Introdução
“O mundo do trabalho tem sofrido mudanças transformadoras, impulsionadas por inovações tecnológicas, mudanças demográficas, mudanças climáticas e globalização” International Labour Organization [ILO], 2019, p. 02).
As importantes mudanças nas áreas do saber teórico e prático, além das necessidades em saúde, exigem maior complexidade nas ações e serviços assistenciais, exigindo dos enfermeiros a aprendizagem para o ajustamento contínuo em diversos locais de trabalho. Essas alterações, associadas à velocidade da disponibilização de novas informações científicas e técnicas, têm tido um crescimento exponencial, tornando imperativa a incorporação de conhecimentos de maneira acumulativa e sequencial (Butcher & Bruce, 2015).
A futura força de trabalho em saúde precisa expandir rapidamente a sua aprendizagem, procurando sistematizar, modernizar e ampliar o alcance de metas individuais, nacionais e de nível global, com o intuito de responder às necessidades em saúde das populações. A aprendizagem ao longo da vida é fundamental para se alcançar resultados significativos (Gamhewage et al., 2022).
Neste artigo, será analisada a realidade do processo educativo dirigido a profissionais de enfermagem de diferentes gerações, procurando reflexões contemporâneas para abordar a aprendizagem na trajetória da vida profissional (lifelong learning).
O perfil histórico da população em relação às questões de saúde tem sido redesenhado e atualizado de acordo com as novas tendências mundiais. As necessidades em saúde, que são atualmente identificadas como relevantes, apontam como desafio para a atuação das equipas de saúde, incluindo os enfermeiros, as doenças crónicas não transmissíveis ou doenças não comunicáveis, doenças causadas por vetores, desnutrição, obesidade, violência, suicídio, mudanças climáticas, desastres ambientais, pandemias e aumento da longevidade da população.
No contexto das transformações ocorridas, abordar conceitos de aprendizagem e educação no contexto individualizado, profissional e interprofissional, desafia o investigador a desvendar o que se tem realizado até o momento atual, identificando potencialidades a serem desenvolvidas nos próximos anos.
A equipa interprofissional que compõe a área da saúde, tendo em vista a sua especificidade, requer constante aperfeiçoamento por meio de métodos inovadores da aprendizagem, cujo objetivo é a obtenção de resultados sinérgicos relevantes e seguros para o cumprimento do planeamento de metas clínicas, aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes em relação à decisão compartilhada na assistência em saúde (Silva, 2020).
Um estudo realizado em 2017, que teve como objetivo avaliar e analisar a situação da educação em relação ao bacharelado em enfermagem na América Latina e no Caribe, sugeriu que os profissionais da saúde do século XXI devem ter formação profissional dirigida para os princípios da educação transformativa e interprofissional, possibilitando o desenvolvimento de pensamento crítico e complexo, tornando possível capacitar líderes na enfermagem e outras profissões, o que possibilita a criação de estratégias para o alcance da saúde universal. A liderança em enfermagem constitui-se como uma ferramenta facilitadora para a promoção da cultura de aprendizagem ao longo da vida no ambiente de trabalho (Cassiani et al., 2017).
Como desafio da atualidade, ressalta-se a necessidade de empoderamento do enfermeiro no papel da liderança em enfermagem, para defender e demonstrar um compromisso com a aprendizagem ao longo da vida, promovendo um ambiente de trabalho favorável para o desenvolvimento profissional e pessoal dos membros da equipa (Cassiani et al., 2017).
Muitos fatores convergem para uma grande transformação e evolução na forma de vivenciar a aprendizagem no domínio da saúde. Os desafios a serem enfrentados incluem a superação de fatores socioeconómicos, desigualdades entre países, novas tecnologias, custos, idiomas e profissionais de gerações diferentes, entre outros aspetos relevantes (Gamhewage et al.,2022).
Considerando a pandemia do novo coronavírus e a enorme contribuição da enfermagem para a sociedade, os diretores da campanha Nursing Now Global (2019-2020) - protagonizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Conselho Internacional de Enfermeiros (CIE), ampliaram a campanha até o final de junho de 2021, “por sua vez, apela aos governos para que invistam em políticas que valorizem o papel da Enfermagem face à escassez de nove milhões de enfermeiros, aos seus baixos salários, à desigualdade de género e à falta de profissionais em cargos de chefia”, mantendo como metas, entre outras: suprir a carência de profissionais, estimular a criação de programas de incentivo, visibilidade, valorização e políticas de empregabilidade do profissional enfermeiro, garantindo maior aporte de investimento para a melhoria da educação e desenvolvimento profissional, difundindo as práticas mais eficazes e inovadoras em enfermagem (Cassiani & Lira Neto, 2018).
Em 2019, a Global Learning Strategy for Health by World Health Organization (GLSH) iniciou a estratégia que pretende ampliar e intensificar, de forma colaborativa, o futuro da aprendizagem ao longo da vida para os trabalhadores em saúde, visando contribuir para a necessidade de proteção e promoção da saúde pública, com proposta global para os próximos dez, vinte e trinta anos. Acredita-se que o acesso à aprendizagem ao longo da vida dos profissionais envolvidos nos cuidados de saúde e saúde pública refletirá diretamente na equidade e qualidade do acesso à saúde da população mundial (Gamhewage et al.,2022; World Health Organization [WHO], 2022).Assim, torna-se imperativo repensar o processo de aprendizagem significativo para os trabalhadores de enfermagem na atualidade, discutindo a relação entre as interfaces individual, profissional e coletiva, procurando, também, solidificar mudanças positivas e uma visão mais otimista em relação ao mundo do trabalho em saúde. É preciso olhar para frente, vislumbrando o futuro, observando e preservando as nossas raízes estruturadas a partir do cuidar. A partir dessa proposta surgiram questionamentos relativos à incorporação de aspetos relevantes sobre os avanços a serem conquistados: 1. Quais os sentidos atribuídos à aprendizagem em saúde na atualidade?; 2. Como incluir a aprendizagem ao longo da vida para profissionais de enfermagem?; 3. Qual o papel das instituições públicas e privadas no desenvolvimento profissional das equipas de saúde?; 4. Como motivar de maneira individual e coletiva esse segmento profissional?; 5. Quais as estratégias educacionais mais adequadas na abordagem do profissional contemporâneo?
O ritmo acelerado da produção de conhecimentos em saúde exige constantes esforços para que os profissionais se mantenham atualizados e apliquem no dia a dia, soluções adequadas aos problemas vivenciados, recorrendo à evidência científica. Dessa forma, o objetivo deste estudo é refletir sobre a aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning) para profissionais de enfermagem no mundo contemporâneo.
Desenvolvimento
Nas últimas décadas, o papel da aprendizagem ao longo da vida e a incorporação de novos conhecimentos transformaram conceitos, desencadeando reinterpretações contínuas de extrema importância para as práticas de enfermagem.
A educação continuada, assim como outros aspectos relacionados como fundamentais para o fortalecimento da profissão, é um fator imprescindível para a valorização e conquista de melhores condições de trabalho, impactando de forma positiva nas ações assistenciais.
Trata-se de um ensaio baseado em literatura nacional e internacional.
Reflexão dos diferentes conceitos de educação aplicados à enfermagem
Historicamente, são descritas diferentes abordagens, estratégias de desenvolvimento profissional e conceções sobre o tema da educação em enfermagem. Foram utilizados diversos termos ou nomenclaturas como: educação em serviço, educação continuada, educação permanente, aperfeiçoamento profissional, prática de desenvolvimento profissional, educação ao longo da vida, autoaprendizagem dirigida, autoavaliação em serviço e, mais recentemente, a ampliação do conceito para os termos de crescimento inclusivo e auto construção do conhecimento, demonstrando uma nova perceção, que pretende transcender o foco do âmbito profissional para a integralidade da aprendizagem do ser humano (Andrade et al., 2020; Bindon, 2017; Butcher & Bruce, 2015; Peixoto et al., 2013; Qalehsari et al., 2017; Rouleau et al., 2017).
A educação continuada é definida como proposta educativa que tem por finalidade intensificar, reforçar e complementar a compreensão de conteúdos relacionados à vida académica, melhorando as competências e habilidades no ambiente profissional (Peixoto et al., 2013).
Destaca-se que os enfermeiros acreditam que a aquisição de conhecimentos por meio da educação profissional continuada aumenta a sua autoconfiança e ajuda a desenvolver o crescimento profissional (Qanbari Qalehsari et al., 2017).
O termo “Educação Permanente em Saúde”, difundido pela Organização Pan-americana de Saúde (OPAS) a partir da década de 1970, é definida pela Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil, como a “aprendizagem no trabalho, onde o aprender e ensinar se incorporam ao quotidiano das organizações e ao trabalho, baseada na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar práticas profissionais e acontece no quotidiano do trabalho” (Departamento de Gestão da Educação na Saúde 2018, p. 10).
A incorporação das práticas e conhecimentos relacionados à educação em serviço, educação continuada e educação permanente evidenciam conceitos diferentes, porém são relevantes e apresentam “um caráter complementar e não excludente, além de interagir entre si” (Peixoto et al., 2013, p. 324).
Estratégias de aprendizagem na atualidade
A tecnologia transformou as relações no mundo do trabalho e as novas habilidades exigidas para a atuação profissional exigem do indivíduo um constante aprimoramento profissional.
Em relação ao termo aprendizagem ao longo da vida, um fator importante a ser destacado por investigadores é o facto de não existir clareza concetual, gerando-se muitas vezes, confusão e superposições ao seu significado (Butcher & Bruce, 2015).
A Estratégia Global de Aprendizagem para a Saúde (2019) assumiu o termo aprendizagem para afastar-se dos termos que se concentram em formalizações por meio de treinamento e educação formais (Gamhewage et al.,2022).
A aprendizagem em enfermagem envolve aquisição de competências necessárias para prestação de cuidados em saúde a diferentes segmentos sociais em grande diversidade e contextos. Para se atingir esse objetivo, há necessidade de envolvimento dos profissionais de enfermagem desde a vida académica (incluindo alunos, professores, cursos técnicos e cursos de graduação em enfermagem) trabalhadores, coordenadores e líderes das organizações ligadas à prestação de serviços em saúde, abrangendo ainda, políticas públicas, privadas e demais sujeitos sociais. A execução de processos educativos transformativos e interprofessional nas ações relacionadas à tomada de decisão envolvem vários indivíduos, profissões e partes interessadas, dentro e fora das organizações (Cassiani et al., 2017).
É importante levar em consideração novos entendimentos sobre aprendizagem ao longo da vida para enfermeiros, incorporando outras perspetivas que envolvam escolhas individuais em relação às estratégias de desenvolvimento profissional, melhorando o conhecimento nos seus locais de trabalho e provendo desta forma práticas seguras aos clientes (Butcher & Bruce, 2015).
Observa-se que, para melhorar a probabilidade de sucesso na aprendizagem para enfermeiros, é fundamental observar critérios individuais de pró-atividade e motivação, apoiados por uma estrutura ambiental, liderança e organizações profissionais que tenham bases consolidadas em estratégias de desenvolvimento profissional, ampliando conhecimento, habilidades e atitudes. As mudanças e reflexos positivos na prática clínica dependem de um processo conjunto, com protagonismo e responsabilização ativa dos profissionais (Bindon, 2017).
Outros significados da aprendizagem ao longo da vida foram encontrados em revisão sistemática, que teve por objetivo esclarecer a experiência internacional sobre o assunto. São referidos pelos autores os termos: auto-construção do conhecimento e crescimento inclusivo (Qanbari Qalehsari et al., 2017).
As definições abordadas ultrapassam o âmbito profissional, influenciando o aperfeiçoamento pessoal em diversas áreas, colaborando para transformações no trabalho e na sociedade.
O termo autoconstrução do conhecimento ou autoaprendizagem dirigida traz no seu conceito a aprendizagem como compromisso de vida, uma vez que o indivíduo assume o protagonismo do processo, que requer a autoconstrução do conhecimento, gestão da aprendizagem e do tempo, priorização de objetivos, desenvolvimento e fixação de metas, além de autoavaliação por meio de estratégias mensuráveis de forma realista, que serão utilizadas como base para o autoaperfeiçoamento (Chakkaravarthy et al., 2018; Qanbari Qalehsari et al., 2017).
O crescimento inclusivo constitui-se em reconhecer componentes da aprendizagem em diferentes dimensões da existência humana, incluindo os aspetos ético, legal, intelectual, espiritual, físico, mental, da personalidade, compromisso com o desenvolvimento sustentável, progressão e qualificação para o trabalho, além da perspetiva positiva relacionada aos assuntos coletivos e sociais (Qanbari Qalehsari et al., 2017).
O desafio que se coloca neste conceito parece vital pela importância e magnitude do tema e a sua relação imperativa com o futuro do profissional de enfermagem.
Procurando uma visão contemporânea, vislumbra-se que a aprendizagem e elementos da aprendizagem devem ser utilizados, de forma individual ou coletiva, para promover habilidades e competências gerais no indivíduo durante todo o ciclo de vida como integrante da sociedade, constituindo-se uma ferramenta oportuna e combinada, de forma a não segmentar o conhecimento numa perspetiva unicamente profissional.
Financiamento em saúde e desenvolvimento profissional
Atualmente, os “desequilíbrios económicos geram cortes no orçamento e estimulam os setores, público e privado, a adotarem medidas para redução de custos, incluindo no campo da saúde” (Oliveira et al., 2018, p. 161).
Por outro lado, há necessidade de investimentos para a melhoria na educação, políticas de saúde, práticas e cuidados em saúde. Questões vinculadas a recursos financeiros, muitas vezes encontram restrições e desafios no cenário económico, resultando em consequências institucionais, sociais e pessoais.
As instituições ligadas à área de prestação de serviços em saúde do setor público, privado e do terceiro setor (Entidades Filantrópicas, Organizações Não Governamentais e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) têm optado pela regulamentação de políticas e diretrizes que procuram soluções rápidas e de baixo custo para sobreviverem em ambiente competitivo, envolvendo um considerável investimento financeiro.
O setor público convive com inúmeras necessidades oriundas da sociedade e inquietações provocadas pelas novas exigências em saúde, procurando respostas efetivas através de programas de educação permanente a nível nacional, sendo desenvolvidas com a colaboração das coordenações regionais e estaduais. A estratégia utiliza como referência a aprendizagem significativa, que procura incentivar as transformações, na prática profissional e na organização do trabalho desenvolvido junto à população (Mishima et al., 2015).
A tendência global atual é o aumento da complexidade dos ambientes de saúde, refletindo diretamente nas exigências de aperfeiçoamento da força de trabalho, para que se mantenha a segurança e a qualidade da prestação de cuidados de saúde (Chakkaravarthy et al., 2018).
Desta forma, o desenvolvimento profissional e a aprendizagem do enfermeiro ao longo da vida é um grande desafio. Manter-se atualizado em áreas de conhecimento que exigem formação em especialidades complexas pode requerer esforços e recursos a nível financeiro. Portanto, a responsabilidade da aprendizagem ao longo da vida não deve ser abordada de forma individual, mas necessita de ser ampliada ao ambiente de trabalho (Bindon, 2017).
Muitas vezes, o enfermeiro possui mais do que um vínculo laboral com dupla jornada de trabalho, dificultando as abordagens educacionais que exijam a presença fora do horário de trabalho. As estratégias relacionadas ao local de trabalho devem, assim, desenvolver a cultura da aprendizagem com impacto na qualidade da assistência e produtividade, mas o conceito de saúde no local de trabalho precisa de ser mantido, objetivando a influência positiva na saúde do trabalhador.
O ambiente, a gestão estratégica da aprendizagem e o planeamento organizacional, são fatores importantes, pois possibilitam estabelecer políticas e procedimentos que potencialmente desenvolvam informações oportunas combinadas, capazes de promover a aprendizagem ativa e criar soluções específicas ou personalizadas (Qanbari Qalehsari et al., 2017).
No Brasil, muitos prestadores de serviços em saúde pública e saúde privada organizam ações de capacitação permanentes, com o envolvimento de setores interdisciplinares, procurando a colaboração de recursos internos no local de trabalho, contando com as áreas de Recursos Humanos, Serviço de Psicologia, Tecnologia da Informação, Logística, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, Governança e Gerenciamento em Enfermagem, Núcleo de Segurança do Paciente, Serviços Laboratoriais e de Farmácia, entre outros. O foco é coordenar esforços para propiciar a adequação do profissional às competências requeridas pelo cargo sob o ponto de vista técnico e comportamental durante a jornada de trabalho.
Para cargos executivos ou posições de exigências específicas, muitos setores da área de saúde têm recorrido a serviços de consultoria para identificação de recursos humanos qualificados, com habilidades técnicas e cognitivas que incluam características que o mercado de trabalho denomina soft skills, ou seja, profissionais com competências sócio emocional, líderes habilidosos no relacionamento interpessoal, com atitude empreendedora, boa articulação no ambiente de trabalho e capazes de melhorar os resultados financeiros, por meio de inovações funcionais e de processo.
Face ao incremento de atributos necessários ao desenvolvimento de conhecimentos essenciais relacionados às competências técnicas, habilidades interpessoais, processamento de informações, pensamento crítico e capacidade de atualização em tecnologia da informação e conectividade em rede, muitas instituições adotam o mapeamento das competências requeridas para os cargos e procuram individualizar as dimensões da educação permanente, priorizando requisitos específicos e expectativas da população a ser capacitada, como forma de viabilizar a mesma.
Neste cenário, não há um ambiente específico para a aprendizagem, podendo a mesma ocorrer “à beira do leito, em sala de aula (...) ou módulo de aprendizagem online” (Bindon, 2017, p. 101).
A utilização da educação digital alavancou novos dispositivos inteligentes para uso na aprendizagem na área de saúde, recorrendo a e-learning (estratégias por meios eletrónicos, digitais ou dispositivos móveis), plataformas de aulas online e webinars (videoconferência com fins educacionais), ferramentas digitais, aplicativos com didática, tecnologias móveis e na nuvem, além de diferentes métodos e programas formais de capacitação com aulas, cursos, discussão com especialistas, materiais de leitura em bibliotecas de saúde com tópicos específicos para enfermeiros, vídeos, textos, oficinas interativas, e grupos de estudo realizados de forma virtual. Essas estratégias possibilitam ao profissional de enfermagem melhor flexibilidade de tempo e de localização, interações entre recursos e serviços de enfermagem, resultando num caminho promissor para enfrentar as barreiras e desafios próprios da aprendizagem (Rouleau et al., 2017)
A pandemia de COVID-19 impactou de forma intensa e sem precedentes países e sociedades. Nesse contexto, governos e setores da iniciativa privada executaram diversas estratégias educativas digitais em todo o mundo, visando fornecer subsídios na educação das equipas em saúde e procurando respostas rápidas à crise eminente nos serviços de saúde com o objetivo de melhorar os cuidados prestados.
O fluxo das informações disponibilizadas pelas tecnologias digitais provocou rutura com os padrões e modelos já existentes no contexto da aprendizagem profissional e devem polarizar, nos próximos anos, mudanças profundas na educação em ciências da saúde.
Além das novas tecnologias, têm sido utilizados na enfermagem outros modelos de aprendizagem que promovem o desenvolvimento de habilidades nos alunos de graduação e nas equipas de saúde. Por exemplo, parcerias com universidades que promovem o envolvimento educativo de discentes e docentes, o uso do pensamento crítico do conhecimento sintetizado a partir da evidência científica disponibilizada em bases de dados eletrónicas acomo suporte para tomada de decisão, as diversas metodologias ativas representadas pela simulação realística, o treinamento in situ e o treinamento híbrido, considerando a necessidade de adaptações locais, culturais e financeiras (Haukedal et al., 2018; Kaneko & Lopes, 2019; Oliveira et al., 2016).
Motivação profissional: uma característica individual ou coletiva?
Uma revisão integrativa realizada em 2018 que objetivou sintetizar a evidência acerca do perfil de enfermeiros e parteiras que possuíam características favoráveis à adesão de aprendizagem por meio de atividades online, identificou que dados como idade, sexo, estado civil, qualificação profissional, experiência de trabalho e responsabilidades administrativas adicionais não influenciavam a procura ativa pela aprendizagem. Por outro lado, o sucesso de diferentes abordagens educativas apontou evidências relacionadas ao apoio nos ambientes de trabalho e políticas institucionais envolvidas com a articulação dos processos educativos e características individuais do profissional. Envolver os enfermeiros e parteiros na aquisição de conhecimentos influencia positivamente as habilidades clínicas, competências profissionais e de ensino (Chakkaravarthy et al., 2018).
Destaca-se a importância de cultivar nos locais de trabalho uma cultura organizacional que incentive os profissionais de enfermagem a procurar, além de metas individuais, objetivos coletivos que possam ser atingidos por todos os integrantes da equipa, na perspetiva de antecipar necessidades e melhorar a segurança do paciente.
A partir da constatação de que se vivencia a realidade de um mundo altamente conectado, em contexto de rápidas mudanças, espera-se que as diversas categorias de instituições empregadoras e os seus gerentes enfermeiros sejam impelidos a adotar novos posicionamentos, criando uma cultura de aprendizagem no local de trabalho que ajude o colaborador a participar da auto construção no processo de aprendizagem ao longo da vida, enfrentando as inovações e desenvolvendo ativamente conhecimentos qualificados para a área de atuação profissional.
Em geral, não há profissionais prontos para desempenhar com absoluta excelência o seu papel, portanto, torna-se necessário incentivar hábitos relacionados à aprendizagem contínua, pois o conhecimento é infinito e cada vez mais necessário para se atingir o desenvolvimento pessoal e da carreira profissional.
À medida que se consideram novas perspetivas acerca da aprendizagem em saúde, é imprescindível analisar de forma objetiva e realista, a diretiva de que o profissional atual, incluindo o enfermeiro, seja considerado um “eterno aprendiz”, observando a prerrogativa de que a autonomia traz uma direção à carreira, devendo ser baseada no pensamento reflexivo sobre o desenvolvimento pessoal, da profissão, suas práticas individuais e coletivas, explorando novas possibilidades relacionadas ao ensino, aprendizagem e ampliação do conhecimento (Butcher & Bruce, 2015).
Tendências de aprendizagem para as necessidades da enfermagem contemporânea
A futura força de trabalho da saúde tem necessidades de aprendizagem específicas e diferentes - a geração millennials, a geração Z e as mulheres, em particular, precisam de considerar cuidadosamente as suas necessidades para expandir a aprendizagem tanto para os cuidados em saúde, quanto para a saúde pública. (Gamhewage et al.,2022, p. 74)
Para se atingir os objetivos esperados para os profissionais deste milénio e possibilitar o alcance da saúde universal, será necessária uma mudança de paradigma na educação em saúde. A utilização de estratégias reflexivas que desafiem o raciocínio lógico, tendo como diretriz a educação transformativa, interdisciplinar e a prática colaborativa possibilita transformar a melhor utilização da força de trabalho, para que atenda às necessidades de saúde qualificadas resultando em melhor assistência à população (Cassiani et al., 2017).
A educação contínua é imperativa para o futuro dos profissionais de enfermagem, com potencial para influenciar todas as dimensões dos serviços de enfermagem nos diferentes níveis. Há muitas barreiras a serem transpostas. Os fatores que mais impactam na participação em programas que promovem o longlife learning são a falta de tempo, obrigações ocupacionais e/ou familiares, distância dos locais de estudo, além da falta de apoio tanto do local de trabalho quanto dos gerentes (Rouleau et al., 2017., Rouleau et al., 2019).
O desenvolvimento profissional continuado permite a renovação e atualização de competências, sendo necessária a construção da cultura de aprendizagem ao longo da vida para os enfermeiros. Há muitos desafios para manter os profissionais motivados para procurar essa aprendizagem contínua. É necessário que o enfermeiro seja capaz de continuar a sua formação, utilizando métodos eficazes para prestar ao paciente uma assistência à saúde adequada e segura. Ao contrário dos métodos tradicionais de aprendizagem, o e-learning é um novo método de aprendizagem flexível para enfermeiros (Rouleau et al., 2019).
A facilidade do acesso às informações incentivará o investimento na educação permanente, resultando na construção da autonomia profissional e desenvolvimento do profissionalismo. Assim, espera-se que o e-learning e as demais tecnologias da informação desempenhem um papel central na oferta da aprendizagem ao longo da vida nos próximos anos, numa perspetiva de conciliar a vida pessoal e profissional.
Conclusão
O modo de viver e o trabalho foram afetados pelas novas tecnologias e atual contexto histórico do pós-pandemia. A aprendizagem ao longo da vida tornou-se uma necessidade e um dever na atuação profissional do enfermeiro, que está diretamente relacionada à qualidade assistencial e segurança do paciente. Assim, deve-se entender a educação profissional como um processo de formação e desenvolvimento permanente, desde a formação inicial e ao longo da vida profissional.
Atualmente, o e-learning constitui-se como uma ferramenta de ensino-aprendizagem importante, flexível e acessível, pois permite que a equipa de enfermagem aprenda ao seu próprio ritmo e a partir do local da sua escolha, fornecendo conteúdo personalizado e métodos de ensino com base nas necessidades individuais.
Há uma base crescente de evidências que demonstram que a futura força do trabalho, constituída pelas gerações do milénio e “Z”, nativas digitais, será caracterizada pela predominância do uso das tecnologias da informação nos hábitos quotidianos. Possuem também, familiaridade e agilidade na utilização na rede de conectividade que possibilita uma comunicação veloz e a utilização do e-learning, estabelecendo a importância das habilidades digitais para os profissionais de saúde no contexto da aprendizagem ao longo da vida e manutenção e da competitividade no mercado de trabalho. É preciso que as novas práticas digitais acompanhem a educação através da introdução de tecnologias de conhecimento contínuo, resultando num implemento relevante na qualidade assistencial à população.
Além disso, é importante destacar que a permanente preocupação com os desafios da aprendizagem profissional deverá estar alinhada com os valores pessoais, senso de responsabilidade, engajamento, respeito ao próximo, bom relacionamento interpessoal e energia inspiradora, com foco positivo nas soluções e não nos problemas. Para ter sucesso, os profissionais de enfermagem devem estar informados e envolvidos nas oportunidades de desenvolvimento contínuo para melhorar a qualidade do atendimento e os resultados do paciente, aumentando as perspetivas de carreira.
Os principais desafios da atualidade serão promover a compatibilização entre as estratégias educacionais, com as características pessoais do trabalhador, ambiente de trabalho e contexto socioeconómico.
Ressalta-se, por fim, que a aprendizagem ao longo da vida (lifelong learning) para enfermeiros e equipas de saúde deve ser utilizada como uma ferramenta indispensável num período marcado pela crise mundial nos serviços de saúde que lutam, na maioria dos países, por uma reforma generalizada, num contexto de escassez de recursos humanos e financeiros.