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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.20 Coimbra mar. 2019
https://doi.org/10.12707/RIV18068
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Gestão do regime farmacológico em doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica
Management of the pharmacological treatment in patients with chronic obstructive pulmonary disease
Gestión del régimen farmacológico en pacientes con enfermedad pulmonar obstructiva crónica
Celeste Bastos*
https://orcid.org/0000-0001-5907-6702
Sílvia Vieira**
https://orcid.org/0000-0003-2650-1455
Lígia Lima***
https://orcid.org/0000-0003-4556-0485
* Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072, Porto, Portugal [cbastos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072, Porto, Portugal.
** MSc., Enfermeira, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E., Avenida do Hospital Padre Américo, 210, 4564-007, Penafiel, Portugal [silvia_vieira3@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; análise de dados e discussão.
*** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, Rua Dr. António Bernardino de Almeida, 4200-072, Porto, Portugal [ligia@esenf.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão, revisão do artigo.
RESUMO
Enquadramento: A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) é uma doença crónica e incapacitante, cujo regime terapêutico inclui medicação por via inalatória. A evidência revela uma baixa adesão terapêutica, o que pode potenciar o agravamento da doença.
Objetivos: Estudar a adesão e a competência percebida das pessoas para cumprirem o regime de tratamento da DPOC e avaliar o seu conhecimento sobre o uso de inaladores.
Metodologia: Estudo quantitativo e transversal. Participaram 45 pessoas com DPOC. Utilizou-se a Escala de Adesão aos Medicamentos, a Escala de Competência Percebida e um questionário sobre o uso de inaladores.
Resultados: Os participantes relataram uma boa adesão ao regime medicamentoso e reportaram um elevado grau de perceção de competência para manter o regime de tratamento da DPOC. No entanto, revelaram poucos conhecimentos sobre o uso dos inaladores e a técnica inalatória, o que compromete a eficácia dos planos terapêuticos instituídos e potenciam o agravamento da condição clínica.
Conclusão: Este estudo sugere que sejam desenvolvidos cuidados de enfermagem centrados nos conhecimentos e no treino da técnica inalatória.
Palavras-chave: doença pulmonar obstrutiva crónica; adesão à medicação; competência percebida; inaladores
ABSTRACT
Background: Chronic obstructive pulmonary disease (COPD) is a chronic and incapacitating disease, whose regimen includes inhalation medication. The evidence shows a low adherence, which may increase the aggravation of the disease.
Objectives: To study the adherence and the perceived competence of people to comply with the treatment regimen of COPD and evaluate their knowledge on the use of inhalers.
Methodology: Quantitative and cross-sectional study, whose participants were 45 people with COPD. We used the Medication Adherence Rating Scale (MARS), the Perceived Competence Scale (PCS), and a questionnaire on the use of inhalers.
Results: Participants reported good adherence to the medication regimen and reported a high degree of perception of competence to maintain the treatment regimen of COPD. However, they manifested little knowledge about the use of inhalers and the inhalation technique, which compromises the effectiveness of the established therapeutic plans and exacerbate the deterioration of the clinical condition.
Conclusion: This study suggests that nursing care should be developed with a focus on knowledge and training in the inhalation technique.
Keywords: pulmonary disease, chronic obstructive; medication adherence; perceived competence; inhalers
RESUMEN
Marco contextual: La enfermedad pulmonar obstructiva crónica (EPOC) es una enfermedad crónica e incapacitante cuyo régimen terapéutico incluye medicación por vía inhalatoria. La evidencia muestra una baja adhesión terapéutica, lo que puede potenciar el empeoramiento de la enfermedad.
Objetivos: Estudiar la adhesión y la competencia percibida de las personas para que cumplan el régimen de tratamiento de la EPOC y evaluar su conocimiento sobre el uso de inhaladores.
Metodología: Estudio cuantitativo y transversal en el que participaron 45 personas con EPOC. Se utilizó la Escala de Adhesión a los Medicamentos, la Escala de Competencia Percibida y un cuestionario sobre el uso de inhaladores.
Resultados: Los participantes indicaron una buena adhesión al régimen de medicamentos y un elevado grado de percepción de la competencia para mantener el régimen de tratamiento de la EPOC. Sin embargo, mostraron pocos conocimientos sobre el uso de inhaladores y la técnica inhalatoria, lo que compromete la eficacia de los planes terapéuticos instituidos y potencia el empeoramiento del estado clínico.
Conclusión: Este estudio sugiere que se desarrollen cuidados de enfermería centrados en los conocimientos y en el entrenamiento de la técnica inhalatoria.
Palabras clave: enfermedad pulmonar obstructiva crónica; cumplimiento de la medicación; competencia percibida; inhaladores
Introdução
A doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) representa um importante desafio para a saúde pública pois, segundo a Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD, 2018), representa a quarta causa de mortalidade a nível mundial e uma morbilidade elevada. Em Portugal, um estudo realizado na zona metropolitana de Lisboa estima uma prevalência da doença de 14,2% em pessoas com 40 ou mais anos de idade (Bárbara et al., 2013).
A DPOC carateriza-se por ser uma doença complexa e progressiva, com um forte impacto social e nos cuidados de saúde (GOLD, 2018). Tem custos económicos elevados, uma vez que o regime terapêutico é complexo e dispendioso, e há necessidade de cuidados de saúde regulares, bem como de hospitalizações frequentes por agravamento da situação clínica.
O regime de tratamento da DPOC inclui terapêuticas não farmacológicas (alimentação, exercício físico, evicção tabágica, reabilitação respiratória, entre outras) e terapêuticas farmacológicas (broncodilatadores, anti-inflamatórios, mucolíticos, entre outros; GOLD, 2018). A administração dos fármacos por inalação é a via preferencial e mais recomendada no tratamento farmacológico sintomático da DPOC, uma vez que tem uma ação direta nas vias aéreas e associa-se a uma menor incidência de efeitos secundários (GOLD, 2018). No entanto, o repertório de conhecimentos e competências exigidos neste tipo de terapêutica é considerado complexo, dada a multiplicidade de fármacos, a existência de diferentes dispositivos e as especificidades no seu manuseamento e aplicação (Price et al., 2018), aspetos que concorrem para dificultar a autoadministração.
Vários estudos referem a baixa adesão à terapia inalatória e o uso incorreto dos inaladores pelas pessoas com DPOC (Melani & Paleari, 2016; Sriram & Percival, 2016). Há ainda evidência de que a não adesão ou as falhas na técnica inalatória podem comprometer o controlo dos sintomas e potenciar o agravamento da situação clínica (Bryant, Bang, Chew, Baik, & Wiseman, 2013; Melani & Paleari, 2016; Price et al., 2018).
A competência percebida é uma variável motivacional que tem sido identificada como um fator preditivo de comportamentos promotores de saúde (Almeida, 2013), nomeadamente de adesão ao regime terapêutico (Rocha, 2017).
Atualmente, de acordo com a GOLD (2018), a DPOC é uma doença comum, prevenível e tratável. É neste âmbito que se justifica a realização de um estudo com a finalidade de desenvolver o conhecimento sobre a gestão do regime farmacológico pela pessoa com DPOC.
Foram objetivos do estudo avaliar o nível de adesão e a competência percebida das pessoas para cumprirem o regime de tratamento da DPOC e explorar a relação entre estas duas variáveis. Pretendeu-se ainda estudar o conhecimento que as pessoas com DPOC detêm sobre o uso de inaladores.
Enquadramento
A DPOC é uma doença caraterizada pela presença de sintomas respiratórios persistentes (dispneia, tosse crónica e/ou hipersecreção brônquica) e pela limitação progressiva ao fluxo de ar, devido a alterações alveolares e/ou das vias aéreas. O principal fator de risco para o desenvolvimento da doença é a exposição a partículas e/ou gases nocivos (GOLD, 2018).
Em virtude da sua condição de cronicidade, a pessoa com DPOC confronta-se com múltiplas exigências, desde a experiência de sintomas debilitantes (Jácome, Marques, Gabriel, Cruz, & Figueiredo, 2015), passando pelo regime terapêutico complexo (GOLD, 2018), na sua diversidade farmacológica e não farmacológica.
A literatura identifica a complexidade do regime terapêutico como um dos fatores dificultadores da adesão ao tratamento, por exemplo, em pessoas pós-transplante renal (Gonçalves, Reveles, Martins, Rodrigues, & Rodrigues, 2016) e em pessoas com DPOC (Blackstock, ZuWallack, Nici, & Lareau, 2016).
A terapia inalatória é uma das recomendações centrais do regime farmacológico na DPOC, a qual exige o domínio do manuseamento dos inaladores (Aguiar et al., 2017; Melani & Paleari, 2016; Pothirat et al., 2015). Torna-se assim imperativo que a pessoa com DPOC seja apoiada pelos profissionais de saúde, no sentido de se consciencializar das vantagens da adesão farmacológica, bem como de adquirir mestria na sua implementação (Aguiar et al., 2017; Price et al., 2018). Desta forma, poderá garantir um melhor controlo da doença e das repercussões desta na sua vida, processo este que se denomina de autogestão (Lorig & Holman, 2003).
Na literatura são vários os indicadores de um processo de autogestão eficaz. Neste estudo selecionaram-se os seguintes indicadores: a adesão terapêutica, a competência percebida e os conhecimentos sobre o regime farmacológico (uso de inaladores).
A adesão terapêutica envolve a avaliação do grau em que a pessoa cumpre o tratamento farmacológico e não farmacológico. Em relação ao tratamento farmacológico, descreve o comportamento face ao regime medicamentoso prescrito, nomeadamente se a pessoa cumpre as orientações dadas pelo profissional de saúde que o prescreveu ou em que medida ajusta ou altera as dosagens prescritas (Pereira & Silva, 1999).
A competência percebida, conceito idêntico à autoeficácia, é definida como a perceção que a pessoa tem da sua capacidade para iniciar e/ou manter determinado comportamento favorável à sua saúde (Almeida, 2013; Rocha, 2017), como por exemplo, cumprir o regime de tratamento da DPOC.
A aquisição de conhecimentos em relação aos dispositivos de inalação e à técnica de aplicação dos diferentes fármacos, é essencial para garantir a adesão ao tratamento na DPOC e a aquisição de mestria na aplicação dos inaladores (Price et al., 2018).
São diversos os medicamentos administrados por via inalatória e pode tornar-se pertinente a combinação de medicamentos com diferentes mecanismos e tempos de ação, na medida em que é simplificado o regime posológico e reduzidos os efeitos secundários (GOLD, 2018).
Existem essencialmente quatro tipos de dispositivos para aplicação do medicamento a inalar: o inalador pressurizado (pressurized metered dose inhaler - MDI), o inalador de pó seco (dry powder inhalers - DPI) e o inalador de névoa suave (soft mist inhaler - SMI) e ainda os nebulizadores (Aguiar et al., 2017). Há instruções específicas para cada dispositivo, não existindo nenhum que não careça de uma explicação prévia sobre o seu uso, motivo pelo qual o treino individualizado é relevante a fim de capacitar a pessoa para uma correta autoadministração (GOLD, 2018). No artigo de Aguiar et al. (2017), é fornecida informação sobre os diferentes inaladores e respetiva técnica inalatória, existindo aspetos comuns na aplicação dos diferentes dispositivos, nomeadamente: é importante fazer uma expiração forçada, prévia à inalação, para esvaziar todo o ar contido nos pulmões; após a inalação deve-se efetuar uma pausa respiratória de cerca de 10 segundos, de forma a garantir a penetração do fármaco nas vias aéreas; após a administração de corticosteroides deve-se lavar a cavidade bucal sem deglutir a água; e deve-se garantir a higienização do dispositivo inalatório.
A correta utilização do inalador é de máxima importância para garantir a administração eficaz da terapêutica (Bryant et al., 2013; Pothirat et al., 2015; Sriram & Percival, 2016). De acordo com os participantes no estudo de Molimard e Colthorpe (2015), os dispositivos com menos passos para operar, acionados pela respiração e que garantem a confirmação da entrega do fármaco, são os inaladores mais fáceis de usar e os preferidos pelos utilizadores. Noutro estudo, os doentes instruídos sobre a técnica inalatória, por profissionais de saúde, sentiram-se confiantes relativamente à aplicação do inalador e da dose correta, enquanto que os doentes que não foram instruídos mostravam-se inseguros em relação à dose e repetiam a aplicação com risco de sobredosagem (Price et al., 2018).
Há evidência da utilização incorreta dos inaladores pelos doentes (Bryant et al., 2013; Melani & Paleari, 2016; Pothirat et al., 2015; Sriram & Percival, 2016) e a baixa adesão ao tratamento inalatório também é frequente (Pothirat et al., 2015).
Vários são os erros identificados na execução da técnica inalatória, nomeadamente: fluxo inspiratório errado; incumprimento do tempo da inalação; má coordenação entre a inalação e a administração; falhas na preparação da dose, na expiração forçada anterior à inalação e na suspensão da respiração durante a inalação (GOLD, 2018).
A utilização incorreta dos inaladores associa-se ao agravamento dos sintomas e da condição clínica (Melani & Paleari, 2016; Riley & Krüger, 2017). Todavia, a demonstração da técnica inalatória pelos profissionais de saúde, seguida de treino pelos doentes, mostrou ser eficaz na aquisição de competências para a autoadministração dos inaladores (Hickey et al., 2017; Price et al., 2018). A execução da técnica deve ser avaliada regularmente a fim de garantir a mestria ao longo do tempo (Azzi, Srour, Armour, Rand, & Bosnic-Anticevich, 2017).
Questões de Investigação
Em que medida as pessoas com DPOC aderem ao regime medicamentoso?
Em que medida é que as pessoas se sentem competentes para seguir o regime de tratamento da DPOC?
Qual é o tipo de relação entre a adesão aos medicamentos e a competência percebida para cumprir o regime de tratamento da DPOC?
Qual o conhecimento que as pessoas com DPOC detêm sobre o uso de inaladores?
Metodologia
Realizou-se um estudo descritivo e transversal. A população em estudo foram as pessoas com diagnóstico de DPOC, residentes numa região do norte de Portugal. Foi constituída uma amostra de conveniência de 45 pessoas internadas no serviço de medicina interna de uma instituição hospitalar do distrito do Porto, no período de 10 de fevereiro a 10 de maio de 2017. Para a seleção dos participantes foram usados os seguintes critérios de inclusão: a) diagnóstico médico de DPOC; b) motivo de internamento ser o agravamento da função respiratória; c) idade igual ou superior a 18 anos; d) sem défices cognitivos identificados; e) aceitar participar no estudo, de forma livre e esclarecida.
O estudo realizou-se com pessoas que no momento se encontravam hospitalizadas, para facilitar o acesso a esta população, uma vez que na instituição hospitalar de referência nessa região do país não existe uma consulta específica para as pessoas com DPOC, que contemple a gestão do regime terapêutico. No entanto, a avaliação da adesão, da competência percebida e dos conhecimentos sobre o uso de inaladores, reporta-se ao contexto do domicílio, antes do internamento. De salientar ainda que, durante o internamento hospitalar, a medicação que o doente cumpria no domicílio era substituída por medicação hospitalar, a qual era gerida e administrada pelos profissionais de saúde.
Para a recolha dos dados foi utilizado um formulário, o qual incluiu os seguintes instrumentos: a) Questionário sociodemográfico e de saúde; b) Escala de Adesão aos Medicamentos (EAM) adaptada para a população portuguesa por Pereira e Silva (1999), composta por quatro itens subdivididos em dois grupos, numa escala tipo Likert de cinco pontos, em que a ponderação final é obtida através da soma dos quatro itens, variando os scores entre 4 e 20, sendo que a valores mais elevados correspondem maiores níveis de adesão; c) Escala de Competência Percebida (ECP), adaptada para a população portuguesa por Almeida (2013), a qual é composta por quatro itens, numa escala do tipo Likert que se estende de 1 (nada verdadeira) a 7 (totalmente verdadeira), na qual o resultado é obtido através da média da resposta aos 4 itens, sendo que, quanto mais elevado o valor, mais competente se sente a pessoa para seguir o comportamento em avaliação; d) Questionário sobre o uso de inaladores e avaliação dos conhecimentos sobre a técnica inalatória, construído para este estudo, o qual incluiu questões sobre o número de inaladores utilizados e identificação dos mesmos por parte do doente, ensinos recebidos sobre a utilização dos inaladores e supervisão da técnica inalatória e, ainda, uma questão aberta para descrição livre da técnica inalatória. Não foi observada a autoadministração dos inaladores, porque esta terapêutica não estava prescrita durante o internamento e não existiu disponibilidade de dispositivos para simular a técnica inalatória.
A recolha de dados ocorreu durante o internamento hospitalar, tendo sido cumpridos os requisitos éticos, nomeadamente, a autorização do estudo pela Comissão de Ética da instituição e o consentimento livre e esclarecido dado pelos participantes no estudo.
Resultados
A maioria dos participantes era do sexo masculino (86,7%) e apenas seis participantes eram do sexo feminino (13,3%), com idades compreendidas entre os 46 e os 87 anos (M = 70,9; DP = 11,9). Quanto ao estado civil, a maioria dos participantes (73,3%) era casado ou vivia em união de facto. Os participantes apresentavam uma média de 4,4 anos de escolaridade (DP = 2,2 anos), com o mínimo de um ano de escolaridade e o máximo de 16 anos de escolaridade. Relativamente à situação profissional, a maioria encontrava-se aposentada (75,6%) e apenas oito participantes estavam empregados. O diagnóstico de DPOC, da maioria dos participantes, não estava confirmado por espirometria, nem obedecia à classificação GOLD.
Os participantes apresentaram valores de adesão aos medicamentos ligeiramente acima do nível médio (Tabela 1), o que traduz uma boa adesão à toma dos medicamentos prescritos. Em relação à competência percebida, a média de 5,2 (DP = 1,6), traduz um elevado grau de perceção de competência (Tabela 1), isto é, os participantes sentem confiança na sua capacidade para manter o regime de tratamento da DPOC.
A fim de determinar a força e sentido da associação entre as variáveis adesão aos medicamentos e competência percebida, aplicou-se o coeficiente de correlação de Pearson (r). O resultado da correlação foi elevado e muito significativo (r = 0,68; p = 0,0001; Pallant, 2010), o que significa que os participantes que relataram maiores níveis de adesão foram os que se percecionaram como mais capazes para gerirem o regime de tratamento da DPOC.
Relativamente à terapia inalatória, os inaladores são usados por 32 participantes (71,1%), sendo que os restantes 13 participantes (28,9%) não se encontram medicados com terapia inalatória. Os participantes medicados com inaladores cumprem esta terapêutica, em média, há 4,2 anos (DP = 3). A maioria dos participantes estava medicada com dois inaladores (53,1%), sendo que 21 participantes (65,6%) identificaram todos os inaladores, no entanto, seis participantes (18,8%) não conseguiram identificar nenhum dos inaladores. É consensual entre todos os participantes que os inaladores são de fácil utilização (100%) e consideram também que executam a técnica de forma correta (100%), mesmo os participantes que não identificaram os inaladores que aplicavam. O primeiro ensino foi da responsabilidade do médico em 90,6% dos casos, e em relação à supervisão da autoadministração dos inaladores, apenas dez das pessoas (37%) receberam supervisão por um profissional de saúde. A maioria dos participantes (93,8%) não demonstrou interesse em receber outro tipo de apoio relativamente ao uso de inaladores, apenas dois participantes (6,3%) mostraram interesse em receber informação escrita.
A aplicação dos inaladores constitui uma técnica complexa, dada a multiplicidade de fármacos, a existência de diferentes tipos de inaladores e as especificidades na sua aplicação. De forma a apurar se efetivamente a autoadministração dos inaladores era efetuada de forma correta, introduziu-se uma questão de resposta aberta onde se solicitava aos participantes a descrição da técnica inalatória utilizada no domicílio, uma vez que, durante o internamento, os doentes não estavam medicados com inaladores e não foi possível utilizar dispositivos de simulação para observar a autoadministração. Através da análise de conteúdo das respostas obtidas, constatou-se défice de conhecimentos relativamente à técnica inalatória em praticamente todos os participantes (30 num total de 32 pessoas), maioritariamente relacionado com “não efetuar a expiração forçada antes de proceder à inalação” e/ou “não suster a respiração durante aproximadamente 10 segundos após a inalação”. Apenas um participante disse que procedia à higienização oral após a aplicação do inalador e nenhum dos participantes higienizava o inalador após a inalação.
Discussão
Neste estudo, realizado com pessoas internadas em unidades hospitalares de medicina, por agudização da sua condição crónica de DPOC, a maioria dos participantes são homens, com uma média de idades de 70,9 anos, reformados, casados e com baixa escolaridade. As características aqui enunciadas assemelham-se às de outros estudos, realizados em Portugal, em pessoas com DPOC, servindo de exemplo o estudo de Jácome et al. (2015). Um número significativo de doentes encontrava-se medicado com terapia inalatória no domicílio, no entanto, não foi possível conhecer a gravidade da condição clínica, uma vez que não existiam registos com estadiamento da doença de acordo com a classificação GOLD. É ainda de referir que, na maioria dos casos, o diagnóstico clínico não foi confirmado por espirometria, como preconizado pelas guidelines da GOLD (2018).
No que concerne à adesão à medicação, os participantes situam-se ligeiramente acima do nível médio de adesão, no entanto, ressalva-se que o questionário utilizado se refere à adesão aos medicamentos e não apenas à terapêutica inalatória. Talvez seja essa a razão porque o resultado do presente estudo se afasta da evidência de que a adesão tende a ser baixa quando o regime terapêutico é complexo (Gonçalves et al., 2016) e especificamente em pessoas com DPOC submetidas a terapia inalatória (Melani & Paleari, 2016; Sriram & Percival, 2016). Uma particularidade da doença que pode explicar os valores de adesão encontrados, é a presença constante de sintomas desconfortáveis e mesmo incapacitantes, que pode constituir simultaneamente um alerta e um reforço para a toma da medicação. É também importante referir que a população do estudo era maioritariamente idosa e de acordo com o estudo de Price et al. (2018), a adesão é mais elevada nas pessoas com mais idade do que nas pessoas mais jovens.
Em relação à competência percebida, os resultados obtidos evidenciaram que os participantes sentem uma elevada confiança na sua capacidade para manter o regime de tratamento da DPOC. Não existindo estudos prévios com pessoas com DPOC que nos permitam uma comparação de resultados, resta-nos fazer a discussão destes, recorrendo a estudos com outro tipo de patologias crónicas. De forma interessante, os resultados obtidos em pessoas com problemas cardíacos (Rocha, 2017), revelam igual tendência. De salvaguardar que a ocorrência deste resultado pode estar associada às propriedades psicométricas do instrumento, sugerindo que este não é suficientemente discriminativo e que promove o efeito de teto nos resultados. Pode ainda acontecer que, na apreciação da sua competência, os participantes não partam de uma base de conhecimentos muito sólida e realista, e por isso tendem a sobrevalorizar as suas capacidades.
Verificou-se uma forte associação entre a adesão aos medicamentos e a competência percebida, ou seja, os participantes que relataram níveis de adesão mais elevados aos medicamentos eram os que se percecionavam como mais competentes para gerir o seu regime terapêutico. Este resultado vai ao encontro da evidência mais recente no âmbito dos processos de autogestão na doença crónica, que evidencia o papel da competência percebida nos processos de gestão de doença. Salientam-se neste âmbito o estudo de Rocha (2017), no qual a competência percebida se revelou um fator preditor positivo da abstinência tabágica após alta hospitalar em pessoas que sofreram síndrome coronária aguda.
Relativamente ao uso de inaladores, estes dispositivos são utilizados por 32 participantes, na sua maioria dois inaladores, em média há 4,2 anos, o que vem confirmar a relevância da terapia inalatória no tratamento da DPOC (Aguiar et al., 2017; Pothirat et al., 2015) e a necessidade referida na literatura de combinar mais do que um fármaco ou dispositivo (GOLD, 2018). Porém, 11 dos 32 participantes não conseguem identificar corretamente todos os dispositivos que utilizam. Este défice de conhecimento em relação aos inaladores prescritos pode constituir um fator dificultador para a aplicação correta do fármaco. Por exemplo, Molimard e Colthorpe (2015) referem que o uso de múltiplos inaladores reduz a adesão.
Todos os participantes consideram a técnica inalatória de fácil execução e relatam que a realizam corretamente. Talvez por este motivo, apenas duas das 32 pessoas tenham mostrado interesse em receber mais apoio sobre o uso de inaladores. No entanto, relembra-se que a execução da técnica inalatória não foi visualizada presencialmente, os participantes apenas foram questionados sobre o grau de dificuldade e o seu desempenho, aspeto que limita a interpretação deste resultado.
Diferentes estudos consideram que a correta utilização do inalador é de máxima importância para que ocorra a administração eficaz da terapêutica e, dessa forma, garantir o controlo dos sintomas e a prevenção das exacerbações da doença (Bryant et al., 2013; Melani & Paleari, 2016; Pothirat et al., 2015). No nosso estudo, apesar dos participantes se sentirem competentes para cumprirem o tratamento prescrito, quando relatam os passos no uso dos inaladores, apenas duas pessoas demonstraram conhecimento completo sobre a técnica inalatória, apresentando as restantes falhas em mais de um dos passos da técnica. Fica deste modo diminuída a eficácia dos inaladores na esmagadora maioria dos participantes, tal como é referida em múltiplos estudos (Bryant et al, 2013; Price et al., 2018; Riley & Krüger, 2017). É de notar que um dos participantes que relatou a técnica de forma mais correta possuía o maior nível de escolaridade.
Sendo a amostra constituída maioritariamente por participantes com baixo nível de escolaridade e com uma média de idades de aproximadamente 70 anos, acredita-se que estes possam ser fatores, pelo menos em parte, associados ao défice de conhecimentos sobre a correta aplicação dos inaladores. A idade avançada é considerada um determinante de falhas na técnica inalatória (GOLD, 2018).
A grande maioria dos participantes recebeu o ensino sobre a técnica inalatória pelo médico, encontrando-se muito satisfeita (13 pessoas) ou satisfeita (19 pessoas) com o processo de ensino recebido. Constata-se que outros estudos identificam o médico como o profissional que mais vezes assume a responsabilidade pelo primeiro ensino da técnica inalatória (Bryant et al, 2013) e a importância da intervenção inicial para aquisição de mestria é salientada no estudo de Azzi et al. (2017), embora, de acordo com os autores, o ensino inicial não garante, por si só, que essa mestria se mantenha ao longo do tempo. Aliás, noutro estudo, após a instrução da técnica inalatória, independentemente da estratégia educativa, as pessoas mostraram-se capazes de usar os inaladores corretamente a curto prazo, mas não conseguiram manter a mestria ao longo do tempo para todos os dispositivos (Hickey et al., 2017).
No presente estudo, a observação sobre a execução da técnica coube maioritariamente a amigos e familiares, possivelmente pelo contacto presencial diário na hora de administração da medicação inalatória, não tendo a maioria recebido qualquer correção ao seu uso. O desconhecimento dos familiares e amigos sobre a técnica inalatória poderá ser um dos fatores para que não tenham sido efetuadas correções. Os dados encontrados não vão ao encontro das recomendações internacionais onde é aconselhado que os ensinos sejam assegurados pelos profissionais de saúde e que seja garantida a supervisão regular da técnica inalatória por parte destes profissionais (GOLD, 2018). Outros resultados que refletem esta lacuna no ensino e supervisão podem ser encontrados no estudo de Pothirat et al. (2015) e de Bryant et al. (2013).
De salientar que há estudos a reforçar a importância da supervisão regular da autoadministração dos inaladores, nomeadamente porque os doentes que receberam supervisão na aplicação dos inaladores, pelos profissionais de saúde, apresentaram adesão superior aos doentes que não foram supervisionados (Price et al., 2018). Outros estudos revelaram ainda que, um número significativo de doentes que dominava a técnica inalatória numa fase inicial não conseguiu manter essa mestria em avaliações posteriores (Azzi et al., 2017; Hickey et al., 2017).
Ao estudar as associações entre as variáveis, detetou-se uma disparidade entre a confiança que os participantes percecionavam acerca da sua capacidade para cumprirem o tratamento e a manifestação de conhecimentos sobre a técnica inalatória, que são fundamentais para assegurar a correta administração dos fármacos.
Os resultados obtidos pela aplicação da ECP e da EAM não espelham os défices de conhecimentos dos participantes sobre os inaladores e a técnica inalatória, identificados através das respostas ao questionário. No entanto, se a maioria dos participantes não recebeu supervisão no momento da autoadministração do inalador, por um profissional de saúde, é expectável que estes estejam convictos da sua mestria relativamente à técnica inalatória, pois ainda não foram confrontados com instruções contrárias ao seu desempenho.
Assim sendo, apesar dos níveis elevados de competência percebida e de adesão aos medicamentos relatados pelos participantes, existem aspetos do regime terapêutico que podem estar comprometidos e que podem concorrer para o agravamento da condição de saúde dos participantes. Aliás, os participantes do estudo encontravam-se internados devido ao agravamento da sua patologia e, na literatura, diferentes estudos alertam para a relação entre as falhas na técnica inalatória e a exacerbação dos sintomas (Bryant et al., 2013; Melani & Paleari, 2016; Price et al., 2018).
O défice de conhecimentos que os participantes revelaram pode relacionar-se com a inexistência de uma consulta de acompanhamento, a qual possibilitaria ao doente receber feedback sobre a autoadministração e eventualmente ser corrigido na execução da técnica inalatória, pelos profissionais de saúde, tal como é preconizado por diferentes entidades e estudos (Azzi et al., 2017; Blackstock et al., 2016; GOLD, 2018).
Na leitura dos resultados do presente estudo, é importante atender ao facto de o estudo apresentar algumas limitações. Desde logo, o número reduzido de participantes e a impossibilidade de formar grupos com representatividade, nomeadamente em relação ao sexo e à escolaridade, o que não permitiu explorar a possível influência destas variáveis. O facto de a DPOC não estar estadiada na maioria dos participantes, limitou também o estudo das relações entre as variáveis clínicas, as variáveis sociodemográficas e as variáveis principais do estudo. É ainda de salientar um possível viés decorrente da forma como os dados foram recolhidos, na medida em que, apesar de se ter optado pelo formato formulário para assegurar a fidelidade, atendendo às características sociodemográficas dos participantes, o facto é que a presença do investigador pode ter provocado algum grau de desejabilidade social. Por último, e como foi mencionado anteriormente, a estratégia para a recolha dos dados relativos à autoadministração dos inaladores foi o autorrelato e não a observação, podendo por isso ter introduzido algum tipo de viés nos resultados. Como sugestão para uma investigação futura e com o objetivo de se conhecer melhor as dificuldades dos doentes na utilização de inaladores, seria interessante fazer uma observação da autoadministração da terapia inalatória.
Conclusão
Nos resultados deste estudo, destacam-se a perceção de competência para manter o regime de tratamento da DPOC e a perceção de uma boa adesão ao regime medicamentoso. No entanto, concomitantemente, os participantes encontravam-se internados por agravamento da sua condição clínica e foram identificados défices de conhecimentos acerca dos inaladores e da técnica inalatória. Assim sendo, estes resultados refletem aspetos menos positivos e que, pelas suas possíveis implicações no controlo dos sintomas e no agravamento da condição clínica das pessoas com DPOC, carecem de uma intervenção planeada e urgente.
A perceção de competência é um aspeto importante, na medida em que constitui um fator de motivação para a autogestão da doença, todavia, por si só, não é garantia de uma gestão eficaz. Este estudo, ao sinalizar a disparidade entre os resultados, aponta para a necessidade de trabalhar com os doentes outros aspetos em torno da adesão terapêutica, para que os doentes possam desenvolver perceções mais realistas dos seus comportamentos de gestão da doença e consigam identificar as suas necessidades e fragilidades, no que concerne à aquisição de conhecimentos e habilidades.
Os poucos conhecimentos que os participantes demonstram sobre o uso dos inaladores e a técnica inalatória, comprometem a eficácia dos planos terapêuticos instituídos e potenciam o agravamento da condição clínica. Neste âmbito, emergem necessidades de cuidados de enfermagem centrados nos conhecimentos e no treino da técnica inalatória.
Os resultados deste estudo permitem melhorar o conhecimento sobre o processo de autogestão da pessoa com DPOC e orientar uma prática de enfermagem promotora da autonomia das pessoas, capacitando-as para uma melhor gestão da sua doença e do regime terapêutico.
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Recebido para publicação em: 26.09.18
Aceite para publicação em: 27.01.19