Introdução
As infeções da corrente sanguínea são uma das causas mais comuns de admissão em Serviços de Urgência e a principal causa de readmissão hospitalar (McLeod, 2019), onde cerca de 40% destas infeções evoluem para sépsis e/ou choque séptico (Timsit et al., 2020).
Muitas infeções da corrente sanguínea estão relacionadas com a presença de dispositivos intravasculares (como cateteres venosos centrais ou linhas arteriais), cujas infeções podem ser prevenidas através da divulgação e adoção de condutas orientadoras atualizadas, sistematizadas e adequadas aos vários contextos clínicos, direcionadas aos profissionais de saúde (Kopsidas et al., 2021).
Hemocultura é uma análise que determina a presença e o crescimento de microrganismos (bactérias aeróbias/anaeróbias ou fungos), potencialmente patogénicos para a pessoa, após a colheita asséptica de sangue e a sua posterior inoculação num meio de cultura (Ntusi et al., 2010). Estas são solicitadas quando há suspeita de disseminação hematogénica do microrganismo, ou na presença de um quadro infecioso de origem desconhecida com necessidade de internamento hospitalar (Araújo, 2012; Grupo de Coordenação Local - Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos [GCL-PPCIRA], 2021).
As hemoculturas confirmam e identificam a presença de microrganismos na corrente sanguínea, ajudando a compreender a possível origem do foco infecioso e a adequar a antibioterapia (GCL-PPCIRA, 2021). É crucial identificar rapidamente o microrganismo causador da infeção da corrente sanguínea, por meio da realização de hemoculturas, devido às sequelas que podem afetar a segurança do doente. Quando o diagnóstico e o tratamento são atrasados, piores resultados em saúde se obterão (Araújo, 2012; Lamy et al., 2019).
A prescrição de hemoculturas tem aumentado, assim como o reconhecimento do seu valor diagnóstico. Em 2020, foram colhidos 244,2 conjuntos de hemoculturas por cada 1000 doentes/dia, em comparação com os 148,1 conjuntos de hemoculturas realizados em 2017 (European Centre for Disease Prevention and Control & World Health Organization, 2022).
A contaminação de uma hemocultura pode ocorrer durante a colheita de sangue ou no seu processamento, através da inoculação inadvertida de um microrganismo (Lamy et al., 2019). É fundamental diferenciar uma hemocultura positiva de uma hemocultura contaminada, pois alguns microrganismos associados à hemocultura contaminada podem representar uma infeção relacionada aos cuidados de saúde, especialmente em doentes com dispositivos médicos intravasculares (Dargère et al., 2018). A distinção entre hemoculturas positivas e contaminadas pode ser facilitada pela análise do tempo de crescimento bacteriano e pelo tipo de microrganismo identificado (Long & Koyfman, 2016).
A contaminação das hemoculturas aumenta o tempo de hospitalização e os custos financeiros, devido à necessidade de repetição das hemoculturas e ao uso desnecessário de antibióticos de largo espectro, o que pode desencadear resistência aos antimicrobianos (GCL-PPCIRA, 2021; Liaquat et al., 2021; Long & Koyfman, 2016; Ntusi et al., 2010). Além disso, a contaminação representa um desafio para os gestores hospitalares e uma ameaça à saúde e à vida dos doentes (Tenderenda et al., 2022). Assim, a formação dos profissionais, a divulgação de boas práticas e a promoção do treino da técnica são essenciais para prevenir a contaminação das hemoculturas e reduzir os seus custos associados (Dargère et al., 2018).
Para melhorar as práticas no Serviço de Urgência de um Hospital na zona central de Portugal, foi definido como objetivo analisar o impacto de intervenção formativa no conhecimento e na prática dos enfermeiros sobre a fase pré-analítica das hemoculturas.
1. Enquadramento teórico
A eficácia do diagnóstico das hemoculturas está diretamente relacionada com a qualidade de todas as etapas inerentes à fase pré-analítica do procedimento (Lamy et al., 2019). Embora todos os profissionais de saúde integrem esta fase, é o enfermeiro o profissional responsável por ela no contexto de Serviço de Urgência, sendo este também um pilar na divulgação e aplicação sistemática das melhores práticas, baseadas em evidências científicas recentes, para maximizar a eficácia do procedimento (Lamy et al., 2019).
A realização adequada de todas os momentos da fase pré-analítica das hemoculturas é, portanto, crucial para garantir a qualidade da amostra e obter resultados confiáveis e precisos. A qualidade da amostra pode ser aprimorada por meio da padronização da técnica de colheita, pela divulgação de procedimentos atualizados, pela realização de auditorias e divulgação dos resultados, pela identificação e divulgação de possíveis erros associados à contaminação e pela capacitação e treino dos profissionais de saúde envolvidos (Choi et al., 2017).
Embora na fase pré-analítica a técnica de colheita incorreta seja um fator importante que afeta a eficácia diagnóstica das hemoculturas, é necessário considerar outros fatores, como o volume de sangue inoculado, a ordem de inoculação do sangue, o número de frascos colhidos, o local anatómico da colheita (venopunção periférica ou dispositivo intravascular), o momento da colheita e o tempo decorrido entre a colheita da amostra e a sua chegada ao laboratório. Na fase analítica há a considerar o tempo necessário para identificar o microrganismo e, posteriormente, na fase pós-analítica, o tempo decorrido entre a aquisição dos resultados e a sua disponibilização para interpretação (Lamy et al., 2019; Long & Koyfman, 2016; Ntusi et al., 2010; Towns et al., 2010).
A higiene das mãos é também um pilar fundamental para o controle e prevenção de infeções, onde melhorar a prática da higiene das mãos está diretamente relacionado com a redução da taxa de infeção (Kopsidas et al., 2021). Isso é especialmente importante, já que os contaminantes podem ter origem na flora cutânea do doente e/ou do profissional de saúde, da roupa ou das áreas circundantes, circulando por meio de partículas suspensas e difundidas pelo ar (Dargère et al., 2018).
Para realizar a colheita de amostras num ambiente adequado recomenda-se fechar portas e janelas, limitar a circulação de pessoas na área e usar uma máscara cirúrgica de proteção (GCL-PPCIRA, 2021). A Norma nº 007/2019 de 16/02/2019 recomenda a correta higiene das mãos com água e sabão e a secagem com toalhetes descartáveis, associando sempre que necessário a desinfeção com Solução Antissética de Base Alcoólica (SABA) (Direção-Geral da Saúde, 2019). Mesmo em um contexto de Serviço de Urgência, onde o ambiente é menos controlado, é possível reduzir a circulação de pessoas recorrendo a cortinas ou a biombos.
A desinfeção adequada da pele é fundamental na prevenção da contaminação, pois as bactérias microbióticas da pele, como o Staphylococcus coagulase negativo, são as principais responsáveis pela contaminação da amostra (Araújo, 2012; Doern et al., 2019; Lamy et al., 2019; Ntusi et al, 2010). Cerca de 20% da flora bacteriana cutânea está localizada em camadas mais profundas da pele, e uma desinfeção inadequada, ou com técnica inadequada, pode levar ao repovoamento bacteriano das camadas mais superficiais da pele, resultando na contaminação da amostra (Dargère et al., 2018).
Como prática recomendada é importante utilizar desinfetantes à base de álcool, como o álcool a 70° ou a clorohexidina alcoólica a 2%, já que possuem um tempo de ação microbicida menor, cerca de 30 segundos, em comparação com os desinfetantes não alcoólicos, como a iodopovidona, que possuem um tempo de ação de 1,5 a 2 minutos (Araújo, 2012; Dargère et al., 2018).
Ao realizar a desinfeção da pele, a técnica circular deve ser utilizada, desinfetando a pele de dentro para fora, aguardando 30 segundos antes da segunda desinfeção e deixando o desinfetante secar antes da punção (Araújo, 2012; Lamy et al., 2019; Long & Koyfman, 2016). Sempre que houver suspeita de possível contaminação da pele, é necessário realizar uma nova desinfeção da pele (Araújo, 2012).
Durante o procedimento é possível utilizar luvas esterilizadas ou não esterilizadas, utilizando a técnica non-touch caso opte pela segunda opção, sem comprometer a assepsia do procedimento (Dargère et al., 2018). No caso de utilização de luvas não esterilizadas, a pele das mãos deve ser desinfetada com SABA antes da colheita e nunca se deve tocar no local de punção com as luvas após a desinfeção (Dargère et al., 2018). A borracha do frasco de hemocultura, mesmo que este esteja selado, não é estéril, pelo que deve ser desinfetada com álcool a 70° e protegida com uma compressa até ao momento de inoculação do sangue (Araújo, 2012; Lamy et al., 2019; Long & Koyfman, 2016).
O valor diagnóstico das hemoculturas está diretamente relacionado com o número de conjuntos utilizados (2 frascos de hemocultura por conjunto), pois desta forma é possível identificar o mesmo microrganismo em várias amostras colhidas (Long & Koyfman, 2016; McLeod, 2019). Portanto, a colheita de apenas um frasco de hemocultura ou de um único conjunto (2 frascos) do mesmo local de punção é desaconselhada, uma vez que essa prática não permite distinguir uma hemocultura verdadeiramente positiva de uma hemocultura contaminada (Choi et al., 2017; Lamy et al., 2019; Long & Koyfman, 2016).
As diretrizes do Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI) recomendam a colheita de 4 frascos de hemoculturas (2 conjuntos), cada um com um volume de 10 mililitros, o que pode aumentar o valor diagnóstico para 90-95%. Se forem colhidos 6 frascos de hemoculturas (3 conjuntos), o valor diagnóstico pode aumentar para 95-99% (Towns et al., 2010).
Assim, recomenda-se a colheita de 4 a 6 frascos de hemoculturas (2 a 3 conjuntos) em 24 horas (Choi et al., 2017), exceto em casos que necessitem de antibioterapia imediata, onde o intervalo das colheitas deve ser encurtado para alguns minutos (GCL-PPCIRA, 2021).
Atualmente recomenda-se a colheita de 2 frascos de hemoculturas aeróbias ou de um frasco de hemocultura aeróbio e um frasco de anaeróbio, através de punção periférica em dois locais anatomicamente distintos, evitando acessos intravasculares ou acessos periféricos previamente canalizados (Lamy et al., 2019; Long & Koyfman, 2016; McLeod, 2019; Timsit et al., 2020). Além disso, recomenda-se a colheita de hemoculturas aeróbias em detrimento das hemoculturas anaeróbias, que só devem ser realizadas em situações específicas (Araújo, 2012). Isso ocorre porque os meios de cultura das hemoculturas aeróbias permitem e potencializam o crescimento bacteriano e fúngico dos microrganismos clinicamente mais relevantes (Ntusi et al., 2010).
O volume de sangue inoculado em um frasco pode afetar a eficácia do diagnóstico por hemocultura. Portanto, é recomendável inocular de 8 a 10 mililitros em adultos (Lamy et al., 2019), respeitando um mínimo de 5 mililitros, pois menos do que esse volume reduz a taxa de efetividade para 69% (Long & Koyfman, 2016). Após a colheita do sangue, é importante inoculá-lo de imediato nos frascos e homogeneizá-lo com o caldo de cultura, girando os frascos delicadamente. A ordem de inoculação dos frascos varia dependendo da escolha de utilização entre um sistema aberto (agulha e seringa) ou fechado (vácuo). No sistema aberto, o sangue deve ser primeiro inoculado no frasco de anaeróbios e depois no frasco de aeróbios (Araújo, 2012). No sistema fechado, a ordem é inversa, começando pelo frasco de aeróbios (Araújo, 2012).
Não é recomendado trocar a agulha após a punção, pois os riscos associados à manipulação aumentada da agulha não justificam a redução do risco de contaminação da amostra (Araújo, 2012; Doern et al., 2019).
A colheita de sangue através de dispositivos intravasculares deve ser feita apenas quando há suspeita de que o foco infecioso esteja nesses dispositivos (Long & Koyfman, 2016). Nesse caso, deve-se colher uma hemocultura do dispositivo intravascular, outra através de venopunção periférica e enviar a ponta para análise em meio seco (Araújo, 2012; GCL-PPCIRA, 2021; Long & Koyfman, 2016). A colheita de sangue arterial para hemoculturas não é recomendada (Araújo, 2012).
Quando a colheita de sangue por punção periférica não é possível, o acesso intravascular pode ser utilizado para colher as duas hemoculturas em vias diferentes do cateter venoso central (Araújo, 2012). Além dessas boas práticas, a Norma nº 010/2016 de 30/09/2016, atualizada a 16/05/2017, da Direção-Geral da Saúde (2017) recomenda a realização de uma hemocultura em cateter venoso central que esteja presente há mais de 48 horas, embora sem nível de evidência reconhecido.
A antibioterapia deve ser iniciada após a colheita de hemocultura e fora do pico febril (Cheng et al., 2019; Long & Koyfman, 2016). No entanto, se a terapia antibiótica já tiver sido iniciada, é necessário aguardar pela próxima toma de antibiótico e realizar a colheita de hemocultura imediatamente antes (Araújo, 2012).
Minimizar o tempo entre a fase pré-analítica e a fase pós-analítica é importante para possibilitar a administração precoce de antibioterapia dirigida e adequada, a fim de obter benefícios em saúde (Lamy et al., 2019).
2. Métodos
Este estudo tem natureza quasi-experimental, longitudinal, prospetiva e correlacional.
2.1 Amostra
A amostra é composta por 46 enfermeiros que trabalham no Serviço de Urgência de um Hospital localizado na zona central de Portugal. Esta amostra foi selecionada de forma não-probabilística intencional e corresponde a 60% da população-alvo. Todos os enfermeiros convidados aceitaram participar voluntariamente neste estudo.
2.2 Instrumentos de recolha de dados
Foi utilizado um questionário de avaliação de conhecimento dos enfermeiros intitulado “Importância do enfermeiro na fase pré-analítica das hemoculturas: implementação de um Procedimento Específico”, por não identificação de instrumento de avaliação validado para a problemática. Este questionário foi desenvolvido pelo autor após uma revisão narrativa da literatura e consistiu em 14 questões verdadeiro/falso que abordaram os aspetos fundamentais para a qualidade do procedimento descritos na literatura. O questionário foi enviado por e-mail utilizando a plataforma Google Forms ® e foi preenchido pelos enfermeiros antes e após a intervenção educativa. O questionário esteve disponível para preenchimento durante 15 dias em cada momento.
A fim de analisar a mudança de comportamento dos enfermeiros neste Serviço de Urgência, a taxa de contaminação foi comparada antes e após a intervenção educativa.
O estudo teve autorização da Comissão de Ética e Conselho de Administração do Hospital (Parecer nº 170/CES) e conduzido de acordo com os procedimentos éticos da Declaração de Helsínquia e da Convenção de Oviedo.
2.3 Análise estatística
Os resultados obtidos foram apresentados em tabelas e gráficos, com base nos objetivos do estudo e nas hipóteses de pesquisa formuladas. A interpretação dos resultados foi feita à luz da literatura científica pertinente. O tratamento estatístico dos dados foi realizado através do programa IBM® Statistical Package for the Social Sciences (SPSS®) versão 26.0. Recorreu-se à estatística descritiva para o cálculo das frequências absolutas (N) e relativas/percentuais (%), das medidas de tendência central (média e mediana) e das medidas de dispersão (desvio padrão [DP], valor mínimo e valor máximo).
A análise inferencial realizou-se para avaliar o impacto da intervenção educativa sobre o conhecimento dos enfermeiros, antes da intervenção (Momento 1 [M1]) e após a intervenção (Momento 2 [M2]) na equipa, de forma a se poder extrapolar com significância os resultados obtidos para a população-alvo. Para este efeito, as 14 questões que compõem o questionário foram codificadas de acordo com o seu número e com o seu momento de avaliação, como demostra abaixo a Tabela 1.
Pergunta 1 (P1) | A fase pré-analítica das hemoculturas é fundamental para a identificação inequívoca do microrganismo causador da infeção da corrente sanguínea, contribuindo as boas práticas para a adequação antibiótica e redução da resistência aos antimicrobianos. |
Pergunta 2 (P2) | A antissepsia adequada da pele é uma parte fundamental da fase pré-analítica das hemoculturas, sendo indiferente a utilização de desinfetante alcoólico ou não alcoólico. A desinfeção da pele deve ser efetuada de fora para dentro em círculos semi-abertos com tempo de secagem do desinfetante de 30 segundos. |
Pergunta 3 (P3) | A colheita de sangue para hemocultura deve ocorrer, idealmente, antes do início da antibioterapia. No entanto, se o doente já iniciou antibioterapia não existe um momento ideal para a colheita de sangue para hemocultura. |
Pergunta 4 (P4) | Para que haja valor diagnóstico na hemocultura é necessário a colheita de, pelo menos, 4 frascos. |
Pergunta 5 (P5) | Sempre que o doente apresentar um acesso venoso central devemos colher sangue para hemocultura deste acesso ao invés da venopunção periférica, de forma a evitar causar dor ao doente. |
Pergunta 6 (P6) | Devemos aguardar pelo pico febril para a colheita de sangue para a hemocultura, por ser o momento onde a concentração bacteriana é maior. |
Pergunta 7 (P7) | Quando se suspeita de uma infeção da corrente sanguínea com origem em dispositivos intravasculares deve ser colhida uma hemocultura deste acesso, sendo irrelevante a colheita de hemocultura periférica. |
Pergunta 8 (P8) | Se o frasco da hemocultura estiver selado não é necessário desinfetar a borracha com álcool a 70°. |
Pergunta 9 (P9) | A etiqueta de identificação do pedido deve ser colada em local próprio no frasco, sem tapar o código e devendo estar descrito o local anatómico da colheita de sangue por venopunção ou se a colheita foi efetuada através de dispositivo intravascular. |
Pergunta 10 (P10) | Antes de inocular o sangue no frasco de hemocultura é recomendado a troca da agulha e a proteção da borracha do frasco. |
Pergunta 11 (P11) | Quando o volume de sangue obtido na colheita é inferior ao preconizado e há pedido de hemoculturas aeróbias e anaeróbias deve inocular-se maior volume de sangue no frasco aeróbio. |
Pergunta 12 (P12) | Deve inocular-se a quantidade de sangue indicada no frasco de colheita, sendo que quanto maior o volume de sangue maior o rigor de diagnóstico da hemocultura. |
Pergunta 13 (P13) | Após a colheita de hemoculturas deve-se providenciar o seu encaminhamento imediato para o laboratório. No entanto, se este encaminhamento não for possível, guardar-se a hemocultura em local refrigerado. |
Pergunta 14 (P14) | A colheita de sangue para hemoculturas requer a utilização de luvas esterilizadas ou de nitrilo (se opção pela técnica de colheita non touch), sendo sempre possível efetuar segunda palpação da veia a puncionar sem comprometer a assepsia do procedimento. |
De forma a verificar a normalidade da amostra, foram calculados os coeficientes de assimetria e de achatamento/curtose. Pela tendência para a normalidade da amostra, e porque as duas variáveis utilizadas neste estudo (conhecimento dos enfermeiros antes da intervenção e conhecimento dos enfermeiros após a intervenção) são dependentes, foi utilizado o teste paramétrico teste T para amostras emparelhadas (paired sample T-teste). Para o tratamento estatístico foi assumida uma amostra de 46 enfermeiros (N=46) e um intervalo de confiança (IC) de 95%, equivalente a um nível de significância (p) com um valor de p< 0,05.
A magnitude de efeito foi calculada através do teste d de Cohen, também com um IC de 95%.
3. Resultados
A Tabela 2 expõe o conhecimento dos enfermeiros sobre a fase pré-analítica das hemoculturas antes da intervenção da equipa, correspondente ao Momento 1 - antes da intervenção educativa (M1). Neste, verificou-se um número elevado de respostas acertadas nas questões P1, P2, P5, P6, P7 e P9, com valores entre 67,4% e 95,7%.
As questões P3, P4, P10 e P14 foram aquelas com maior número de respostas incorretas, com valores entre 52,2% e 95,7%.
Incorreto | Correto | Total | ||||
Amostra (N) | % | Amostra (N) | % | Amostra (N) | % | |
P1_M1 | 4 | 8,7 | 42 | 91,3 | 46 | 100,0 |
P2_M1 | 11 | 23,9 | 35 | 76,1 | 46 | 100,0 |
P3_M1 | 30 | 65,2 | 16 | 34,8 | 46 | 100,0 |
P4_M1 | 44 | 95,7 | 2 | 4,3 | 46 | 100,0 |
P5_M1 | 10 | 21,7 | 36 | 78,3 | 46 | 100,0 |
P6_M1 | 15 | 32,6 | 31 | 67,4 | 46 | 100,0 |
P7_M1 | 8 | 17,4 | 38 | 82,6 | 46 | 100,0 |
P8_M1 | 20 | 43,5 | 26 | 56,5 | 46 | 100,0 |
P9_M1 | 2 | 4,3 | 44 | 95,7 | 46 | 100,0 |
P10_M1 | 24 | 52,2 | 22 | 47,8 | 46 | 100,0 |
P11_M1 | 21 | 45,7 | 25 | 54,3 | 46 | 100,0 |
P12_M1 | 19 | 41,3 | 27 | 58,7 | 46 | 100,0 |
P13_M1 | 19 | 41,3 | 27 | 58,7 | 46 | 100,0 |
P14_M1 | 28 | 60,9 | 18 | 39,1 | 46 | 100,0 |
A Tabela 3 expõe o conhecimento dos enfermeiros sobre a fase pré-analítica das hemoculturas depois da intervenção da equipa, correspondente ao Momento 2 - após a intervenção educativa (M2). No M2 as questões P1, P2, P5, P6, P7, P8, P9, P10, P11, P12 e P13 foram aquelas com melhores resultados, entre 67,4% e 100%. Em igualdade com o M1, as questões P3, P4 e P14 mantiveram-se como aquelas com maior número de respostas incorretas, apesar da intervenção educativa, com valores a oscilar entre 41,3% e 50%.
Incorreto | Correto | Total | ||||
Amostra (N) | % | Amostra (N) | % | Amostra (N) | % | |
P1_M2 | 0 | 0,0 | 46 | 100,0 | 46 | 100,0 |
P2_M2 | 6 | 13,0 | 40 | 87,0 | 46 | 100,0 |
P3_M2 | 23 | 50,0 | 23 | 50,0 | 46 | 100,0 |
P4_M2 | 23 | 50,0 | 23 | 50,0 | 46 | 100,0 |
P5_M2 | 7 | 15,2 | 39 | 84,8 | 46 | 100,0 |
P6_M2 | 6 | 3,0 | 40 | 87,0 | 46 | 100,0 |
P7_M2 | 6 | 13,0 | 40 | 87,0 | 46 | 100,0 |
P8_M2 | 11 | 23,9 | 35 | 76,1 | 46 | 100,0 |
P9_M2 | 1 | 2,2 | 45 | 97,8 | 46 | 100,0 |
P10_M2 | 4 | 8,7 | 42 | 91,3 | 46 | 100,0 |
P11_M2 | 10 | 21,7 | 36 | 78,3 | 46 | 100,0 |
P12_M2 | 9 | 19,6 | 37 | 80,4 | 46 | 100,0 |
P13_M2 | 15 | 32,6 | 31 | 67,4 | 46 | 100,0 |
P14_M2 | 19 | 41,3 | 27 | 58,7 | 46 | 100,0 |
Na Tabela 4 é possível observar que a média de respostas corretas no M1 foi de 8,49 (2,02), com 50% da amostra a acertar corretamente a 8 questões. No M2 a média de respostas corretas aumentou para 10,96 (2,66), com 50% da amostra a responder corretamente a 11 questões. Assim, ao compararmos o conhecimento dos enfermeiros entre momentos, verificou-se um aumento médio de 2,5 (3,31) questões respondidas acertadamente, onde 50% da amostra acertou em mais 2 questões após a intervenção na equipa.
Amostra (N) | Média | Mediana | Desvio Padrão | Mínimo | Máximo | |
Conhecimento - M1 | 46 | 8,46 | 8,00 | 2,02 | 5 | 13 |
Conhecimento - M2 | 46 | 10,96 | 11,00 | 2,66 | 4 | 14 |
Diferença de conhecimento entre momentos (M2 - M1) | 46 | 2,50 | 2,00 | 3,31 | -9 | 9 |
Os valores de assimetria e curtose calculados traduzem a tendência para a normalidade da amostra, pelo que é aplicado o teste T para amostras emparelhadas, tendo sido obtido um valor de -5,12 (p<0,001), como se observa na Tabela 5, o que permite inferir que a formação em serviço e a implementação de um Procedimento Específico sobre a fase pré-analítica das hemoculturas melhora o conhecimento dos enfermeiros.
Amostra (N) | Média | Desvio Padrão | Teste t | p | d Cohen IC 95% | |
Conhecimento - M1 | 46 | 8,46 | 2,02 | -5,12 | <0,001 | -0,755 ]-1,08;-0,42[ |
Conhecimento - M2 | 46 | 10,96 | 2,66 |
Além do mais, devido a magnitude de efeito médio a elevado obtido através do cálculo do teste d de Cohen (-0,755), é possível extrapolar os resultados obtidos através da amostra para a população-alvo.
A taxa de contaminação das hemoculturas no Serviço de Urgência de um Hospital da zona centro de Portugal foi, no Momento 1 - antes da intervenção educativa (M1), de 12,1% (total de 420 hemoculturas) e foi, no Momento 2 - após a intervenção educativa (M2), de 16,8%, (total de 397 hemoculturas).
4. Discussão
A fase pré-analítica das hemoculturas é uma etapa crucial para identificar o microrganismo causador de infeção, tornando-se importante que os enfermeiros tenham conhecimentos sobre práticas de segurança para assegurar a qualidade dos cuidados de Enfermagem.
Na fase inicial do estudo, foi constatado o reconhecimento, pelos enfermeiros da amostra, sobre a importância da fase pré-analítica das hemoculturas para a obtenção de ganhos em saúde (91,3%). Os enfermeiros também demonstraram conhecimento sobre a técnica de desinfeção da pele e o uso de desinfetante alcoólico (76,1%), o local anatómico adequado (78,3%), o momento ideal de colheita da hemocultura (67,4%), a associação de uma hemocultura periférica a uma hemocultura colhida através de dispositivo intravascular quando suspeita de infeção (82,6%) e a identificação inequívoca da amostra (95,7%).
No entanto, áreas com necessidade de intervenção educativa foram identificadas, como a colheita de sangue antes do início de antibioterapia (34,8%), o número de frascos colhidos para a credibilidade diagnóstica (4,3%), a necessidade de troca de agulha (47,8%) e a garantia da assepsia de acordo com a utilização ou não de luvas esterilizadas (39,1%).
Após a intervenção educacional na equipa, verificou-se que o conhecimento dos enfermeiros melhorou em todas as áreas, com maior expressão no conhecimento relativo ao número de frascos para a efetividade diagnóstica (50%) e na troca da agulha (91,3%). Ainda assim, áreas como o momento ideal de colheita de hemocultura (50%), o número de frascos recomendados para a efetividade diagnóstica da hemocultura (50%) e a manutenção da assepsia de acordo com a utilização de luvas esterilizadas ou não esterilizadas (58,7%) permaneceram como necessidades formativas.
Apesar do impacto positivo (p<0,001) na melhoria do conhecimento dos enfermeiros, é necessário considerar a aplicação desse conhecimento teórico na prática clínica, por meio da avaliação da taxa de contaminação das hemoculturas. Esta taxa representa um indicador da qualidade dos cuidados de Enfermagem em um Serviço de Urgência e, de acordo com o CLSI, não deve exceder 2% a 3 % (Dargère et al., 2018), enfatizando a última evidência de 1% através da sistematização de boas práticas (Magnolia Medical Technologies, 2022). Todavia, há referências de que esses valores possam atingir até 50% (Dargère et al., 2018).
Vários serviços hospitalares, em particular os Serviços de Urgência, enfrentam a problemática da contaminação de hemoculturas devido a diversos fatores, incluindo a sobrelotação e carga de trabalho excessiva, rotatividade aumentada dos profissionais, falta de treino dos profissionais, idade avançada do doente, instabilidade hemodinâmica e incapacidade do doente colaborar no procedimento (Dargère et al., 2018; Gunvanti et al., 2022; Sacchetti et al., 2022). Além disso, hospitais centrais, como o do estudo em questão, apresentam taxas de contaminação superiores às preconizadas (Dargère et al., 2018). Os critérios adotados pelo laboratório do hospital, a colheita de uma hemocultura isolada e a sintomatologia apresentada pelo doente também podem condicionar o juízo clínico quando há contaminação da amostra, o que tem reflexo direto na taxa de contaminação (Dargère et al., 2018).
Para melhorar o conhecimento e reduzir a taxa de contaminação das hemoculturas, além das estratégias utilizadas no estudo - a divulgação de conhecimento fidedigno e atualizado através de formação em serviço e a sistematização de boas práticas através da implementação de um Procedimento Específico - é vantajoso acrescentar outras estratégias adaptadas à equipa (Sacchetti et al., 2022). Apesar da eficácia comprovada dessas duas estratégias, é importante considerar outras abordagens complementares para a melhoria do processo.
A contaminação das hemoculturas é um problema que afeta a credibilidade diagnóstica e a qualidade dos cuidados em saúde. Diversas estratégias têm sido propostas para reduzir a taxa de contaminação das hemoculturas. A integração de uma liderança eficaz e motivadora pode levar a um envolvimento maior da equipa e à sua consciencialização na problemática da contaminação das hemoculturas, resultando em melhorias na gestão da qualidade e no alcance de metas recomendadas (Lamy et al., 2019). Além disso, a criação de equipas de colheita dedicadas é uma estratégia comprovadamente eficaz na redução da taxa de contaminação das hemoculturas e na melhoria da qualidade dos cuidados de saúde (Gunvanti et al., 2022; Shaji et al., 2022; Povroznik, 2022). No entanto, esta estratégia pode não ser viável em todos os contextos clínicos, podendo aumentar os custos do procedimento (Povroznik, 2022).
Outra estratégia que tem sido sugerida para reduzir a taxa de contaminação das hemoculturas é a implementação de dispositivos de apoio à colheita, como o sistema de vácuo ou o sistema de derivação da amostra inicial (ISDD) (Povroznik, 2022). Estudos mostraram que a colheita de sangue para hemocultura por ISDD obteve uma melhoria significativa na redução da taxa de contaminação das hemoculturas (Lalezari et al., 2020; Nielsen et al., 2021; Povroznik, 2022). Além deste aspeto, o ISDD tem uma boa relação custo-benefício, pois o investimento com o dispositivo compensa os gastos associados à contaminação de hemoculturas (Skoglung et al., 2019), e a sua implementação hospitalar maciça pode reduzir em 1,1% os dias de internamento (Lalezari et al., 2019).
Foram identificadas como limitações deste estudo a ausência de caracterização da amostra em relação ao sexo, à idade, ao grau académico e ao tempo de serviço, pela evidência de que estas características não são diferenciadoras no alcance dos objetivos propostos neste estudo. Não obstante, a inclusão destas características no questionário utilizado teria acrescentado valor aos resultados do estudo.
Além desta limitação, há a considerar o curto período temporal em que este estudo decorreu relativamente à intervenção na equipa (2 meses) e à avaliação da taxa de contaminação (2 meses antes e 2 meses após a intervenção na equipa), o número de hemoculturas colhidas nos meses em que o estudo decorreu, a impossibilidade de divulgar os resultados da taxa de contaminação à equipa atempadamente, a utilização de um questionário de avaliação de conhecimentos ao invés de um instrumento validado e a amostra de 60% da população alvo, apesar do efeito de magnitude médio a elevado.
Posteriormente, sugere-se a realização de estudos com um limite temporal mais alargado e um número superior de hemoculturas colhidas, bem como a associação de outras estratégias interventivas. Entre essas estratégias, destacam-se o incentivo à formação, a presença de dispensadores de SABA junto aos locais de colheita, a divulgação de vídeos educacionais curtos e elucidativos, o envio de e-mails a relembrar as boas práticas recomendadas, a realização de auditorias mensais e divulgação da taxa de contaminação global do serviço e/ou individual de cada enfermeiro, e a implementação de um kit de colheita com compressas já impregnadas em clorohexidina alcoólica (Dargère et al., 2018; Kopsidas et al., 2021; Sacchetti et al., 2022).
Conclusão
A formação em serviço em conjugação com a implementação de um Procedimento Específico sobre a fase pré-analítica das hemoculturas melhorou, de forma estatisticamente significativa, o conhecimento dos enfermeiros no Serviço de Urgência de um Hospital da zona centro de Portugal.
Embora se tenha observado uma evolução positiva na aquisição de conhecimento, identificaram-se áreas com necessidade de reforço formativo e de intervenção educacional ativa, de forma a garantir a qualidade em todas as etapas que integram a fase pré-analítica das hemoculturas e, consequentemente, alcançar ganhos em saúde.
Apesar da sinergia de todas as estratégias utilizadas, estas tiveram um impacto no conhecimento dos enfermeiros, contudo não foi suficiente para alterar a prática clínica, refletindo resistência à mudança comportamental, evidente na taxa de contaminação das hemoculturas antes e após a intervenção, superiores às recomendações do CLSI.
Para a redução efetiva da taxa de contaminação das hemoculturas, em estudos futuros, devem associar-se estratégias adequadas aos profissionais e ao contexto prático, como o reforço educacional, a demonstração do procedimento através de simulação, a apresentação de pósteres, a inclusão da equipa multidisciplinar na problemática, a criação de elos de ligação com a equipa, a implementação de kits estéreis e a divulgação periódica das taxas de contaminação.
Agradecimentos
Agradece-se a todos os enfermeiros que participaram neste estudo e aos contributos do Instituto Politécnico de Leiria.
Contribuições dos autores
Conceptualização, T.B. e J.S.; tratamento de dados, T.B. e J.S.; análise formal T.B. e J.S.; investigação T.B. e J.S.; metodologia T.B. e J.S.; administração do projeto, T.B. e J.S.; recursos, T.B. e J.S.; programas, T.B. e J.S.; supervisão, T.B. e J.S.; validação, T.B. e J.S.; visualização, T.B. e J.S.; redação - preparação do rascunho original, T.B. e J.S.; redação - revisão e edição, T.B. e J.S.