Introdução
O cuidado centrado no doente e família assenta em quatro conceitos centrais: dignidade e respeito, partilha de informação, participação e colaboração. Constitui-se como elemento essencial para a qualidade e segurança dos cuidados (Institute for Patient and Family-Centered Care [IPFCC], 2017). Os familiares da Pessoa em Situação Crítica (PSC) desenvolvem um conjunto de alterações no seu estado de saúde, denominando-se como Síndrome Pós-Terapia Intensiva da Família (Needham et al., 2012). Neste sentido, a Society of Critical Care Medicine (SCCM) divulgou recomendações para os cuidados centrados no doente e na família em Unidades de Cuidados Intensivos (UCI) (Davidson et al., 2017). A parceria enfermeiro-família tem contribuído para a melhoria das experiências e resultados do doente e da sua família (Heyland et al., 2018; Kleinpell et al., 2018). Os enfermeiros encontram-se na melhor posição para proporcionar suporte a estes familiares, reconhecendo a importância da família nos cuidados (Kiwanuka et al., 2019).
O objetivo geral do estudo foi conhecer a perceção dos enfermeiros da Unidade de Cuidados Intensivos Cardíacos (UCIC) de um Centro Hospitalar da Zona Norte de Portugal (CHZNP) sobre as Práticas Relacionais dos Enfermeiros com a Família em Unidade de Cuidados Intensivos (PREFUCI). Decorrente do objetivo geral, formulámos os objetivos específicos: i) identificar a perceção dos enfermeiros da UCIC de um CHZNP sobre a importância que atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI; ii) identificar a perceção global dos enfermeiros da UCIC de um CHZNP sobre a importância que atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI; iii) analisar a relação entre a importância que os enfermeiros da UCIC de um CHZNP atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI.
Enquadramento
O cuidado centrado na família é uma abordagem de cuidados de saúde que respeita e atende as necessidades e valores individuais de cada família. Adotámos o conceito de família da SCCM, para a qual a família é definida pelo doente, ou, no caso de menores ou sem capacidade de decisão, pelos seus substitutos, podendo ter ou não relação de parentesco com o doente (Davidson et al., 2017). A UCI define-se como um espaço que reúne os meios humanos e técnicos para monitorização e tratamento da PSC (Ministério da Saúde, 2013), no caso da UCIC, PSC do foro cardíaco.
As intervenções promotoras do uso das recomendações da SCCM para o cuidado centrado no doente e família agrupam-se em quatro categorias: desenvolver relações de cuidado, comunicação, presença e envolvimento e tomada de decisão (Davidson & Zisook, 2017). No mesmo sentido, as PREFUCI representam intervenções que deveriam ser implementadas pelos enfermeiros no seu quotidiano de interação com os familiares, no contexto da prestação de cuidados à PSC (Carvalhido, 2014).
O enfermeiro, a PSC, a família, o ambiente da prática profissional e os recursos disponíveis para o cuidado familiar têm caraterísticas que podem servir como fatores inibidores ou facilitadores do envolvimento da família (Hetland et al., 2018). Iniciativas que o promovem têm sido implementadas em todo o mundo. No entanto, o seu grau de implementação não é homogéneo. As práticas mais frequentemente adotadas relacionam-se com o fornecimento de informações às famílias. Menos frequentes são a flexibilização e abertura à presença do familiar, na visita médica ao doente ou durante procedimentos de ressuscitação e invasivos (Kleinpell et al., 2018).
Questões de investigação
Qual a perceção dos enfermeiros da UCIC de um CHZNP sobre a importância que atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI?
Será que a importância que os enfermeiros da UCIC de um CHZNP atribuem às PREFUCI está relacionada com a frequência com que as implementam?
Metodologia
Desenvolvemos um estudo de natureza quantitativa, descritivo, correlacional e transversal. A população alvo do estudo foram todos os enfermeiros, 27 enfermeiros, da UCIC de um CHZNP. Definiram-se como critérios de inclusão: estar a exercer funções na UCIC aquando da realização do estudo e como critérios de exclusão: o não preenchimento da totalidade do questionário. A amostra por conveniência, constituída por 26 enfermeiros.
Para a recolha de dados utilizamos o questionário PREFUCI, de autopreenchimento, validado para a população portuguesa por Carvalhido (2014). É composto por duas partes, a primeira refere-se à caraterização das condições laborais dos participantes e a segunda parte é constituída pelas escalas que avaliam as PREFUCI, sendo elas: Frequência (PREFUCI-F) e Importância (PREFUCI-I). As escalas são de tipo Likert de cinco pontos, constituídas por 15 itens, sendo estes os mesmos nas duas escalas. À direita o participante responde na escala da importância e à esquerda na escala da frequência. Os itens das escalas agruparam-se em três fatores: Fator 1 - Práticas de Acolhimento e Informação (PAI), Fator 2 - Práticas de Integração em Procedimentos Técnicos e Processos de Tomada de Decisão (PIPTPTD) e Fator 3 - Práticas de Gestão de Visitas (PGV). A soma das pontuações obtidas em cada item possibilita obter o Score global para cada escala que varia entre 15 e 75. Scores mais elevados sugerem uma atitude promotora de interação positiva com os familiares da PSC em UCI, e Scores mais baixos são indicativos de uma atitude inibidora (Carvalhido, 2014).
O questionário PREFUCI foi validado numa amostra por conveniência de 239 enfermeiros a trabalhar em diferentes UCI, tendo revelado qualidades psicométricas satisfatórias (Carvalhido, 2014). No presente estudo foi calculado o alfa de Cronbach, tendo-se obtido os valores de 0,901 para a PREFUCI-F e 0,927 para a PREFUCI-I, são valores de alfa aceitáveis (Field et al., 2012).
O estudo foi aprovado pela comissão de ética do Centro hospitalar, com o registo Doc. Nº 45/2021-CA, obteve autorização do diretor clínico e da enfermeira gestora. Obtivemos também autorização da autora para utilizar a escala.
A recolha de dados ocorreu na UCIC no mês de fevereiro de 2021. Após preenchimento do consentimento informado, o investigador principal entregou o questionário aos participantes, juntamente com um envelope, onde estes colocaram o questionário preenchido e, posteriormente, o depositaram numa urna selada que se encontrava no gabinete da enfermeira gestora acessível apenas ao investigador principal.
Neste estudo definiram-se variáveis de investigação: os itens da PREFUCI-I, os itens da PREFUCI-F, o Score global da PREFUCI-I e o Score global da PREFUCI-F.
Para o tratamento de dados utilizamos o IBM SPSS®, versão 27.0, recorremos à estatística descritiva e inferencial. Na inferencial utilizamos os testes não paramétricos, estes não exigem uma distribuição normal e a nossa amostra é de reduzida dimensão (Field et al., 2012).
Resultados
Amostra constituída por 26 enfermeiros, a maioria do sexo feminino, 65,4% (n = 17) e na faixa etária dos 51-60 anos, 53,8% (n = 14). Quanto à experiência profissional, 34,6% (n = 9) situa-se entre 31-40 anos. A maioria é licenciada, 80,8% (n = 21), os restantes possuem mestrado e 76,9% (n = 20) não possui especialidade.
No que se refere à caraterização do ambiente laboral, verificamos que: em relação à dinâmica relacional dos participantes com os familiares da PSC, 23,1% (n = 6) classificaram-na como excelente, 50% (n = 13) como boa e 26,9% (n = 7) como razoável. Quanto às condições físicas da UCIC foram consideradas facilitadoras do desempenho por 80,8% (n = 21) dos participantes e 19,2% (n = 5) entenderam que estas não interferiam no seu desempenho. Relativamente à influência que a relação com os restantes elementos da equipa de enfermagem tinha no seu desempenho, 65,4% (n = 17) dos participantes classificaram-na como facilitadora do seu desempenho, 26,9% (n = 7) afirmaram que não interferia no seu desempenho e 7,7% (n = 2) consideraram-na dificultadora do seu trabalho.
No domínio da perceção dos enfermeiros sobre a importância que atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI, relativamente à importância que os participantes atribuem às PREFUCI, da análise do Fator 1-PAI, verificou-se que, a prática "Informar os familiares sobre situações de fim de vida" foi considerada Totalmente importante por 53,8% (n = 14) dos participantes, assim como "Disponibilizar-se para esclarecer dúvidas aos familiares" por 65,4% (n = 17) e "Disponibilizar aos familiares o contacto do serviço 24h/dia, para obtenção de esclarecimentos/informações" por 38,5% (n = 10). As práticas "Identificar-se e apresentar-se (nome e categoria profissional)", "Escutar a opinião dos familiares sobre a qualidade dos cuidados de enfermagem prestados no decorrer do internamento em UCI" e "Estabelecer relação de confiança com os familiares" foram consideradas Muito importante por 50% (n = 13) dos participantes. A prática "Informar o que o familiar verá (aspeto do cliente, equipamento envolvente e dispositivos de suporte e monitorização" foi considerada Muito importante por 46,2% (n = 12) dos participantes. A prática “Avaliar a adaptação da família face à situação de internamento em UCI” obteve valores iguais, 34,6% (n = 9), no Muito importante e no Totalmente importante e a prática “Escutar a opinião dos familiares sobre o ambiente dos espaços que lhes são destinados”, foi considerada por 42,3% (n = 11) como Importante.
Relativamente ao Fator 2 - PIPTPTD, a prática “Promover a presença de familiares, junto do cliente, no decorrer de procedimentos não invasivos (cuidados de higiene, alternância de decúbitos, mudança de roupa)” foi considerada por 30,8% (n = 8) como Pouco importante e Muito importante com a mesma percentagem. A prática “Promover a participação dos familiares em procedimentos não invasivos” foi considerada por 34,6% (n = 9) como Importante. No que se refere às práticas “Permitir a tomada de decisão partilhada com a família do cliente, relativamente a procedimentos” e “Permitir a tomada de decisão partilhada com a família do cliente, relativamente a atitudes terapêuticas”, 42,3% (n = 11) consideraram-nas Muito importante.
No que se refere ao Fator 3-PGV, a prática “Gerir o horário de visitas” foi considerada como Muito importante por 53,8% (n = 14), assim como “Gerir o número de visitantes de acordo com as necessidades do cliente/família” por 57,7% (n = 15). Todos estes resultados podem ser observados na Tabela 1.
Nota. % = Frequência relativa; PAI = Práticas de Acolhimento e Informação; PIPTPTD = Práticas de Integração em Procedimentos Técnicos e Processos de Tomada de Decisão; PGV = Práticas de Gestão de Visitas; Nd. Imp.= Nada Importante; Pc. Imp. = Pouco Importante; Imp.= Importante; Mt. Imp. = Muito Importante; Tot. Imp. = Totalmente Importante.
Relativamente à frequência de implementação das PREFUCI, no que concerne ao Fator 1 - PAI, as práticas "Disponibilizar-se para esclarecer dúvidas aos familiares" e "Disponibilizar aos familiares o contacto do serviço 24h/dia, para obtenção de esclarecimentos/informações" foram consideradas implementadas Sempre por 61,5% (n = 16) e 34,6% (n = 9) dos participantes, respetivamente. A prática "Identificar-se e apresentar-se (nome e categoria profissional)" foi considerada implementada Frequentemente por 53,8% (n = 14) dos participantes, assim como "Informar o que o familiar verá (aspeto do cliente, equipamento envolvente e dispositivos de suporte e monitorização)" por 57,7% (n = 15), "Escutar a opinião dos familiares sobre a qualidade dos cuidados de enfermagem prestados no decorrer do internamento em UCI" por 42,3% (n = 11), "Avaliar a adaptação da família face à situação de internamento em UCI" por 38,5% (n = 10) e "Estabelecer relação de confiança com os familiares" por 53,8% (n = 14). A prática “Informar os familiares sobre situações de fim de vida” foi considerada realizada Frequentemente e Algumas vezes por igual número de participantes, 30,8% (n = 8) e a prática “Escutar a opinião dos familiares sobre o ambiente dos espaços que lhes são destinados” foi considerada por 38,5% (n = 10) como implementada Raramente.
Em relação ao Fator 2 - PIPTPTD, a prática “Promover a presença de familiares, junto do cliente, no decorrer de procedimentos não invasivos (cuidados de higiene, alternância de decúbitos, mudança de roupa)” e a prática “Promover a participação dos familiares em procedimentos não invasivos” foram consideradas implementadas Raramente por 46,2% (n = 12) e 42,3% (n = 11) dos participantes, respetivamente. A prática “Permitir a tomada de decisão partilhada com a família do cliente, relativamente a procedimentos” reuniu igual número de respostas, 30,8% (n = 8), no Frequentemente e Algumas vezes. A prática “Permitir a tomada de decisão partilhada com a família do cliente, relativamente a atitudes terapêuticas” foi considerada por 46,2% (n = 12) dos participantes implementada Algumas vezes.
Relativamente ao Fator 3-PGV, 46,2% (n = 12) dos participantes considerou implementar Frequentemente a prática “Gerir o horário de visitas”. A prática “Gerir o número de visitantes de acordo com as necessidades do cliente/família” reuniu igual número de respostas, 34,6% (n = 9), no Frequentemente e Sempre. Todos estes resultados podem ser observados na Tabela 2.
Nota. % = frequência relativa; PAI = Práticas de Acolhimento e Informação; PIPTPTD = Práticas de Integração em Procedimentos Técnicos e Processos de Tomada de Decisão; PGV = Práticas de Gestão de Visitas; Nc.= Nunca, Rar. = Raramente, Alg. Vez. = Algumas Vezes, Frq. = Frequentemente, Sp. = Sempre.
Relativamente à perceção global dos enfermeiros sobre a importância que atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI, como se pode verificar na Tabela 3, a média apurada em relação ao Score global da PREFUCI-I foi de 59,5. Em relação ao Score global da PREFUCI-F, verificou-se um valor médio de 52,692.
Score global da PREFUCI-I | Score global da PREFUCI-F | |
---|---|---|
Média | 59,500 | 52,692 |
Desvio padrão | 9,079 | 9,085 |
Mínimo | 40 | 41 |
Máximo | 75 | 73 |
Nota. PREFUCI-I = Práticas Relacionais dos Enfermeiros com a Família em Unidade de Cuidados Intensivos-Importância; PREFUCI-F = Práticas Relacionais dos Enfermeiros com a Família em Unidade de Cuidados Intensivos-Frequência.
Quanto ao estudo da relação entre o Score global da PREFUCI-I e Score global da PREFUCI-F, dado ao reduzido tamanho da amostra, optou-se pela utilização de um teste não paramétrico, a correlação de Spearman (rho). Como consta da Tabela 4, obteve-se o valor de 0,587 (p = 0,002) e concluiu-se que as variáveis apresentaram uma correlação positiva média (Field et al., 2012).
Variáveis | Rho de Spearman | P |
Score global da PREFUCI-I e Score global da PREFUCI-F | 0,587 | 0,002 |
Nota. PREFUCI-I = Práticas Relacionais dos Enfermeiros com a Família em Unidade de Cuidados Intensivos-Importân- cia; PREFUCI-F = Práticas Relacionais dos Enfermeiros com a Família em Unidade de Cuidados Intensivos-Frequência.
Discussão
À semelhança de outros estudos, verificamos que o ambiente da UCIC foi percecionado pelos participantes como um ambiente laboral positivo, o que contribui para o envolvimento da família nas UCI (Hetland et al., 2018; Wei et al., 2018).
No que se refere à perceção dos enfermeiros sobre a importância que atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI, os participantes do nosso estudo consideraram a maior parte das PAI como Muito importante ou Totalmente importante e que as implementam Frequentemente ou Sempre.
O estudo de Velasco Bueno et al. (2018) mostrou que os familiares consideravam a maioria das suas questões passível de ser esclarecida quer pelo médico, quer pelos enfermeiros. No entanto, são várias as barreiras identificadas pelos enfermeiros para a concretização dessa função. Entre elas, as questões legais, a organização dos serviços, a formação e a competência profissional e os interesses profissionais (Velasco Bueno et al., 2018). Contrariamente a estes factos, verificamos que a prática “Disponibilizar-se para esclarecer dúvidas aos familiares” foi, de todas as PREFUCI, a que reuniu maior percentagem de respostas no extremo positivo das escalas. No entanto, e apesar da PAI “Informar os familiares sobre situações de fim de vida” ter sido maioritariamente considerada Totalmente importante pelos participantes, apenas uma pequena percentagem referiu implementá-la Sempre. Enfermeiros e familiares tendem a acreditar que a comunicação à família de tópicos como o prognóstico ou cuidados paliativos não se encontra dentro das suas responsabilidades (Velasco Bueno et al., 2018).
O trabalho de McAndrew et al. (2020) mostrou que as famílias desejam um maior empoderamento nos processos de saúde e os enfermeiros desempenham um papel vital nesse processo. Relativamente às PIPTPTD, estas foram as práticas que registaram maior percentagem de respostas a nível do Nunca e do Raramente na escala da frequência. Para além disso, as práticas “Promover a presença de familiares, junto do cliente, no decorrer de procedimentos não invasivos (cuidados de higiene, alternância de decúbitos, mudança de roupa)” e “Promover a participação dos familiares em procedimentos não invasivos” foram as mais consideradas como Pouco importante de todas as PREFUCI. Estes dados revelam o possível comprometimento do envolvimento pleno dos familiares nos procedimentos técnicos e nos processos de tomada de decisão. O estudo de Kleinpell et al. (2018) revelou que as práticas relacionadas com a transmissão de informação à família eram implementadas com maior frequência que as práticas relacionadas com a presença da família na UCI.
Sobre esta questão, Wong et al. (2020) verificaram que cerca de um terço das famílias queriam participar nos cuidados diretos ao doente. Os mesmos autores afirmam que, a renitência dos familiares em participar nos cuidados diretos à PSC pode ser explicada por vários fatores, entre eles, a natureza da relação do familiar com o doente, o receio de desconectar equipamentos, a labilidade emocional e o testemunhar procedimentos dolorosos para o doente. Estes fatores relacionam-se também com a predisposição dos enfermeiros para incentivar e promover a participação dos familiares nos cuidados ao doente. A crença de que os familiares podem não se sentir confortáveis com a realização desse tipo de atividades será uma das causas da inibição destas práticas. É importante que as famílias tenham a oportunidade de escolher em que atividades desejam participar (Wong et al., 2020). A necessidade de despender mais tempo nestas intervenções poderá explicar valores de percentagem mais baixos no extremo positivo das escalas de importância e frequência das PIPTPTD. No estudo de Imanipour e Kiwanuka (2020), 36% dos enfermeiros referiram não ter tempo para cuidar da família. Este facto poderá ser parcialmente explicado pela elevada carga de trabalho dos enfermeiros de UCI e pelo número insuficiente de enfermeiros por turno (Imanipour & Kiwanuka, 2020). Para além disso, a presença da família aquando da prestação de cuidados por parte do enfermeiro implica a observação direta e a consequente avaliação do desempenho dos enfermeiros por parte dos familiares, o que poderá ser também um fator inibitório destas práticas (Chaves et al., 2017).
As diretrizes para a prática de cuidados centrados na família recomendam a flexibilização das visitas em UCI (Davidson et al., 2017). As PGV foram classificadas pela maioria dos participantes do nosso estudo como Muito importante e implementadas Frequentemente. Estes resultados contrariam dados de outros estudos que revelaram que o acesso da família aos doentes nem sempre é uma prioridade para os profissionais de UCI (Davidson et al., 2017; Hetland et al., 2018). Os participantes mostraram-se dispostos a contornar as barreiras institucionais à flexibilização das visitas na UCIC.
Relativamente à perceção global dos enfermeiros sobre a importância que atribuem e a frequência com que implementam as PREFUCI, e de forma semelhante a outros estudos como os de Chaves et al. (2017), Hetland et al. (2018), Imanipour e Kiwanuka (2020), os participantes revelaram uma atitude promotora de interação positiva com os familiares da PSC. À semelhança do estudo de Imanipour e Kiwanuka (2020), os resultados deste estudo sugerem que os participantes tendem a implementar as PREFUCI com uma frequência inferior ao nível de importância que lhes atribuem, revelando a necessidade de se investir na operacionalização destas práticas. Na origem destas diferenças poderão subsistir diversos fatores que não foram explorados neste estudo.
Lusquiños et al. (2019) afirmam que os estudos sobre a forma como operacionalizar o cuidado centrado na família em UCI são ainda escassos e a adoção de políticas que apoiam esta filosofia do cuidar implica tempo na sua implementação.
Têm sido identificadas várias barreiras ao envolvimento da família nas UCI. Entre elas, a cultura da UCI, a resistência da equipa, a falta de espaço e de tempo, profissionais que se sentem incomodados com a presença da família, a dúvida sobre os seus benefícios, a falta de políticas e diretrizes, a falta de apoio interprofissional e uma inadequada liderança de enfermagem (Hetland et al., 2018; Kleinpell et al., 2018).
No estudo da relação entre a importância atribuída às PREFUCI e a frequência de implementação das mesmas, à semelhança dos estudos de Carvalhido (2014) e de Imanipour e Kiwanuka (2020), observou-se que maiores valores de importância das PREFUCI estão associados a maiores valores na escala da frequência das PREFUCI.
Os enfermeiros requerem conhecimento, treino e recursos especiais para implementar intervenções focadas na família (Hetland et al., 2018).
Este estudo apresenta algumas limitações. A interação dos participantes com a família da PSC foi avaliada através do autorrelato, traduzindo a perceção pessoal dos enfermeiros e podendo refletir alguma influência da desejabilidade social. O instrumento utilizado foi validado numa região de Portugal diferente e em contexto de UCI. O estudo foi realizado numa fase em que as visitas na UCIC se encontravam suspensas devido à pandemia da COVID-19.
Conclusão
Os resultados demonstraram que a maioria dos participantes tem uma atitude positiva face à importância das PREFUCI. No entanto, na sua prática diária, a frequência com que as implementam é moderada. Da análise dos dados, verificou-se uma correlação positiva entre a importância atribuída às PREFUCI e a frequência da sua implementação, enfatizando, por um lado, a importância da formação nesta área, e por outro, a existência de perspetivas otimistas para o aprimoramento da prática de enfermagem junto às famílias. Atendendo à evidência científica atual, estes resultados traduzem uma evolução na atitude dos enfermeiros face às PREFUCI.
Consideramos que este estudo contribui para uma reflexão sobre a interação dos enfermeiros da UCIC com os familiares da PSC, servindo de base para a reestruturação das práticas. Recomenda-se que em estudos posteriores se recorra a métodos de observação direta e se inclua a perspetiva dos familiares.
A enfermagem familiar em UCI deve ser integrada nos currículos de enfermagem e nas políticas das instituições governamentais e hospitalares.