Introdução
Entre as doenças oncológicas, o cancro da mama representa a maior taxa de mortalidade em todo o mundo aumentando nos países em desenvolvimento, sendo diagnosticado, maioritariamente, em estádios avançados (Prates et al., 2017). Em Portugal, de acordo com a Direção-Geral de Saúde (2017, p. 10) “as variações de mortalidade, no cancro da mama feminina”, mostram um “aumento muito discreto do número de óbitos, bem como da mortalidade padronizada”. Comparando com os valores da União Europeia, “os números nacionais continuam a ser dos mais baixos”, com aumento do número de sobreviventes. Contudo, o tratamento origina muitas vezes efeitos emocionais negativos, diminuindo a qualidade de vida das mulheres (Prates et al., 2017), resultando num impacte negativo na sua imagem corporal e sexualidade, advindo sentimentos de inferioridade, angústia, medo da morte e repulsa perante a mutilação.
Estes distúrbios na sexualidade e na imagem corporal são comuns entre mulheres com cancro da mama (Seara et al., 2012), todavia, existem poucos instrumentos de medição projetados especificamente para avaliar a imagem corporal e o ajustamento sexual da mulher com cancro da mama. Assim, resultou a necessidade de se traduzir, adaptar e validar a Escala de Imagem Corporal e de Ajustamento Sexual (Sexual Adjustment and Body Image Scale, [SABIS]; Dalton et al., 2009) para português, através da validade semântica e validade de constructo com recurso à análise fatorial exploratória e confirmatória, o que se constituiu como objetivo deste estudo.
Enquadramento
Embora todos os tipos de cancros possam originar distúrbios no ajustamento sexual e na imagem corporal, as mulheres com cancro da mama são particularmente propensas a vivenciar distúrbios nesses domínios de funcionamento (Dalton et al., 2009; Seara et al., 2012), pelo facto de a sexualidade da mulher abranger não apenas a capacidade de se envolver na atividade sexual, mas também os sentimentos sobre o próprio corpo, a perceção sobre a imagem corporal e a feminilidade (Dalton et al., 2009). Qualquer perturbação na imagem corporal pode levar a distúrbios no funcionamento sexual (Seara et al., 2012, p. 105).
As mudanças físicas relacionadas com o tratamento e secundárias ao cancro da mama também podem levar a um desajustamento sexual e ter um impacte negativo na qualidade de vida da mulher/casal. Existem outros fatores potenciais que podem levar ao desajustamento sexual, tais como o medo da morte, ou da recorrência do cancro, investimento emocional nas mamas, perda da autoestima, a desintegração dos padrões estabelecidos para alcançar a satisfação sexual e a perceção do corpo como mutilado (Hirschle et al., 2018; Paterson et al., 2016; Rosenberg et al., 2013).
Questão de investigação
Quais são as propriedades psicométricas da versão da Escala de Imagem Corporal e de Ajustamento Sexual traduzida e adaptada para a população portuguesa?
Os modelos hipotetizados, obtidos com a análise fatorial exploratória, são confirmados com a análise fatorial confirmatória?
Metodologia
As escalas de imagem corporal e de ajustamento sexual foram objeto de tradução, adaptação transcultural e validados através da análise fatorial nas suas vertentes exploratória e confirmatória. Com a análise fatorial exploratória procurou-se descobrir a estrutura do constructo e determinar o número e a natureza das variáveis que o representam (Marôco, 2018). Com a análise fatorial confirmatória procurou-se confirmar os padrões estruturais pré-estabelecidos (Marôco, 2018).
Recorreu-se, como método de pesquisa, ao estudo psicométrico dado que é o tipo de estudo mais indicado quando se pretende validar instrumentos de medição psicológica. Este método, utiliza procedimentos quantitativos de modo a obter a validade, a confiabilidade e a standarização do instrumento de medida (Carlessi et al., 2018).
Efetuou-se o estudo psicométrico das escalas de modo a verificar a validade, a confiabilidade e a standarização do instrumento de medida (Carlessi et al., 2018).
Participantes
O estudo foi realizado com uma amostra não probabilística por conveniência de 148 mulheres adultas, com idades compreendidas entre os 30 anos e os 70 anos, portadoras de cancro da mama, seguidas em consulta externa num Centro Hospitalar. Dados recolhidos entre abril de 2019 e fevereiro de 2020, e após o parecer favorável da Comissão de ética e do Conselho de Administração do Hospital onde decorreu a colheita de dados. Como critério de inclusão para a seleção da amostra foram consideradas apenas as mulheres portadoras de cancro da mama.
Instrumento
Dalton et al. (2009) desenvolveram um questionário de autorrelato, de acrónimo SABIS, para avaliar a imagem corporal e a sexualidade em mulheres com cancro de mama após a cirurgia. Recorreram à revisão das escalas existentes sobre sexualidade e imagem corporal, à observação, e entrevistas com doentes e profissionais de saúde da área da doença oncológica.
Construíram, assim, dois grupos de itens; um para medir o ajustamento sexual e outro para medir a imagem corporal. Foram formulados 28 itens dos quais 10 se relacionavam com a imagem corporal: satisfação com atividade física e conforto com o corpo antes e depois do cancro - e 18 com o ajustamento sexual: confiança e satisfação sexual antes do cancro, qualidade sexual e relacionamento após o cancro e a importância das mamas para a sua experiência sexual geral.
Os itens foram revistos quanto à validade facial por psicoterapeutas e médicos e mulheres com cancro da mama. A opção de resposta a cada item usa uma escala tipo Likert de cinco pontos, e com a opção adicional de resposta “não”. O significado do ponto de ancoragem da escala Likert, varia de acordo com o item. Pontuações mais baixas indicam pior imagem corporal e ajustamento sexual.
Os autores efetuaram análise fatorial exploratória das duas escalas com rotação ortogonal Varimax. Em relação à imagem emergiu uma solução de dois fatores. A primeira subescala media o conforto da mulher com o seu corpo antes de ter cancro da mama e foi designada por Prior Body Image. A segunda subescala avaliava o conforto da mulher, sendo designada Post Body Image.
A versão final e original da SABIS ficou constituída por duas escalas separadas: a escala da imagem corporal constituída por seis itens distribuídas por duas subescalas, imagem corporal antes do cancro que continha os itens 1, 2, e 6 e imagem corporal depois do diagnóstico com os itens 3, 4 e 5; A escala de ajustamento sexual incorporada por três subescalas: ajustamento sexual antes do cancro da mama constituído pelos itens 1 e 2, impacto do cancro da mama na função sexual que continha os itens 3, 4, 5 e 6 e a importância das mamas na sexualidade com os itens 7 e 8.
Estudos de fiabilidade revelaram que as subescalas da imagem corporal apresentavam boa consistência interna com alfas de Cronbach para a imagem corporal anterior de 0,80 e para a imagem corporal posterior de 0,87.
De igual modo as três subescalas do ajustamento sexual também apresentaram boa consistência interna com um alfa de Cronbach para o Ajustamento sexual anterior de 0,78, para o impacto do funcionamento na sexualidade de 0,91 e importância dos seios na sexualidade de 0,66.
Os autores não consideraram pontuações totais para as duas escalas da SABIS e em vez disso, gerou-se para cada subescala uma pontuação média que se obtém dividindo a pontuação total pelo número de itens da subescala correspondente.
Procedimentos na adaptação da escala SABIS para a população portuguesa
Procedeu-se à adaptação cultural e equivalência linguística da Escala SABIS, realizando-se duas traduções por elementos independentes e peritos na área. Analisadas as discrepâncias, procedeu-se à elaboração de novo documento, que foi alvo de retrotradução. Seguidamente submetido à análise por comité de três especialistas linguísticas que avaliaram as equivalências semântica e idiomática, conceptual e cultural.
O documento final foi objeto de pré-teste numa amostra de 10 mulheres com cancro da mama e que se voluntariaram para participar neste estudo preliminar. Solicitou-se que respondessem às questões e que apresentassem sugestões de melhoria para aquelas onde verificassem menor entendimento. Da avaliação final realizada a totalidade dos respondentes não apresentou sugestões de melhoria.
Procedimentos para análise de dados
Depurada a base de dados realizam-se estudos de validade e de fiabilidade. Neste estudo, apenas se possui uma medição, recorrendo-se ao estudo da consistência interna ou homogeneidade dos itens. Recorreu-se ao alfa de Cronbach que reflete o grau de covariância entre os itens de uma escala e quanto menor a soma da variância dos itens, mais consistente é considerado o instrumento. Embora não havendo consenso quanto a sua interpretação alguns autores consideram que valores superiores a 0,7 são os ideais, e valores abaixo de 0,70, mas próximos a 0,60 como satisfatórios (Pestana &Gageiro, 2014).
Para análise da validade, considerou-se a validade de constructo e para sua verificação da validade a análise fatorial.
Na análise fatorial exploratória através do IBM SPSS Statistics, versão 26.0. recorreu-se ao método dos componentes principais com rotação ortogonal do tipo Varimax. Para a retenção dos fatores consideraram-se os valores próprios superiores a 1 e o gráfico de declive (scree plot). Como critério de saturação dos itens consideraram-se valores iguais ou superiores a 0,40.
Na análise fatorial confirmatória, através do software IBM SPSS Amos 26 (Analysis of Moment Structures), considerou-se a matriz de covariâncias e foi adotado o algoritmo da máxima verosimilhança MLE (Maximum-Likelihood Estimation) para estimação dos parâmetros. Na análise dos dados considerou-se a (i) sensibilidade dos itens avaliada pela assimetria e curtose assumindo-se como valores de referência ≤ 3 e ≤ 7 respetivamente, a (ii) validade do constructo avaliada pelas validades fatorial, convergente e validade discriminante os (iii) indicadores de qualidade de ajustamento global e (iv) os indicadores de qualidade do ajustamento local.
Como indicadores de qualidade de ajustamento global (Marôco, 2018), considerou-se a razão entre qui quadrado e graus de liberdade ((2/gl) com os seguintes valores de referência: se a razão ((2/gl) for inferior a 2,0 o ajustamento considera-se bom, se inferior a 5 aceitável e se superior a 5 inaceitável; Comparative Fit Index (CFI) e Goodness of Fit Index (GFI), considerando um ajustamento bom quando os valores se situam acima de 0,90; Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) Root mean square residual (RMR) e Standardized root mean square residual (SRMR), se valores inferiores a 0,08 o ajustamento é bom (Marôco, 2018).
A qualidade do ajustamento local do modelo foi avaliada pela fidelidade individual dos itens, lambda (().
Procedimentos éticos
O protocolo de investigação foi submetido à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e à Comissão de Ética para a saúde, com número de referência de 02/18/03/2019.
Aos participantes foram dadas as informações necessárias e solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, sendo informados de que a sua participação seria livre, podendo desistir em qualquer momento, pela participação não usufruiriam de qualquer ganho/benefício nem incorreriam em nenhuma perda/malefício. Foi assegurado o seu anonimato, a confidencialidade dos dados e respeitada a sua autonomia.
Resultados
Estudo psicométrico da Escala de Imagem Corporal
Iniciou-se o estudo psicométrico da escala, determinando a sensibilidade dos itens através da assimetria e curtose. Os valores encontrados revelaram índices de assimetria a oscilar em valores absolutos entre 0,032 e 0,489 e de curtose entre 0,918 e 1,424 indicativos de distribuição normal. O coeficiente multivariado de Márdia regista um valor de 1,610, também compatível com uma distribuição normal.
Na Tabela 1 são apresentadas as estatísticas (médias e desvios-padrão) e as correlações obtidas entre cada item e o global da escala.
O coeficiente de correlação item total corrigido indicam que todos os itens apresentam correlações acima de 0,20, valor de referência (Pestana & Gageiro, 2014) o que leva à manutenção de todos os itens. O score mais baixo localiza-se no item 3 “Quão confortável se sentia com as suas formas/proporções corporais antes de ter cancro da mama? “com um valor de (r = 0,346) e o mais elevado no item 5 “Quão confortável se sente com as alterações do seu corpo desde que teve cancro da mama?” (r = 0,630). Quanto ao coeficiente alfa de Cronbach, por item se este for eliminado, observamos que os três primeiros itens possuem valores adequados e os três últimos tendem para o sofrível com um valor alfa global bom de 0,896.
Média | dp | r | r 2 | α sem item | ||
1 | Quão satisfeita estava com o seu aspeto físico antes de ter cancro da mama? | 3,24 | 0,579 | 0,318 | 0,515 | 0,739 |
2 | Quão confortável se sentia em mostrar o seu corpo a outros antes de ter cancro da mama? | 3,10 | 0,717 | 0,433 | 0,509 | 0,713 |
3 | Quão confortável se sentia com as suas formas/proporções corporais antes de ter cancro da mama? | 3,15 | 0,664 | 0,346 | 0,623 | 0,734 |
4 | Quão confortável se sente em mostrar o seu corpo a outros desde que teve cancro da mama? | 2,34 | 0,877 | 0,624 | 0,682 | 0,654 |
5 | Quão confortável se sente com as alterações do seu corpo desde que teve cancro da mama? | 2,38 | 0,868 | 0,630 | 0,709 | 0,652 |
6 | Quão confortável se sente em mostrar a área da sua mama afetada a outros desde que teve cancro da mama? | 2,32 | 0,890 | 0,497 | 0,595 | 0,697 |
Na análise fatorial exploratória determinou-se a adequabilidade do tamanho da amostra através do teste Kaiser-Meyer-Olkin. Os valores de referência para a tomada de decisão situam-se entre 0,5 e 1. No nosso estudo o resultado obtido foi de (KMO = 0,696) considerando-se o tamanho da amostra adequado. Quanto ao teste de esfericidade de Bartlett que determina a qualidade das correlações existentes entre as variáveis, o valor obtido (x2 = 667,000; p = 0,000) leva à rejeição da hipótese nula. A conjugação destes dois testes viabilizou a continuação da análise fatorial exploratória.
A solução fatorial encontrada, permitiu a extração de 2 fatores que no seu conjunto explicavam 80,20% da variância total. A matriz anti imagem revela valores de correlação acima de 0,600, registando-se a mais baixa no item 3 com uma correlação de 0,618 e a mais elevada no item 6 com uma correlação de 0,789.
O gráfico de sedimentação (scree plot) atesta a retenção dos dois fatores conforme ponto de inflexão da curva.
O fator 1- Imagem Corporal depois do cancro da mama- ficou constituído pelos itens 4,5 e 6, apresenta um valor próprio de 2,615 e uma percentagem de variância explicada após rotação de 41,68% e designou-se por Imagem Corporal depois do Cancro da Mama. O fator 2- Imagem Corporal antes cancro da mama- agregou os itens 1,2 e 3, apresenta um valor próprio de 2,186, uma percentagem de variância explicada de 38,33% e foi designado por Imagem Corporal antes do Cancro da Mama (Tabela 2).
A mesma tabela faz ainda referência às comunalidades e os valores encontrados são superiores a 0,40 (valor de referência) pelo que não foi excluído nenhum dos itens da escala.
Factor 1 | Factor 2 | h2 | ||
1 | Quão satisfeita estava com o seu aspeto físico antes de ter cancro da mama? | 0,860 | 0,741 | |
2 | Quão confortável se sentia em mostrar o seu corpo a outros antes de ter cancro da mama? | 0,846 | 0,737 | |
3 | Quão confortável se sentia com as suas formas/proporções corporais antes de ter cancro da mama? | 0,910 | 0,828 | |
4 | Quão confortável se sente em mostrar o seu corpo a outros desde que teve cancro da mama? | 0,911 | 0,838 | |
5 | Quão confortável se sente com as alterações do seu corpo desde que teve cancro da mama? | 0,922 | 0,856 | |
6 | Quão confortável se sente em mostrar a área da sua mama afetada a outros desde que teve cancro da mama? | 0,894 | 0,802 | |
Percentagem variância explicada | 41,68 | 38,33 | ||
Valores próprios | 2,615 | 2,186 |
Analise fatorial confirmatória
Submeteu-se a estrutura bifatorial a análise fatorial confirmatória. Verificou-se que todos os rácios críticos, resultantes das trajetórias dos itens para os fatores que lhe correspondem são estatisticamente significativas e os pesos fatoriais assumem valores acima de 0,50, permitindo a manutenção de todos os itens.
A Figura 1 evidencia o modelo resultante da análise fatorial confirmatória realizada. Observam-se as cargas fatoriais dos itens com os fatores que lhes correspondem observa-se o menor no fator 1, em relação ao item 6 (0,80), e no fator 2 nos itens 1 e 2 com (0,75). A fiabilidade individual dos itens regista valores acima de 0,25. Entre as duas subescalas a associação existente é muito fraca (r = 0,08).
Os índices de bondade de ajustamento global mostram-se adequados para (x2/gl = 2,644; CFI = 0,972; NFI = 0,956; RMR = 0,031). Mostram-se sofríveis para (GFI = 0,883; RMSEA = 0,106). Contudo, como refere Marôco (2014), estes dois índices de bondade de ajustamento têm tendência a modificar-se com a dimensão da amostra.
Não foram encontrados índices de modificação propostos pelo Amos, pelo que não se procedeu ao refinamento do modelo.
Os fatores apresentam ambos boa consistência interna e validade convergente com valores acima do recomendado. No fator 1 a FC foi de 0,897 com uma VEM de 0,848 e no fator 2 a FC foi de 0,775 com uma VEM de 0,652. Igualmente a fiabilidade estratificada (0,932) e respetiva VEM (0,699) apresentam valores adequados.
Estudo psicométrico da Escala de Ajustamento Sexual
Análise fatorial exploratória
Utilizando os mesmos procedimentos, efetuou-se o estudo da consistência interna com a análise à sensibilidade dos itens. Os scores mínimos e máximos para todos os itens oscilaram entre 1 e 5 e os valores de assimetria e Kurtose indicam uma distribuição normal com valores absolutos de assimetria situados entre 0,018 no item 2 e 0,682 no item 8 enquanto os valores de kurtose foram de 0,092 e 2,000 respetivamente com um coeficiente multivariado de Mardia de 2,079.
Na Tabela 3 apresentam-se os coeficientes de correlação item total e os valores de alfa de Cronbach. Pelos índices médios verifica-se que somente os itens 1, 2, 7 e 8 se encontram bem centrados uma vez que o valor apresentado é superior à média esperada. Já os coeficientes de correlação item total indicam que estes mesmos itens excetuando o item 7 deveriam numa análise mais conservadora, ser eliminados por apresentarem correlações inferiores a 0,20. Os coeficientes alfa mostram-se sofríveis sendo que o alfa global também se pode classificar como sofrível ((= 0,650).
Média | sd | r | r 2 | α sem item | ||
1 | Quão satisfeita se sentia com a sua vida sexual antes de ter cancro da mama? | 3,28 | 0,670 | 0,127 | 0,675 | 0,666 |
2 | Quão confiante se sentia (consigo mesma) como parceira sexual antes de ter cancro da mama? | 3,30 | 0,704 | 0,163 | 0,667 | 0,659 |
3 | De que forma é que o cancro da mama afetou o seu desejo de contacto sexual? | 2,20 | 0,830 | 0,564 | 0,621 | 0,553 |
4 | De que forma é que o cancro da mama afetou a(s) sua(s) relação(ções) sexual(ais)? | 2,42 | 0,738 | 0,573 | 0,731 | 0,559 |
5 | De que forma é que o cancro da mama afetou a frequência com que inicia o contacto sexual | 2,22 | 0,781 | 0,545 | 0,727 | 0,563 |
6 | De que forma é que o cancro da mama afetou a sua satisfação sexual quando tem relações? | 2,39 | 0,762 | 0,493 | 0,582 | 0,579 |
7 | Quão importante as suas mamas são para a sua experiência sexual? | 3,34 | 0,869 | 0,285 | 0,495 | 0,636 |
8 | Quão importante as suas mamas são para a sua identidade sexual como mulher? | 3,68 | 0,849 | 0,060 | 0,496 | 0,694 |
Os resultados do teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,692) e do teste de esfericidade de Bartlett (x2 = 667,000; p = 0,000) foram um indicador para o prosseguimento para a análise fatorial exploratória.
A solução fatorial encontrada permitiu a extração de três fatores similar à estrutura fatorial original, que explicavam 83,50% da variância total.
Contudo, pela matriz anti imagem, percebe-se que os itens 1, 2, 7 e 8 possuem correlações inferiores ou encontram-se no limiar de 0,50, como é o caso do item 2 (r= 0,501), sendo a opção mais correta a sua eliminação, no entanto decidiu-se pela sua manutenção, dado que é intenção submeter esta estrutura a análise fatorial confirmatória.
O gráfico de sedimentação (scree plot) confirma a retenção de três fatores conforme ponto de inflexão da curva.
A Tabela 4 reporta os pesos fatoriais por subescala e as comunalidades obtidas. O fator 1 corresponde ao fator 2 da escala original designado por “Impacto no Funcionamento Sexual”, comporta os mesmos itens (3, 4, 5 e 6), apresenta um valor próprio de 3,200 e uma percentagem de variância explicada após rotação de 39,77%. O fator 2 (fator 1 da escala original) agregou os itens 1, 2, apresenta um valor próprio de 1,828, uma percentagem de variância explicada de 22,80% e foi designado por “Ajustamento Sexual”. O fator 3 é comum ao fator 3 da escala original, configurando os mesmos itens. Apresenta um valor próprio de 1,652 e uma percentagem de variância explicada de 20,93%. As comunalidades encontradas registam valores superiores a 0,700, não sendo excluído, por isso qualquer item da escala.
Fator 1 | Fator 2 | Fator 3 | h2 | Pesos fatoriais escala original | |||||
1 | Quão satisfeita se sentia com a sua vida sexual antes de ter cancro da mama? | 0,895 | 0,909 | 0,92 | |||||
2 | Quão confiante se sentia (consigo mesma) como parceira sexual antes de ter cancro da mama? | 0,907 | 0,904 | 0,92 | |||||
3 | De que forma é que o cancro da mama afetou o seu desejo de contacto sexual? | 0,861 | 0,771 | 0,91 | |||||
4 | De que forma é que o cancro da mama afetou a(s) sua(s) relação(ções) sexual(ais)? | 0,910 | 0,837 | 0,86 | |||||
5 | De que forma é que o cancro da mama afetou a frequência com que inicia o contacto sexual | 0,916 | 0,841 | 0,83 | |||||
6 | De que forma é que o cancro da mama afetou a sua satisfação sexual quando tem relações? | 0,851 | 0,739 | 0,83 | |||||
7 | Quão importante as suas mamas são para a sua experiência sexual? | 0,845 | 0,841 | 0,88 | |||||
8 | Quão importante as suas mamas são para a sua identidade sexual como mulher? | 0,865 | 0,839 | 0,89 | |||||
Percentagem variância explicada | Escala atual | 39,77 | 22,80 | 20,93 | |||||
Escala original | 41,00 | 22,00 | 17,00 | ||||||
Valores próprios | 3,200 | 1,828 | 1,652 |
Análise fatorial confirmatória
Identificado o modelo a partir da exploração inicial, a análise fatorial confirmatória mostra que os rácios críticos dos itens 1, 2, 7 e 8 não são estatisticamente significativos, o que inviabiliza o modelo com uma estrutura trifatorial devendo por isso ser eliminados. A Figura 2 A confirma a inviabilidade da estrutura trifatorial resultante da análise fatorial exploratória dado que não é possível obter as saturações dos itens relacionados com os fatores correspondentes. Por tal facto, optou-se pela eliminação dos referidos itens submetendo-se a estrutura unifatorial a nova análise fatorial. A Figura 2 B evidencia a saturação dos itens pelo fator: a menor saturação verifica-se no item 6 (r = 0,790) e a maior nos itens 4 e 5 (r = 0,90). A fiabilidade individual dos itens regista índices superiores a 0,62 e os índices de bondade de ajustamento global revelam ótima adequação (razão do x2/gl = 0,699, RMR = 0,05, GFI = 0,995) saturando para os índices (CFI = 1,000) e (RMSEA = 0,000, pclose = 0,611). Os dados obtidos evidenciam que o modelo se encontra bem ajustado, não havendo necessidade de efetuar a reespecificação do modelo. Por outro lado, a consistência interna obtida pela fiabilidade compósita é muito boa (FC = 0,911), ocorrendo o mesmo com a validade convergente (VEM = 0,721).
Discussão
De acordo com literatura científica é reconhecido o impacto negativo na vida sexual de um significativo número de mulheres com cancro da mama devido à existência de problemas ou alteração sexual. Efetivamente o estudo de Meyerowitz et al. (1999) citado por Vázquez-Ortiz et al. (2010), com uma amostra de 863 mulheres com cancro da mama, revelou que uma em cada três mulheres percebe mudanças negativas na sua vida sexual, nomeadamente a problemas na relação afetiva com o parceiro, mudança no estado hormonal e problemas na relação sexual. Estas alterações no ajustamento psicossexual poderão persistir durante vários anos após os tratamentos, corroboradas pelos estudos de Broeckel et al. (2002) ao referirem que vários anos, após conclusão dos tratamentos, se mantém, por exemplo, a falta de desejo sexual, a dificuldade em relaxar durante o ato sexual e dificuldade em alcançar o orgasmo entre outras. Também, identificam alterações relacionadas com a autoestima, a imagem corporal e as relações afetivo-sexuais.
A SABIS foi originalmente desenvolvida por Dalton et al. (2009) no intuito de encontrar uma medida de autorrelato confiável e válida que permitisse avaliar os distúrbios da imagem corporal e de ajustamento sexual em pacientes com cancro da mama.
A versão portuguesa desta escala resultou de um processo de tradução com dupla verificação, que incluiu traduções e retrotraduções, com validação linguística, conforme sugerido pelos guias internacionais recomendados (Dalton et al., 2009), complementados pela participação de peritos.
Dada a simplicidade da generalidade das asserções da escala, o processo de tradução não apresentou dificuldades substanciais, efetuando-se apenas ligeiras alterações nas retro traduções a fim de melhorar a versão final.
O pré-teste foi realizado com uma amostra de 10 mulheres portadoras de cancro da mama e que se voluntariaram para participar. O baixo número de participantes poderá constituir-se como uma limitação do estudo, mas tudo indica que o grupo selecionado foi representativo da população-alvo.
O estudo psicométrico e as análises fatoriais exploratórias e confirmatórias foram realizados separadamente nas duas escalas que compõem o SABIS com o fim de se determinar sua confiabilidade e validade.
No que respeita à escala da imagem corporal a solução fatorial encontrada, permitiu a extração de 2 fatores, confirmada pela análise fatorial confirmatória com uma percentagem global de variância explicada de 80,20%. O fator 1 explicou 41,68% após rotação e o fator 2 explicou 38,33%. Confrontando os resultados obtidos com os da versão original, constata-se existir congruência com o número de itens. A única diferença encontrada reside no facto do item 6, da escala original, ter migrado neste estudo para o fator 2 e o item 3 para o fator 1. Por tal facto, manteve-se a mesma designação dos fatores: o fator 1 “Imagem corporal depoisdo cancro da mama”, e fator 2 “imagem corporal antes cancro da mama”. Uma das explicações plausíveis para a migração destes dois itens pode estar relacionada com o processo de validação linguística ou com diferenças culturais existentes. Ambos apresentaram boa consistência interna e validade convergente, com uma fiabilidade compósita de 0,897, validade de 0,848 para o fator 1 e de 0,775 e de 0,652 para o fator 2 respetivamente, sendo a fiabilidade compósita estratifica de 0,932 e a validade convergente de 0,699 para a amostra global.
Os índices de bondade de ajustamento global mostraram-se adequados com exceção para o GFI = 0,883 e RMSEA = 0,106. Conforme Marôco (2014), tais índices de ajustamento (Marôco, 2014) estão dependentes, entre outros aspetos, do tamanho da amostra. Por exemplo é sabido que o GFI tem tendência a aumentar com o tamanho da amostra e que o RMSEA está dependente da especificação do modelo, dos graus de liberdade e da dimensão da amostra. Ora, o tamanho da amostra utilizada para a validação da escala, concretamente para a realização da análise fatorial confirmatória, é uma limitação que deve ter-se em consideração neste estudo.
Em suma, esta escala possui características psicométricas semelhantes às da versão original, sendo por isso um instrumento válido e confiável para o contexto do estudo.
Quanto à escala de ajustamento sexual, a solução fatorial encontrada através da análise fatorial exploratória permitiu a extração de três fatores similares à estrutura fatorial original, que explicavam 83,50% da variância total, mas a matriz anti imagem evidenciava que os itens 1, 2, 7 e 8 deveriam eliminar-se por apresentarem correlações abaixo do recomendado. A prossecução da análise confirmatória certificou a exclusão destes mesmos itens porquanto não se mostraram estatisticamente significativos, o que inviabilizou a construção do modelo com uma estrutura trifatorial tal como na versão original. Uma vez mais, o tamanho amostral e a falta de heterogeneidade de resposta poderão estar na origem deste resultado, considerando-se por isso uma limitação deste estudo.
Testada a estrutura unifatorial verificou-se que os quatro itens saturavam com valores superiores a 0,70 e os índices de bondade de ajustamento global revelaram uma ótima adequação (razão do x2/gl = 0,699 e RMR = 0,05, GFI = 0,995) saturando para os índices (CFI = 1,000) e (RMSEA = 0,000, pclose = 0,611) o que configura um modelo bem ajustado, com muito boa consistência interna, resultante da fiabilidade compósita (FC = 0,911) e da validade convergente (VEM = 0,721), não carecendo de reespecificação do modelo (Marôco, 2014).
Recomenda-se que estudos futuros tenham em consideração as nossas limitações interpretando-se com algum cuidado os resultados obtidos. Sugere-se, ainda, que as escala de imagem corporal, e de ajustamento sexual sejam objeto de estudo da validade concorrente ou validade preditiva com outras escalas que procuram medir os mesmos construtos.
Como era expectável, encontrou-se associação entre as subescalas do SABIS que medem a imagem corporal e o ajustamento sexual. Este achado é consistente com a literatura que apoia uma associação destes constructos (Fobair et al., 2006).
À semelhança dos encontrados por Dalton et al. (2009), estes resultados indicam que a SABIS pode ser utilizada como um instrumento de apoio ao diagnóstico, para avaliar distúrbios da imagem corporal e do ajustamento sexual em mulheres com cancro da mama, permitindo ainda identificar as mulheres que necessitam de intervenção.
Conclusão
A experiência de viver uma doença estigmatizante, como o cancro da mama e o seu tratamento geram sentimentos e atitudes que refletem algum grau de incerteza e a preocupação com a vida futura.
O objetivo deste estudo foi validar a escala SABISl para mulheres com cancro da mama. Os resultados encontrados estão, no global, em consonância com os obtidos pelos autores originais. Na escala que avalia o constructo da imagem corporal apenas se verificou a alteração de um item, e na escala de ajustamento sexual a análise fatorial exploratória revelou inicialmente uma estrutura trifatorial igual ao estudo original, mas após refinamento com a análise fatorial confirmatória optou-se por uma estrutura unifatorial.
Conclui-se, que a versão da SABIS traduzida, adaptada e validada para português parece um instrumento útil válido e confiável para a avaliação da imagem corporal e do ajustamento sexual da mulher com cancro da mama e com resultados satisfatórios de validade e de confiabilidade, representando adequadamente os construtos em questão. Recomenda-se uma nova exploração fatorial da SABIS em estudos futuros com o intuito de confirmar a estrutura aferida nesta investigação, bem como avaliar a fidelidade teste-reteste e a validade convergente com outras medidas.