Introdução
A doença crónica é hoje em dia vista como um dos maiores problemas para a medicina e as ciências da saúde. É apontada como uma das principais causas da diferença entre as taxas de mortalidade e morbilidade, ou seja, a distância entre a expectativa de vida e a qualidade de vida (QV).
A doença renal crónica é uma doença caracterizada pela diminuição progressiva e irreversível da função renal, resultante de múltiplos fatores que afetam a estrutura e a função dos rins. É uma doença de longa duração, muitas vezes assintomática nas fases iniciais e de evolução insidiosa. Devido ao aumento das taxas de incidência e prevalência desta patologia nos últimos anos, tem sido reconhecida como um importante problema de saúde pública (Medeiros et al., 2015).
Ao longo da última década tem-se verificado um incremento de doentes renais crónicos em programa de hemodiálise, sendo que, segundo o registo nacional, no final de 2020 existiam cerca de 12 458 doentes, valor que aumentou 77% comparado com os que existiam no ano de 2000 (Galvão et al., 2021).
Este aumento tem levado a muitas questões sobre QV destes doentes, uma vez que se trata de um tratamento crónico e realizado, no mínimo, três vezes por semana, tornando-se numa das doenças crónicas mais exigentes.
O objetivo principal deste estudo é avaliar a QV dos doente renais crónicos em programa regular de hemodiálise. Pretende-se ainda neste estudo relacionar as variáveis sociodemográficas (idade, sexo, residência, escolaridade) com a QV dos doentes renais crónicos em programa regular de hemodiálise.
Enquadramento
Mejia e Merchian (2007) mencionam que a QV é um conceito amplo e multifacetado que abrange aspetos pessoais, tais como saúde, liberdade, independência e satisfação com a vida, bem como fatores ambientais, como a rede de apoio e serviços sociais.
Por sua vez, existem autores que defendem que a QV é a perceção do sujeito em relação à sua posição na vida, ambiente cultural e valores em que está inserido, objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Está relacionado com saúde física, estado mental, independência, relações sociais, crenças e particularidades do ambiente (Pretto et al., 2020).
Para Gomes et al. (2021) a QV está fortemente ligada ao autoconceito e ao bem-estar individual, englobando vários aspetos como a capacidade física, o estrato social e econômico, o equilíbrio emocional, as interações sociais, a atividade mental, a autossuficiência, o apoio familiar, a condição de saúde, os valores culturais, éticos e religiosos, o estilo de vida, a satisfação no trabalho e nas atividades cotidianas e o meio ambiente (Gomes et al., 2021).
É fundamental avaliar os doentes em tratamento de hemodiálise, atendendo às taxas de comorbilidades e mortalidade, bem como avaliar a sua QV, aumentando assim as suas possibilidades de reabilitação.
Segundo Skoumalova et al. (2021), a QV em pessoas com doença renal crónica é inferior à da população em geral, e tende a diminuir com a progressão da doença. A função renal diminuta afeta a QV dos doentes por meio da carga de sintomas, tais como, fragilidade, fadiga, dor, pior funcionamento físico, fraqueza e cãibras. Muitos outros fatores estão associados à QV, tais como, o tipo de terapia renal de substituição, tipo de acesso vascular, eficácia da diálise, presença de comorbidades, apoio social, estado civil e socioeconómico, estratégias de coping e bem-estar psicológico, por exemplo, depressão e ansiedade.
A hemodiálise pode influenciar as dimensões biológica, psicológica, económica e social do doente, podendo interferir na sua QV. Inclusive, doentes renais crónicos tendem a ter menor QV, característica já associada à crescente população de pessoas com doença renal crónica (Gomes et al., 2021).
A incerteza persistente quanto ao diagnóstico, prognóstico, evolução da doença e tratamentos inerentes leva, de forma inevitável, a um impacto emocional e às limitações físicas e funcionais persistentes que afetam a rotina diária, interferindo na capacidade de trabalhar, desempenhar papéis familiares e sociais e participar em atividades recreativas (Ribeiro, 2019).
Os parâmetros socioeconómicos têm grande impacto nas populações menos favorecidas. A perda de emprego resultante da doença poderia ser combatida através do reforço das medidas de segurança social e da reciclagem profissional para se adequar aos efeitos físicos da doença. Compreender o ambiente sociocultural do doente é extremamente importante para uma prestação de cuidados de saúde eficaz. Uma melhor compreensão da QV e dos seus determinantes ajuda a formular estratégias e tratamentos individualizados (Manavalan et al., 2017). Baixos níveis de escolaridade, e o desempenho foram significativamente e independentemente associados com níveis baixos de QV no insuficiente renal crónico.
Segundo Zahid et al. (2021), no seu trabalho de pesquisa sobre a QV de doentes renais crónicos, verificou-se existir relação significativa com as variáveis: idade, ordenado mensal, situação conjugal e ocupação. Ficou patente, no referido estudo, que a insuficiência renal crónica afeta negativamente a qualidade da vida do doente, influenciando a sua saúde psicológica, capacidade física e, além disso, a vida pessoal, não se tendo obtido resultados significativos para a residência, o sexo e o estado de saúde.
Hipóteses
H1 - Os doentes insuficientes renais crónicos apresentam pior QV que população em geral; H2 - Os doentes com níveis de escolaridade mais baixo apresentam pior QV que os doentes com escolaridade mais elevada; H3 - Os doentes mais jovens apresentam melhor QV que os doentes com idade superior; H4 - A QV dos doentes é igual na zona norte, centro e Lisboa e vale do Tejo; H5 - Os doentes do sexo masculino apresentam melhor QV que os doentes do sexo feminino.
Metodologia
Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, descritivo transversal tendo sido utlizado o instrumento de avaliação KDQOL-SF para avaliação da QV dos doentes renais crónicos. A recolha de dados decorreu entre 1 de março de a 30 de abril de 2022 em 7 clínicas de hemodiálise de Portugal das regiões norte, centro, lisboa e vale do tejo.
A população em estudo é constituída por pessoas com doença renal crónica em programa regular de hemodiálise, a realizarem tratamento em clínicas de hemodiálise, na região norte, centro e vale do Tejo de Portugal.
Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: doentes com mais de 18 anos; diagnóstico de doença renal crónica (estádio V); acederem a integrar voluntariamente o estudo; apresentarem capacidade para dar consentimento informado escrito para participar no estudo. Foram considerados como critérios de exclusão não saber ler e escrever em Português e não serem detentores de funções cognitivas intactas, avaliadas como tal pelo profissional de saúde participante.
O questionário e o consentimento informado foram entregues aos doentes que aceitaram integrar o presente estudo e os dados obtidos foram tratados de forma agregada para garantir o anonimato dos participantes.
Os participantes no estudo foram selecionados de entre doentes de uma empresa com clínicas no Norte, centro e vale do Tejo que aceitaram participar de forma voluntaria no presente estudo. Apesar das clínicas pertencerem a uma única empresa, representam a diversidade geográfica e os critérios utilizados na colocação dos doentes em estão unicamente dependentes de critérios pré-definidos pela política de saúde. Trata-se de uma amostra não probabilística de conveniência, mas pelos motivos anteriormente descritos decidimos tratar a amostra como probabilística.
A amostra foi constituída por 268 indivíduos de um total de 12458 que conduz a uma margem de erro de 5.92%.
No questionário, para além do instrumento de medida KDQOL-SF, foram realizadas questões de modo a ter uma caracterização sociodemográfica da amostra em estudo. Desses dados sociodemográficos, retirou-se informação fulcral relativamente à idade, ao género, ao nível de escolaridade e ao tempo de tratamento em hemodiálise.
Instrumento de recolha de dados
O instrumento utilizado para a recolha de dados foi o (Kidney Disease Quality of Life Instrument). Trata-se de um instrumento específico de avaliação da QV para doentes com insuficiência renal em diálise proposto por Hays et al. (1995). Possui 43 perguntas específicas da doença renal (KDQOL) agrupadas em onze dimensões e outra parte do instrumento apresenta que 36 perguntas agrupadas em 9 dimensões (SF-36) que se encontram validadas por (Ferreira, 2003),
Tentamos minimizar o viés da amostra com correto desenho do estudo, escolhendo uma amostra representativa da população e com autopreenchimento do questionário o que permitiu limitar o viés da informação.
A escala KDQOL-SF é uma escala com algumas dimensões com apenas dois itens, esperava-se alguma instabilidade ao nível da consistência interna, avaliada pelo alfa de Cronbach, tal como ocorreu na validação para a população portuguesa. Ainda assim, em apenas cinco das 19 dimensões, para as quais foi calculada a consistência interna, o alfa de Cronbach foi inferior a 0,70 (Peso da doença renal, α = 0,63; Qualidade de interação social, α = 0,38; Sono, α = 0,57; Função social, α = 0,33; e atividade profissional, α = 0,57).
A análise de dados foi realizada com recurso ao programa IBM SPSS statistics, versão 26.0. Nas estatísticas descritivas foram utilizadas frequências absolutas (n) e relativas para as variáveis categóricas, médias (Md) e desvios padrões para as variáveis contínuas, idade e duração da hemodiálise.
A avaliação das propriedades psicométricas da KDQOL-SF 1.3. foi realizada pelo cálculo da consistência interna, medida pelo alfa de Cronbach e pela correlação item-total. A consistência interna adequada foi considerada para α: 0,70 e a correlação item-total para valores acima de 0,30.
A ANOVA foi utilizada, após verificação dos pressupostos (normalidade das variáveis foi analisada através do teste do Kolmogorov-Smirnov e a homogeneidade das variâncias foi verificada pelo teste de Levene) para comparação das dimensões da escala KDQOL-SF 1.3 com variáveis categóricas com três ou mais grupos. As diferenças entre grupos foram avaliadas com o teste de múltiplas comparações de Tukey. As associações com as variáveis da idade e duração da hemodiálise foram avaliadas pelo coeficiente de correlação de Spearmam. O teste do Qui-quadrado do ajuste foi utilizado para avaliar se a distribuição de frequências observadas diferia de uma distribuição teórica na escala SF-36. O nível de significância considerado para rejeição da hipótese nula foi de 5%.
Resultados
A idade média [desvio padrão (dp)] dos participantes foi de 66,38 (12,45) e a duração média do tratamento (dp) 5,35 (5,61). Os doentes eram principalmente da zona centro (n = 112, 41,8%), mas com prevalência assinalável das zonas de Lisboa e Vale do Tejo (n = 81, 30,2%) e norte (n = 75, 28,0%), maioritariamente do sexo masculino (n = 177, 66,0%). As habilitações literárias da amostra eram predominantemente baixas, com quase 50% dos doentes enquadrados na categoria ≤ 1º ciclo completo (n = 130, 48,5%). Seguiu-se o ensino básico completo, com 58 (21,7%) doentes. Apenas 28 (10,4%) tinham concluído o ensino superior, 51 (19,0%) possuía o ensino secundário completo. Uma grande parte dos doentes estavam reformados (n = 216, 80,6%), apenas 31 (11,5%) estavam empregados, 16 (6,0%) estavam desempregados e um era estudante.
Como verificamos na Figura 1, as dimensões com pior resultado são a dimensão Atividade profissional (26,77) e Peso da doença (29,20). No que lhe concerne, as dimensões com melhor pontuação foram o Encorajamento do pessoal de diálise (82,46) e Apoio social (77,99).
Na Tabela 1 apresenta-se a comparação dos valores das dimensões do SF-36 da amostra do presente estudo e da amostra do estudo de Ferreira & Santana (2003) que estabeleceu os valores de referência para a população portuguesa. Verificamos que a pontuação de todas as dimensões é inferior na amostra aqui apresentada quando comparados com os valores padrão para a população portuguesa. Também podemos inferir que existe evidência estatisticamente significativa (p < 0,001) para afirmar que os doentes renais crónicos apresentam menor QV que a restante população.
36-item health survey (SF-36) | Valor referência | Valor amostra | Valor prova | |
---|---|---|---|---|
Função física | 75,27 | 49,54 | p < 0,001 | |
Condição física | 71,21 | 45,86 | p < 0,001 | |
Dor | 63,34 | 57,35 | p < 0,001 | |
Saúde geral | 55,83 | 39,48 | p < 0,001 | |
Bem-estar emocional | 64,04 | 59,36 | p < 0,001 | |
Função emocional | 73,56 | 54,69 | p < 0,001 | |
Função social | 74,95 | 57,19 | p < 0,001 | |
Energia e fadiga | 58,43 | 52,00 | p < 0,001 |
Como podemos verificar na Tabela 2, observou-se que o nível escolar mais baixo (≤ 1.º ciclo completo) se associou com valores mais baixos nas dimensões de atividade profissional (F = 7,45, p < 0,001) na comparação com o ensino secundário e superior, valores mais baixos de encorajamento do pessoal de diálise (F =3,89, p = 0,010), na comparação com o ensino superior, valores mais baixos de função física (F =13,75, p < 0,001), na comparação com o ensino básico, ensino secundário e ensino superior, valores mais baixos de condição física (F = 5,83; p = 0,001), na comparação com ensino secundário e ensino superior, valores mais baixos de dor (F = 3,40; p = 0,018), em comparação com o ensino básico, valores mais baixos de bem-estar emocional (F = 5,49; p = 0,001), em comparação com o ensino secundário, valores mais baixos de função emocional (F = 6,44; p < 0,001) em comparação com o ensino básico, ensino secundário e ensino superior, valores mais baixos de energia e fadiga (F = 4,43; p = 0,005) na comparação com o ensino básico e valores mais baixos do ‘ranking’ de saúde global (F = 5,39; p = 0,001), na comparação com o ensino secundário e ensino superior. As dimensões da atividade profissional, função cognitiva, condição física, bem-estar emocional, função emocional, energia e fadiga e ‘ranking’ de saúde global associaram-se de forma estatisticamente significativa e negativa com idade, embora com tamanho de efeito reduzido (< 0,30). Já no caso da função física, a correlação foi moderada (rs = -0,383, p < 0,001), sugerindo que doentes mais velhos apresentam maior comprometimento desta função. Perante o descrito podemos inferir que os doentes com níveis de escolaridade mais baixo apresentam pior QV que os doentes com escolaridade mais elevada.
KDQOL.SF | ≤ 1º ciclo Completo 1 | EB completo 2 | ESec completo 3 | Esup completo 4 | ANOVA |
---|---|---|---|---|---|
ESRD - targeted Areas | |||||
Sintomas/ problemas | 69,39 (19,69) | 73,66 (18,51) | 73,63 (16,01) | 76,12 (20,08) | F = 1,52; p = 0,209 |
Efeitos da doença renal na vida diária | 59,48 (24,76) | 66,06 (21,33) | 69,13 (21,20) | 60,42 (24,07) | F = 2,52; p = 0,059 |
Peso da doença renal | 2,48 (20,54) | 30,23 (22,61) | 34,88 (26,16) | 35,94 (22,48) | F = 2,16; p = 0,094 |
Atividade profissional | 17,74 (30,04)3,4 | 30,19 (33,02) | 34,00 (40,96)1 | 50,00 (46,90)1 | F = 7,45; p < 0,001 |
Função cognitiva | 71,46 (21,67) | 77,19 (18,39) | 78,43 (17,36) | 77,86 (19,21) | F = 2,25; p = 0,083 |
Qualidade de interação social | 74,27 (22,10) | 80,00 (19,15) | 78,17 (15,89) | 78,81 (16,03) | F = 1,37; p = 0,253 |
Função sexual | 64,24 (33,69) | 71,05 (29,77) | 83,82 (30,86) | 77,08 (32,35) | F = 1,57; p = 0,203 |
Sono | 62,73 (17,21) | 64,00 (19,75) | 65,07 (17,80) | 67,16 (19,12) | F = 0,52; p = 0,670 |
Apoio social | 75,26 (29,13) | 78,07 (29,24) | 80,39 (24,88) | 85,12 (15,94) | F = 1,20; p = 0,312 |
Encorajamento do pessoal de diálise | 86,61 (20,06)4 | 81,36 (23,04) | 79,00 (26,54) | 71,43 (29,63)1 | F = 3,89; p = 0,010 |
Satisfação do doente | 70,87 (22,61) | 69,25 (22,25) | 70,33 (25,26) | 73,21 (24,57) | F = 0,19; p = 0,903 |
36-item health survey (SF-36) | |||||
Função física | 39,38 (27,33)2,3,4 | 53,64 (28.26)1 | 61,90 (27,50)1 | 67.59 (24.35)1 | F = 13,75; p < 0,001 |
Condição física | 37,87 (29.36)3,4 | 50.58 (30,48) | 55,00 (31,82)1 | 56.03 (29.49)1 | F = 5,83; p = 0,001 |
Dor | 51,54 (29,15)2 | 64,87 (28,82)1 | 58,97 (30,52) | 64,29 (31,02) | F = 3,40; p = 0,018 |
Saúde geral | 38,13 (19,11) | 40,20 (17,15) | 41,51 (20,10) | 40,95 (19,28) | F = 0,43; p = 0,733 |
Bem-estar emocional | 64,62 (22,73)3 | 70,39 (20,48) | 77,92 (17,20)1 | 73,71 (18,03) | F = 5,49; p = 0,001 |
Função emocional | 45,80 (29,55)2,3,4 | 62,80 (29,51)1 | 61,67 (34,5)1 | 64,58 (31,88)1 | F = 6,44; p < 0,001 |
Função social | 57,16 (26,64) | 58,23 (31,45) | 54,92 (29,80) | 58,52 (33,05) | F=0,10; p = 0,960 |
Energia e fadiga | 47,17 (22,83)2 | 53,51 (21,30)1 | 58,60 (23,82) | 58,93 (19,50) | F = 4,43; p = 0,005 |
Ranking de saúde global | 56,72 (14,72)3,4 | 62,46 (15,25) | 64,52 (15,02)1 | 65,68 (15,99)1 | F = 5,39; p = 0,001 |
Nota. EB = Ensino básico; Esec = Ensino secundário; Esup = Ensino superior; os números elevados em relação ao texto assinalam as diferenças estatisticamente significativas entre grupos, avaliadas por testes Tukey.
Na avaliação da idade verificamos que as dimensões da atividade profissional (p < 0,01), função cognitiva (p < 0,05), condição física (p < 0,01), bem-estar emocional (p < 0,05), função emocional (p < 0,05), energia e fadiga (p < 0,01) e ‘ranking’ de saúde global (p < 0,01) associaram-se de forma estatisticamente significativa e negativa com idade, embora com tamanho de efeito reduzido (r < 0,30),sugerindo que doentes mais velhos apresentam maior comprometimento dessas funções, confirmando a hipótese de que os doentes mais jovens apresentam melhor QV, como podemos constatar na Tabela 3.
KDQOL.SF | Idade |
---|---|
ESRD - Targeted Areas | |
Sintomas/ problemas | rs = -0,115 |
Efeitos da doença renal na vida diária | rs = -0,047 |
Peso da doença renal | rs = -0,005 |
Atividade profissional | r s =- 0,232 ** |
Função cognitiva | r s = -0,133 * |
Qualidade de interação social | rs = -0,022 |
Função sexual | rs = -0,108 |
Sono | rs = -0,051 |
Apoio social | rs = -0,069 |
Encorajamento do pessoal de diálise | rs = 0,085 |
Satisfação do doente | rs = -0,054 |
36-item health survey (SF-36) | |
Função física | r s = -0,383 ** |
Condição física | r s = -0,266 ** |
Dor | rs = -0,114 |
Saúde geral | rs = 0,010 |
Bem-estar emocional | r s = -0,146 * |
Função emocional | r s = -0,134 * |
Função social | rs =- 0,088 |
Energia e fadiga | r s = -0,184 ** |
Ranking de saúde global | r s =- 0,205 ** |
*p < 0,05; **p < 0,01; correlação calculada com o coeficiente de correlação de Spearman, após verificação de assimetria na distribuição da variável idade.
Como podemos verificar na Tabela 4, detetaram-se diferenças estatisticamente significativas nas dimensões de encorajamento do pessoal de diálise (F = 4,72; p = 0,010) e dor (F = 3,20; p = 0,042). Na dimensão do encorajamento do pessoal de diálise, a região norte obteve pontuações mais elevadas que a região centro e Lisboa e Vale do Tejo. Na dimensão da dor o norte obteve pontuações mais elevadas que a região Centro. Os dados apresentados não validam a hipóteses de que QV dos doentes é igual na zona norte, centro e Lisboa e vale do Tejo.
KDQOL.SF | Norte 1 | Centro 2 | LVT 3 | ANOVA |
---|---|---|---|---|
ESRD - Targeted Areas | ||||
Sintomas/ problemas | 72,75 (21,21) | 71,72 (18,91) | 71,15 (16,62) | F = 0,14; p = 0,867 |
Efeitos da doença renal na vida diária | 63,96 (23,89) | 64,37 (24,19) | 60,09 (22,27) | F = 0,85; p = 0,430 |
Peso da doença renal | 26,82 (21,49) | 30,06 (23,30) | 29,98 (22,23) | F = 0,36; p = 0,697 |
Atividade profissional | 25,68 (34,37) | 22,38 (34,66) | 34,00 (39,56) | F = 2,32; p = 0,101 |
Função cognitiva | 75,11 (20,04) | 75,33 (21,38) | 73,50 (18,46) | F = 0,21; p = 0,811 |
Qualidade de interação social | 77,87 (18,92) | 76,85 (21,87) | 75,53 (17,85) | F = 0,27; p = 0,765 |
Função sexual | 75,93 (28,15) | 70,83 (30,81) | 68,33 (37,68) | F = 0,39; p = 0,676 |
Sono | 65,79 (17,29) | 61,84 (19,59) | 64,81 (16,66) | F = 1,12; p = 0,328 |
Apoio social | 80,22 (26,09) | 75,15 (30,18) | 79,79 (23,97) | F = 1,02; p = 0,362 |
Encorajamento do pessoal de diálise | 88,17 (17,66)2,3 | 82,75 (24,87)1 | 76,72 (25,37)1 | F = 4,72; p = 0,010 |
Satisfação do doente | 75,56 (21,11) | 69,44 (25,22) | 67,90 (21,53) | F = 2,43; p = 0,090 |
36-item health survey (SF-36) | ||||
Função física | 48,31 (30,38) | 46,01 (29,56) | 55,57 (26,84) | F = 2,58; p = 0,078 |
Condição física | 46,50 (30,66) | 43,38 (32,23) | 48,52 (29,98) | F = 0,62; p = 0,541 |
Dor | 63,00 (29,72)2 | 52,06 (30,19)1 | 59,13 (28,94) | F = 3,20; p = 0,042 |
Saúde geral | 39,28 (19,22) | 38,98 (20,61) | 40,36 (15,77) | F = 0,11; p = 0,894 |
Bem-estar emocional | 71,15 (18,88) | 67,67 (21,75) | 70,00 (22,93) | F = 0,64; p = 0,527 |
Função emocional | 57,33 (31,60) | 50,24 (33,46) | 58,11 (28,83) | F = 1,73; p = 0,179 |
Função social | 62,92 (28,43) | 55,07 (27,98) | 54,17 (29,62) | F = 1,72; p = 0,182 |
Energia e fadiga | 51,67 (22,81) | 49,55 (22,62) | 55,69 (22,76) | F = 1,70; p = 0,184 |
Ranking de saúde global | 61,75 (14,05) | 58,92 (16,01) | 61,12 (15,65) | F = 0,89; p = 0,410 |
Nota. LVT = Lisboa e Vale do Tejo; os números 1,2,e 3 elevados em relação ao texto assinalam as diferenças estatisticamente significativas entre grupos, avaliadas por testes Tukey.
Observou-se que as pontuações da função física (t = 2,29, p = 0,023), dor (t = 2,55; p = 0,011), bem-estar emocional (t = 2,34, p = 0,020) e energia e fadiga foram mais elevadas no sexo masculino e com significado estatisticamente significativo como podemos verificar Tabela 5. Os dados apresentados confirmam a hipótese de que os doentes do sexo masculino apresentam melhor QV que os doentes do sexo feminino.
KDQOL.SF | Masculino | Feminino | Teste-T |
ESRD - Targeted Areas | |||
Sintomas/ problemas | 73,37 (17,93) | 68,68 (20,49) | t = 1,89, p = 0,060 |
Efeitos da doença renal na vida diária | 64,24 (23,28) | 60,44 (23,91) | t = 1,23, p = 0,219 |
Peso da doença renal | 29,23 (22,53) | 29,13 (22,40) | t = 0,03, p = 0,978 |
Atividade profissional | 25,90 (35,98) | 28,41 (36,98) | t =-0,52, p = 0,601 |
Função cognitiva | 75,17 (20,22) | 73,85 (19,97) | t = 0,51, p = 0,614 |
Qualidade de interação social | 77,82 (19,83) | 74,67 (19,87) | t = 1,22, p = 0,223 |
Função sexual | 70,91 (30,83) | 73,08 (36,35) | t = -0,28, p = 0,779 |
Sono | 64,65 (18,63) | 62,52 (16,81) | t = 0,87, p = 0,384 |
Apoio social | 78,38 (27,81) | 77,22 (26,38) | t = 0,33, p = 0,744 |
Encorajamento do pessoal de diálise | 82,59 (23,79) | 82,22 (23,18) | t = 0,12, p = 0,905 |
Satisfação do doente | 70,40 (22,89) | 71,30 (23,71) | t = -0,30, p = 0,767 |
36-item health survey (SF-36) | |||
Função física | 52,49 (28,43) | 43,82 (29,93) | t = 2 ,29, p = 0,023 |
Condição física | 46,02 (31,11) | 45,54 (31,12) | t = 0,12, p = 0,907 |
Dor | 60,73 (28,73) | 50,89 (31,26) | t = 2,55, p = 0,011 |
Saúde geral | 40,26 (17,84) | 37,95 (20,55) | t = 0,88, p = 0,377 |
Bem-estar emocional | 71,52 (20,24) | 65,08 (22,84) | t = 2,34, p = 0,020 |
Função emocional | 55,88 (31,39) | 52,28 (32,32) | t = 0,85, p = 0,395 |
Função social | 56,61 (28,96) | 58,21 (28,54) | t = -0,37, p = 0,710 |
Energia e fadiga | 54,49 (22,96) | 47,08 (21,71) | t = 2,53, p = 0,012 |
Ranking de saúde global | 61,20 (14,87) | 58,77 (16,27) | t = 1,23, p = 0,221 |
Discussão
Nos resultados obtidos verificamos que as dimensões com pior pontuação são a dimensão Atividade profissional (26,77) e Peso da doença (29,20) que estão em sintonia com os estudos desenvolvidos por Hays et al. (1995; Alisherovna et al., 2022), e Póvoa (2022). No que lhe concerne, as dimensões com melhor pontuação foram o Encorajamento do pessoal de diálise (82,46) e Apoio social (77,99) que vai ao encontro do trabalho realizado por (Gerasimoula et al., 2015) e (Póvoa, 2022).
É relevante destacar que as diferenças de pontuação entre as dimensões podem ter implicações clínicas importantes. A baixa pontuação nas dimensões "Atividade profissional" e "Peso da doença" pode indicar a necessidade de intervenções específicas para melhorar a QV dos doentes nessas áreas, como suporte psicossocial, reabilitação vocacional ou gestão do peso. Por outro lado, as altas pontuações nas dimensões "Encorajamento do pessoal de diálise" e "Apoio social" podem sugerir que esses fatores podem ser fortalezas a serem mantidas e aprimoradas na gestão da QV.
Neste estudo foi constatado que indivíduos com níveis de educação correspondentes ao ensino secundário e superior obtiveram pontuações mais altas, sugerindo uma melhor QV, especialmente nas dimensões relacionadas à atividade profissional, encorajamento do pessoal de diálise, função física, condição física, dor, bem-estar emocional, função emocional, energia e fadiga, e percepção da saúde global. Esses resultados estão em consonância com o estudo de Manavalan et al. (2017), que também evidenciou a relação entre o nível de escolaridade e a QV. Estudos anteriores também revelaram uma percepção melhorada da QV em indivíduos com maior nível de educação, com diferenças significativas em várias dimensões (Ferreira & Anes, 2010). Esses achados podem ser explicados pelo fato de que indivíduos com maior nível de escolaridade possuem maior acesso a informações, mais recursos intelectuais e maior capacidade de adaptação à doença renal, seu tratamento e suas consequências.
Na análise da variável idade verificamos que dimensões da atividade profissional, função cognitiva, condição física, bem-estar emocional, função emocional, energia e fadiga e ‘ranking’ de saúde global associaram-se de forma estatisticamente significativa e negativa com idade, com efeito, reduzido e a função física, com efeito moderado. Estes valores estão em sintonia com os estudos de (Nadeem et al., 2021), e Anes & Ferreira (2009) que demonstraram que a idade influenciava a QV dos doentes renais crónicos.
Na nossa análises da associação entre a QV e a área de residência, observamos diferenças estatisticamente significativas nas dimensões de encorajamento do pessoal de diálise (p = 0,010) e dor (p = 0,042), com a região norte a apresentar pontuações mais altas em comparação com as demais regiões. Esses resultados sugerem que os doentes da região norte apresentam melhor tolerância à dor e são mais incentivados pelos profissionais de saúde na gestão da doença. Esses achados estão em concordância com o estudo de Zahid et al. (2021), que também encontrou evidências de que a área de residência tem impacto na QV de doentes com doença renal crónica em um estudo multicêntrico com 271 participantes.Os resultados deste estudo salientaram que o sexo masculino apresentava melhor QV, nomeadamente nas dimensões função física, dor, bem-estar emocional, energia e fadiga. Estes valores vêm comprovar a afirmação de Santos et al. (2014). Anes & Ferreira (2009) também afirmaram o mesmo no seu estudo, nomeadamente nas dimensões: sintomas/problemas, efeitos da doença renal na vida diária, dor, função emocional e vitalidade.
As principais limitações deste estudo incluíram o tamanho relativamente reduzido da amostra, a dificuldade de adesão ao estudo, bem como a baixa consistência interna de algumas dimensões do instrumento, o que pode ter impacte nos resultados obtidos. Além disso, é importante salientar que a amostra utilizada neste estudo foi obtida nas várias regiões de Portugal com exceção do Algarve, o que pode limitar a generalização dos resultados para essa região e para outros países.
Na tentativa de percebermos se o doente renal apresentava a mesma QV da restante população, comparamos os valores obtidos no SF-36 com o valor de referência para a população geral e em todas as dimensões obtivemos resultados inferiores e estatisticamente significativos (p < 0,001) para afirmar que o doente renal crónico tem menor QV que a população geral. Resultado expectável, atendendo às comorbilidades associadas aos DRC e ao facto de se tratar de uma patologia que atinge maioritariamente pessoas com mais idade, o que por si só já é uma variável da diminuição da QV.
Conclusão
Na temática da QV, verificou-se que os domínios do encorajamento do pessoal da diálise (82,46) e o apoio social (77,49) são os que apresentam as pontuações mais elevados. Por sua vez, os domínios da atividade profissional (26,77) e peso da doença renal (29,2) são os que apresentam as pontuações mais baixos.
Ficou plasmado neste trabalho (p < 0,001) que os doentes renais crónicos em programa regular de hemodialise apresentam pontuações mais baixos em todos os domínios do SF-36 quando comparados com a População portuguesa em geral o que traduz a diminuição diminuição da QV do doente renal crónico em programa regular de hemodiálise.
Conclui-se também que a área de residência teve impacto na QV nos domínios da dor (p = 0,042) e encorajamento do pessoal de diálise (p = 0,010), onde a região norte apresentava pontuações mais elevadas que as restantes. Da mesma forma o sexo masculino apresentou pontuações mais elevadas e estatisticamente significativas nos domínios da função física (p = 0,023), dor (p = 0,011), bem-estar emocional p = 0,020) e energia e fadiga (p = 0,012), inferindo-se desta forma que o sexo influência a QV destes doentes. Em sintonia conseguiu-se inferir que a área de residência tem impacto na QV dos doentes nas dimensões, atividade profissional (p = 0,101), encorajamento do pessoal de diálise (p = 0,010) e dor (p = 0,042) onde a região norte apresentava pontuações mais elevadas que os demais. Em sintonia com o anteriormente plasmado, verificou-se que a idade associou-se de forma negativa com a QV na atividade profissional (p < 0,05), função cognitiva, condição física (p < 0,05), bem-estar emocional (p < 0,001), função emocional (p < 0,001), energia e fadiga (p < 0,001) e ‘ranking’ de saúde global (p < 0,001),
Conclui-se também que o tempo de tratamento em hemodiálise apresentou uma relação negativa e estatisticamente significativa nas dimensões apoio social (p < 0,05), satisfação do doente (p < 0,05), dor (p < 0,001) e satisfação do doente (p < 0,001) e ‘ranking’ de saúde global (p < 0,001).
Os resultados obtidos nesta pesquisa, que apontaram para uma diminuição da QV em diversas dimensões nos doentes renais crónicos em programa regular de hemodiálise quando comparados com a população portuguesa em geral, apontam para a necessidade de implementação de planos de ação para melhoria da QV.
Torna-se primordial desenvolver programas que visem a melhoria da literacia em saúde e de promoção e educação em saúde, uma vez que foi observado que doentes com maior escolaridade apresentaram melhor QV. Ações de informação, orientação e capacitação dos doentes para o autocuidado, bem como o fornecimento de materiais educativos claros e acessíveis são exemplos de possíveis acções.
Além disso, é importante abordar cada dimensão da QV de forma isolada, Procurando estratégias específicas para cada uma delas. Por exemplo, programas de intervenção que visem a melhoria da condição física, através de exercícios físicos adequados e acompanhados por profissionais de saúde, podem ter impacto positivo na função física e energia/fadiga dos doentes renais crónicos.
Finalmente, mas certamente não menos importante, a implementação de programas que ofereçam apoio emocional aos doentes, como grupos de apoio psicossocial, terapias de suporte emocional, e a promoção de atividades que estimulem o bem-estar emocional, como terapia ocupacional e práticas de relaxamento.
Sugere-se, em futuras uinvestigações, a realização de estudos longitudinais com desenhos de estudo robustos com recurso a amostras probabilísticasde forma a fornecer resultados e evidências mais robustas para a compreensão da temática em estudo.