Introdução
A Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003) define a adesão terapêutica como um grau ou extensão do comportamento da pessoa quanto à toma de medicação ou no cumprimento da dieta e/ou no que concerne às alterações dos hábitos e estilos de vida, correspondendo às recomendações emanadas pelos profissionais de saúde.
Entre as doenças que afetam o rim, a doença renal crónica (DRC) é particularmente relevante, atendendo ao sofrimento e incapacidade que possam acometer. Para Butyn et al. (2021, p. 2786) a DRC “é um problema de saúde pública que provoca mudanças no cotidiano do paciente e afeta a sua qualidade de vida de forma direta”.
As pessoas com DRC em programa de hemodiálise, para além de habitualmente necessitarem de realizar três sessões de hemodiálise por semana, com uma duração de três a quatro horas, necessitam adotar hábitos de vida, que implicam restrições de líquidos e na dieta. Devem de igual forma respeitar o cumprimento de um regime terapêutico medicamentoso complexo. Muitos doentes revelam baixo nível de adesão ao regime medicamentoso (Alves et al., 2018).
Em 2016 foi publicado pela Ordem dos Enfermeiros (OE) um guia orientador de boa prática, no que concerne aos cuidados à pessoa com doença renal crónica terminal em programa de hemodiálise, onde se abordam os requisitos técnico-científicos necessários para se exercer nessa área, as dotações seguras de enfermagem para a prestação de cuidados, a admissão da pessoa no programa de hemodiálise e os acessos vasculares. É abordado o cuidar à pessoa em hemodiálise, bem como a prevenção e controlo de infeção. Relativamente ao acolhimento inicial na unidade de hemodiálise salienta-se que os programas de educação para a saúde devem abordar, entre outros, a medicação prescrita.
O planeamento e a implementação de intervenções de enfermagem para a melhoria da adesão ao regime medicamentoso, baseadas na melhor evidência científica, pressupõem a avaliação correta da mesma. No estudo qualitativo efetuado por Pinto (2020), no âmbito do regime medicamentoso da pessoa com DRC em programa regular de hemodiálise, uma das conclusões que sobressaiu das entrevistas foi a perceção de que, por norma, os enfermeiros não recorrem a instrumentos para avaliar a frequência de adesão ao regime terapêutico medicamentoso, sendo esta habitualmente efetuada com recurso à perceção subjetiva.
Face ao exposto, pretendeu-se com este estudo, conhecer a realidade acerca do nível de adesão ao regime terapêutico medicamentoso da pessoa com DRC, que se encontrava num programa de hemodiálise, bem como, identificar a relação entre essa adesão e as demais variáveis sociodemográficas e clínicas, utilizando-se um instrumento adaptado e validado por Delgado e Lima (2001) para a população portuguesa.
Enquadramento
Foi na segunda metade do século XX, que Haynes desenvolveu o termo complacência (compliance), reportando-se a este como a medida em que o comportamento do doente vai ao encontro aos conselhos médicos ou de saúde, como por exemplo em relação à toma de medicação, à dieta, entre outros (Haynes et al., 1979). Para Vermeire e colegas (2001) a utilização do termo adesão em substituição do termo complacência ganhou preferência, na medida que integra as noções de concordância, cooperação e parceria.
A adesão ao regime medicamentoso constitui uma das áreas relevantes em enfermagem, integrando a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem - CIPE (ICN, 2019, p. 3), como foco de atenção, no qual a define como:
Status positivo: ação auto iniciada para promoção do bem-estar; recuperação e reabilitação; seguindo as orientações sem desvios; empenhado num conjunto de ações ou comportamentos. Cumpre o regime de tratamento; toma os medicamentos como prescrito; muda o comportamento para melhor, sinais de cura, procura os medicamentos na data indicada, interioriza o valor de um comportamento de saúde e obedece às instruções relativas ao tratamento. (Frequentemente associado ao apoio da família e de pessoas que são importantes para o cliente, conhecimento sobre os medicamentos e processo de doença, motivação do cliente, relação entre o profissional de saúde e o cliente).
A OMS (2003) classificou em cinco grupos os principais fatores determinantes para a adesão terapêutica: os sociais e económicos, os relacionados com o sistema e equipa de saúde, os relacionados com a condição - doença; os relacionados com a terapia - tratamento; e os relacionados com o utente - perceções e expectativas.
Para Bargman e Skorecki (2017, p. 1811) a DRC “engloba um espectro de processos fisiopatológicos diferentes associados à função renal anormal e ao declínio progressivo da taxa de filtração glomerular (TFG)”. A estratificação dos estádios da DRC (estádios 1, 2, 3a, 3b, 4 e 5) tem por base a TFG e o grau de albuminémia, visando a predição do seu risco de progressão. O último estádio, correspondente à doença renal em estádio terminal - designado em substituição, como DRC estádio 5, implica a necessidade de diálise ou a realização de um transplante renal. Neste estádio, a acumulação de toxinas, líquidos e eletrólitos, resulta na síndrome urémica, podendo levar à morte, caso estas não sejam eliminadas. Resultantes da disfunção renal, múltiplos distúrbios podem surgir, tais como os distúrbios volémicos, eletrolíticos e acidobásicos, os distúrbios do metabolismo do cálcio e fosfato, as anormalidades cardiovasculares, entre outros. A diálise crónica pode contribuir para a redução do número e da gravidade de diversos distúrbios resultantes da DRC, contudo este não é totalmente efetivo enquanto terapia renal substitutiva, mesmo perante o tratamento dialítico ideal, dado que “alguns distúrbios resultantes da disfunção renal não melhoram com diálise” (Bargman & Skorecki, 2017, p. 1814). Na DRC o cumprimento do regime medicamentoso é essencial para o controlo de muitos dos distúrbios, para o controlo da sintomatologia, bem como para o controlo de doenças concomitantes, que podem inclusivamente estar na sua origem (diabetes mellitus, hipertensão, entre outras). A não adesão ao tratamento medicamentoso pode acarretar consequências gravosas, incrementando o risco de morbilidade, hospitalização e de mortalidade, como nos refere Nielsen et al. (2018).
A DRC pode repercutir-se negativamente ao nível biopsicossocial, afetando a qualidade de vida (QdV), quer dos doentes, quer dos seus familiares (Jesus et al., 2019). Pereira e Leite (2019) verificaram que as características sociodemográficas, clínicas e a terapêutica, interferem na QdV relacionada à saúde dos doentes hemodialisados.
No âmbito do regime medicamentoso da pessoa com DRC em programa regular de hemodiálise, Pinto (2020) procurou avaliar os contributos dos enfermeiros para a adesão ao regime terapêutico medicamentoso, recorrendo a um estudo qualitativo, descritivo e exploratório. Efetuaram-se entrevistas semiestruturadas a 12 enfermeiros que se encontravam a exercer numa unidade de hemodiálise. Foram apontados como principais fatores que podem contribuir para a não adesão ao regime terapêutico medicamentoso: os relacionados com o doente - a iliteracia, a idade avançada, o baixo nível de escolaridade, a falta de consciencialização e volição em relação à doença e à medicação; os que se relacionam com o ambiente social e familiar - a ausência de suporte familiar; os que se relacionam com a organização - o reduzido rácio de enfermeiros, a ausência de programas educacionais, a indefinição de responsabilidades - definição de papéis.
Pretto et al. (2020) procuraram verificar a associação entre a qualidade de vida relacionada à saúde de doentes renais crónicos em hemodiálise, com as variáveis sociodemográficas, clínicas, depressão e adesão medicamentosa, envolvendo uma amostra com 183 doentes. Constatou-se como um dos principais resultados, uma associação entre a diminuta adesão terapêutica medicamentosa e a reduzida qualidade de vida, com impacto em 10 das 20 dimensões avaliadas, levando os autores a inferir “não utilizar adequadamente a medicação eleva a perceção dos sintomas da doença e a ocorrência de danos no bem-estar físico, psicoemocional e social” (p. 7).
Como nos salienta Camarneiro (2021), a complexidade das demais variáveis associadas ao comportamento de adesão irá determinar a dificuldade das intervenções, não descorando que as alterações propostas devem ter em consideração: “o contexto, o sistema de saúde e os fatores individuais” (p. 5).
Questões de Investigação
Qual o nível de adesão ao regime terapêutico medicamentoso da pessoa com DRC, em programa de hemodiálise?; Qual a relação entre o nível de adesão ao regime terapêutico medicamentoso e as variáveis sociodemográficas e clínicas?
Metodologia
Estudo quantitativo, descritivo-correlacional e transversal. A amostra diz respeito aos utentes com DRC que se encontravam a realizar hemodiálise numa clínica privada da região norte de Portugal. Definiram-se como critérios de inclusão: possuir uma DRC e em programa de hemodiálise; idade igual ou superior a 18 anos; em regime terapêutico medicamentoso. As pessoas com DRC referenciadas com deterioração da capacidade cognitiva foram excluídas do estudo. Recorrendo-se a uma amostra do tipo não probabilística, por conveniência, após aplicação dos critérios, esta ficou constituída por 110 indivíduos. Posteriormente optou-se por excluir do estudo nove pessoas com DRC que se encontravam a residir em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), atendendo que nessas instituições a gestão da medicação dos utentes é da responsabilidade dos profissionais de saúde, pelo que a sua inclusão poderia enviesar os resultados, pelo que a amostra final foi de 101 indivíduos. Utilizou-se um Instrumento de Recolha de Dados (IRD) constituído por duas secções. A primeira secção reportava-se às variáveis independentes (sociodemográficas e clínicas), inserindo questões que permitiam a caracterização da amostra, quanto ao sexo, idade, estado civil, habilitações académicas, local de residência, situação profissional, coabitação, presença de outras patologias, número de patologias e número de medicamentos diários. A segunda secção, referente à variável dependente, é constituída pela Escala de Medida de Adesão ao tratamento (MAT), adaptada e validada para a população portuguesa por Delgado e Lima (2001), visando a avaliação da adesão do indivíduo ao regime terapêutico medicamentoso (ou também adesão ao tratamento medicamentoso). A escala MAT comporta sete questões (itens), com possibilidade de seis respostas do tipo Likert: sempre (1); quase sempre (2); com frequência (3); por vezes (4); raramente (5); nunca (6), sobre as quais o individuo se deve posicionar. O somatório dos valores de cada item e a respetiva divisão pelo número de itens possibilita-nos a obtenção de um nível de adesão aos tratamentos, no qual, os valores mais elevados corresponderão a um maior nível de adesão. Com conversão para um padrão dicotómico, calculado com base na mediana, em que o raramente (5) e o nunca (6) passaram a não (1) e as restantes possibilidades a sim (0). Esta conversão permite assim a classificação da adesão do individuo ao regime terapêutico medicamentoso em aderente e não aderente.
A utilização da escala MAT foi autorizada pelos autores que a adaptaram e validaram para a população portuguesa. Submeteu-se o protocolo de estudo a uma Comissão de Ética, tendo sido deliberado um parecer favorável (n.º 74/2022). Obteve-se autorização do centro de hemodiálise para a realização do estudo.
Foi assegurada a livre participação, com assinatura do consentimento informado. Esclareceu-se previamente que em qualquer momento poderia haver desistência na participação, sem necessidade de qualquer esclarecimento. Assegurou-se a confidencialidade e o anonimato dos dados recolhidos. A recolha dos dados decorreu nos meses de fevereiro e março de 2022, durante as sessões de diálise, sempre que reunidas as condições de manutenção da privacidade.
As análises estatísticas dos dados foram realizadas com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 28.0. Para a análise descritiva das variáveis de caracterização da amostra, recorreu-se à estatística descritiva - frequências absolutas, relativas, medidas de tendência central e de dispersão. Calculou-se o coeficiente do Alpha de Cronbach para avaliar a consistência interna da escala. Para analisar a relação (análise inferencial) entre os valores de adesão e as demais variáveis sociodemográficas e clínicas, utilizaram-se testes não paramétricos, uma vez que não se verificaram os pressupostos para a aplicação de testes paramétricos, nomeadamente no que concerne à verificação da normalidade dos dados. Aplicou-se o teste Mann-Whitney aquando de dois grupos independentes e teste Kruskal-Wallis aquando de três ou mais grupos independentes. Aquando da obtenção de valores estatisticamente significativos, seguiu-se a aplicação do teste post hoc de Dunn para comparações pareadas. Consideraram-se os resultados estatisticamente significativos quando o valor de p < 0,05.
Resultados
A amostra deste estudo, constituída por 101 pessoas com DRC, é maioritariamente do sexo masculino (63,4%; n = 64), com idades compreendidas entre os 65 e os 84 anos (67,3%; n = 68), casados ou em união de facto (68,3%; n = 69), com habilitações ao nível do 1.º ciclo (53,5%; n = 54). A maioria dos inquiridos, reside em meio rural (60,4%; n = 61), são reformados (75,2%; n = 76), e vivem com o cônjuge ou companheiro (72,3%; n = 73). A idade média da amostra situa-se nos 71,47 ± 11,46 anos. Os dados supra plasmados são apresentados na Tabela 1.
Variáveis sociodemográficas | n | % | |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 64 | 63,4 | |
Feminino | 37 | 36,6 | |
Faixa etária | |||
Menor de 65 Anos | 22 | 21,8 | |
De 65 a 74 Anos | 40 | 39,6 | |
De 75 a 84 Anos | 28 | 27,7 | |
84 ou Mais Anos | 11 | 10,9 | |
Min = 30 anos; Max = 95 anos; M ± DP = 71,47 ± 11,46 anos | |||
Estado civil | |||
Solteiro | 5 | 5,0 | |
Casado/União de Facto | 69 | 68,3 | |
Divorciado/Separado | 5 | 5,0 | |
Viúvo | 22 | 21,8 | |
Habilitações literárias | |||
Não sabe Ler Nem Escrever | 8 | 7,9 | |
Sabe Ler e Escrever | 12 | 11,9 | |
1º Ciclo | 54 | 53,5 | |
2.º Ciclo | 12 | 11,9 | |
3.º Ciclo | 4 | 4,0 | |
Secundário | 9 | 8,9 | |
Superior | 2 | 2,0 | |
Local de residência | |||
Urbano | 40 | 39,6 | |
Rural | 61 | 60,4 | |
Situação profissional | |||
No ativo | 10 | 9,9 | |
Reformado | 76 | 75,2 | |
Outra | 15 | 14,9 | |
Coabitação | |||
Cônjuge/Companheiro | 73 | 72,3 | |
Familiares | 16 | 15,8 | |
Sozinho | 12 | 11,9 | |
Total | 101 | 100 |
Nota. n = Número de indivíduos da amostra; Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão.
Todos os inquiridos deste estudo fazem dois tipos de tratamento: medicação oral e hemodiálise. Dos 101 indivíduos da amostra, 38 (37,62%) não sofrem de outras patologias. Os 63 (62,38%) restantes apresentam um número de patologias a variar entre uma e cinco, sendo a categoria das três patologias a que possui maior predomínio (n = 28). Quanto ao número de medicamentos que toma diariamente, há 47 doentes (46,53%) que toma entre 1 e 4, 48 (47,52%) toma entre 4 e 6, e, 6 (5,94%) toma 10 ou mais medicamentos. O número médio de medicamentos diários situa-se nos 5,26±2,62. Estes dados são apresentados na Tabela 2.
Variáveis Clínicas | n | % | ||
---|---|---|---|---|
Presença de Outras Patologias | ||||
Sim | 63 | 62,38 | ||
Não | 38 | 37,62 | ||
Número de Outras Patologias (n = 63) | ||||
1 | 13 | 20,63 | ||
2 | 28 | 44,44 | ||
3 | 14 | 22,22 | ||
4 | 5 | 7,94 | ||
5 | 3 | 4,76 | ||
Número de Medicamentos Diários | ||||
Até 4 Medicamentos | 47 | 46,53 | ||
De 5 a 9 Medicamentos | 48 | 47,52 | ||
10 ou Mais Medicamentos | 6 | 5,94 | ||
Min = 2 med.; Max = 13 med.; M ± DP = 5,26 ± 2,62 med. |
Nota. n = Número de indivíduos da amostra; med. = Medicamentos; Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão.
Relativamente à confiabilidade da escala MAT, o Alpha de Cronbach calculado para a amostra foi de 0,805, indicando uma fiabilidade interna boa, de acordo com a classificação apresentada por Vilelas (2020). Valor superior ao encontrado por Delgado e Lima (2001) que obtiveram um Alpha de Cronbach de 0,74.
Na Tabela 3 apresentam-se as respostas dos inquiridos relativos à adesão aos tratamentos medicamentosos. A distribuição da amostra nos vários itens da escala, concentram-se nas categorias superiores (raramente e nunca). A maioria dos inquiridos (64,4%; n = 65) referiu raramente ou nunca se esqueceu de tomar a medicação, mas, 27,7% refere esquecer-se por vezes, 6,9% esquece-se com frequência e 1,0% refere que se esquece quase sempre de tomar a medicação. Quanto ao ser descuidado com as horas de tomar a medicação a maioria raramente ou nunca foi descuidado. No entanto, 22,8% da amostra respondeu que por vezes é descuidado com as horas, 6,9% com frequência é descuidado, 2,0% quase sempre e 1,0% é sempre descuidado com a hora de tomar a medicação. Quando questionados sobre deixar de tomar a medicação por se sentirem melhor, 62,4% nunca o fez, 28,7% raramente fez e 8,9% por vezes deixou de tomar. E, quanto ao deixar de tomar a medicação por se sentirem pior, 80,2% nunca o fez, 13,9% raramente fez e 5,9% fê-lo por vezes. Relativamente ao tomar medicação em dose superior à prescrita por se sentirem pior, 91,1% nunca o fez, 5,9% raramente fez e 2,0% fê-lo por vezes. Quanto ao interromper a medicação por término dos medicamentos, 2,0% respondeu que acontece com frequência, 17,8% por vezes, 65,3% raramente e 14,9% nunca deixou de terminar a medicação. E, relativamente a deixar de tomar medicação por algum motivo que não a indicação médica, 4,0% indicou por vezes, 10,9% raramente e 85,1% nunca o fez.
Questão | Sempre (1) | Quase Sempre (2) | Com Frequência (3) | Por Vezes (4) | Raramente (5) | Nunca (6) |
---|---|---|---|---|---|---|
Alguma vez se esqueceu de tomar a medicação? | 0 (0,0) | 1 (1,0%) | 7 (6,9%) | 28 (27,7%) | 51 (50,5%) | 14 (13,9%) |
Alguma vez foi descuidado com as horas de tomar a medicação? | 1 (1,0%) | 2 (2,0%) | 7 (6,9%) | 23 (22,8%) | 56 (55,4%) | 12 (11,9%) |
Alguma vez deixou de tomar a medicação, por sua iniciativa, por se ter sentido melhor? | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 9 (8,9%) | 29 (28,7%) | 63 (62,4%) |
Alguma vez deixou de tomar a medicação, por sua iniciativa, por se ter sentido pior? | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 6 (5,9%) | 14 (13,9%) | 81 (80,2%) |
Alguma vez tomou a medicação em dose superior à prescrita, por sua iniciativa, por se ter sentido pior? | 1 (1,0%) | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 2 (2,0%) | 6 (5,9%) | 92 (91,1%) |
Alguma vez interrompeu a toma de medicação por ter deixado acabar os medicamentos? | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 2 (2,0%) | 18 (17,8%) | 66 (65,3%) | 15 (14,9%) |
Alguma vez deixou de tomar a medicação por alguma razão que não a indicação médica? | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 0 (0,0) | 4 (4,0%) | 11 (10,9%) | 86 (85,1%) |
Na Tabela 4 apresenta-se os valores médios e desvio padrão, assim como a variação e a mediana para cada item da escala da MAT. Os valores médios obtidos são todos elevados, traduzindo um elevado nível de adesão aos tratamentos. Os dois primeiros itens, referentes ao esquecimento e ao descuido em relação às horas de tomar a medicação, são os que apresentam menor valor médio (4,69 e 4,65, respetivamente). Os valores medianos dos itens foram 5 ou 6. O desvio padrão é baixo e traduz uma elevada concordância nas respostas dos inquiridos. Globalmente, o valor médio obtido nos sete itens da escala da MAT foi de 5,32 com um desvio padrão de 0,47 e uma mediana de 5,43.
Tendo por base o padrão dicotómico baseado na mediana, verificou-se que 82,18% da amostra (n = 83) apresentavam uma mediana igual ou superior a 5, considerada aderente, e 17,82% (n = 18) apresentavam uma mediana abaixo de 5, considerada não aderente.
Questão | Min | Max | M | DP | Mediana |
---|---|---|---|---|---|
Alguma vez se esqueceu de tomar a medicação? | 2 | 6 | 4,69 | 0,83 | 5 |
Alguma vez foi descuidado com as horas de tomar a medicação? | 1 | 6 | 4,65 | 0,92 | 5 |
Alguma vez deixou de tomar a medicação, por sua iniciativa, por se ter sentido melhor? | 4 | 6 | 5,53 | 0,66 | 6 |
Alguma vez deixou de tomar a medicação, por sua iniciativa, por se ter sentido pior? | 4 | 6 | 5,74 | 0,56 | 6 |
Alguma vez tomou a medicação em dose superior à prescrita, por sua iniciativa, por se ter sentido pior? | 1 | 6 | 5,85 | 0,61 | 6 |
Alguma vez interrompeu a toma de medicação por ter deixado acabar os medicamentos? | 3 | 6 | 4,93 | 0,64 | 5 |
Alguma vez deixou de tomar a medicação por alguma razão que não a indicação médica? | 4 | 6 | 5,81 | 0,48 | 6 |
MAT | 4 | 6 | 5,32 | 0,47 | 5,43 |
Nota. MAT = Medida de Adesão aos Tratamentos; Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão.
Na Tabela 5, apresentam-se em função das variáveis sociodemográficas e clínicas, os valores médios e as medianas do nível de adesão, bem como o valor de prova para o teste de hipótese utilizado, visando dar resposta ao segundo objetivo preconizado. Quanto ao sexo, observa-se que a pontuação da MAT é mais elevada no sexo feminino (mediana = 5,57), contudo as diferenças não são estatisticamente significativas (p > 0,05). Por idade, observa-se que as pessoas com DRC que apresentam um menor valor da mediana (5,29) da medida de adesão aos tratamentos são as que pertencem às classes etárias dos 75 a 84 anos e dos 85 ou mais anos, mas, sem significância estatística (p > 0,05). Quanto ao estado civil, o grupo dos solteiros é o que apresenta uma pontuação mais elevada na mediana (5,57), enquanto os do grupo dos divorciados/separados a menor (5,29), no entanto as diferenças não estatisticamente significativas (p > 0,05). No que concerne às habilitações literárias, obteve-se uma menor pontuação na mediana (5,0) no grupo dos indivíduos que não sabem ler nem escrever, em sentido contrário, a mais elevada verificou-se nas categorias “sabem ler e escrever” e “1º ciclo ou mais”, ambas com 5,43, não existindo diferenças estatisticamente significativas. Quanto ao local de residência, os que residem em meio urbano são os que apresentam pontuações mais elevadas ao nível da mediana (5,57), sem significância estatística. Os inquiridos que vivem com familiares são os que apresentam a menor pontuação do nível de adesão (mediana = 5,21), e os que vivem sozinhos são os que apresentam o valor mais elevado (5,57), no entanto as diferenças não possuem significado estatístico (p = 0,055). Quanto à existência de outras patologias para além da DRC, o grupo dos que possuem 3 ou mais patologias concomitantes é aquele em que a medida de adesão foi menor. Atendendo que o valor de prova obtido no teste de Kruskal-Wallis é inferior a 5% (p = 0,021), seguiu-se a aplicação do teste Dunn, verificando-se uma diferença estatisticamente significativa entre o grupo dos que não possuem doença concomitante e o grupo dos que possuem três ou mais doenças concomitantes (p = 0,006).
No que concerne ao número de medicamentos diários, calculou-se a adesão com base em duas categorias (inferior a cinco medicamentos e superior a cinco medicamentos, esta última comumente utilizada como critério de polimedicação). A maioria da amostra que toma 5 ou mais medicamentos (53,47%; n = 54) é a que apresenta menor pontuação na mediana (5,29), comparativamente aos que tomam menos de 5 medicamentos (5,57), diferença com significância estatística (p = 0,011).
Variável | n | M | Mediana | DP | Teste | Valor de Prova | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | Masculino | 64 | 5,28 | 5,57 | 0,47 | Mann-Whitney | 0,207 |
Feminino | 37 | 5,39 | 5,43 | 0,46 | |||
Idade | Menor de 65 Anos | 22 | 5,37 | 5,57 | 0,43 | Kruskal-Wallis | 0,131 |
De 65 a 74 Anos | 40 | 5,41 | 5,57 | 0,37 | |||
De 75 a 84 Anos | 28 | 5,27 | 5,29 | 0,52 | |||
85 Anos ou Mais | 11 | 5,01 | 5,29 | 0,61 | |||
Estado Civil | Solteiro | 5 | 5,20 | 5,57 | 0,53 | Kruskal-Wallis | 0,814 |
Casado/União de Facto | 69 | 5,35 | 5,43 | 0,46 | |||
Divorciado/Separado | 5 | 5,31 | 5,29 | 0,26 | |||
Viúvo | 22 | 5,22 | 5,43 | 0,53 | |||
Habilitações Literárias | Não Sabe Ler Nem Escrever | 8 | 5,02 | 5,0 | 0,77 | Kruskal-Wallis | 0,295 |
Sabe Ler e Escrever | 12 | 5,48 | 5,43 | 0,40 | |||
1.º Ciclo ou Mais | 81 | 5,32 | 5,43 | 0,43 | |||
Local de Residência | Urbano | 40 | 5,33 | 5,57 | 0,47 | Mann-Whitney | 0,650 |
Rural | 61 | 5,31 | 5,43 | 0,46 | |||
Coabitação | Cônjuge/Companheiro | 73 | 5,34 | 5,43 | 0,44 | Kruskal-Wallis | 0,055 |
Familiares | 16 | 5,08 | 5,21 | 0,55 | |||
Sozinho | 12 | 5,46 | 5,57 | 0,42 | |||
Outras Patologias para além da DRC | Não | 38 | 5,45 | 5,57 | 0,38 | Kruskal-Wallis | 0,021 |
1 ou 2 | 41 | 5,31 | 5,43 | 0,43 | |||
3 ou Mais | 22 | 5,09 | 5,29 | 0,59 | |||
Número de Medicamentos/Dia | Inferior a 5 med. | 47 | 5,44 | 5,57 | 0,37 | Mann-Whitney | 0,011 |
Superior a 5 med. | 54 | 5,21 | 5,29 | 0,52 |
Nota. n = Número de indivíduos da amostra; Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão; med. = Medicamentos.
Discussão
A caracterização sociodemográfica da amostra assemelha-se em parte com a estudada por Barros (2020), envolvendo uma amostra de 47 pessoas com DRC estádio 5 em programa de hemodiálise, de uma região de Portugal, maioritariamente do sexo masculino e com habilitações ao nível do 1.º ciclo, e com uma idade média ligeiramente inferior (68 ± 13) à do presente estudo (71,47 ± 11,46). Tendo por base os dados apresentados no relatório anual 2020 pela Sociedade Portuguesa de Nefrologia (2020), a 31 de dezembro de 2020, em Portugal, dos 12458 doentes em tratamento hemodialítico, a maioria era do sexo masculino (60,09%) e pertenciam ao grupo dos 65 ou mais anos (65,19%). O número médio de medicamentos diários deste estudo foi de 5,26 ± 2,62, visando o controlo de possíveis distúrbios/sintomas associados, quer à DRC, quer à(s) doença(s) concomitante(s), presente em 62,38% da amostra.
No que concerne à primeira questão de investigação, a amostra evidenciou uma pontuação média da MAT de 5,32 ± 0,47. Com base no padrão dicotómico, 82,18% da amostra foi considerada aderente e 17,82% (n = 18) não aderente. A pontuação média é superior ao estudo de Barros (2020), na medida em que obteve 4,3 ± 0,29. Santos (2018), no Brasil, utilizando o mesmo instrumento, numa amostra de doentes com DRC em tratamento hemodialítico, obteve uma pontuação média de 5,06 ± 0,09, com 65% da amostra a ser considerada aderente. Atendendo aos limites máximos possíveis de alcançar, no que concerne à pontuação média e à percentagem máxima de aderentes, sobressai um intervalo passível de melhoria. Como refere Pinto (2020), a pessoa com DRC que se encontra em programa de hemodiálise “tem um regime terapêutico complexo, nomeadamente a nível do regime medicamentoso. O enfermeiro em função da natureza dos seus cuidados, tem um acesso privilegiado para capacitar a pessoa, dotando-a de conhecimentos e habilidades, para poder auto-gerir a sua condição clínica” (p. 26). Como indica Martins et al. (2017), podem ser adotadas várias estratégias pelos enfermeiros, dirigidas ao doente e/ou família, de índole educacional, comportamental e motivacional, que visem a melhoria da adesão, quer ao nível do regime medicamentoso, quer ao nível do regime terapêutico no seu global, devendo integrar “o esclarecimento sobre a sua patologia e a importância da adoção de hábitos de vida saudáveis, reforçando a sua motivação” (p. 15). De salientar que o esquecimento e o descuido em relação às horas de tomar a medicação foram duas das questões da escala MAT que apresentaram menor pontuação média. Nielsen et al. (2018) salientam o papel importante dos profissionais de saúde na adesão à medicação da pessoa com DRC, auxiliando-a na adoção de estratégias, como por exemplo: o mapeamento das rotinas diárias da pessoa e respetiva associação da toma da medicação; o recurso aos auxiliares de memória; a desmistificação das crenças erróneas acerca dos medicamentos; o apoio para lidar no controlo dos efeitos secundários da medicação. Face aos resultados do estudo, estas medidas, numa abordagem centrada na pessoa, com envolvimento proativo da pessoa, poderão contribuir para a melhoria dos níveis de adesão. A monitorização contínua dos níveis de adesão ao regime medicamentoso permitirá comprovar a eficácia das estratégias adotadas.
Da relação entre a adesão ao regime terapêutico medicamentoso e as variáveis independentes (sociodemográficas e clínicas), descortinaram-se diferenças estatisticamente significativas em função, quer do número de patologias, quer do número de medicamentos diários. A maioria da amostra detinha pelo menos uma doença concomitante, e uma prescrição diária acima de cinco medicamentos, correspondendo ao grupo cuja pontuação do nível de adesão era menor. Para Pinto (2020, p. 33), “o regime medicamentoso da pessoa com DRC em hemodiálise é extremamente complexo, não só pelo número de medicamentos que toma, mas também pela própria dificuldade de ser ajustado ao contexto dialítico”, pelo que se impõe a adoção de medidas que visem o incremento da adesão. O tempo e a frequência das sessões de hemodiálise podem constituir uma janela de oportunidade para o enfermeiro desenvolver algumas das estratégias apontadas.
Dada a dimensão reduzida da amostra, bem como a técnica de amostragem utilizada (não probabilística), a amostra não pode ser considerada representativa.
Conclusão
O estudo permitiu avaliar o nível de adesão ao regime terapêutico medicamentoso da pessoa com DRC, em programa de hemodiálise, e ainda identificar a sua relação com as variáveis sociodemográficas e clínicas, recorrendo-se a um IRD validado para a população portuguesa. Com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos doentes, através do controlo dos distúrbios resultantes da DRC, bem como das demais comorbilidades que os acometem, a adesão da totalidade da amostra ao regime terapêutico medicamentoso constitui um desígnio a alcançar. A percentagem de não aderentes ao regime terapêutico medicamentoso, bem como, a relação da adesão com o número de patologias e com o número de medicamentos, releva a importância do alerta e respetiva adoção de estratégias por parte de toda uma equipa multidisciplinar. Os enfermeiros constituem uma peça fundamental, no que concerne à realização do diagnóstico real de adesão ao regime terapêutico medicamentoso, usando instrumentos próprios, validados e adaptados transculturalmente. Os resultados permitirão o delineamento de estratégias a executar (ao nível psicoeducativo, motivacional, entre outros), fundadas na evidência científica mais atual. Sugere-se a realização de futuras investigações que envolvam amostras representativas das demais regiões do País. De igual forma, seria importante um estudo comparativo entre os demais países, integrando novas variáveis a descortinar, como o rendimento mensal, as crenças da pessoa acerca dos medicamentos, o tempo que o doente se encontra em tratamento hemodialítico, entre outras.