Introdução
Em 1950, Erik Erikson define generatividade como uma tarefa da vida adulta caracterizada pelo “interesse em educar e guiar as gerações mais novas” (Erikson, 1963, p. 267). Estudos subsequentes acrescentam que a generatividade ganha particular relevância durante a meia-idade e velhice apesar de ser uma tarefa desempenhada ao longo da vida adulta (Aubin & McAdams, 1995). O estudo da generatividade tem incidido em duas vertentes: a preocupação generativa e a ação generativa. A preocupação generativa define-se como a tendência ou interesse em cuidar de indivíduos mais jovens, enquanto a ação generativa implica comportamentos reais que promovam o bem-estar das gerações futuras (Garcia-Romero et al., 2017). A generatividade é amplamente associada ao bem-estar e à satisfação com a vida na idade adulta e na velhice em vários grupos populacionais (Wiktorowicz et al., 2022), na medida em promove um sentimento pessoal de realização e a sensação de continuidade simbólica (Wiktorowicz et al., 2022). A generatividade pode ser medida através de entrevistas, observação direta e estudos de caso (Doerwald et al., 2021). No entanto, o método mais utilizado é a administração de questionários de autorresposta, nomeadamente a Loyola Generativity Scale (LGS - Escala de Generatividade de Loyola) e a Generative Behavior Checklist (GBC - Lista de Comportamentos Generativos), ambas desenvolvidas por McAdams e Aubin (1992). As versões originais da LGS e da GBC (McAdams & de St. Aubin, 1992) e as suas versões espanholas (Villar et al., 2013) foram validadas para a população idosa, mas as suas propriedades psicométricas não foram examinadas para a população idosa lésbica, gay, bissexual e transgénero (LGBT+). Assim sendo, o nosso estudo propõe-se analisar as propriedades psicométricas (a validade e a fiabilidade) da LGS e da GBC para idosos espanhóis LGBT+ (com mais de 50 anos de idade).
Enquadramento
A LGS e a GBC são os instrumentos mais utilizados para medir o conceito de generatividade. A LGS constitui-se como uma medida da preocupação generativa de um indivíduo, refletindo várias dimensões da generatividade como a contribuição para a melhoria das condições de vida na comunidade ou a implementação de ações criativas ou produtivas (Doerwald et al., 2021). Por seu lado, a GBC consiste numa lista de verificação de comportamentos generativos exibidos (ou não) nos últimos 2 meses. Estes instrumentos já foram utilizados anteriormente com idosos (Busch & Hofer, 2022; Villar et al., 2013) e populações específicas, como pessoas diagnosticadas com transtornos mentais e sofrimento psicológico (Jordan et al., 2022). No entanto, os estudos com a população idosa LGBT+ são escassos o que torna a validação destes instrumentos para esta população particularmente relevante por duas razões principais. Em primeiro lugar, a generatividade é influenciada por questões culturais, sociais e históricas e a população LGBT+ em Espanha atualmente com mais de 50 anos viveu até 1975 sob ditadura, um regime que criminalizou e patologizou severamente os indivíduos LGBT+. Com a instauração da democracia, o trabalho levado a cabo por vários movimentos sociais e de direitos humanos permitiu alcançar os atuais níveis de apoio e inclusão legais (Casado et al., 2023). Contudo, as atitudes sociais ainda não estão alinhadas com a legislação, embora tenham evoluído nas últimas décadas no sentido de uma maior aceitação. Assim, os indivíduos que se identificam como LGBT+ continuam a sofrer com desigualdades de saúde significativas e discriminação e assédio em várias áreas, como no acesso ao sistema de saúde, dentro do seu núcleo familiar e no seu local de trabalho (Lampe et al., 2023). Estas experiências podem influenciar as preocupações e ações generativas dos indivíduos LGBT+.
Em segundo lugar, a investigação sobre a comunidade LGBT+ tem-se centrado em problemáticas como os jovens (Casado et al., 2023) e o estigma, a discriminação e o preconceito, a violência, os transtornos mentais, o sofrimento psicológico e a solidão (Casado et al., 2023). Por conseguinte, torna-se essencial a realização de estudos sobre a comunidade LGBT+ centrados nos segmentos mais velhos da população e baseados numa perspetiva mais positiva, nomeadamente na resposta à pergunta sobre o que lhes poderá criar mais satisfação com a vida e bem-estar à medida que envelhecem (Tavares et al., 2023). Alguns estudos sugerem que a generatividade é um fator de resiliência significativo para os idosos LGBT+ (Bower et al., 2021). Além disso, a investigação sugere que os membros mais velhos da comunidade LGBT+ procuram encontrar significado na marginalização que sofreram de modo a poderem influenciar os esforços futuros (ser generativos) das gerações mais jovens para a concretização da igualdade social (Tavares et al., 2023).
Pergunta de investigação
Quais são as propriedades psicométricas da LGS e da GBC para idosos LGBT+ falantes de língua espanhola (com mais de 50 anos)?
Metodologia
O presente estudo psicométrico faz parte de um projeto mais vasto intitulado Generativity, intended legacies, social participation and life satisfaction in Spanish older LGBT+ adults (Generatividade, heranças pretendidas, participação social e satisfação com a vida nos idosos espanhóis LGBT+) aprovado pelo Comité de Ética para a Investigação da Universidad Illes Balears [162CER20].
Amostra
O nosso estudo recorreu a uma amostra não probabilística. Os critérios de inclusão para os participantes foram (a) autoidentificarem-se como LGBT+, (b) terem idade superior a 50 anos e (c) residirem em Espanha. Foi determinado um rácio de cinco participantes por item para o tamanho da amostra. Desta forma, 141 participantes com uma idade média de 58,59 ± 5,80 anos, variando entre 51 e 80 anos, foram selecionados para a amostra final. Em termos de identidade de género, 61,7% autoidentificaram-se como homens cisgénero, 28,3% como mulheres cisgénero, 5,7% como mulheres transgénero e 4,3% como não-binários. Relativamente à orientação sexual, 63,6% identificaram-se como gays, 27,9% como lésbicas, 7,1% como bissexuais e 1,4% como heterossexuais. Adicionalmente, 76,6% dos participantes tinham formação superior e 67,4% estavam empregados.
Instrumentos
Foram recolhidos os dados sociodemográficos dos participantes relativamente à sua idade, orientação sexual (lésbica, gay, bissexual, heterossexual ou outra), identidade de género (mulher cisgénero, homem cisgénero, mulher transgénero, homem transgénero ou outra), estado civil, anos de educação formal e situação profissional.
A LGS, desenvolvida por McAdams e Aubin (1992), é composta por 20 itens de autorresposta que medem a preocupação generativa na população adulta. Para cada item, os inquiridos indicam a frequência com que a afirmação nele contida se aplica a eles, sendo que: 0 = nunca, 1 = ocasionalmente ou raramente, 2 = geralmente e 3 = sempre ou quase sempre. Os itens 2, 5, 9, 13, 14 e 15 têm a cotação invertida. McAdams e Aubin (1992) identificaram dois fatores-chave: “Generatividade positiva” (com 14 itens e uma formulação positiva) e “Dúvidas generativas” (com 6 itens e formulação negativa). A pontuação final, variando entre 0 e 60, é alcançada através da soma das respostas dos participantes. Pontuações mais elevadas expressam uma maior preocupação generativa e consciência de responsabilidade, enquanto as pontuações mais baixas indicam uma autoimagem enquadrada por uma baixa capacidade de influenciar outras pessoas. O instrumento apresenta um alfa (() de Cronbach de 0,83 e uma fiabilidade teste-reteste para um intervalo de três semanas considerada adequada (r = 0,73; McAdams & Aubin, 1992). Villar et al. (2013) traduziram, adaptaram e validaram a versão espanhola da LGS para a população idosa utilizando uma amostra de 165 idosos (entre 66 e 100 anos de idade). A validade de constructo revelou um modelo de dois fatores - “Generatividade positiva” (com 10 itens) e “Dúvidas generativas” (com 4 itens). A versão espanhola da LGS apresentou um ( de Cronbach de 0,89 para a escala global, de 0,78 para a subescala “Generatividade positiva” e de 0,62 para a subescala “Dúvidas generativas”.
McAdams e Aubin (1992) também desenvolveram a GBC para avaliar na população adulta as ações quotidianas que sugerem generatividade. A GBC é composta por 65 itens apresentados como atos comportamentais: 49 sugerem comportamentos generativos e 16 são neutros (por exemplo, ver um filme ou uma peça de teatro). O GBC é um instrumento de autorresposta em que os participantes respondem a cada item identificando a frequência com que, nos últimos 2 meses, desempenharam a ação em causa, sendo que: 0 = não desempenhou; 1 = desempenhou uma vez; e 2 = desempenhou mais do que uma vez. A GBC demonstrou validade de construto ao correlacionar-se positivamente com a LGS (r = 0.53) e outras medidas de generatividade (McAdams e Aubin, 1992; McAdams et al., 1993). A versão em espanhol foi também traduzida, adaptada e validada por Villar et al. (2013) junto de uma amostra de 165 idosos (entre 66 e 100 anos). Villar et al. (2013) eliminaram os itens neutros da versão espanhola e selecionaram os atos generativos mais relevantes de forma a obter uma versão mais curta que fosse mais aplicável aos idosos. Assim sendo, a versão espanhola da GBC é composta por 29 itens com opções de resposta semelhantes à versão original, mas diferentes no período de tempo a que se referem - o último mês e não os dois meses anteriores. A pontuação total é obtida através da soma das respostas dos participantes, podendo variar entre 0 e 58 e com as pontuações mais elevadas indicando o desempenho de mais atos generativos. Da análise fatorial exploratória (AFE) emergiu um modelo de quatro fatores (Cuidar, Colaborar, Dar e Voluntariar-se) que explica 36,4% da variância (Villar et al., 2013). A consistência interna medida pelo ( de Cronbach foi de 0,81 (valor global), 0,63 (para o fator Cuidar), 0,64 (para o fator Colaborar), 0,64 (para o fator Dar) e 0,69 (para o fator Voluntariar-se). A versão espanhola, tal como a versão original, apresentou uma correlação moderada, mas significativa, com a LGS (r s = 0,49; p < 0,001).
A Satisfaction with Life Scale (SWLS - Escala de Satisfação com a Vida), desenvolvida por Diener et al. (1985), avalia o aspeto cognitivo da satisfação com a vida. É constituída por cinco itens classificados numa escala de Likert de 5 pontos que varia entre 1 = discordo totalmente e 5 = concordo totalmente. A versão original apresenta uma elevada consistência interna (( de Cronbach = 0,83) e uma excelente fiabilidade teste-reteste (r s = 0,82) para um período de 2 meses. Pons et al. (2000) validaram a versão espanhola com idosos (entre os 60 e 91 anos). A pontuação global da SWLS é obtida através da soma das respostas aos cinco itens. A pontuação global pode variar entre 5 e 25, sendo que as pontuações mais elevadas indicam uma maior satisfação com a vida. A versão espanhola da SWLS apresentou uma boa consistência interna (( = 0,82).
Procedimento
A seleção dos participantes começou com o estabelecimento de contactos com organizações LGBT+ de modo a divulgar o estudo através da partilha de um inquérito online sobre satisfação com a vida e generatividade. Foi disponibilizado um formulário com informação sobre o projeto, os seus investigadores e contactos. As organizações que aceitaram colaborar enviaram um convite por email aos seus membros com o link para o inquérito online. Depois de fornecerem o seu consentimento informado, os participantes acederam ao inquérito e preencheram-no, o que demorou cerca de 15 minutos a fazer. Por fim, os participantes receberam instruções sobre como enviar o formulário preenchido. A recolha de dados foi realizada entre outubro de 2020 e dezembro de 2021, tendo sido enviados dois lembretes por email às organizações, pedindo-lhes que partilhassem o estudo com os seus membros de modo a aumentar a taxa de resposta.
Análise dos dados
A análise das variáveis sociodemográficas e de participação social levou em consideração o cálculo da frequência e percentagem das variáveis categóricas e da média e desvio padrão das variáveis contínuas.
Na avaliação da validade de constructo, foi utilizada a AFE para validar a LGS e a GBC recorrendo ao método dos componentes principais e à rotação Varimax. O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) > 0,5 e o Teste de Esfericidade de Bartlett foram usados para determinar a adequação da amostra (Hair et al., 2019). A análise paralela (AP) recorrendo ao método de extração minimum rank factor analysis (MRFA) foi aplicada para calcular o número de fatores. Para identificar o número de itens por fator, foram considerados os seguintes critérios: carga > 0,4 e percentagem de variância total > 40,0%. Caso estivessem presentes itens com carga < 0,4 e cross-loadings > 0,4, estes deveriam ser retirados sucessivamente até se obter um modelo adequado.
A fiabilidade da consistência interna foi avaliada através do cálculo do ( de Cronbach.
A validade convergente foi medida pelas correlações estabelecidas entre a LGS, a GBC e a SWLS através da aplicação do coeficiente de correlação de Spearman (0-0,39 = fraco; 0,40-0,69 = moderado; 0,70-0,89 = forte; ≥ 0,90 = muito forte; Schober et al., 2018).
A análise estatística foi realizada com recurso ao software SPSS, versão 28, e a AP foi feita recorrendo ao software FACTOR. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Resultados
Validação da LGS e da GBC para idosos espanhóis LGBT+ (com mais de 50 anos)
Tanto a LGS como a GBC foram submetidas a AFE. A primeira AFE para a LGS obteve um valor KMO de 0,767 e uma pontuação para o Teste de Esfericidade de Bartlett de p < 0,01, indicando que os dados eram suficientemente adequados para a realização de uma AFE. A AP determinou um modelo de dois fatores. Seguidamente, uma nova AFE foi realizada com a extração fixada em dois fatores e remoção de itens com base nos critérios estabelecidos para as cargas fatoriais e cross-loadings. Este processo foi repetido várias vezes até que não fosse necessário remover mais nenhum item. No total, foram retirados seis itens: cinco itens com uma carga fatorial < 0,4 (itens: 3, 5, 8, 9 e 11) e um item com cross-loadings (item 10). O modelo final de dois fatores (KMO = 0,79 e Teste de Esfericidade de Bartlett = p < 0,01) explica uma variância total de 45,1% (Tabela 1). Considerando as versões original e espanhola, o Fator 1, designado por “Generatividade positiva,” inclui 10 itens e explica 29,6% da variância. O Fator 2, denominado “Dúvidas generativas,” inclui quatro itens e explica 12,5% da variância (Tabela 1). A “Generatividade positiva” indica a responsabilidade e confiança na capacidade de orientar a próxima geração e a comunidade, enquanto que as “Dúvidas generativas” retratam a sensação de ter pouca capacidade para influenciar e contribuir para os outros. Relativamente à consistência interna, a escala global atingiu um ( de Cronbach de 0,78, de 0,82 para a subescala “Generatividade positiva” e de 0,51 para a subescala “Dúvidas generativas”.
Itens | M ± DP | Generatividade positiva | Dúvidas generativas |
---|---|---|---|
19. As pessoas procuram-me para pedir conselhos. | 1,80 ± 0,71 | 0,704 | |
12.Tenho capacidades e conhecimentos valiosos que tento ensinar aos outros. | 1,96 ± 0,74 | 0,688 | |
6. Já fiz coisas que tiveram uma grande influência noutras pessoas. | 1,97 ± 0,67 | 0,669 | |
17- As pessoas que me conhecem dizem que sou uma pessoa muito produtiva. | 1,96 ± 0,69 | 0,662 | |
1. Tento transmitir aos outros os conhecimentos que adquiri através das minhas experiências. | 2,40 ± 0,64 | 0,657 | |
7. Tento ser criativo na maioria das coisas que faço. | 2,19 ± 0,75 | 0,634 | |
20. Acredito que as minhas contribuições continuarão depois de eu morrer. | 1,41±0,85 | 0,591 | |
16. Ao longo da minha vida, tenho estado envolvido com diferentes tipos de pessoas, grupos e atividades. | 2,28 ± 0,75 | 0,554 | |
4. Sinto que sou importante para muitas pessoas. | 2,05 ± 0,77 | 0,514 | |
18. A melhoria do meu bairro é também da minha responsabilidade. | 1,99 ± 0,91 | 0,494 | |
13. Sinto que nada do que fiz sobreviverá depois de eu morrer. | 1,99 ± 0,89 | 0,651 | |
15. Sinto-me como se não tivesse feito nada de valor que pudesse ser útil a outras pessoas. | 2,43 ± 0,73 | 0,651 | |
2. Sinto que ninguém precisa de mim. | 2,20 ± 0,77 | 0,604 | |
14.Em geral. o que eu faço não tem um efeito positivo nos outros. | 1,99 ± 0,88 | 0,444 | |
% de variância | 45,10 | 29,59 | 15,51 |
M ± DP | 28,64 ± 5,43 | 20,02 ± 4,63 | 8,62 ± 2,09 |
α | 0,775 | 0,822 | 0,514 |
Nota: LGS = Loyola Generativity Scale (Escala de Generatividade de Loyola); M = Média; DP = Desvio Padrão; ( = Alfa de Cronbach.
A AFE inicial da GBC apresentou um KMO de 0,848 e uma pontuação para o Teste de Esfericidade de Bartlett de p < 0,01 que sugeriram que os dados eram suficientemente adequados para realizar uma AFE. Da AP emergiu um modelo de dois fatores. Utilizando a estrutura de dois fatores, uma nova AFE foi levada a cabo com a remoção de itens com base nos critérios estabelecidos para as cargas fatoriais e cross-loadings. Este processo foi repetido várias vezes até que não fosse necessário remover mais nenhum item. Foram removidos no total nove itens - cinco com carga < 0,4 (itens: 2, 3, 5, 8, 27) e quatro com cross- -loadings (itens: 21, 25, 26, 28) - os dois fatores ficaram com 20 itens retidos. O modelo final de dois fatores (KMO = 0,855 e Teste de Esfericidade de Bartlett p < 0,01) é responsável por uma variância total de 41,67% (Tabela 2). O Fator 1, denominado “Voluntariado e doação”, inclui 11 itens e explica 32,26% da variância. O Fator 2, denominado “Colaboração e cuidado”, inclui nove itens e explica 9,41% da variância. O voluntariado e a doação são atos que implicam oferecer e contribuir para os outros (familiares ou membros da comunidade) por meios pessoais ou através de instituições. A colaboração e o cuidado implicam contribuir ou colaborar no cuidado de alguém (familiares próximos ou membros da comunidade) ou de algo (por exemplo, através do voluntariado, doações monetárias, organização de viagens). O valor de consistência interna (( de Cronbach) da GBC foi de 0,879 para a escala global, de 0,862 para a subescala “Voluntariado e doação” e 0,765 para a subescala “Colaboração e cuidado” (Tabela 2).
Itens | M ± DP | Voluntariado e doação | Colaboração e Cuidado |
---|---|---|---|
28. Participei numa associação ou organização como voluntário. | 1,18 ± 0,94 | 0,739 | |
18. Participei em reuniões comunitárias ou de bairro. | 0,93 ± 0,88 | 0,710 | |
10. Envolvi-me em questões políticas. sociais ou religiosas. | 1,51 ± 0,75 | 0,670 | |
4. Doei dinheiro a uma causa de solidariedade social. | 1,53 ± 0,71 | 0,638 | |
1. Visitei alguém no hospital ou num lar de idosos. | 1,04 ± 0,96 | 0,626 | |
22. Dei esmolas a pessoas necessitadas. | 1,06 ± 0,88 | 0,620 | |
17. Organizei uma viagem. uma festa ou um evento social. | 1,17 ± 0,87 | 0,617 | |
11. Dei dinheiro a pessoas da minha família ou a amigos. | 1,30 ± 0,81 | 0,604 | |
12. Ajudei pessoas próximas com problemas. | 1,52 ± 0,67 | 0,583 | |
6. Liderei um grupo de pessoas para alcançar um bem comum. | 1,16 ± 0,89 | 0,572 | |
23. Escrevi histórias. poemas ou memórias. | 0,86 ± 0,85 | 0,456 | |
14. Ensinei uma competência ou um conhecimento a alguém. | 1,44 ± 0,76 | 0,706 | |
20.Cuidei do bem-estar da minha família. | 1,75 ± 0,59 | 0,686 | |
7. Continuei a exercer a minha profissão. | 1,48 ± 0,78 | 0,586 | |
15. Ajudei outras pessoas no seu trabalho. | 1,54 ± 0,72 | 0,579 | |
13.Arranjei coisas em casa (uma máquina. um móvel. um instrumento...). | 1,40 ± 0,74 | 0,537 | |
9. Cuidei das necessidades das pessoas à minha volta. | 1,72 ± 0,52 | 0,519 | |
16. Já tratei de plantas ou de animais domésticos. | 1,57 ± 0,71 | 0,501 | |
19. Aconselhei outras pessoas sobre decisões que tinham de tomar. | 1,36 ± 0,75 | 0,473 | |
24. Ajudei os meus filhos nas tarefas quotidianas. | 0,53 ± 0,87 | 0,451 | |
% de variância | 41,67 | 32,26 | 9,41 |
α | 0,879 | 0,862 | 0,765 |
Nota: GBC = Generative Behavior Checklist (Lista de Comportamentos Generativos); M = Média; DP = Desvio Padrão; ( = Alfa de Cronbach,
Validade convergente
Foram encontradas correlações positivas e estatisticamente significativas entre a SWLS e a LGS-Global (r s = 0,380), a LGS-Generatividade positiva (r s = 0,298) e a LGS-Dúvidas generativas (r s = 0,308). Verificou-se uma correlação fraca, mas significativa entre a SWLS e a pontuação global da GBC (r s = 0,285) e a subescala GBC-Colaboração e cuidado (r s = 0,261; Tabela 3). A LGS e a GBC apresentaram uma correlação positiva e significativa (rs = 0,310). Foi observada uma correlação significativa entre as subescalas GBC (“Voluntariado e doação” e “Colaboração e cuidado”) e a LGS-Global (r s = 0,283 e r s = 0,267, respetivamente; ver Tabela 3). A subescala “Generatividade positiva” da LGS apresentou uma correlação positiva com a GBC-Global (r s = 0,330) e com as subescalas “Voluntariado e doação” e “Colaboração e cuidado,” com r s = 0,308 e r s = 0,263, respetivamente (Tabela 3).
SWLS | LGS | LGS- F1 | LGS-F2 | GBC | GBC-F1 | GBC-F2 | |
SWLS | 1 | ||||||
LGS | r s = 0,380*** | 1 | |||||
LGS-F1 | r s = 0,298*** | r s = 0,904*** | 1 | ||||
LGS -F2 | r s =0,308*** | r s = 0,568*** | r s =0,200* | 1 | |||
GBC | r s = 0,210* | r s =0 ,310*** | r s = 0,330*** | r s = 0,064 | 1 | ||
GBC-F1 | r s = 0,135 | r s = 0,283*** | r s = 0,308*** | r s = 0,055 | r s = 0,942*** | 1 | |
GBC-F2 | r s = 0,261** | r s =0,267** | r s = 0,263** | r s = 0,087 | r s = 0,798*** | r s = 0,565*** | 1 |
Nota: rs = Coeficiente de correlação de postos de Spearman; LGS = Loyola Generativity Scale (Escala de Generatividade de Loyola); GBC = Generative Behavior Checklist (Lista de Comportamentos Generativos); SWLS = Satisfaction with Life Scale (Escala de Satisfação com a Vida); F1 = Fator 1; F2 = Fator 2. *p < 0,05; **p < 0,01; ***p < 0,001.
Discussão
O nosso estudo centrou-se na população espanhola de idosos LGBT+ (com mais de 50 anos) e contribui para a validação das escalas LGS e GBC para esta população. Estas escalas já haviam sido validadas por estudos anteriores para o uso com idosos, mas não especificamente para o segmento LGBT+. Tanto quanto sabemos, este é o primeiro estudo a examinar as propriedades psicométricas (validade de construto) da LGS e da GBC para a população LGBT+ espanhola com 50 anos ou mais.
Relativamente à LGS, o nosso estudo obteve um modelo de dois fatores (“Generatividade positiva” e “Dúvidas generativas”) semelhante às versões original (McAdams & Aubin, 1992) e espanhola (Villar et al., 2013). No entanto, o modelo do nosso estudo explica uma variância total mais elevada (45,1% por oposição a 29,1% em Villar et al., 2013). Embora o nosso modelo tenha um número de itens igual ao de Villar et al. (2013), existem diferenças ao nível dos itens que compõem a subescala “Generatividade positiva”. No nosso estudo, dois itens que fazem parte do modelo de Villar et al. (2013) não foram extraídos (8. Penso que, depois de morrer, serei recordado durante muito tempo; 10. Outros dirão que dei contributos importantes para a sociedade) e dois outros itens que não fazem parte do modelo de Villar et al. (2013) foram extraídos para o nosso modelo (7. Tento ser criativo na maioria das coisas que faço; 16. Ao longo da minha vida, tenho estado envolvido com diferentes tipos de pessoas, grupos e atividades). Os restantes itens são semelhantes em ambas as versões (1, 4, 6, 12, 17, 18, 19 e 20) da subescala “Generatividade positiva.” A subescala “Dúvidas generativas” apresenta a mesma solução de modelo fatorial com os mesmos itens (itens 2, 13, 14 e 15) que Villar et al. (2013).
A escala global apresenta uma boa consistência interna, semelhante ao reportado na versão original (McAdams & Aubin, 1992). Contudo, a subescala “Dúvidas generativas” apresentou um valor mais baixo (( = 0,514), semelhante ao valor obtido por Villar et al. (2013). Considerando que a consistência interna foi avaliada com recurso ao ( de Cronbach, este valor mais baixo poderá ser explicado pelo reduzido número de itens (n = 4) da subescala uma vez que ( de Cronbach é sensível ao número de itens, sendo comum encontrarem-se valores mais baixos de ( de Cronbach em escalas mais pequenas (Pallant, 2011).
McAdams & Aubin (1992) não realizaram a análise fatorial da GBC, ao contrário de Villar et al. (2013). Esta sugeriu modelos com dois ou quatro fatores. Os autores da versão espanhola da GBC escolheram a solução de quatro fatores devido aos resultados obtidos pelo scree plot (método gráfico). No nosso estudo, a GBC apresentou uma solução de dois fatores, um dos modelos de extração apontados por Villar et al. (2013). No seu estudo, Villar et al. (2013) recorreram aos eigenvalues e ao scree plot, enquanto que a nossa investigação recorreu à AP, considerada um método mais preciso de determinar o número de fatores a reter (Watkins, 2018). Em relação ao modelo de Villar et al. (2013), obtivemos ainda uma maior percentagem de variância explicada (41,67% em oposição a 36,4%) e um maior número de itens (20 em oposição a 15) que também se organizam de forma diferente do modelo de Villar et al. (2013). A consistência interna dos dois modelos foi semelhante (Boa; ( > 0,70).
Em relação a ambos os instrumentos, a solução analítica fatorial obtida pelo nosso estudo foi diferente da de Villar et al. (2013) no número de fatores e no número e tipo de itens por fator. A seleção da amostra (Gaskin et al., 2017) poderá explicar esta diferença na medida em que a amostra de Villar et al. (2013) foi composta por idosos da população geral enquanto que a amostra do nosso estudo foi constituída por idosos LGBT+. As pessoas LGBT+ têm percursos de vida diferentes e singulares, muitas vezes marcadas por estigma e preconceito, tendo enfrentado movimentos históricos (e.g. a ditadura) e sociais (e.g. a pandemia de HIV/AIDS) diferentes das pessoas cisgénero e heterossexuais da mesma faixa etária (Casado et al., 2023; Tavares et al., 2023). Adicionalmente, a seleção da amostra em estudos que utilizam a AFE pode influenciar a solução fatorial obtida (Gaskin et al., 2017) e pode gerar soluções fatoriais diferentes em termos de número de fatores extraídos e estrutura fatorial.
Relativamente à validade convergente, foi realizada a correlação entre a LGS, a GBC e a SWLS. Os idosos LGBT+ com níveis mais elevados de preocupações e comportamentos generativos foram os mais satisfeitos com a vida. A satisfação com a vida foi correlacionada com a generatividade, observando-se que indivíduos mais generativos estão mais satisfeitos com a vida (Becchetti & Bellucci, 2021). Estudos anteriores já haviam demostrado que níveis mais elevados de generatividade estão positivamente relacionados com a satisfação com a vida em vários grupos populacionais (Bower et al., 2021; Pons et al., 2000; Serrat et al., 2018). Além disso, um estudo recente mostrou que a generatividade e a satisfação com a vida são promovidas pela revelação da orientação sexual ou identidade de género em todas as áreas da vida e pelo apoio percebido durante este processo (Tavares et al., 2023). As preocupações generativas tiveram uma correlação significativa com os comportamentos generativos, embora a correlação tenha sido ligeiramente inferior à reportada por Villar et al. (2013) - ou seja, 0,39 em oposição a 0,49, respetivamente. Estes resultados indicam que estas escalas têm uma validade convergente adequada.
O nosso estudo teve algumas limitações. Em primeiro lugar, a dimensão da amostra foi relativamente reduzida, devido ao facto de a aproximação a indivíduos LGBT+ com mais de 50 anos continuar a ser difícil (Fredriksen-Goldsen & de Vries, 2019). Acreditamos que os resultados teriam beneficiado da utilização de uma amostra maior que permitisse outras abordagens de validação, como a análise fatorial confirmatória. Em segundo lugar, a nossa amostra era maioritariamente constituída por homens gays e lésbicas cisgénero. A possibilidade de incluir mais participantes transgénero, bissexuais e não binários teria sido benéfica. Em terceiro lugar, relativamente à consistência interna, o ( de Cronbach ficou ligeiramente abaixo da recomendação para a subescala LGS - “Dúvidas generativas”. Este facto deveu-se possivelmente à baixa correlação entre os itens correspondentes (quatro). Assim, consideramos que uma avaliação mais aprofundada poderá ser necessária em futuros testes deste instrumento.
Conclusão
A avaliação da generatividade é especialmente relevante em idosos LGBT+ na medida em que este conceito está relacionado com o bem-estar, a satisfação com a vida e o envelhecimento saudável. Assim, o objetivo do nosso estudo foi avaliar as propriedades psicométricas da LGS e da GBC em termos de consistência interna e validade para idosos espanhóis LGBT+. Os resultados demonstram que ambas as escalas possuem uma validade fatorial adequada e uma boa fiabilidade nas pontuações globais, sugerindo que podem ser usadas como instrumentos úteis para o estudo de preocupações e comportamentos generativos na população idosa LGBT+ espanhola.