma ferramenta crucial para combater a desinformação, uma vez que permite uma análise e avaliação crítica à informação que se encontra online, fomentando decisões fundamentadas (e.g., Dell, 2019).
Relações Sociais
DiFonzo e Bordia (2007) mencionam que o enriquecimento de relações sociais é um dos objetivos da difusão de informações não verificadas. E, efetivamente, Apuke e Omar (2021) constataram empiricamente que a socialização é um construto fortemente relacionado com a disseminação de fake news (e.g. “partilho notícias sobre a Covid-19 nas redes sociais porque posso falar sobre algo com os outros/sinto-me envolvido com o que se está a passar com os outros/posso interagir com os outros quando partilho as notícias”).
Por seu turno, Karami e colegas (2021) argumentam que ao desenvolverem relações sociais a curto prazo, com o propósito de agradar aos outros, as pessoas podem partilhar informação sem verificar a sua autenticidade, com vista a captar a atenção dos seus colegas. No mesmo sentido, tem-se estudado a partilha instantânea de notícias, que Apuke e Omar (2021) mediram com questões como “partilho instantaneamente notícias sobre a Covid-19 nas redes sociais que possam ser úteis a outras pessoas/para fornecer informações instantâneas/divulgar informações que possam ser do interesse de outras pessoas”. Estes autores descobriram uma forte relação entre este construto e a partilha de fake news, algo justificável pela vontade que as pessoas sentem de partilhar mais e mais informações com os membros do seu grupo o mais rapidamente possível, acabando por, devido à pressa de o fazer, partilhar também notícias falsas que pareçam verdadeiras (Hunt, 2016)6.
Finalmente, Cialdini (2007) aponta que os indivíduos tendem a seguir, apoiar e interagir com pessoas de quem gostam. No mesmo encalço, Karami e colegas (2021) afirmam que os utilizadores de redes sociais tendem a partilhar noticias de fontes ou comunidades com que se identificam, sem verificar a veracidade das mesmas; e que os indivíduos podem ainda transmitir, em relações de amizade, fake news como uma forma de aviso, para mostrar preocupação pelos colegas.
Estatuto
Karami e colegas (2021) sugerem que o estatuto pode ser um fator motivacional para a disseminação de fake news, na medida em que tal disseminação catalisa um método de auto-aprimoramento, motivando os indivíduos a conscientemente espalharem conteúdo falso para ganhos pessoais, ou, inconscientemente, a espalharem conteúdo falso que se alinha com as suas crenças. Ademais, os autores mencionam que a motivação para aumentar o estatuto social nas redes sociais (i.e., a popularidade e influência) pode incrementar a disseminação de fake news. Sampat e Raj (2022) apresentam conclusões semelhantes no seu estudo, que demonstrou que as gratificações de socialização levam à partilha instantânea de notícias em plataformas de redes sociais. Apuke e Omar (2021) reforçam esta evidência, verificando que a autopromoção prevê a partilha de notícias falsas relacionadas com a Covid-19 (e.g. “partilhar notícias sobre a Covid-19 nas redes sociais ajuda-me a impressionar outras pessoas/expressar-me/faz-me sentir importante”).
Incerteza e Falta de Controlo sobre as Situações
No que concerne à incerteza, Karami e colegas (2021) afirmam que a frequência da partilha de notícias falsas aumenta em situações de incerteza, como pandemias globais, quando os pormenores da propagação são desconhecidos, em eventos políticos, como uma eleição, quando as pessoas não têm a certeza dos resultados7. Na falta de informação credível disponível, os indivíduos recorrem a fontes não oficiais para colmatar a falta de informação e, à medida que a incerteza aumenta, a confiança em crenças firmes e a coesão entre os utilizadores com a mesma ideologia ou no mesmo grupo diminui, pelo que os utilizadores se encontram mais propensos a aceitar novas informações como verdadeiras, mesmo que sejam falsas, pois são as únicas informações que conseguem, embora ilusoriamente, resolver a incerteza. Ademais, esta incerteza gera emoções como ansiedade e raiva, que podem, por sua vez, afetar a disseminação de fake news de outras formas (Weeks, 2015), conforme já referido.
Na mesma esteira, surge a questão da falta de controlo sobre as situações. Quando os indivíduos se encontram incertos da sua própria situação, sentem também que não estão em controlo da mesma (Bordia et al., 2004). Ao sentirem que não têm controlo do que se passa, recorrem a estratégias de controlo secundárias que consistem em respostas emocionais, como esperar o pior para evitar desilusão, culpar o “destino” pelas situações, ou formular uma interpretação própria do acontecimento. Nesta linha, a literatura tem sustentado que as fake news podem ser uma forma de recuperar o controlo neste tipo de situações (Karami et al., 2021).
Partilha Instantânea de Notícias, Disponibilidade de Audiência e Estrutura das Redes Sociais
Por sua vez, Nelson e Taneja (2018) rejeitaram a ideia de que as fake news são algo que se encontra altamente disseminado pela população. Com efeito, argumentaram, antes, que o público das notícias falsas é constituído por um pequeno número de utilizadores intensivos da Internet, enquanto a maioria dos consumidores de notícias continua a aderir às fontes de notícias mais conhecidas. Aliás, esta ideia já tinha sido apresentada por Allcott e Gentzkow (2017), que concluíram que mesmo as notícias falsas mais divulgadas foram vistas apenas por uma pequena fração dos americanos. Ora, esta ideia parece partir do conceito de disponibilidade da audiência. Mais concretamente, a quantidade de tempo que a audiência tem para utilizar o meio, sendo que as pessoas tendem a escolher os programas que veem de acordo com a sua disponibilidade e não com as suas preferências. Assim, as audiências com mais disponibilidade, ou seja, utilizadores intensivos dos meios de comunicação, têm mais tempo para explorar diferentes meios de comunicação (Nelson & Taneja, 2018).
Beauvais (2022) argumenta, ainda, que o próprio ecossistema das redes sociais permite a proliferação de fake news, sendo que a exposição a este tipo de conteúdos é algo inerente à utilização da Internet. Com efeito, a informação disponível na Internet não é selecionada e é disseminada a partir de uma variedade de fontes cuja fiabilidade não está relacionada com a sua popularidade. Na verdade, sugere-se que a difusão das notícias falsas é mais rápida e mais profunda do que a das notícias verdadeiras. As notícias verdadeiras em cascata raramente chegam a mais de 1 000 pessoas, ao passo que o 1% das notícias falsas em cascata chega, regularmente, a entre 1 000 a 100 000 pessoas (Vosoughi et al., 2018). Assim, tal como alegam Nelson e Taneja (2018) e Allcott e Gentzkow (2017), fará sentido que quanto mais utilizarmos a Internet mais iremos consumir notícias falsas.
Reflexões finais
O conceito de fake news é altamente complexo e, consequentemente, de difícil estudo e compreensão. Não obstante, foi possível perceber que, apesar de não constituir o melhor termo, as “fake news” englobam conteúdo falso, apresentado num formato jornalístico, criado com a intenção deliberada de enganar.
As fake news não existem num vácuo. Efetivamente, não teriam tomado a dimensão atual não fosse o papel daqueles que criam este conteúdo. Porém, tão importante quanto o papel daqueles que o cria, é o papel dos que acreditam que estão a ler conteúdo factual, permitindo, assim, a proliferação desta nova forma de ataque à transparência e ao Estado democrático. Ademais, se, à primeira vista, parecem simples os fatores que se associam à suscetibilidade à desinformação, vemos estas relações complexificarem-se ao entendermos, por exemplo, que o efeito das atitudes políticas parece ser moderado por emoções como raiva e ansiedade ou a própria cognição dos indivíduos.
A constatação de que existem fatores específicos associados a uma maior suscetibilidade às fake news e à sua disseminação, bem como de fatores que conferem resiliência às mesmas, como literacia digital e mediática, possibilita a sua consubstanciação num importante escudo a este fenómeno. Com efeito, constatou-se, por exemplo, que determinadas emoções e caraterísticas da personalidade têm um papel relevante na propagação de notícias falsas. Pistas de prevenção, como a gestão do impacto emocional em circunstâncias específicas, podem ser cruciais para um melhor e mais crítico processamento de informações, especialmente em redes sociais. Adicionalmente, a presente revisão da literatura enfatiza a importância de programas que auxiliem a avaliar a veracidade das informações, bem como da educação e formação, abrangendo o aumento de habilidades críticas de compreensão de notícias. Preconiza-se que tais programas de prevenção funcionem em paralelo com o reforço, por parte dos meios de comunicação, dos processos de fact-checking. Ademais, a autorreflexão sobre a forma como as notícias são apresentadas ao público deve ser sistemática, envolvendo um compromisso de transparência dos media, pedra angular para que a confiança no jornalismo (e, em consequência, na democracia), persista firme.