Introdução
Globalmente, as taxas de procedimentos cirúrgicos têm aumentado consideravelmente e, em conformidade com a Organização Mundial de Saúde (OMS), anualmente, mais de 4 milhões de pessoas são submetidas a algum tipo de cirurgia, estimando-se que 50 a 75% dos doentes possam desenvolver algum nível de ansiedade nesse processo (Medina-Garzón, 2019). A ansiedade da pessoa submetida a cirurgia é variável, obedecendo a um conjunto alargado de fatores que a poderão influenciar (Gonçalves et al., 2017). No período pré-operatório, a perceção do doente relativamente à informação e conhecimentos que possui é baixa (idem), pelo que o pré-operatório surge como um momento essencial, em que pode, através do ensino de enfermagem, transmitir as informações necessárias e dar abertura para o esclarecimento de dúvidas, ensinando sobre a sua patologia, procedimentos futuros e expetativas pós-operatórias, bem como a orientação, de forma a garantir a adesão a planos de tratamento, aumentando o conhecimento do doente, de forma a promover o seu bem-estar e a ajudar a enfrentar o procedimento a ser realizado (Monteiro, 2020, Wilson et al., 2016). Como tal, deve ser efetuada uma correta avaliação do doente, atendendo à sua individualidade e necessidades informativas, reduzindo o impacto emocional gerado pelas alterações resultantes da cirurgia (Breda & Cerejo, 2021).
Face a esta realidade, enunciaram-se como objetivos para este estudo: compreender o impacto do ensino pré-operatório de enfermagem na pessoa submetida a cirurgia; avaliar o nível de ansiedade, nos períodos pré e pós-operatório e identificar a influência de variáveis sociodemográficas e clínicas nos níveis de ansiedade no pós-operatório.
Enquadramento
A necessidade de uma intervenção cirúrgica surge como um evento adverso na vida da pessoa, considerada por muitos doentes como o dia mais ameaçador das suas vidas (Aust et al., 2018). No que se refere ao doente que aguarda cirurgia, a alteração do estado emocional é indiscutível, não só por se tratar de um evento crítico e traumático percecionado pelo doente, como por se constituir como uma realidade desconhecida e assustadora (Wilson et. al, 2016; Stamenkovic et al., 2018). A American Psycological Association (2021) considera que a ansiedade afeta cerca de 30% da população adulta, em algum momento da vida, sendo caracterizada como a antecipação a um possível perigo, também traduzida por Serra (1980), como “o medo sem objeto”. Especificamente, a ansiedade cirúrgica é decorrente de um procedimento iminente (Wilson et al., 2016). Surge semanas antes da cirurgia, se programada, e os sintomas são intensificados antes da admissão no hospital, o que pode conduzir ao aparecimento de efeitos fisiológicos e emocionais com consequências no pós-operatório (Medina-Garzón, 2019). A preocupação com a saúde, a incerteza em relação ao futuro, o medo do desconhecido, o tipo de cirurgia, as experiências cirúrgicas anteriores, a anestesia, o desconforto pós-operatório, a dor, a incapacitação, a preocupação com a autoimagem, as complicações, o processo de cicatrização, os efeitos na vida profissional, o medo de morrer, entre outros, surgem como fatores promotores de ansiedade no perioperatório (Aust et al., 2018; Gonçalves et al., 2017; Hinkle & Cheever, 2020), juntamente com a sensação de perda de controlo e o medo de estar à “mercê” dos profissionais de saúde (Ruiz-Hernández et al., 2021). Assim, a ansiedade pode apresentar-se como resposta a uma ameaça ao papel do doente na sua vida, à ideia de incapacidade permanente ou perda de integridade corporal, contrabalançando com o aumento do ónus e responsabilidades familiares ou da sua própria vida (Hinkle & Cheever, 2020).
As manifestações de ansiedade no pré-operatório podem influenciar a gestão da anestesia, a intensidade da dor, a ansiedade pós-operatória e a analgesia, bem como o aumento da morbimortalidade pós-operatória (Hinkle & Cheever, 2020; Stamenkovic et al., 2018). Contudo, estas manifestações diferem de pessoa para pessoa, pelo que o nível de ansiedade será maior ou menor, dependendo, entre outros fatores, dos mecanismos individuais de coping (Gonçalves et al., 2017; Ruiz-Hernández et al., 2021). Quando se preveem intervenções que visem a redução da ansiedade em doentes cirúrgicos, é necessária não só uma definição clara do que é a ansiedade, como a implementação de um instrumento válido e fiável para medir essa emoção (Wilson et al., 2016). Atualmente, existem inúmeros meios para realizar essa avaliação. Spielberger (1972) desenvolveu um Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE), que avalia a ansiedade enquanto estado emocional transitório e como traço característico de uma pessoa. Esta ferramenta, devido à sua facilidade de uso, validade e confiabilidade comprovadas, é a mais utilizada na avaliação da ansiedade em processos cirúrgicos (Wilson et al., 2016). Também as técnicas que visem potenciar os mecanismos de pró-eficiência da pessoa, poderão melhorar a autoconfiança, permitindo que exponha os seus medos e dúvidas, e assim atenda às necessidades que possam advir do processo cirúrgico (Ruiz-Hernández et al., 2021). Muitos dos doentes detêm informações dispares em relação ao perioperatório, podendo comprometer todo o ato anestésico e cirúrgico (Breda & Cerejo, 2021). O ensino surge como uma vertente essencial no pré-operatório, constitui uma dimensão importante de enfermagem e é determinante para a construção de uma parceria que facilite a comunicação entre o doente e o enfermeiro (Petterson et al., 2017). Como tal, deve ser planeado decorrente de uma correta avaliação do doente, atendendo à sua individualidade e necessidades informativas, reduzindo o impacto emocional gerado pelas alterações resultantes da cirurgia (Breda & Cerejo, 2021).
O atual estado da arte não é concordante relativamente à eficácia do ensino de enfermagem com vista à redução da ansiedade perioperatória. No entanto, alguns estudos apontam para a sua redução efetiva, melhoria da qualidade de vida, dor, capacitação da pessoa e redução de complicações no pós-operatório (Cetkin & Tuna, 2019; Chang et al., 2020; Reaza-Alarcón & Rodríguez-Martín, 2019).
Questão de investigação/Hipóteses
Qual o impacto do ensino pré-operatório de enfermagem, na ansiedade da pessoa submetida a cirurgia?
A ansiedade da pessoa submetida a cirurgia é diferente consoante é ou não submetida a um plano de ensino pré-operatório de enfermagem; o tipo de cirurgia a que a pessoa é submetida influencia os níveis de ansiedade no pós-operatório; as experiências cirúrgicas anteriores influenciam os níveis de ansiedade no pós-operatório; existe relação entre a idade, sexo e estado civil e o nível de ansiedade pós-operatória da pessoa submetida a cirurgia.
Metodologia
Desenvolveu-se um estudo correlacional, quase experimental, com envolvimento de grupo de controlo. Mediante as admissões, e pelo critério par-ímpar, os doentes foram alocados aos dois grupos, até obter uma amostra representativa. O grupo experimental (n=33) foi submetido a um plano de ensino pré-operatório de enfermagem no momento da admissão e o de controlo (n = 33) seguiu os trâmites em vigor na instituição onde decorreu o estudo. Consideraram-se como critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos; saber ler e escrever e aguardar intervenção cirúrgica programada. Através de uma amostragem não probabilística e acidental (n = 66), foram incluídos os doentes internados num serviço de especialidades cirúrgicas, de uma instituição direcionada para o tratamento do doente oncológico, propostos para cirurgia eletiva, nos meses de março e abril de 2022. Relativamente ao tipo de cirurgia, foi considerada cirurgia do aparelho digestivo, torácica, ginecologia, urologia e cirurgia da cabeça e pescoço (desta foi excluída cirurgia major tendo em conta a sua especificidade e pela ambivalência de necessidades que o doente tem no pré e pós-operatório). Foram excluídos três doentes por não apresentarem os questionários totalmente preenchidos e quatro por não reunirem condições no período definido para o preenchimento da segunda parte.
Foi utilizado como instrumento de avaliação da ansiedade, o Inventário de Ansiedade Estado de Spielberger (STAI Forma Y-1), traduzido em 1996 para a versão portuguesa por Daniel e Ponciano. O questionário utilizado constituía numa primeira parte a caracterização sociodemográfica e clínica (idade, sexo, estado civil, experiências cirúrgicas anteriores e tipo de cirurgia) e o Inventário de Ansiedade-Estado de Spielberger, sendo aplicada no momento da admissão ao serviço. Após 48 horas da realização da cirurgia, foi aplicada a segunda parte do questionário, constituído novamente pelo mesmo Inventário e a Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória de Gonçalves e Cerejo (2020), a fim de avaliar a informação ministrada no pré-operatório. Os valores do alfa de Cronbach obtidos no Inventário de Ansiedade aplicado no pré-operatório foram todos superiores a 0,629, com um valor geral de 0,656, considerado razoável. Para o Inventário de Ansiedade, aplicado no pós-operatório, os valores foram semelhantes. No que diz respeito à Escala de Avaliação de Informação Pré-Operatória, o valor obtido foi considerado bom, com um alfa de 0,783.
O tratamento estatístico dos dados foi realizado com recurso ao programa IBM SPSS statistics, versão 26.0. Recorreu-se à estatística descritiva para calcular as frequências absolutas (n) e relativas (%), medidas de tendência central (média), medidas de dispersão, desvio-padrão (DP) e coeficiente de variação (CV%). Respeitante à estatística inferencial, foram utilizados testes não paramétricos, pelo facto de não se cumprir o pressuposto da normalidade em vários fatores da variável dependente, nomeadamente o teste U de Mann-Whitney (UMW) e Teste Kruskal-Wallis (KW). O valor de significância considerado foi 5%, p < 0,05. Foram cumpridos todos os pressupostos éticos e legais para a realização do estudo, obtido o consentimento livre e esclarecido dos participantes e parecer favorável da Comissão de Ética da instituição (parecer TI 39/2021).
Resultados
Globalmente, os resultados revelam que os inquiridos apresentam uma idade mínima de 38 anos e uma máxima de 87 anos, o que corresponde a uma idade média de 67,70 e um desvio padrão de 10,80 anos. Prevaleceram os doentes com idade > 70 anos, distribuição semelhante nos dois grupos. A maioria dos doentes que compõe a amostra são do sexo masculino (54,5%; n = 36) e casados (65,2%; n = 43). Maioritariamente, os doentes foram submetidos a cirurgia do aparelho digestivo (56,1%; n = 37), A distribuição é semelhante em ambos os grupos, visto que não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas (X2 = 0,372; p = 0,985). Verificou-se distribuição semelhante nas restantes cirurgias. A maioria dos inquiridos já tinha sido submetida a algum tipo de cirurgia anteriormente. A distribuição foi semelhante para ambos os grupos em estudo, sendo que no experimental 40,9% (n = 27) já tinham sido intervencionados e 9,1% (n = 6) não. No grupo de controlo obtiveram-se os mesmos valores percentuais, pelo que se pode afirmar que entre os grupos e a realização de cirurgia prévia não foram encontradas diferenças significativas (X2 = 0,000; p = 1,000). No que concerne ao facto dos doentes se terem sentido informados na cirurgia anterior, a maioria responde afirmativamente. Destes, 35,2% (n = 19) pertencem ao grupo experimental e 50,0% (n = 27), ao grupo de controlo. Também a distribuição por grupos é semelhante, contudo, como a totalidade dos que responderam não ter sido informados pertence ao grupo experimental, revela a existência de uma diferença estatisticamente significativa (X2 = 9,391; p = 0,002). A maioria dos doentes negou a existência de complicações cirúrgicas (87,0%; n = 47), com uma distribuição semelhante em ambos os grupos, sem diferenças estatísticas significativas (X2 = 0,164; p = 0,685). Por fim, no que se refere à importância da informação transmitida sobre a cirurgia, a maioria considerou-a importante (percentagem correspondente de 93,9%, n = 62). Destes, 50,0% (n = 33) pertencem ao grupo experimental e 43,9% (n = 29) ao grupo de controlo, verificando-se uma distribuição semelhante. No entanto como alguns elementos do grupo de controlo consideraram que a informação não foi importante, demonstra-se existência de diferença estatisticamente significativa quanto à importância atribuída à informação transmitida nas cirurgias anteriores (X2 = 4,258; p = 0,039). Relativamente aos níveis da ansiedade pré e pós-operatória, verificou-se que, em média, os doentes do grupo de controlo apresentam menor nível de ansiedade pré-operatória (44,42 pontos), relativamente aos do grupo experimental (47,39 pontos). Referente à ansiedade pós-operatória a distribuição é semelhante, observando-se uma média de 43,33 pontos no grupo de controlo e 47,36 pontos no grupo experimental. Quanto à avaliação da informação transmitida através do plano de ensino, constatou-se que os doentes do grupo experimental se sentiram mais informados (37,88 pontos) que os do grupo de controlo (30,73 pontos; Tabela 1).
Tabela 1 : Dados estatísticos relativos aos níveis de ansiedade pré e pós-operatória e à avaliação da informação pré-operatória
Nível de ansiedade | Min | Max | M | DP | CV (%) | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Ansiedade Pré-operatória | Experimental | 32 | 59 | 47,39 | 6,85 | 14,45 | ||||
Controlo | 32 | 57 | 44,42 | 5,54 | 12,47 | |||||
Total | 32 | 59 | 45,91 | 6,36 | 13,85 | |||||
Ansiedade Pós-operatória | Experimental | 32 | 61 | 47,36 | 5,97 | 12,61 | ||||
Controlo | 34 | 56 | 43,33 | 5,05 | 11,65 | |||||
Total | 32 | 61 | 45,35 | 5,85 | 12,90 | |||||
Avaliação da informação pré-operatória | Experimental | 12 | 45 | 37,88 | 6,63 | 17,50 | ||||
Controlo | 17 | 45 | 30,73 | 7,10 | 23,10 | |||||
Total | 12 | 45 | 34,30 | 7,71 | 22.48 |
Nota. Min = Mínimo; Max = Máximo; M = Média; DP = Desvio-padrão; CV = Coeficiente de variação.
Hipótese 1: A ansiedade da pessoa submetida a cirurgia é diferente consoante é ou não submetida a um plano de ensino pré-operatório de enfermagem
Através das ordenações médias, verificou-se um nível de ansiedade tanto pré-operatório como pós-operatório mais elevado nos doentes que constituem o grupo experimental. No entanto, as diferenças apenas são estatisticamente significativas (p = 0,002), a nível da ansiedade pós-operatória. Foi comparada a perceção dos doentes, entre ambos os grupos, relativamente à informação fornecida para compreender de forma mais inclusiva a importância do ensino pré-operatório de enfermagem e, consequentemente, ajudar a direcionar a posterior discussão dos resultados. Assim, verificou-se que o grupo experimental obteve um nível de informação mais elevado, reconhecendo-se a existência de dados altamente significativos (p < 0,001), relativamente à informação transmitida (Tabela 2).
Tabela 2 : Resultados do teste U de Mann-Whitney para verificação da hipótese 1 e comparar a perceção dos doentes relativamente à informação fornecid a
Grupo | Experimental | Controlo | |
---|---|---|---|
Ordenação média | Ordenação média | ||
Ansiedade pré-operatória | 37,80 | 29,20 | |
(p) | 0,068 | ||
Ansiedade pós-operatória | 40,70 | 26,30 | |
(p) | 0,002** | ||
Avaliação informação pré-operatória | 43,21 | 23,79 | |
(p) | p < 0,001 |
Nota. p = Probabilidade.
Hipótese 2: O tipo de cirurgia a que a pessoa é submetida influencia os níveis de ansiedade no pós-operatório.
Verifica-se, através das ordenações médias, um nível de ansiedade superior nos doentes submetidos a cirurgia do aparelho digestivo pertencentes ao grupo experimental e nos doentes submetidos a cirurgia torácica, pertencentes ao grupo de controlo. No entanto, pela análise dos resultados, essas diferenças não são estatisticamente significativas (p > 0,05; Tabela 3).
Hipótese 3: As experiências cirúrgicas anteriores influenciam os níveis de ansiedade no pós-operatório.
Obtiveram-se níveis de ansiedade mais elevados nos doentes que já tinham sido submetidos a cirurgia, pertencentes ao grupo experimental, e sem experiências cirúrgicas anteriores, no grupo de controlo. Ainda assim, pelos resultados obtidos verifica-se que não existe diferença estatisticamente significativa (p > 0 ,05; Tabela 3).
Tabela 3 : Resultados do teste de Kruskal-Wallis para verificação da hipótese 2 e teste U de Mann - Whitney para verificação da hipótese 3
Ansiedade pós-operatória | ||||
---|---|---|---|---|
Grupo | Experimental | Controlo | Teste | |
Ordenação média | Ordenação média | |||
Tipo de cirurgia Digestiva Torácica Urológica Ginecológica Outras cirurgias | 19,00 16,80 14,00 3,50 14,17 | 16,47 26,75 12,42 23,50 14,88 | Kruskal-Wallis | |
( p ) | 0,472 | 0,187 | ||
Experiência cirúrgica anterior Sim Não | 17,30 15,67 | 16,24 20,42 | U de Mann - Whitney | |
( p ) | 0,733 | 0,348 |
Nota. p = probabilidade.
Hipótese 4: Existe relação entre a idade, sexo e estado civil e o nível de ansiedade pós-operatória da pessoa submetida a cirurgia.
O nível de ansiedade é mais elevado nos doentes com 61-70 anos, pertencentes ao grupo experimental e nos que apresentavam idade inferior a 60 anos, do grupo de controlo. No entanto essa diferença não é estatisticamente significativa. Registou-se um nível de ansiedade superior nos homens que constituíram o grupo experimental e valores equitativos no grupo de controlo. Os resultados evidenciam um nível de ansiedade superior nos doentes divorciados e viúvos pertencentes ao grupo experimental e nos doentes solteiros pertencentes ao grupo de controlo. Os resultados estatisticamente significativos, no que diz respeito ao estado civil versus ansiedade pós-operatória, são evidentes apenas no grupo experimental (p=0,030) (Tabela 4).
Tabela 4 : Resultados do teste U de Mann - Whitney e Kruskal-Wallis para verificação da hipótese 4
Ansiedade pós-operatória | |||
---|---|---|---|
Grupo | Experimental | Controlo | Teste |
Ordenação média | Ordenação média | ||
Idade < 60 anos 61-70 anos > 70 anos | 16,30 17,73 16,60 | 18,45 17,61 15,35 | Kruskal-Wallis |
( p ) | 0,938 | 0,715 | |
Sexo Masculino Feminino | 17,44 16,53 | 17,00 17,00 | U de Mann - Whitney |
( p ) | 0,790 | 1,000 | |
Estado civil Solteiro/a Casado/a/União de facto Divorciado/a Viúvo/a | 16,13 13,83 25,75 25,75 | 24,50 17,18 16,00 14,00 | Kruskal-Wallis |
( p ) | 0,030* | 0,626 |
Nota. p = probabilidade.
Discussão
No que diz respeito ao tipo de cirurgia, a que mais predominou foi a cirurgia do aparelho digestivo para ambos os grupos, com um valor percentual total de 56,1%. A maioria dos doentes já tinha sido submetida a uma intervenção cirúrgica anteriormente, prevalecendo aqueles que se sentiram devidamente informados (85,2%), com inexistência de complicações cirúrgicas (87,0%) e que consideraram que a informação que tinham recebido relativamente à cirurgia era importante (93,9%). Este último resultado é concordante com os resultados obtidos através da escala de avaliação da informação pré-operatória aplicada. Nesta, os doentes pertencentes ao grupo experimental demonstraram estar mais informados (37,88 pontos) do que os do grupo de controlo (30,73 pontos). A informação transmitida ao doente, por meio do ensino, é um elemento basilar na preparação para a cirurgia, e a sua adesão é um indicador importante da qualidade, fornecendo dados aos gestores relativamente às expetativas dos doentes sobre os cuidados de saúde prestados, com vista à melhoria da qualidade de saúde e identificação de áreas em falha (Meng et al., 2018). O nível da ansiedade pré-operatória foi de 44,42 pontos nos doentes do grupo de controlo e 47,39 pontos nos do grupo experimental. Relativamente à ansiedade pós-operatória, o resultado foi semelhante. Foram identificados noutros estudos valores de ansiedade idênticos, utilizando o mesmo instrumento de medida. No estudo de Gürler et al. (2022), a maioria (70,8%) apresentou medo associado à cirurgia e à anestesia e cerca de 46,4% tinha um nível moderado de ansiedade pré-operatória. Também Gonçalves et al. (2017) verificam a presença de níveis médios de ansiedade no pré-operatório. Em ambos os grupos deste estudo foi observada uma diminuição nos níveis de ansiedade do período pré para o pós-operatório. Num estudo realizado por Kumar et al. (2019) foi registada uma pontuação total de ansiedade significativamente diferente ao longo de todo o processo cirúrgico, o que de acordo com os autores, pode estar associado ao ensino recebido no pré-operatório e que níveis elevados de ansiedade poderão estar relacionados com uma alteração na resposta neuroendócrina, que poderá ter influência no pós-operatório.
Foi registado um nível de ansiedade quer pré, quer pós-operatória, mais elevado nos doentes pertencentes ao grupo experimental com evidência de diferença estatisticamente significativa (p = 0,002) na ansiedade pós-operatória, pelo que se pode inferir que a ansiedade da pessoa submetida a cirurgia é diferente consoante é submetida a um plano de ensino pré-operatório de enfermagem, embora não com o impacto que era esperado no início desta investigação (neste estudo a ansiedade é superior). Porém, os resultados obtidos não são consistentes com outros resultados científicos, segundo os quais, os doentes que recebem ensino de enfermagem estruturado no pré-operatório revelam níveis de ansiedade inferiores, comparativamente aos que não recebem esse ensino (Cetkin & Tuna, 2019; Chang et al., 2020; Reaza-Alarcón & Rodríguez-Martín, 2019). Os resultados obtidos neste estudo poderão ser justificados pelo facto de que informações excessivamente detalhadas podem produzir o efeito contrário ao desejado, ou seja, aumentar a ansiedade (Hinkle & Cheever, 2020) e também relacionados com o contexto onde a colheita de dados foi realizada - hospital oncológico. Embora este critério não fosse abordado na caracterização da amostra, não poderá ser desprezado por poder constituir um fator influenciador, isto porque as expetativas e a gestão da ansiedade nestes doentes poderão ser diferentes. Quer pela ameaça à integridade física e emocional, quer pela atribuição do significado da cirurgia, visto que muitos doentes são acometidos com uma perspetiva de cura. Também Klaiber et al. (2018) verificaram que não houve impacto significativo do ensino pré-operatório no nível da ansiedade em comparação com os cuidados habituais. No entanto, mediante a avaliação da satisfação, os doentes consideraram relevante a implementação do plano de ensino, essencialmente no que diz respeito à recuperação no pós-operatório.
Considerando a ansiedade pós-operatória, um estudo conduzido por Chang et al. (2020) demonstrou que um plano de ensino aplicado no pré-operatório e no pós-operatório está associado a uma redução significativa dos sintomas de ansiedade e depressão, melhoria da qualidade de vida pós-operatória e diminuição da dor. Por seu turno, Reaza-Alarcón e Rodríguez-Martín (2019) constataram que o plano de ensino tem influência significativa na redução do nível de ansiedade e capacitação da pessoa para a realização das atividades de vida diária. Também Cetkin e Tuna (2019) corroboram da mesma opinião, comprovando uma redução a nível da ansiedade-estado nos doentes que tinham sido alvo de um plano de ensino através de um panfleto.
Os doentes do grupo experimental sentiram-se melhor informados em relação às informações transmitidas pelos enfermeiros, sendo apuradas diferenças estatisticamente significativas (p < 0,001). Também Gonçalves et al. (2017) e Breda e Cerejo (2021) obtiveram resultados semelhantes, o que nos leva a atribuir um elevado grau de importância ao ensino ministrado, na promoção de bem-estar e perceção relativamente aos cuidados de saúde prestados e necessidades informativas.
Em relação à existência de complicações cirúrgicas, apurou-se um nível de ansiedade mais elevado nos doentes sem complicações em ambos os grupos, mas sem diferenças estatisticamente significativas. Gonçalves et al. (2017), verificaram que essa diferença também não apresentou relevância estatística, embora os doentes que nunca tinham sido submetidos a qualquer intervenção cirúrgica se apresentassem mais ansiosos.
Níveis elevados de ansiedade no pré-operatório podem influenciar a ansiedade pós-operatória. Num estudo realizado por Kassahun et al. (2022), a ansiedade pré-operatória foi associada a uma maior morbilidade, sendo esta uma reação natural face a situações imprevisíveis e potencialmente ameaçadoras durante o intraoperatório. A exposição a esses níveis de ansiedade pode produzir um impacto negativo no processo cirúrgico.
Verificou-se que os doentes do sexo masculino foram os que apresentaram mais ansiedade, em ambos os grupos, no entanto, essa diferença não foi estatisticamente significativa. Apurou-se um nível de ansiedade superior nos doentes divorciados e viúvos que pertenciam ao grupo experimental e nos solteiros do grupo de controlo. Apenas no grupo experimental os resultados foram estatisticamente significativos (p=0,030). Na grande maioria dos estudos efetuados, o nível de ansiedade face ao processo cirúrgico tem predominado no sexo feminino (Gonçalves et al., 2017; Kumar et. al, 2019; Gürler et al., 2022). Os resultados deste estudo apontam em sentido contrário, o que poderá estar associado ao facto dos doentes serem do foro oncológico.
Como limitações do estudo identifica-se a escassez de estudos relativamente à temática e o facto do processo de pesquisa nos remeter maioritariamente para a visita pré-operatória. Outra limitação prende-se com o tamanho da amostra, impossibilitando a generalização dos resultados.
Conclusão
A necessidade de uma intervenção cirúrgica é um dos procedimentos padrão que pode aumentar a ansiedade, devendo esta ser considerada como um problema de saúde. O enfermeiro detém competências que permitem identificar as necessidades da pessoa que vai ser submetida a uma intervenção cirúrgica, direcionando a informação, através do ensino no pré-operatório, de forma que esta consiga gerir melhor o seu processo saúde-doença, colabore na tomada de decisão e visualize todo o seu processo cirúrgico, obtendo melhores respostas. Tendo por base os resultados apurados e o atual estado de arte, embora se tivesse observado um ligeiro aumento da ansiedade com a implementação do ensino pré-operatório de enfermagem, a avaliação da informação relativamente ao ensino ministrado, apresentou valores substancialmente maiores, levando a admitir que os resultados, com uma amostra mais significativa e abrangendo outras unidades hospitalares, pudesse ter resultados mais expressivos. Ainda assim, os resultados obtidos permitem valorizar o ensino pré-operatório de enfermagem, essencialmente na vertente da resposta às necessidades informativas do doente, no esclarecimento das dúvidas e contribuindo para a sua adesão ao processo terapêutico. A hospitalização, e consequente intervenção cirúrgica, são sempre fatores que resultam em desequilíbrios emocionais e psicossociais. Como tal, é fundamental que o enfermeiro seja capaz de transmitir um conjunto de informações/ensinos no pré-operatório ao doente, e assim capacitá-lo para se sentir parte integrante do processo de tratamento, dando prioridade às suas necessidades individuais, realizando orientações de forma eficiente e holística. Sugere-se a replicação do estudo com uma amostra mais significativa, alargada a outros hospitais que não consagrem em exclusivo o tratamento do doente oncológico e consideração de novas variáveis, de forma a compreender melhor o fenómeno. Seria também relevante a realização de um estudo do perfil de ansiedade de cada doente (envolvendo a Enfermagem em Saúde Mental), permitindo que o ensino fosse o mais direcionado possível e respondesse às reais necessidades de cada doente. Sugere-se ainda a associação de outras formas de transmissão de informação e a realização de outros estudos de investigação direcionados para a satisfação do doente cirúrgico relativamente ao ensino pré-operatório e ao acolhimento. Relativamente às instituições hospitalares, seria importante garantir dotações seguras de enfermeiros e a criação de protocolos nos serviços, de forma que o enfermeiro detenha condições/ferramentas que permitam realizar o procedimento corretamente. Este estudo contribui para a análise crítica da prática em enfermagem, na expetativa que haja uma sensibilização para a avaliação holística do doente cirúrgico, fomentando o conhecimento e enaltecendo as competências autónomas do enfermeiro.