Introdução
A saúde mental é prioritária em saúde pública e no referente à saúde dos refugiados, metade das crianças são vítimas de trauma (Rousseau,1995), sobretudo em idade pré-escolar (World Health Organization, 2018, b)). Este problema é potenciado pelo estigma, abusos, tráfico, pobreza, fome/desnutrição no período pré, durante e pós-migração, ainda que não vivenciados ou presenciados (Moghaddam, 2017). Apesar da vulnerabilidade ao stress pré, durante e pós migração, este é parte do risco para a saúde mental, em cada fase, interdependendo dos determinantes familiares de risco, a par dos fatores de stress sociais e de contexto e, rivalizando com a variabilidade da resposta individual (resilience, coping), podendo-se perpetuar nas gerações futuras. Os cuidados de enfermagem favorecem a integração biopsicossocial-cultural e o custo-efetividade, reduzindo a carga de doença e a pressão nos sistemas de saúde. Metade das crianças refugiadas manifesta sintomas de doença física e mental (World Health Organization, 2018, a)), como o stress pós-traumático, ansiedade e depressão (Frazel, 2002), com prevalência e manifestações variadas (perda, luto, sentimentos, emoções e sintomas inespecíficos, problemas cognitivos e de ajustamento, aprendizagem e linguagem) (Hanson-Bradley, & Wieling, 2016) não relatados, tardios, inexistentes (World Health Organization, 2018, a)), cumulativos à detenção e desfavorecimento educacional, afetando uma em cada dez crianças (Graham, Minhas, & Paxton, 2016). Embora não sejam preditores de doença mental em todos os estádios de desenvolvimento, têm diferentes impactos clínicos e na saúde pública (Goldin, 2008), em função dos sintomas clínicos, e da avaliação ser feita por pais, crianças, professores ou educadores.
Em Portugal, 20% dos adolescentes vivenciavam problemas mentais e comportamentais, ainda que pré-existentes, metade, manifestando-se na idade adulta e perpetuando-se nas gerações futuras (Albuquerque, 1982). Os cuidados de enfermagem favorecem a integração biopsicossocial, cultural e religiosa, reduzem a carga de doença (DALYS e YLDS) e privilegiam o custo-efetividade do financiamento público, minimizando a pressão sobre os sistemas de saúde.
A prevenção primária deve ocorrer no contexto da escola, espaço central de ligação aos pais e comunidade, de integração, inclusão e educação, como de promoção do desenvolvimento infantil e emocional, de construção da autoestima e identidade, facilitadores dos relacionamentos social e interpares e de monitorização. (Frazel, 2002; Shallow & Whitington, 2014).
O papel do enfermeiro de família na equipa permitirá promover o acesso à educação, principal determinante da saúde, como avaliar o risco e promover a saúde, o suporte e a capacitação. Permitirá ainda propor políticas, fundos e programas ajustados às necessidades das crianças e famílias refugiadas.
1. Métodos
Revisão clássica da literatura com foco no estado da arte sobre a saúde mental das crianças refugiadas.
2. Resultados e discussão
Rousseau (1995) considera que as crianças refugiadas têm um alto risco de doença mental causada por stressores pré e pós-migração, referindo-se aos distúrbios emocionais como o stress pós-traumático, a depressão e ansiedade em idade pré-escolar, referindo-se aos fatores de risco, de proteção no contexto familiar, social e cultural, como serviços de prevenção, e programas comunitários de suporte psicossocial. De entre a sintomatologia sobressaem problemas do comportamento, de hiperatividade, de relação com os pares e de comportamento pró-social, sendo de registar os comportamentos regressivos acrescidos por Goodman & Scott (2012). Os fatores de risco e de proteção são relacionados ao contexto familiar, social e cultural das crianças refugiadas e, pós-migração pelo estilo de parentalidade (sub proteção, austeridade, inversão de papéis pais/filhos) (Bryant, et al, 2018). O papel dos serviços serve a prevenção, intervenção e implementação de programas de suporte psicossocial e comunitário.
Rousseau, Measham & Nadeau (2013), propõem cuidados colaborativos nas situações traumáticas das crianças refugiadas, confirmados em bairros multiétnicos baseados num plano de tratamento e intervenção no trauma personalizado, recorrendo a terapêuticas alternativas ou clássicas como a psicoterapia, impedindo a sua evolução e propagação. Na sua perspetiva os cuidados de saúde primários, as escolas e organizações comunitárias são estruturas privilegiadas de diagnóstico e intervenção no trauma, possibilitando constituir uma rede de suporte.
Fazel & Stein (2009), referiram-se também aos fatores de stress pré, durante e pós migração propondo que a prevenção primária seja em contexto escolar, pela centralidade e ligação aos pais e comunidade, como por constituir um espaço educacional de integração, preventivo e de promoção emocional e social, de construção da autoestima e da identidade, de facilitação dos relacionamentos entre pares, de monitorização de comportamentos resilientes e, controlo sobre o ambiente envolvente.
Graham, et al. (2016) referem que, uma em cada dez crianças refugiadas nos países de acolhimento são desfavorecidas, acabando por ter deficits educacionais. À semelhança de outros estudos, os autores referem que em países de acolhimento de baixo-médio rendimento o sucesso escolar passa por determinantes sociais da saúde como a pobreza. Os profissionais de saúde e educadores devem proceder à avaliação de risco, tendo em vista a criação de políticas, programas e fundos de apoio à educação e inclusão destas crianças com diferenças entre géneros, sociais, culturais, linguísticas, alimentares, religiosas e do calendário de celebrações, da forma de vestir e interagir, que se se evidenciam nas brincadeiras, nas relações interpessoais, na socialização e no desenvolvimento cognitivo, psicológico e a aprendizagem. Hanson-Bradley, & Wieling (2016), propõem que se proceda à triagem e acompanhamento dos problemas de saúde mental destas famílias, identificando os fatores de stress, permitindo intervir sobre as determinantes, como desenvolver competências profissionais de resposta aos aspetos políticos, legais, culturais e dos direitos humanos. Propõe ainda intervenções de terapia de suporte familiar para pais com stress traumático, apesar da falta de evidência da sua eficácia e, a promoção de redes de suporte.
Shallow & Whitington (2014) apesar da falta de evidência, apontam também para a importância da promoção de programas escolares, envolvendo profissionais e pais, para a integração de crianças refugiadas num programa escolar Australiano. Apesar das barreiras linguísticas, culturais, financeiras e de contexto, os resultados revelaram benefícios emocionais e das relações no processo de transição e integração. Estes recomendam programas integrativos financiados, envolvendo a escola e a comunidade, de formação e aprendizagem, de prestação de serviços, visitas domiciliárias ou outros promotores de relações emocionais, culturais, linguísticas, efetivas e significativas.
Novas perspectivas / guidelines
O fenómeno das migrações é cíclico na história da humanidade e surge como resposta aos perigos, eventos climáticos extremos, conflitos políticos, religiosos ou armados e, em busca de alimentos e de melhores condições de vida e subsistência.
A Organização Mundial de Saúde (2018) e autores como Moghaddam, et al (2017) classificam as migrações como uma emergência em saúde pública, circunstância na qual a doença mental emerge como uma prioridade pela sua prevalência e, efeitos imediatos e a longo prazo. Motivos humanitários, demográficos e socioeconómicos têm conduzido Portugal e outros países a uma política de acolhimento de imigrantes e de refugiados, maioritariamente crianças. Contudo, a imigração não permite repor os contingentes populacionais, quando as mulheres migrantes tendem a assumir padrões de fecundidade da população de acolhimento (Moghaddam et al, 2017). O fluxo de refugiados através das fronteiras, a diversidade de proveniências, de culturas e de situações acarretam problemas e contrastam com as políticas de aceitação e de integração, com os recursos limitados e prestação limitada de serviços e de respostas psicossociais à condição de saúde física e mental dos refugiados nos países de trânsito e acolhimento. Após deslocação forçada deparam-se ainda com experiências stressantes e traumáticas, como viver a “incerteza presente e futura”, “sem casa que os acolha”, condenados assim a uma vida suspensa entre dois mundos numa “prisão sem paredes” (Pussetti, et al,2009).
O fenómeno das migrações provoca igualmente impactos na economia dos Estados e na capacidade de produção de riqueza, condicionando a manutenção das suas funções sociais, colocando desafios de sustentabilidade e resiliência dos sistemas dos países de acolhimento. Por sua vez as determinantes sociais podem afetar negativamente o bem-estar biopsicossocial das famílias e das crianças refugiadas, já por si em risco e determinar a doença. Donde que se defende que o enfermeiro de família intervenha em contexto escolar em articulação com a comunidade escolar, intervindo sobre determinantes sociais da saúde, potenciado assim a sua intervenção biopsicossocial nas crianças de famílias refugiadas.
Implicações teóricas e práticas: A doença mental tem origem em múltiplos fatores ambientais e epigenéticos ligados à saúde infantil, materna e reprodutiva, com atenção particular aos casos de violação e exploração sexual, de gravidez precoce e/ou indesejada e aborto, que se associam a carência de cuidados perinatais e infantis e de cobertura de serviços de saúde mental nos Cuidados de Saúde Primários dirigidos às mulheres e crianças, determinados pela falta de serviços e de profissionais de saúde mental nos países de acolhimento em situação de crise como Portugal (cf. Santinho, 2016).
Cox, et al. (2018) referem que os traumas e os abusos psicológicos vivenciados pelas crianças, sobretudo desacompanhadas, sobrevêm também dos riscos acrescidos como o tráfico humano e sexual pré, durante e pós-migração. Estes incluem transtorno de ajustamento, depressão major, ansiedade generalizada e transtorno de stress pós-traumático, entre outras. Segundo este autor, a American Academy of Nursing propõe um conjunto de recomendações que vão no sentido dos enfermeiros integrarem equipas de parcerias médicas /legais capazes de proporcionar resposta pro-bono, às necessidades de saúde e legais destas crianças e famílias. Estas equipas MLPs (Medical/Legal Partnerships) consistem num Modelo de Enfermagem criado entre a East Tennessee State University College of Nursing e o Tennessee Justice Center. Estas equipas são compostas por enfermeiros entre outros profissionais de saúde e, advogados. Em resposta às necessidades e supervisão são estabelecidas parcerias com serviços médico-legais e com enfermeiras de psiquiatria.
Na perspetiva de Linn, (2011), as enfermeiras de saúde pública e comunitária são excelentes promotoras do empowerment e advocacy. Contudo, o paradigma da enfermagem é psicossocial e orientado para família e, não ambiental. Daí que os cuidados de saúde primários devem potenciar cuidados de saúde primários prestados por “enfermeiras de família” focadas no sistema e na unidade familiar e na capacitação destas famílias para uma transição saudável entre os diferentes contextos, ao longo do ciclo de vida. Propõe-se um modelo de avaliação e de ação participativa, socio-politicamente orientado pela comunidade como o SARFI (Samarasinghe refugee family Intervention Model), implementado na Suécia. Este modelo que tem como base o Conceito de “Transição Saudável” aplica-se à família em processo de transição intercultural e linguístico, em que é expectável que ocorra stress psicológico, relacionado com mudanças de papéis e obrigações familiares, mudanças nas relações familiares e com a comunidade étnica do país de acolhimento.
Propõe-se assim uma nova práxis do enfermeiro de família: holística, sistémica e transcultural para a satisfação das necessidades e promoção do desenvolvimento infantil e da saúde mental das crianças de famílias refugiadas, nomeadamente em contexto escolar, centro da rede proximal de apoio das crianças de famílias refugiadas.
Conclusões
Emerge da pesquisa realizada, a premência de implementar uma nova práxis do enfermeiro de família, holística, sistémica e facilitadora da transição biopsicossocial e cultural das crianças destas famílias, reduzindo a carga de doença como privilegia o custo-efetividade e retorno do financiamento público, minimizando a pressão nos sistemas de saúde, contribuindo-se desta forma para as políticas de saúde e orientações técnico-normativas dirigidas a este grupo de população.
Como implicações teóricas e práticas sugere-se a realização de uma revisão sistemática da literatura, exploratória do estado da arte da saúde mental das crianças refugiadas, identificando lacunas do conhecimento científico, que a investigação aclare em benefício da práxis do enfermeiro de família.