Introdução
As doenças cardiovasculares (DCV), das quais fazem parte a Doença Isquémica Coronária (DC), são uma das principais causas de morte em Portugal. Embora o seu peso relativo tenha sofrido um decréscimo gradual, a taxa de mortalidade permanece elevada. A DC esteve na origem de 7.241 óbitos em 2018, menos 1% que no ano anterior, representando a segunda maior proporção de óbitos (6,4%), precedida do Acidente Vascular Cerebral (AVC). Registaram-se também 4 620 mortes por Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM), ou seja, 4,1% da mortalidade, com um aumento de 1,7% no número de óbitos em relação ao ano anterior (4 542 óbitos; Instituto Nacional Estatística, 2020). Segundo o Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção, em 2020 realizaram-se 7.750 intervenções coronárias percutâneas (ICP) eletivas, mais 910 do que em 2019, e 3.838 ICP primárias, mais 114 que em 2019 (Sociedade Portuguesa de Cardiologia, 2020). Tendo em conta estes dados, e depois de instalada a DCV, torna-se primordial uma abordagem integrada de valorização dos fatores de risco cardiovascular bem como da adesão à terapêutica (prevenção secundária), com enfoque na monitorização e controlo. Assim, este estudo foi realizado com o objetivo de avaliar o impacto de um programa educativo de enfermagem online, tendo em conta as características sociodemográficas, fatores de risco cardiovasculares, estilo de vida, indicadores clínicos, adesão à terapêutica farmacológica, capacidade de autocuidado terapêutico, literacia e aceitação do recurso a tecnologia.
Enquadramento
Segundo a Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), os programas de prevenção secundária desenvolvidos por enfermeiros, nomeadamente os que incentivam o uso de tecnologias de comunicação e informação, são eficientes, aumentando a orientação e aceitação do risco cardiovascular dos doentes através da utilização de avisos eletrónicos ou referências automáticas, realização de visitas de referência e de encaminhamento ou promoção de programas de acompanhamento estruturados, com início precoce imediatamente após a alta hospitalar, de modo a fornecer e apoiar cuidados clínicos à distância (Piepoli et al., 2016). No âmbito da pandemia COVID-19, também a Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros, desenvolveu um Guia de Recomendações para as Consultas de Enfermagem à distância (Ordem dos Enfermeiros, 2021), com o objetivo de elencar um conjunto de princípios e recomendações, para promover o desenvolvimento e uniformização das consultas de enfermagem à distância e reforçar o envolvimento dos cidadãos no seu autocuidado e gestão da sua situação de saúde/doença.
As DCV encontram-se em estreita relação com um conjunto de fatores de risco não modificáveis como a hereditariedade, o sexo e a idade, e com outros modificáveis como o estilo de vida, nomeadamente hábitos tabágicos, hábitos alimentares pouco saudáveis (dieta rica em sal, gordura e calorias), consumo de álcool, sedentarismo, obesidade, stress, hipertensão arterial (HTA), diabetes mellitus e dislipidemia (Piepoli et al., 2016). A adoção de um estilo de vida saudável diminui o risco de eventos cardiovasculares e mortalidade subsequentes, e é adicional à terapia de prevenção secundária apropriada. Os benefícios são evidentes aos seis meses, com a redução da progressão da DC e o risco de reestenose da artéria revascularizada por ICP (Neumann et al., 2020) Segundo o estudo COURAGE (Optimal Medical Therapy with or without PCI for Stable Coronary Disease), a terapia ideal realça o papel fundamental do enfermeiro na promoção da adesão aos medicamentos, aconselhamento comportamental e suporte para os fatores de risco relacionados com o estilo de vida (Neumann et al., 2020).
Questão de investigação
Qual o impacto de um programa educativo de enfermagem à distância, com recurso a tecnologia online (tablets, telemóveis ou computadores), na prevenção secundária da DC, nos doentes submetidos a ICP?
Metodologia
Realizou-se um estudo quantitativo, descritivo, do tipo experimental. Tratou-se de uma amostra não probabilística, acidental, randomizada em que os participantes tinham DC, e tinham sido admitidos em regime de ambulatório no serviço de Hemodinâmica, e após realização de ICP ficaram internados num serviço de Cardiologia de um hospital central da região centro do país, no ano de 2020. Para tal, definiram-se como critérios de inclusão no estudo: idade superior a 18 anos; admitido em regime de ambulatório no serviço de Hemodinâmica e ter internamento após realização de ICP; ter acesso a um computador, tablet ou telemóvel com internet e saber utilizá-lo (ou ter apoio de algum familiar), bem como a uma aplicação ou software de realização de videochamadas. Os participantes foram incluídos no Grupo Experimental (GE) e Grupo Controlo (GC), com randomização semanal, durante o período de dois meses, tendo-se obtido uma amostra de 23 participantes. Numa semana foram randomizados para um grupo, e na semana seguinte para o outro. A primeira semana de inclusão teve início com o GE, que se constituiu na totalidade por 12 participantes, e o GC por 11. Definiu-se a utilização de um questionário como instrumento de colheita de dados aplicado na consulta inicial e final. O questionário foi dividido nas seguintes dimensões: 1 - Caracterização sociodemográfica e Fatores de Risco Cardiovasculares (FRCV) de acordo com a avaliação clínica de parâmetros, como o peso, Índice Massa Corporal (IMC), Perímetro Abdominal (PA), Tensão Arterial (TA), glicemia capilar e colesterol, realizada nos momentos de avaliação inicial e final; 2 - Adesão ao Tratamento Farmacológico (MAT) através de uma escala tipo Likert, elaborada, adaptada e validada em Portugal por Delgado e Lima (2001) através da sua aplicação em pessoas portadoras de doenças crónicas, com um score máximo de seis pontos e mínimo de um, sendo que valores mais elevados correspondem a um maior nível de adesão ao regime terapêutico medicamentoso; 3 - Capacidade de Autocuidado Terapêutico (IAT), que avaliou o envolvimento dos doentes em quatro aspetos do autocuidado: terapêutica farmacológica, identificação e controlo de sintomas, capacidade para a realização de atividades de vida diária e capacidade para gerir mudanças na sua condição de saúde. O seu score mínimo é de zero pontos e o máximo 60, correspondente a um elevado nível de desempenho (Cardoso et al., 2014). 4 - Literacia em saúde através do Teste de Batalla (Calixto et al., 2013), que avaliou o conhecimento do doente sobre a sua própria situação clínica, e questionário Verdadeiro/Falso (V/F) constituído por um conjunto de questões elaboradas por Silva (2019) e validadas por três peritos da área: um médico cardiologista, uma enfermeira especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica e uma enfermeira generalista, todos com níveis de experiência profissional em cuidados intensivos coronários superiores a 10 anos; 5 - Estilo de Vida (QEVF), que explora os hábitos e comportamentos em relação aos estilos de vida adequados para a saúde, sendo possível, através do score global, estratificar o comportamento dos participantes em cinco níveis de classificação: zero a 46 - Necessita Melhorar; de 47 a 72 - Regular; de 73 a 84 - Bom; de 85 a 102 - Muito Bom; de 103 a 120 - Excelente. Este questionário constituiu-se de 30 questões que exploraram 10 domínios dos componentes físico, psicológico e social do estilo de vida dos participantes (Silva et al., 2014); 6 - Aceitação da Tecnologia (TAM-versão 1) com questões divididas em duas dimensões (utilidade e facilidade percebida) e adaptadas à temática em estudo num pré-teste por Silva (2014), cujo grau de concordância aumenta conforme o maior número de pontos obtidos.
Na consulta inicial, que decorreu de forma presencial no dia da alta hospitalar, foram entregues folhetos informativos sobre os fatores de risco cardiovascular e foi aplicado o questionário a todos os participantes (GC e GE) para avaliação dos parâmetros anteriormente descritos, com o objetivo de se realizar um diagnóstico inicial da situação clínica e estabelecer, juntamente com o participante, um plano de ação e metas específicas a serem atingidas até à consulta seguinte. Nas consultas subsequentes, ao longo de 6 meses, nos participantes do GE, avaliou-se a incorporação de conhecimento acerca das temáticas sobre as quais detinham menos informação, demonstrado em cada consulta, tendo por base o questionário inicial, envolvendo os familiares de referência, negociando e estabelecendo metas acerca do plano de ação e objetivos a atingir até à consulta seguinte. A consulta final decorreu presencialmente, de forma semelhante à consulta inicial. O GC após a inclusão no estudo e consulta inicial não foi sujeito a qualquer intervenção por parte da investigadora, realizando-se apenas nova aplicação do questionário inicial, de forma presencial após 6 meses.
Os dados obtidos foram inseridos numa base em Microsoft Excel® construída para o efeito, que posteriormente foi exportada para o programa de tratamento estatístico IBM SPSS Statistics, versão 24.0, para Windows.
Seguidamente, efetuou-se uma análise descritiva das variáveis em estudo com o objetivo de as caracterizar, em função da sua escala de medida, recorrendo às medidas de tendência central, tendo em consideração o desenho do estudo, tamanho e características da população.
Os princípios éticos inerentes à investigação científica foram respeitados e o projeto foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde (autorização 003-20) da unidade hospitalar onde os doentes foram seguidos. Os participantes assinaram o consentimento livre e esclarecido, após serem informados sobre a confidencialidade, a metodologia e objetivos do estudo, riscos e benefícios da sua participação e o direito de abandonar o estudo a qualquer momento.
Resultados
No que concerne aos dados sociodemográficos verificou-se que apenas uma participante era do sexo feminino (GC), sendo os restantes 22 do sexo masculino. Relativamente à idade, variou entre os 39 e os 73 anos, sendo a idade média do GE de 59,3 anos (± 8,4) e a idade média do GC de 62,55 anos (± 10). A maioria dos participantes eram casados/unidos de fato (75% no GE; 81,9% no GC), e apenas 8,3% do GE e 9,1% do GC viviam sós, sendo que grande parte residia em zona urbana (83,3 % do GE e 63,6% do GC). O ensino secundário foi concluído por 50 % dos participantes do GE, e 36,3 % do GC frequentou apenas o 1º ciclo de escolaridade, sendo esta a percentagem com maior representatividade na escolaridade do GC. Dos participantes do GE, 58,3% eram trabalhadores ativos e do GC, 54,6% também (Tabela 1).
Características Sociodemográficas e Profissionais | GE (n = 12) | GC ( n = 11) | Total | ||
n | % | n | % | n | |
Com quem vive Esposa Esposa e filho(s) Filho(s) Sozinho Total | 4 5 2 1 12 | 33,3 41,7 16,7 8,3 100,0 | 5 4 1 1 11 | 45,4 36,4 9,1 9,1 100,0 | 9 9 3 2 23 |
Área de Residência Rural Urbana Total | 2 10 12 | 16,7 83,3 100,0 | 4 7 11 | 36,4 63,6 100,0 | 6 17 23 |
Habilitações Literárias 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo Secundário Superior Total | 1 2 0 6 3 12 | 8,3 16,7 0 50 25 100,0 | 4 3 2 0 2 11 | 36,3 27,3 18,2 0 18,2 100,0 | 5 5 2 6 5 23 |
Situação Profissional Trabalhador por conta própria Trabalhador por conta de outrem Reformado Desempregado Total | 3 4 5 0 12 | 25 33,3 41,7 0 100,0 | 2 4 4 1 11 | 18,1 36,4 36,4 9,1 100,0 | 5 8 9 1 23 |
Nota. GE = Grupo experimental; GC = Grupo controlo; n = Número de participantes.
Relativamente aos FRCV (Tabela 2), verificou-se que a HTA tem maior predominância (50% no GE e 72,7% no GC). A história familiar de doença cardiovascular surge com grande representatividade na amostra (50% no GE e 54,5% no GC), bem como a obesidade (33,3% no GE e 63,6% do GC). Seguiu-se o consumo de álcool (25% no GE e 36,4% no GC), o sedentarismo e a dislipidemia (16,7% no GE e 36,4% de GC), a diabetes (8,3% no GE e 9,1% do GC) e por último o tabagismo (8,3% no GE).
Fatores de Risco Cardiovasculares | GE (n = 12) | GC (n = 11) | Total (n = 23) | ||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | |
Hipertensão Arterial História Familiar Obesidade Consumo de Álcool Sedentarismo Dislipidemia Diabetes | 6 6 4 3 2 2 1 | 50 50 33,3 25 16,7 16,7 8,3 | 8 6 7 4 4 4 1 | 72,7 54,5 63,6 36,4 36,4 36,4 9,1 | 14 12 11 7 6 6 2 |
Não Fumador Fumador (tabaco/outras substâncias) | 11 1 | 91,6 8,3 | 11 0 | 100,0 0 | 22 1 |
Nota. GE = Grupo Experimental; GC = Grupo Controlo; n = Número de participantes.
No que concerne aos valores de TA sistólica, na Tabela 3 podemos constatar que há uma redução dos valores médios entre o mês 0 (início da avaliação) e o mês 6 no GE e no GC. Esta redução no GE traduziu-se por uma melhoria na classificação geral dos valores passando o grupo de TA sistólica normal alta para TA sistólica normal, de acordo com o sistema de categorização adotado (Williams et al., 2018). No GC, a redução apresentada consiste numa alteração de HTA grau 1 para TA sistólica normal /alta. Quanto aos valores de glicemia, registou-se uma diminuição nos valores médios no GE entre os dois momentos e um aumento no GC, tendo ambos os grupos apenas um participante diabético. No que se refere ao colesterol, representado pelos valores da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e triglicerídeos (TG), no GE verificou-se uma redução do valor médio do primeiro para o segundo momento de avaliação de 42,38 mg/dL no valor de LDL e um aumento de 5 mg/dL no valor médio de TG. No GC também ocorreu uma diminuição no valor médio do LDL de 34,41 mg/dL, acompanhada de uma diminuição do valor médio de TG de 6,09 mg/dL. Em relação ao peso, verificou-se que no GE ocorreu uma diminuição do valor médio entre os dois momentos de avaliação, correspondente a uma redução global média de 5,4 Kg no grupo. No GC, ocorreu um aumento médio nos valores de peso de cerca de 0,700Kg no mesmo período. Esta evolução ponderal repercutiu-se na evolução do IMC, verificando-se uma redução média de 27,33 kg/m2 para 25,66 kg/m2 no GE, e um aumento de 28,53 kg/m2 para 28,83 kg/m2 nos participantes do GC. A par desta evolução, os valores do perímetro abdominal (PA) do GE também apresentaram uma diminuição global média de 4,58 cm entre os momentos de avaliação inicial e final, e no GC um aumento de 0,82 cm entre os dois momentos de avaliação.
Na MAT apresentada na Tabela 3, verifica-se que ocorreu uma evolução positiva do mês zero para o mês seis, sendo no GE de 5,72 pontos para 5,79 pontos. No GC, verificou-se uma diminuição no valor de score médio inicial de 5,48 pontos para 4,68 pontos.
Na IAT, verificou-se que ocorreu uma evolução positiva em ambos os grupos, embora superior no GE, com um aumento do score médio inicial de 48,40 pontos para 54,42 pontos, correspondente a uma diferença de 6,02 pontos, e de 43,27 pontos para 46,00 pontos, correspondente a uma diferença de 2,73 pontos no GC. O estilo de vida dos participantes foi avaliado através do QEVF, verificando-se (Tabela 3) que no mês zero o GE apresentava um score médio de 94,5 pontos, correspondente a uma classificação de Muito Bom, enquanto o GC apresentava um score médio de 78,18 pontos, correspondente a uma classificação de Bom. Após 6 meses de acompanhamento, obteve-se uma evolução positiva nos resultados do GE com uma subida de score médio para 100,7 pontos, mantendo a classificação de Muito Bom, ao invés do GC que apresentou uma diminuição do score médio, tendo obtido um valor de 64,55 pontos, correspondente a uma classificação de Regular. O TAM, que se divide em constructos de utilidade e facilidade percebida, apresentou no GE valores médios iniciais, em ambos os constructos, superiores aos do GC. No entanto, verificou-se um aumento de pontos entre as avaliações em ambos os constructos nos dois grupos (0,58 pontos na utilidade percebida e 0,70 pontos na facilidade percebida no GE e 0,31 e 0,21 pontos, respetivamente, no GC), terminando o GE com uma pontuação média final superior ao GC que não obteve acompanhamento online. No teste de Batalla, verificou-se uma diminuição do número de elementos do GE com um nível de conhecimento correspondente a um não cumprimento do tratamento passando para a classificação de cumpridores/aderentes do tratamento (50% para 83,3%). No GC verificou-se o inverso, uma diminuição do número de participantes cumpridores do tratamento, passando de 27,3% a 18,2% participantes. No que diz respeito ao questionário V/F (Tabela 3), verificou-se uma evolução do número de respostas corretas de 83,3% para 92,1% no GE, contrariamente ao GC cujo número de respostas corretas diminui de 69,1% para 59,5%.
Indicadores | GE (n = 12) | GC (n =1 1) | Melhoria + ou - | |||
Mês 0 | Mês 6 | Mês 0 | Mês 6 | GE | GC | |
TA Sistólica (mmHg) | 132,08 | 120,58 | 143,45 | 138,73 | + | + |
TA Diastólica (mmHg) | 78,17 | 73,25 | 84,55 | 83,73 | + | + |
Glicemia (mg/dL) | 101,17 | 97,73 | 104,91 | 109,18 | + | - |
LDL (mg/dL) | 122,11 | 79,73 | 132,19 | 97,78 | + | + |
TG (mg/dL) | 108,25 | 113,25 | 124,18 | 118,09 | - | + |
Peso (kg) | 83,04 | 77,64 | 79,36 | 80,09 | + | - |
IMC (kg/m2) | 27,33 | 25,66 | 28,53 | 28,83 | + | - |
PA (cm) | 99,79 | 95,21 | 105,41 | 106,23 | + | - |
MAT | 5,72 | 5,79 | 5,48 | 4,68 | + | - |
IAT | 48,40 | 54,42 | 43,27 | 46,00 | + | + |
QEVF | 94,5 | 100,7 | 78,18 | 64,55 | + | - |
TAM Utilidade percebida Facilidade Percebida | 3,94 3,91 | 4,52 4,61 | 3,25 3,31 | 3,56 3,52 | + + | + + |
Indicadores | GE (n=12) % | GC (n=11) % | Melhoria + ou - | |||
Mês 0 | Mês 6 | Mês 0 | Mês 6 | GE | GC | |
Batalla | 50 | 83,3 | 27,3 | 18,2 | + | - |
Questionário V/F-corretas | 83,3 | 92,1 | 69,1 | 59,5 | + | - |
Nota. GE = Grupo experimental; GC = Grupo controlo; n = Número de participantes; TA = Tensão arterial; LDL = Low density lipoprotein; TG = Triglícerídeos; IMC = Índice massa corporal; PA = Perímetro Abdominal; MAT = Adesão tratamento farmacológico; IAT = Capacidade autocuidado terapêutico; QEFV = Questionário estilo vida fantástico; TAM = Modelo aceitação tecnologia; V/F = Verdadeiro/falso.
O risco cardiovascular associado ao PA aumentado e já anteriormente confirmado, é explícito na Tabela 4 quando o GE no mês zero apresentou a mesma percentagem de participantes em cada categoria, 33,3% com risco muito aumentado, risco aumentado e sem risco, e no mês seis, apresentou um aumento da percentagem de participantes sem risco para 41,7% e uma diminuição do risco aumentado para 25%, mantendo-se a percentagem inicial de risco muito aumentado de 33,3%. No GC, na avaliação inicial, apenas 9,1% dos participantes não apresentavam risco cardiovascular, bem como o mesmo número apresentava risco aumentado associado ao PA, e 81,1% apresentava risco muito aumentado. No final, no GC, verificou-se a uma ligeira melhoria do grau de risco cardiovascular, traduzido pela diminuição da percentagem de participantes com risco muito elevado para 72,7%, com consequente aumento do número de participantes com risco elevado (18,2%), mantendo o mesmo número sem risco (9,1%).
Risco cardiovascular associado ao PA | GE (n = 12) | GC (n = 11) | ||
n | % | n | % | |
Mês 0 Sem Risco Risco Aumentado: PA > 94 cm Risco Muito Aumentado: PA ≥ 102cm | 4 4 4 | 33,3 33,3 33,3 | 1 1 9 | 9,1 9,1 81,8 |
Mês 6 Sem Risco Risco Aumentado: PA > 94 cm Risco Muito Aumentado: PA ≥ 102cm | 5 3 4 | 41,7 25 33,3 | 1 2 8 | 9,1 18,2 72,7 |
Nota. PA = Perímetro abdominal; GE = Grupo experimental; GC = Grupo controlo.
Discussão
Os resultados desta investigação vão ao encontro ao descrito na literatura. Em Portugal, segundo os dados do Registo Nacional de Síndrome Coronário Agudo (SCA), cerca de 71% da totalidade dos doentes com SCA pertencem ao sexo masculino, mantendo a elevada representatividade ao longo dos anos, indo de encontro a este estudo onde a maior percentagem de participantes é do sexo masculino (Timóteo & Mimoso, 2018). A média de idades da amostra foi de 62,55 anos (DP = 10) no GC e de 59,3 anos (DP = 8,41) no GE, o que difere ligeiramente da tendência descrita por Timóteo & Mimoso (2018) de 66 anos (DP = 13). Verificou-se uma maior prevalência dos participantes casados/unidos de fato, vivendo a grande maioria com familiares, em consonância com o registo nacional de Censos, do INE, onde 87,09% da população portuguesa é casada e, consequentemente, vive com familiares (Instituto Nacional Estatística, 2020). A maior parte reside em zona urbana. O grupo com maior representatividade na amostra (26,2%) concluiu o ensino secundário, 21,7% concluíram o ensino superior, o 2º e o 1º ciclo cada, e apenas 8,7% concluiu o 3º ciclo, indo de encontro aos dados da população portuguesa relativamente ao ensino secundário, uma vez que abrange cerca de 32% dos portugueses, diferindo no valor do ensino superior, cuja amostra é superior ao do INE que refere apenas 12% com este grau académico. A amostra é composta por 56,5% trabalhadores ativos, aspeto que se pode compreender devido à média etária da amostra. Com HTA encontraram-se 60,8% dos participantes tal como no estudo de Reveles et al., (2018), constituído por 87,5% de participantes hipertensos. Os dados do Registo Nacional de SCA, apresentam 64,5% da população portuguesa com HTA (Timóteo & Mimoso, 2018). Relativamente à história familiar de doença cardiovascular, estava presente em 52,2% dos participantes, em concordância com o estudo de Silva (2019), no qual 61,1% apresentavam fatores de risco familiares. Cerca de 30,4% consumia álcool com alguma regularidade, resultado semelhante ao encontrado por Silva (2019). Quanto ao sedentarismo e à dislipidemia, este estudo apresentou uma amostra com resultados muito satisfatórios face aos estudos anteriormente mencionados, facto que pode estar associado à faixa etária da amostra com valor mínimo de 39 anos e máximo de 73 anos, e também ao facto da grande maioria dos participantes ser profissionalmente ativa. Apesar de se ter verificado uma redução do valor médio de LDL em ambos os grupos, são os valores médios do GE que se aproximam mais dos valores considerados como de baixo risco para a população em estudo, mantendo-se muito próximos do valor alvo de LDL (55mg/dL). O aumento do valor médio dos TG no GE tem representatividade, abaixo do limite preconizado para este marcador (150 mg/dL), tal como no GC. O tabagismo foi o fator de risco menos prevalente nesta amostra com apenas um participante do GE fumador de tabaco e de outras substâncias, dados que vão ao encontro à atualidade nacional em que a média de fumadores diários com idade superior a 15 anos fica abaixo da média da OCDE (Fernandes, 2020).
No que concerne aos indicadores de peso, IMC, PA, TA, colesterol e glicemia, os resultados obtidos pelo GE demonstraram uma redução em todos os parâmetros. Estes resultados vão de encontro a estudos nacionais e internacionais já realizados neste âmbito. Em Portugal, o estudo desenvolvido por Silva (2019) com acompanhamento de enfermagem mensal online em doentes pós SCA demonstrou melhorias estatisticamente significativas em todos os indicadores clínicos e antropométricos nos participantes pertencentes ao GE. Também o estudo de Reveles et al. (2018), com acompanhamento de enfermagem mensal e presencial em doentes pós SCA, demonstrou a ocorrência de melhorias estatisticamente significativas nos valores de peso, IMC, PA no GE, com evidência de um maior controlo dos valores de TA e glicemia. Internacionalmente, os resultados descritos por Jorstad et al. (2013), que desenvolveram um estudo randomizado, multicêntrico, na Holanda, de prevenção secundária da DCV em doentes após SCA, coordenado por enfermeiros e baseado no acompanhamento por consultas de enfermagem (quatro consultas, durante 6 meses e reavaliação aos 12 meses), revelaram uma diminuição nos valores de colesterol.
Os participantes do GE apresentaram uma evolução positiva no valor médio de score da MAT aos 6 meses, existindo uma melhor adesão à terapêutica farmacológica do GE comparativamente ao GC, demonstrado por uma homogeneidade de respostas no segundo momento de avaliação.
Relativamente ao autocuidado, verificou-se a existência de um aumento de 6,02 pontos do score médio do IAT, representativo da melhoria na capacidade de autocuidado terapêutico no GE, ao longo dos 6 meses, e de uma maior homogeneidade de valores no final do acompanhamento, tal como no estudo desenvolvido por Du et al. (2016) em doentes com SCA após ICP, em que se verificou que o GE apresentou maior controlo sobre fatores de risco cardiovascular e adesão terapêutica e o programa de acompanhamento intensivo melhorou significativamente o prognóstico dos pacientes chineses com SCA após ICP.
Em relação à literacia, verificou-se a existência de um aumento de respostas V/F corretas do score no GE após 6 meses de acompanhamento, atingindo-se 92,1% de questões corretas. O mesmo sucedeu com o teste de Batalla, onde o GE apresentou um aumento, atingindo 83,3%, correspondente a um cumprimento do tratamento. Ao invés, no GC verificou-se um declínio das percentagens em ambas as avaliações. Em Portugal, Andrade et al. (2018) publicaram os dados de um estudo transversal realizado em 2012 com o objetivo de caracterizar o conhecimento específico sobre a doença DCV, nomeadamente o AVC e o EAM, da população portuguesa, de acordo com fatores sociodemográficos, literacia em saúde e história clínica. Avaliaram 1.624 participantes residentes no continente, com idade compreendida entre os 16 e 79 anos, através de entrevistas presenciais com questionário estruturado. Os resultados obtidos referem que, em geral, participantes com literacia em saúde adequada revelaram um conhecimento em saúde cardiovascular mais apropriado (Andrade et al., 2018).
O estilo de vida dos participantes revelou que, no GE houve um aumento do score após os 6 meses, mantendo a classificação de Muito Bom. No entanto, estes resultados ainda traduzem uma melhoria no estilo de vida dos participantes do GE. O GC detinha, inicialmente, um score médio inicial inferior ao do GE, verificando-se um declínio comportamental associado ao estilo de vida, tendo ocorrido uma diminuição na classificação de Bom para Regular. O estudo Medicare conduziu durante 12 meses um acompanhamento para avaliar a eficácia de dois programas intensivos de modificação do estilo de vida em 580 participantes com doença arterial coronária sintomática e que foram submetidos a ICP, concluindo que a maioria dos FRCV melhorou significativamente durante o período de intensa intervenção em ambos os programas (Razavi et al., 2014).
Quanto à utilização efetiva de tecnologia, o GE apresentou um significativo aumento de pontuação média entre os dois momentos de avaliação (0,58 pontos na utilidade percebida e 0,70 pontos na facilidade percebida), terminando com valores finais médios muito superiores aos iniciais. Também se verificou um aumento muito significativo na homogeneidade de respostas dentro do grupo GE, representativo da existência de um elevado nível de concordância na aceitação do recurso a tecnologia. O GC apresentou um aumento de 0,31 pontos na utilidade percebida e 0,21 pontos na facilidade percebida, entre os dois momentos de avaliação e também expressou uma maior homogeneidade na avaliação final. Tal como com Silva et al. (2012), ambos os grupos demonstraram um elevado nível de concordância com a utilidade deste tipo de sistema de acompanhamento, acreditando que podem melhorar o seu desempenho (utilidade percebida), bem como a facilidade da sua utilização (facilidade percebida). A aceitação por parte do GE foi manifestamente mais elevada, uma vez que o acompanhamento mensal em consulta de Enfermagem online os aproximou dos cuidados de saúde em tempo de pandemia. Este facto foi manifestado também pelo GC na avaliação final, mas na relação inversa. O acompanhamento online que não tiveram passou a ser mais valorizado pelo facto de se terem sentido mais distantes dos cuidados de saúde durante a pandemia.
Considera-se essencial referir algumas das limitações do estudo como: a dimensão da amostra (23 participantes), o curto período temporal de inclusão de participantes, a redução do número de doentes eletivos no laboratório de Hemodinâmica devido aos constrangimentos que a pandemia provocou nestas rotinas, bem como o cumprimento dos critérios de inclusão.
Conclusão
Os resultados apresentados, demonstram que o acompanhamento personalizado de Enfermagem com recurso a tecnologias online, contribuiu para uma evolução positiva dos indicadores clínicos (Peso, PA, IMC, TA, Glicemia, LDL e TG), e também da adesão à terapêutica farmacológica, da capacidade de autocuidado terapêutico; da literacia acerca da sua situação clínica; estilo de vida e aceitação do uso da tecnologia, manifestado pela utilidade e facilidade da sua utilização. Estes resultados vêm comprovar a importância da implementação de programas de intervenção de Enfermagem com recurso a tecnologia online, em doentes com DC estável após realização de ICP, traduzindo ganhos em saúde significativos.
Pela pertinência da temática, das limitações e dos resultados obtidos após a realização do presente estudo, sugere-se a realização de desenhos de investigação semelhantes mas com amostras com dimensão superior; com maior período temporal de inclusão e acompanhamento de participantes; com aplicação de testes de hipóteses para verificação da significância estatística, incrementando o nível de evidência científica; com a inclusão da família/cuidador no acompanhamento de Enfermagem (uma vez que constituem o principal apoio do doente após a alta hospitalar); com articulação com os cuidados de saúde primários, através da implementação de protocolos de colaboração na avaliação e controlo de indicadores clínicos e estilos de vida e comportamentos de saúde; e com a uniformização dos programas de acompanhamento e educação para a saúde no seio das equipas de Enfermagem que prestam cuidados a esta população.