Introdução
A pneumonia é uma das causas mais frequentes de hospitalização em Portugal e em todo o mundo,1sendo uma das principais causas de morte.1
Neste sentido, uma elevada suspeição diagnóstica e o início precoce de antibioterapia acarreta um melhor prognóstico. De facto, o atraso no início da terapêutica anti-microbiana está associado a um aumento da mortalidade, assim como do tempo de internamento hospitalar.2,3
Embora a antibioterapia empírica precoce seja essencial para o doente com pneumonia, o uso desmedido desta está associado a um crescimento de microrganismos resistentes.4 De facto, mais de 2,8 milhões de casos de infeção por ano devem-se a microrganismos resistentes.5
Em novembro de 2018, foi aprovado pela Food Drug Administration (FDA), o BioFire® FilmArray® (BFFA),6,7produzido pela bioMérieux, que consiste num teste diagnóstico que usa a tecnologia PCR multiplex na deteção e identificação simultânea de múltiplos agentes microbiológicos (bactérias e vírus, assim como genes de resistência) numa amostra de líquidos orgânicos respiratórios, nomeadamente secreções brônquicas, aspirado traqueal ou lavado broncoalveolar.
É de realçar a rápida disponibilidade dos resultados pelo BFFA, em cerca de 2 horas, ao invés do exame microbiológico cultural que demorará no mínimo entre 24 a 48 horas.
Desta forma, um teste de diagnóstico rápido, como o BioFire® FilmArray® (BFFA),6,7poderá ser uma ferramenta extremamente importante na orientação clínica e terapêutica inicial, permitindo reduzir o uso de antibioterapia de largo espectro, em tempo e em quantidade. No entanto, estes benefícios são dependentes da precisão diagnóstica deste método complementar.
Com o intuito de averiguarmos a proporção de concordância positiva e negativa deste teste diagnóstico, procedemos a este estudo retrospetivo, numa Unidade de Cuidados Intensivos em doentes com patologia infeciosa respiratória.
Material e Métodos
População do Estudo
Foram incluídos neste estudo todos os doentes admitidos no Serviço de Medicina Intensiva (SMI) do Centro Hospitalar Médio Tejo (CHMT), nomeadamente todos aqueles que apresentaram pneumonia e cuja mesma amostra de secreções respiratórias foi submetida tanto ao BFFA como ao exame cultural, entre Dezembro de 2019 e Março de 2021 (n = 104).
Desenho do Estudo
Procedeu-se a um estudo retrospetivo, com colheita de dados clínicos através da plataforma SClinico e BSimple. Nestes dados clínicos, incluíram-se os dados demográficos dos doentes, tipo de colheita (aspirado traqueal ou lava-do broncoalveolar) e agentes microbiológicos isolados, bem como, tempo de ventilação mecânica invasiva, tempo de internamento em UCI, e mortalidade.
O painel do BFFA inclui a identificação de 18 bactérias, nomeadamento Staphylococcus aureus, Haemophilus influenza, Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter cloacae, Escherichia coli, Streptococcus penumoniae, Streptococcus agallactiae, Streptococcus pyogenes, Klebsiella pneumoniae, Klebsiella aerogenes, Klebsiella oxytoca, Moraxella catarrhalis, Proteus spp., Serratia marcescens, Acinobacter baumannii-calcoaceticus, Legionella pneumophila, Chlamydia pneumonia e Mycoplasma. Assim como a identificação de 8 vírus, entre eles rhinovirus/enterovirus, influenza A, influenza B, coronavírus, sincicial respiratório, metapneumovirus, parainfluenza e adenovírus. Da mesma forma, ainda foi capaz de identificar 7 genes que condicionam resistência antibiótica.
Procedeu-se, posteriormente, à análise estatística através do software R (versão 3.6.3). Os resultados das variáveis categóricas foram estudados quanto à sua frequência e percentagem. Foi calculado o valor da proporção para a concordância positiva (PPA), assim como o valor da proporção da concordância negativa (NPA).
Os autores declaram ter seguido os protocolos do centro de trabalho acerca da publicação de dados, garantindo a sua confidencialidade. Dado tratar-se de um estudo retrospetivo, que descreve apenas dados clínicos agregados, não foi necessária a aprovação da comissão de ética para o mesmo.
Definições
A infeção pulmonar foi considerada quando reunidos critérios radiológicos (pelo menos duas radiografias torácicas ou tomografias computorizadas torácicas consecutivas com evidência de condensação pulmonar) e critérios clínicos sistémicos (temperatura timpânica > 38,3ºC ou doseamento de leucócitos <4000/mm3 ou >12 000/mm3, sem outra causa estabelecida) e respiratórios (evidência de novo de secreções mucopurulentas, ou presença de tosse ou dispneia, ou défice de oxigenação ou ventilação em agravamento). A identificação do agente microbiológico foi obtida através da cultura de aspirado brônquico ou de lavado broncoalveolar.8
O valor da proporção para a concordância positiva (PPA) foi calculado através da fração entre as amostras em concordância positiva (isolamento do mesmo agente em ambos os testes diagnósticos, seja exame cultural, seja BFFA) e todos os resultados positivos pelo BFFA; assim como o valor da proporção da concordância negativa (NPA) foi calculado através da fração entre as amostras em concordância negativa (sem isolamento de agente em ambos os testes diagnósticos) e todos os resultados negativos.
Resultados
Foram analisados processos clínicos de 104 doentes, dos quais 74 (71%) do sexo masculino e 30 (29%) do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 18 e os 89 anos, contemplando uma média de idades de 62 anos.
O tempo médio de internamento em UCI da população geral foi de 11,8 dias.
O tempo médio sob ventilação mecânica invasiva foi de 9,6 dias no grupo geral.
O BFFA detetou agente microbiológico em 89% das amostras (111/125). Tendo sido o agente microbiológico mais detetado o Staphylococcus aureus (19%), seguido da Klebsiella pneumonia (14%) e Haemophilus influenza (10%).
Discussão
Analisando os resultados apresentados na Tabela 2, podemos inferir que houve uma forte concordância entre o BFFA e positiva foi superior a 70% (76/106 [72%]), isto é 72% das bactérias identificadas no BFFA foram identificadas igualmente no exame cultural. As restantes amostras não foram validadas como positivas atendendo ao valor de referência do nosso laboratório de microbiologia. Por outro lado, a proporção de concordância negativa foi praticamente 100%, uma vez que apenas um BFFA não detetou um agente que posteriormente foi isolado no exame cultural.
Com estes valores, podemos assumir que o BFFA foi um método de diagnóstico para deteção de agentes microbianos fiável na nossa população estudada, semelhante ao estudo realizado por Webber DM, et al9 em que a sensibilidade rondou os 80% e a especificidade os 92%.
Da mesma forma, a taxa de adequação de terapêutica foi de 96%, isto é, a terapêutica iniciada tendo em conta os resultados iniciais do BFFA foi apropriada em todos os casos, exceto num dos casos, em que o agente não foi inicialmente identificado, tendo sido posteriormente isolado no exame cultural.
Como limitações importantes inerentes ao estudo apre-sentado, realça-se o facto de se tratar de um estudo retrospetivo, num único centro, num período determinado, o que justifica a parca representatividade de agentes comuns como o caso do Streptococcus pneumoniae. A realçar ainda o facto de no nosso laboratório de microbiologia não serem realizadas pesquisas de vírus em culturas de células, sendo o teste confirmatório de infecção por vírus, realizado através de um método semelhante ao usado através de BFFA.
Conclusão
A análise em tempo real de amostra de secreções respiratórias por aspirado traqueal ou lavado broncoalveolar através do BFFA tem o potencial de identificar alguns agentes microbiológicos, assim como os seus marcadores de resistência, de uma forma mais rápida (cerca de 2 horas), quando comparado com os métodos de cultura tradicionais (que carecem de no mínimo 24 a 48 horas). Tornando-o num teste de diagnóstico rápido e de elevada precisão na deteção desses mesmos agentes, o que contribui para uma orientação terapêutica mais ajustada desde o início do tratamento.