Introdução
No presente trabalho, optou-se por desenvolver aspetos ligados à resiliência em famílias com filhos adolescentes, no sentido de aprofundar os conhecimentos nesta área, para uma melhor prestação de cuidados de enfermagem ao adolescente sendo que como refere a Ordem dos Enfermeiros (2018), o Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica foca a sua intervenção na interdependência jovem/família e no ambiente, tendo em conta os fatores que o protegem ou stressam associados às suas vivencias, assim procura-se compreender a resiliência no seio das famílias com adolescentes, isto é, no âmbito de relações humanas.
A enfermagem procura criar conhecimento partindo das conceções e das experiências de vida e de saúde de cada pessoa, assim como, das transições ao longo do ciclo vital e das experiências de gestão e educação (Sousa et al., 2022).
A família é considerada um sistema familiar em permanente mudança, crescimento e transformação (Alarcão 2006). As mudanças que vão surgindo no sistema familiar estão relacionadas com eventos stressantes com que o sistema familiar se vai confrontando (Minuchin, 2012).
Reforçando a ideia de família como modelo sistémico, Sampaio e Gameiro (1985, p. 11) definem a família como “um sistema, um conjunto de elementos ligados por um conjunto de relações, em contínua relação com o exterior, que mantém o seu equilíbrio ao longo de um processo de desenvolvimento percorrido através de estádios de evolução diversificados”.
Uma transição de etapa no ciclo evolutivo da família apresenta-se sempre como um momento desafiante e de provocação à organização familiar, o que pode conduzir a dúvidas sobre equilíbrios relacionais existentes, que resultará em transformação e crescimento ou em bloqueio de relações (Cigoli & Scabini, 2006).
A entrada do filho mais velho na adolescência constitui um período de transição podendo ser uma perda para a família da criança já que esta deixa de depender dos cuidadores como anteriormente. Nesta fase, os limites familiares devem tornar-se mais permeáveis, no sentido de facilitar a independência dos filhos, permitindo ao adolescente a aproximação e dependência da família, quando não é autónomo na realização das suas atividades, e o afastamento gradual no sentido de uma maior independência. (McGoldrick & Carter, 2001).
A seleção do tema reflete a preocupação acerca do modo como o período da adolescência poderá ter influência nas forças e processos de resiliência familiar. Assim, neste estudo, aborda-se a adolescência média, situada entre os 14 e os 17 anos (Fonseca, 2017). Esta etapa é caraterizada pela ocorrência de grande diversidade e intensidade de sentimentos, que moldam de forma objetiva os comportamentos dos adolescentes.
A adolescência é assim, segundo Meleis (2010), uma fase transitória onde há aquisição de novos conhecimentos e alteração de comportamento. Trata-se de uma transição, que deve ser encarada como um processo adaptativo, positivo e transformador, bem como uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento. Assim, de acordo com o Dicionário de Terapias Familiares e Sistémicas, a adolescência é uma fase que se encontra “entre a infância e a idade adulta, caracteriza-se por um processo de maturação que dá ao indivíduo a possibilidade de adquirir o conjunto de elementos que lhe permitem autonomizar-se em relação à sua família de origem” (Relvas, 2000, p. 152).
Segundo Sampaio (2018), foi no Séc. XIX que o conceito de adolescência ganhou a importância que hoje lhe é conferida. Na década de 80 ocorreram mudanças em relação ao conceito de adolescência, pois foram publicados vários estudos epistemológicos em diversos países que trouxeram um novo significado à sua compreensão, demonstrando que, na maioria dos casos, os jovens atravessam este período sem dificuldades significativas.
Strecht (2017) acrescenta ainda que não é mais possível concordar com a ideia que vigorou durante décadas de que a adolescência é sinónimo de crise, que implica sempre disfunção ou patologia. Pelo contrário, a adolescência é o tempo que liga o passado, o presente e o futuro, numa contínua dinâmica relacional, com tudo o que condiciona esse período de vida, como a família, o grupo de amigos, a escola, a cultura e a sociedade em geral.
Para a maioria dos adolescentes, a família é o seu porto seguro, enquanto procuram a sua autonomia, através da relação com o seu grupo de amigos e da iniciação da vida amorosa. A interação serve como instrumento do adolescente para a construção da sua identidade sendo a família o fio condutor que permite e possibilita experienciar essa autonomia (Dias, 2017). Logo, como refere Strecht (2017), é errónea a ideia de que por haver um enorme e saudável movimento de autonomia, os jovens se afastem afetivamente dos pais, o que muda é o modelo de relação, mas a necessidade de apoio emocional mantém-se.
O estudo desenvolvido por Dias (2017) concluiu que os adolescentes relatam experiências de algum conflito com os pais, contudo salientam a importância da coesão e da sinceridade nas relações familiares. A realidade do conflito é própria das famílias com adolescentes, uma vez que estes procuram afirmar-se pelas suas opiniões no sentido de fazerem prevalecer os seus pontos de vista.
A comunicação pode ser entendida como um processo contínuo de transmissão de mensagens que envolve diferentes contextos, realidades, sociedades e culturas (Barker, 1987). Nas famílias com filhos adolescentes, a comunicação desempenha um papel essencial na medida em que influencia a construção da identidade do próprio adolescente (Jackson et al., 1998).
A comunicação é considerada uma dimensão essencial da vida familiar na relação entre pais e filhos, pois permite promover o desenvolvimento de cada elemento da família, bem como, construir os papéis familiares, as regras e rotinas, os padrões comportamentais e as funções de cada membro da família (Vangelisti, 2004). No seu estudo, Segrin (2006) concluiu que, famílias que recorrem a estratégias positivas de comunicação tendem a gerar interações humanas mais positivas no seio familiar e, consequentemente, os seus membros parecem mais saudáveis comparativamente a famílias que gerem conflitos.
Nas famílias com filhos adolescentes, a comunicação tem um papel preponderante para a construção da identidade do adolescente. Esta etapa do ciclo vital da família, deixou de ser um período de moratória para se converter numa longa etapa de relacionamento familiar (Allueé, 2011).
Educar um adolescente significa evoluir de pais de crianças para pais de adolescente, o que implica mudanças de comportamento, de atitude e relacionais, no sentido de contribuir para o equilíbrio no caminho da independência que ainda não existe (Machado, 2015).
Na última metade do século passado, houve um reconhecimento em relação ao desafio da parentalidade na fase da adolescência, começando a falar-se de diálogo intergeracional (Sampaio, 2018). Segundo Matos (2020), tem-se, de facto, evoluído no sentido do respeito interpessoal entre pais e filhos, onde ambos estão mais informados e empenhados na sua relação.
Segundo Machado (2015), um aspeto importante que se desenvolve ainda na infância e na adolescência e, por isso, no seio familiar, é a resiliência. Esta surge como um mecanismo normal de adaptação humana, pela aquisição da capacidade de mobilizar recursos internos e externos de retorno ao normal, perante circunstâncias ameaçadoras.
As autoras Maurovića et al. (2020) referem que as pesquisas nos últimos cinquenta anos se têm focado predominantemente no indivíduo, posicionando a família e, mais tarde, a comunidade, como o ambiente de apoio ou perturbação para os resultados individuais de resiliência.
Foram surgindo, ao longo do tempo, novos conceito e modelos teóricos como o Modelo ABCX (Hill, 1949), o modelo duplo ABCX (McCubbin, 1993), e o Modelo de FAAR (Patterson, 2002) onde aprofundaram o estudo das crises familiares como momento de risco. Desenvolveu-se, assim, o conceito de “resiliência familiar”, relacionando-a com a forma como as famílias ultrapassam os eventos adversos, tornando-se, deste modo, mais forte e com mais recursos, permitindo concetualizar o momento de crise familiar como oportunidade de mudança, crescimento e transformação. As famílias lidam com momentos de crise ao longo de todo o ciclo evolutivo, e cada vez mais devido às mudanças sociais, económicas, políticas e climáticas a que estão sujeitas (Walsh, 2016).
A resiliência familiar é um constructo que pode ser entendido, segundo McCubbin e McCubbin (1993), como um conjunto de padrões positivos de comportamento e aptidão funcional que os sujeitos e a unidade familiar apresentam quando submetidos a circunstâncias stressantes ou adversas. Estes padrões positivos permitem à família adquirir habilidades para recuperar e resgatar a sua integridade e o seu bem-estar familiar, acrescentando ao modelo, anteriormente proposto por Hill, os esforços que os membros da família fazem para se adaptar, existindo assim uma fase pré-crise, a crise e uma fase pós-crise.
Também Hawley e DeHann (1996) defendem esta perspetiva de que a resiliência familiar descreve o caminho percorrido pela família no sentido de se adaptar e prosperar diante de situações de stresse, tanto no presente como ao longo do tempo. Famílias resilientes respondem positivamente a estes contextos de uma maneira singular, dependendo da situação, do nível de desenvolvimento, da interação resultante da combinação entre mecanismos de risco, de proteção e de esquemas compartilhados.
De acordo com Walsh (1998), o conceito de resiliência familiar assenta numa perspetiva relacional inserida num sistema familiar que até então tinha sido ignorada. A família é agora vista como uma unidade funcional assente sobre processos interrelacionais. Assim sendo, foi possível não só identificar os recursos potenciais das famílias em termos de rede familiar e de comunidade alargada, mas também perceber a forma como são vivenciadas as experiências em diferentes etapas do ciclo de vida, no seio de uma mesma família, e a forma como essas experiências afetam as diferentes gerações (Walsh, 1998).
Um estudo realizado por Tombeta e Guzzo (2002), numa escola de adolescentes, revelou como mecanismos de risco para a resiliência familiar o baixo nível de escolaridade dos pais, o desemprego, a renda familiar baixa, a falta de infraestrutura básica nas habitações e um alto índice de aglomeração nas casas.
Tendo como base os modelos de tensão familiar, Walsh (2005, p. 263) operacionaliza a teoria de resiliência familiar, referindo que “o foco em resiliência na família deve procurar identificar e implementar os processos-chave que possibilitem que as famílias não só lidem mais eficientemente com situações de crise ou stresse permanente, mas saiam delas fortalecidas”. Esta autora, ao defender que a resiliência familiar envolve processos-chave, fundamenta a sua abordagem denominada “funcionamento familiar afetivo”, sugerindo que esses processos-chave incluem o sistema de crenças (dar significado aos problemas ou situações adversas, ter um olhar positivo sobre o problema, espiritualidade), padrões de organização (ter flexibilidade, coesão e recursos sociais e económicos para lidar com o problema ou situação adversa) e, por último, processos de comunicação (comunicação clara, aberta, liberdade de expressão emocional e colaboração entre membros da família para a solução do problema ou situação adversa).
Partindo dos pressupostos apresentados Walsh (2016) propôs uma definição de resiliência familiar que diz respeito à capacidade de a família resistir e emergir da adversidade fortalecida e com mais recursos. A autora defende ainda que, diferentemente de outras definições de resiliência, existem processos transacionais e interfamiliares empregados para lidar com circunstâncias desafiantes.
Os autores, Maurovića et al. (2020) enumeraram como fatores protetores do funcionamento familiar a coesão, flexibilidade de comunicação e resolução de problemas, a resistência da família, a espiritualidade, um rendimento estável e uma habitação adequada.
Com este estudo propõe-se obter maior conhecimento sobre as forças e processos de resiliência das famílias com filhos adolescentes, de modo a perceber a sua relação com a vida desses adolescentes, permitindo prestar cuidados de enfermagem individualizados e personalizados aos jovens inseridos nos diversos contextos familiares.
Neste sentido o presente estudo insere-se, assim, nas competências do Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, nomeadamente, a capacidade de contribuir para a promoção do conhecimento sobre a adolescência e as suas necessidades de cuidados, de forma a proporcionar o acesso equitativo a cuidados de enfermagem, promovendo a saúde e bem-estar do adolescente e da sua família, respeitando os princípios de proximidade, parceria, capacitação e direitos humanos do adolescente, prestados numa abordagem holística, ética e culturalmente sensível (Ordem do Enfermeiros, 2018).
1. Métodos
No presente estudo, optou-se por desenvolver um estudo quantitativo descritivo-correlacional, combinando, assim as características destes dois tipos de estudo (estudo descritivo e estudo correlacional).
1.1 Objetivos do estudo
Define-se como objetivo geral do presente estudo:
analisar as características dos pais e dos adolescentes que estão relacionados com as forças e processos de resiliência das famílias com filhos adolescentes.
Como objetivos específicos delineou-se:
descrever as forças e processos de resiliência nas famílias com filhos adolescentes;
identificar as características dos pais e a comunicação na parentalidade que estão relacionadas com as forças e processos de resiliência nestas famílias;
identificar as características dos adolescentes que estão relacionadas com as forças e processos de resiliência da família.
1.2 Hipóteses
Foram definidas como hipóteses para o estudo:
H1 - As características dos pais e a comunicação na parentalidade estão relacionadas com as forças e processos de resiliência da família;
H2 - As características do adolescente estão relacionadas com as forças e processos de resiliência da família.
1.3 Variáveis
Variável principal:
A variável principal deste estudo é: as forças e processos de resiliência da família . A sua operacionalização fez-se através da escala desenvolvida e validada para a população portuguesa por Melo e Alarcão (2011) do Questionário de forças familiares. É um instrumento de autorrelato, construído para avaliar a perceção que as famílias têm das suas forças familiares. É constituída por 29 itens, avaliados num formato de Likert de 5 pontos em que: (1) Nada parecidas, (2) Pouco parecidas, (3) Mais ou menos parecidas, (4) Bastante parecidas e (5) Totalmente parecidas.
Variáveis secundárias:
Características do filho a que se refere o questionário que englobam os seguintes itens: idade do filho, sexo, nível de escolaridade e a perceção sobre a saúde do adolescente, a operacionalização fez-se através de perguntas abertas e fechadas.
Características dos pais, estas englobam os seguintes itens: parentesco, idade, tipo de família, nível de escolaridade dos pais, número de filhos, importância do enfermeiro especialista e a comunicação na parentalidade, a sua operacionalização realizou-se através de perguntas abertas e fechadas e através de uma escala Likert (Figura 1).
1.4 Amostra
Nesta investigação a população alvo é constituída por pais com filhos adolescentes a frequentar o ensino básico e secundário na faixa etária compreendida entre 14 e os 17 anos, baseada na classificação de Fonseca (2017) que denominou este período como adolescência média.
O método de amostragem utilizado foi não-probabilística por bola de neve constituída por pais de adolescentes entre os 14 e os 17 anos, em que a amostra é constituída por indivíduos facilmente acessíveis, que tenham um dispositivo eletrónico com acesso à internet e respondam adequadamente ao questionário na plataforma (Google-forms).
1.5 Instrumentos de recolha de dados
Uma vez que o objetivo do presente estudo é analisar as características dos pais e dos adolescentes que estão relacionados com as forças e processos de resiliência das famílias com filhos adolescentes, considerou-se vantajoso utilizar a técnica de inquérito por questionário.
O questionário deste estudo é constituído por: caracterização sociodemográfica, Questionário de Forças Familiares (Melo & Alarcão, 2011) e Escala de Avaliação da Comunicação na Parentalidade (COMPA-P) (Portugal & Alberto, 2014).
1.6 Procedimentos éticos e formais
O desenvolvimento desta investigação teve em consideração os aspetos ligados às questões éticas, pelo que, foi dirigido um pedido, às Sras. Professoras Madalena Alarcão e Ana Melo no sentido de autorizar a aplicação do questionário de Forças Familiares. Seguindo o mesmo procedimento foi enviado um pedido de autorização ao Grupo de Avaliação e Investigação sobre a Família (GAIF) da Faculdade de Psicologia e Ciência da Faculdade de Coimbra para aplicação da Escala de Avaliação da Comunicação na Parentalidade (COMPA-P). Após as respetivas autorizações iniciou-se a elaboração do questionário final do estudo.
Deste modo, desenvolveu-se um consentimento informado para os participantes, tendo como finalidade explicar o propósito da investigação, o objetivo do estudo, os procedimentos, a possibilidade de desistência em qualquer momento da investigação e a sua participação voluntária, tendo sido solicitado aos participantes a sua concordância em participar no estudo de forma livre.
1.7 Análise estatística
No que respeita ao tratamento dos dados, procedeu-se a uma análise estatística descritiva dos mesmos no sentido de descrever as caraterísticas da amostra, com a ajuda de testes estatísticos. Realizaram-se correlações de Pearson, Spearman e ponto bi-serial mediante a natureza das variáveis em estudo, de modo a verificar a relação entre as variáveis secundárias (comunicação na parentalidade, características familiares e características dos adolescentes) com a variável principal (forças e processos de resiliência). Por fim, também foram realizadas regressões lineares de modo a verificar a relação entre as variáveis secundárias (comunicação na parentalidade, características familiares e características dos adolescentes) e a variável principal (forças e processos de resiliência da família).
2. Resultados
Ao analisar as variáveis relacionadas com os progenitores, verificou-se que não existiam relações estatisticamente significativas entre as dimensões da escala das Forças e Processos de Resiliência da Família e a variáveis relacionadas com as características parentais (Tabela 1).
Características Forças Familiares | Idade | Pai/Mãe | Escolaridade | Nº de filhos |
---|---|---|---|---|
Organização familiar positiva | -0.05 | .063 | -.003 | .111 |
Crenças familiares positivas | -0.63 | .060 | -.105 | .047 |
Gestão positiva e suporte familiar | 0.03 | .032 | -.023 | .066 |
Emoções positivas | -0.08 | -.009 | -.062 | .022 |
Já ao nível das variáveis relacionadas com o adolescente constatou-se que apenas o Estado de Saúde e as dimensões da escala de Forças e Processos de Resiliência da Família apresentavam relações positivas e estatisticamente significativas. Estas relações são fracas, com exceção da dimensão Emoções Positivas na qual se registou uma relação moderada (r=.371, p < .01). As restantes relações não se revelaram estatisticamente significativas (Tabela 2).
Características Forças Familiares | Idade | Sexo | Escolaridade | Estado de Saúde |
---|---|---|---|---|
Organização familiar positiva | -.0145 | -.080 | -.079 | .238* |
Crenças familiares positivas | -.151 | -.060 | -.098 | .206* |
Gestão positiva e suporte familiar | -.066 | .032 | .034 | .201* |
Emoções positivas | -.072 | -.009 | -.073 | .371** |
** p < .01; * p < .05
Por fim, de modo a explorar a capacidade de predição das dimensões da escala de avaliação da comunicação na parentalidade, bem como da saúde do adolescente, nas forças e processos de resiliência familiar, realizou-se uma análise de regressão linear. Os resultados revelaram que o modelo é significativo e explica 36.3% da variância total da Escala de Forças e processos da resiliência familiar [F (3, 114) = 22.631; p =.000; Rajustado 2 = .357]. Os coeficientes de regressão estandardizados revelaram que a Metacomunicação (β = .347; p = .001), a confiança de pais para filhos (β = .250; p = .020) e a saúde do adolescente (β = .220; p = .004) são preditores significativos dos processos de resiliência familiar, sendo a Metacomunicação o preditor mais forte (Tabela 3).
R2 | Rajust 2 | F | p | B | β | t | p | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
.373 | .357 | 22.631 | .000 | |||||
Metacomunicação | 1.438 | .347 | .3.263 | .001 | ||||
Confiança de pais para filhos | 1.145 | .250 | 2.364 | .020 | ||||
Saúde do adolescente | 5.259 | .220 | 2.952 | .004 |
Ao analisar a relação entre a comunicação parental e as forças e processos de resiliência da família, verificou-se a existência de relações positivas estatisticamente significativas. Estas relações variam em intensidade entre moderadas a fortes, segundo. Assim, verificaram-se relações positivas fortes entre as Crenças familiares positivas e a expressão de afeto e apoio emocional (r=.537, p < .01), a Metacomunicação (r=.554, p < .01), a Confiança/partilha comunicacional de pais para filhos (r=.548, p < .01) e a Confiança/partilha comunicacional de filhos para pais (r=.516, p < .01). Também a Metacomunicação registou relações positivas fortes com as Emoções Positivas (r=.523, p < .01). As restantes relações observadas são positivas moderadas (Tabela 4).
Forças familiares COMPA-P | Organização familiar positiva | Crenças familiares positivas | Gestão positiva e suporte familiar | Emoções positivas |
---|---|---|---|---|
Expressão do afeto e apoio emocional | .455** | .537** | .406** | .438** |
Disponibilidade parental para a comunicação | .329** | .406** | .322** | .357** |
Metacomunicação | .501** | .554** | .472** | .523** |
Confiança/partilha comunicacional de pais para filhos | .459** | .548** | .441** | .437** |
Confiança/partilha comunicacional de filhos para pais | .460** | .516** | .398** | .468** |
** p < .01
3. Discussão
Na amostra deste estudo a maioria dos inquiridos foram mães, com famílias nucleares que possuem habilitações literárias ao nível do ensino superior, predominantemente com 2 filhos.
Em relação à caraterização dos adolescentes houve uma distribuição equitativa entre rapazes e raparigas, metade destes adolescentes frequenta o ensino secundário e a outra metade o 3º ciclo do ensino básico, sendo que, em relação à sua saúde, os pais inquiridos percecionam que os filhos possuíam uma boa/excelente saúde.
Em relação à H1 - As características dos pais e a comunicação na parentalidade estão relacionadas com as forças e processos de resiliência da família. As características sociodemográficas parentais não possuem qualquer relação com as forças e processos de resiliência da família, no entanto, em relação à comunicação na parentalidade (expressão de afeto e apoio emocional, disponibilidade parental para a comunicação, metacomunicação, confiança/partilha comunicacional de progenitores para filhos e confiança/partilha comunicacional de filhos para progenitores) verificou-se que as dimensões da COMPA-P se relacionam de forma positiva com as dimensões da escala de forças e processos de resiliência da família. De igual modo, o modelo de regressão evidencia esta relação, demonstrando que as dimensões metacomunicação e a confiança/partilha comunicacional de progenitores para filhos ajudam a explicar a perceção dos processos de resiliência na família pelo que, aceitamos deste modo a hipótese 1. De salientar, contudo, que alguns estudos referem que a escolaridade dos pais está relacionada com a resiliência familiar. No estudo de Tombeta e Guzzo (2002), a escolaridade dos pais constitui um fator de risco para um nível baixo de resiliência familiar. Contudo, no presente estudo esta associação não se verificou. Uma possível justificação para este resultado, diz respeito à amostra, a qual é maioritariamente constituída por pais e mães com uma escolaridade igual ou superior ao Ensino Secundário.
Estudos apontam que a comunicação é fundamental para as famílias manterem ou progredirem no seu nível de resiliência (Walsh, 2005). Esta autora, afirma que um destes processos-chave é, de facto a comunicação. Esta comunicação deve ser clara, aberta, permissiva em termos de permitir a cada membro da família expressar-se emocionalmente e onde todos possam colaborar de forma a haver uma interajuda de todos os membros da família para a resolução do problema ou situação adversa (Walsh, 1998). Também Maurovića, et al (2020), concordam com o fato de a comunicação ser um fator essencial na promoção/manutenção da resiliência, ao defenderem-no como fator protetor da resiliência e funcionamento familiar.
No que diz respeito à H2 - As características do adolescente estão relacionadas com as forças e processos de resiliência da família), contatou-se que apenas o estado de saúde do adolescente possui influência sobre as dimensões da escala de forças e processos de resiliência familiar. De facto, os estudos de Suzuki et al. (2018) e Caldwell, et al (2018) verificaram que elevados níveis de resiliência familiar estavam associados a melhorias do estado de saúde da família (pais e filhos) e também a melhorias ao nível dos cuidados de saúde prestados a outro membro da família. Lagarelhos (2012), no seu estudo sobre stress, coping e qualidade de vida familiar, baseado em várias investigações realizadas fez uma análise das variáveis mais estudadas na avaliação do stress familiar destacando-se a doença crónica, seguida das etapas do ciclo vital, as diferenças de género e as variações ao ciclo vital da família (variações/formas familiares).
Os resultados obtidos sugerem que os pais inquiridos são capazes de percecionar as forças da sua família, bem como as suas capacidades familiares para enfrentarem as transformações durante a adolescência dos seus filhos.
Assim constatou-se em relação à comunicação na parentalidade, que as dimensões metacomunicação definida como a capacidade de os pais utilizarem uma comunicação esclarecedora evitando estratégias manipulativas e de controlo e a confiança/partilha comunicacional de progenitores para filhos que expressa a partilha equilibrada de questões e problemas pessoais sobre trabalho, relacionamento, amizades e família estão relacionadas de uma forma positiva com as forças e os processos de resiliência no seio familiar. Em relação a este estudo verifica-se que, o estado de saúde dos adolescentes tem impacto nos processos de resiliência das famílias. Constata-se que o estado de saúde dos adolescentes, bem como a comunicação parental possuem um impacto significativo na resiliência da família, contribuindo para o seu aumento ou manutenção.
Assim, verifica-se que, famílias com maior capacidade para implementar os processos de resiliência familiar têm uma maior competência para manter a saúde e bem-estar dos seus membros.
Conclusão
A família passa por diversas etapas e crises ao longo do seu ciclo vital. De modo a lidar de forma positiva com essas situações é importante que a própria família desenvolva a sua capacidade de resiliência. Existem muitos mecanismos que podem influenciar a perceção que a família tem da sua resiliência familiar.
O facto de estar presente na vida dos filhos, mostrar disponibilidade e flexibilidade na comunicação e confiança é fundamental, permitindo-lhes negociar os seus pontos de vista e desenvolver sentimentos positivos, contribuindo para uma melhor comunicação na parentalidade.
O presente estudo pretende contribuir para um conhecimento mais profundado das famílias com filhos adolescente, acreditando-se que os resultados obtidos possam ser úteis para a compreensão das dinâmicas familiares, para que se possa intervir nomeadamente nos serviços de saúde que estão mais próximos destas famílias, contribuindo desta forma para promover a comunicação parental e a resiliência familiar.
O enfermeiro deve estar preocupado com a promoção da resiliência familiar, uma vez que esta pode afetar o estado de saúde dos membros da família. Ao favorecer a resiliência familiar está a fomentar a saúde familiar e consequentemente a saúde do adolescente na medida em que, a resiliência permite aos indivíduos adaptarem-se às situações adversas, lidando de forma mais positiva com estas e podendo aderir mais facilmente às terapêuticas instituídas. É necessário reconhecer as competências do EEESIP no sentido de fomentar escolhas conscientes e estilos de vida saudáveis nos adolescentes.
Dentro dos estabelecimentos de saúde, considera-se importante consciencializar as equipas multidisciplinares para a necessidade de promover a resiliência familiar, nomeadamente identificando os casos em que a dificuldade de comunicação na parentalidade e a baixa resiliência familiar estão presentes na vida do adolescente. Por outro lado, pais e adolescentes, deverão ser encaminhados para redes de apoio especializado permitindo dar uma resposta adequada às necessidades dos adolescente e famílias.
Sendo a escola um dos principais locais de socialização dos adolescentes, seria vantajoso que se desenvolvessem metodologias que permitissem a intervenção a nível familiar, nomeadamente nas aulas de cidadania e associações de pais, no sentido de sensibilizar alunos e pais para a necessidade de uma comunicação parental assertiva, promovendo, deste modo, a resiliência no seio familiar e consequentemente a saúde do adolescente.
Desta forma poder-se-á contribuir para que a adolescência seja vista como uma etapa normal do desenvolvimento, e não como um problema para a família.
Contribuições dos autores
Conceptualização, C.S. e A.J.; tratamento de dados, C.S. e A.J.; análise formal C.S. e A.J.; investigação C.S. e A.J.; metodologia C.S. e A.J.; administração do projeto, C.S. e A.J.; recursos, C.S. e A.J.; programas, C.S. e A.J.; supervisão, C.S. e A.J.; validação C.S. e A.J.; visualização, C.S. e A.J.; redação - preparação do rascunho original, C.S. e A.J.; redação - revisão e edição, C.S. e A.J.