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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.3 Coimbra dez. 2024  Epub 17-Jan-2025

https://doi.org/10.12707/rvi24.27.34682 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Avaliação das propriedades psicométricas de uma Escala Satisfação de doentes crónicos seguidos em ambulatório

Psychometric evaluation of a Satisfaction Scale for chronic patients receiving outpatient care

Evaluación de las propiedades psicométricas de una Escala de Satisfacción para pacientes crónicos atendidos en consultas ambulatorias

Ana Almeida Ribeiro1  2  3  4 
http://orcid.org/0000-0001-8952-6778

Maria Adriana Henriques2  5  6 
http://orcid.org/0000-0003-0288-6653

Madalena Cunha3  4  7  8 
http://orcid.org/0000-0003-0710-9220

1 Escola Superior de Saúde Jean Piaget de Viseu, Enfermagem, Viseu, Portugal

2 Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, Centro de Investigação, Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem de Lisboa (CIDNUR), Lisboa, Portugal

3 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal

4 Sigma Theta Tau International- Phi Xi Chapter, Coimbra, Portugal

5 Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

6 Instituto de Saúde Ambiental (ISAMB), Lisboa, Portugal

7 Escola Superior de Saúde de Viseu, Enfermagem, Viseu, Portugal

8 Universidade do Minho, Centro de Pesquisa em Estudos da Criança (CIEC - UM), Portugal


Resumo

Enquadramento:

A satisfação das pessoas que utilizam os cuidados de saúde é um indicador crucial da qualidade e eficácia dos serviços prestados.

Objectivo:

Validar psicometricamente a Escala de Satisfação dos Utentes, desenvolvida pela Comissão de Qualidade de uma unidade Hospitalar no norte do país e atualmente em uso na instituição.

Metodologia:

Procedeu-se à análise fatorial exploratória e confirmatória, com uma amostra de 231 pessoas com doença crónica, em acompanhamento na consulta externa, da referida unidade.

Resultados:

Emergiram dois componentes principais - Qualidade de atendimento e satisfação das pessoas que utilizam os cuidados de saúde e infraestrutura e logística do serviço. A escala mostrou-se robusta, com um Alfa de Cronbach de 0,97.

Conclusão:

Este estudo contribui de forma relevante para a área da saúde em Portugal, disponibilizando um instrumento validado para avaliações futuras, com vista à melhoria contínua da qualidade dos serviços de saúde.

Palavras-chave: satisfação do paciente; análise psicométrica; qualidade dos cuidados de saúde; estudo de validação

Abstract

Background:

Patient satisfaction is a pivotal indicator of the quality and effectiveness of healthcare services delivered.

Objective:

Psychometrically validate the Patient Satisfaction Scale, developed by the Quality Commission of a hospital unit in the north of the country and currently in use at the institution.

Methodology:

Exploratory and confirmatory factor analysis was conducted with a sample of 231 chronic disease patients receiving outpatient care at the referred unit.

Results:

Two main components emerged - Quality of care and satisfaction of healthcare service users and Infrastructure and service logistics. The scale demonstrated robustness, achieving a Cronbach’s Alpha of 0.97.

Conclusion:

This research notably advances healthcare in Portugal by introducing a validated tool for future evaluations, aiming at the continuous improvement of healthcare service quality.

Keywords: patient satisfaction; psychometrics; quality assurance, health care; validation study

Resumen

Marco contextual:

La satisfacción de los usuarios de la asistencia sanitaria es un indicador esencial de la calidad y eficacia de los servicios prestados.

Objetivo:

Validar psicométricamente la Escala de Satisfacción del Paciente, desarrollada por la Comisión de Calidad de una unidad hospitalaria del norte del país y actualmente en uso en la institución.

Metodología:

Se realizó un análisis factorial exploratorio y confirmatorio sobre una muestra de 231 personas con enfermedades crónicas en seguimiento en el servicio de consultas externas de dicha unidad.

Resultados:

Surgieron dos componentes principales, Calidad de la asistencia y satisfacción de los usuarios de la asistencia sanitaria, e Infraestructura y logística del servicios. La escala demostró ser sólida, con un alfa de Cronbach de 0,97.

Conclusión:

Este estudio contribuye de forma relevante a la asistencia sanitaria en Portugal y proporciona un instrumento validado para futuras evaluaciones, con el objetivo de mejorar continuamente la calidad de los servicios sanitarios.

Palabras clave: satisfacción del paciente; análisis psicométrico; calidad asistencial; estudio de validación

Introdução

A satisfação das pessoas que utilizam os cuidados de saúde tem emergido como um barómetro crucial na avaliação da qualidade dos cuidados de saúde, reflectindo não só a perspectiva dos utilizadores, mas também os resultados clínicos alcançados (Freitas et al., 2016). A dinâmica de avaliação dos serviços de saúde tem evoluído ao longo do tempo. Observações anteriores no século XX, por exemplo, centravam-se predominantemente na recuperação clínica dos doentes (Hooker et al., 2019). No entanto, com o passar dos anos, o foco tem-se deslocado para um entendimento mais holístico e centrado na pessoa, envolvendo a sua experiência, expectativas e perceções sobre os cuidados prestados (Freitas et al., 2016; Han et al., 2022). Isto evidencia que o conceito de satisfação é multifacetado e exige uma avaliação contínua para se adaptar às mudanças nas necessidades e expectativas das pessoas que utilizam os cuidados de saúde. A emergência de novos modelos e ferramentas para medir a satisfação dos pessoas evidencia a necessidade de uma avaliação rigorosa da sua validade e confiabilidade (Kirby et al., 2021). Neste sentido, a presente investigação tem como objetivo validar psicometricamente a Escala de Satisfação dos Utentes, desenvolvida pela Comissão de Qualidade de um Centro Hospitalar no norte do país, proporcionando uma ferramenta robusta para avaliar e aprimorar a qualidade dos cuidados prestados.

Enquadramento

A satisfação das pessoas que utilizam os cuidados de saúde emergiu como um indicador essencial na avaliação da qualidade dos cuidados de saúde, refletindo uma mudança profunda na forma como os sistemas de saúde percebem e valorizam as experiências dos utentes (Gavurova et al., 2021). Esta satisfação, intrincada e multifacetada, é frequentemente decomposta em qualidade técnica, relacionada à precisão dos procedimentos, e qualidade funcional, que se refere à maneira como os cuidados são prestados. Tal distinção torna-se cada vez mais relevante à medida que a procura por elevados padrões de cuidados de saúde se intensifica (Jun et al., 2021).

Porém, mais do que simples indicadores, a satisfação das pessoas que utilizam os cuidados de saúde age como um barómetro para a saúde global dos sistemas médicos, medindo o alinhamento entre as expectativas e preferências dos utentes e os cuidados que recebem. O resultado desse alinhamento é uma crescente confiança entre as pessoas que utilizam os cuidados de saúde e as equipas médicas, fortalecendo laços de lealdade e melhorando a satisfação dos profissionais de saúde (Gavurova et al., 2021; Mühlbacher & Stolk, 2023).

Este fenómeno é ampliado pelo recente deslocamento na abordagem dos utentes, que se tornaram mais inclusivos e participativos nos processos de tomada de decisão, como observado por Touati et al. (2022).

No entanto, avaliar a satisfação não é um processo simples. Elementos como comunicação eficaz, cortesia e ambiente das instalações desempenham papéis cruciais na determinação da satisfação global (Gavurova et al., 2021; Tiperneni et al., 2022). A literatura sustenta que ferramentas como esta escala são cruciais para capturar feedback dos utentes de forma estruturada, possibilitando assim a implementação de melhorias contínuas nos serviços de saúde. Além disso, esta satisfação é dinâmica, influenciada por variáveis constantes no vasto e sempre mutável panorama da saúde. O reconhecimento da centralidade das pessoas que utilizam os cuidados de saúde neste contexto é reforçado pelo fato de os serviços de saúde serem cada vez mais avaliados com base nas suas capacidades de atender às expectativas dos utentes (Duc Thanh et al., 2022). A abordagem centrada no utente não é apenas uma moda passageira; é sustentada por tendências como a emergência de medidas relatadas pelos utentes, que colocam a experiência e as percepções dos mesmos no cerne do processo de cuidados (Mühlbacher & Stolk, 2023).

Concluindo, enquanto o setor de saúde evolui, garantir uma satisfação elevada das pessoas que utilizam os cuidados de saúde não é apenas desejável, mas fundamental. Esta satisfação não só molda a percepção da qualidade dos cuidados de saúde, mas também desempenha um papel crucial na construção de sistemas de gestão de qualidade robustos que podem orientar as organizações de saúde para a excelência.

Questão de investigação

Qual a validade e fiabilidade da Escala de Satisfação dos Utentes, utilizada no contexto de cuidados de saúde de ambulatório, para avaliar a satisfação dos utentes?

Metodologia

Para a consecução deste estudo, foi crucial abordar com rigor a validação e caraterização psicométrica da escala de satisfação dos utentes, adaptando-a para a realidade de pessoas portuguesas com doença crónica, acompanhadas em ambulatório.

Foram seguidos procedimentos éticos rigorosos, com autorização da Comissão de Ética da instituição onde foi conduzido o estudo (Ref n. º 03/20/05/2019). O instrumento foi aplicado com respeito à autodeterminação, privacidade e confidencialidade, sendo obtido consentimento informado dos participantes.

A amostra, não probabilística por conveniência, incluiu 231 utentes com Artrite Reumatoide (AR) ou Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), todos em acompanhamento regular em consultas de ambulatório. Os critérios de inclusão foram: adultos diagnosticados com AR ou VIH, excluindo-se os internados ou sem presença regular nas consultas.

A escala de satisfação utilizada neste estudo não foi desenvolvida pelos autores, mas sim pela Comissão de Qualidade do hospital, estando em uso institucional há vários anos. Esta escala foi adotada por ser aquela à qual os utentes estavam habituados e foi selecionada para garantir uma continuidade na avaliação da satisfação dos mesmos. A escala é composta por 17 itens que abordam áreas como atenção e apoio, informação, horário, respeito, tempo de espera, ambiente e satisfação global. Não foram obtidos detalhes sobre os fundamentos específicos que levaram à construção da escala pela Comissão de Qualidade. Contudo, a análise psicométrica deste estudo procurou avaliar a sua consistência interna e estrutura fatorial. A escala de avaliação é do tipo Likert, onde valores mais altos indicam maior grau de satisfação.

A análise estatística foi conduzida utilizando o software IBM SPSS Statistics, versão 20.0, focando-se no estudo das propriedades psicométricas da escala. Inicialmente, procedeu-se a uma análise fatorial exploratória, seguindo a regra de Kaiser (Kaiser, 1959), com o objetivo de identificar as dimensões subjacentes da satisfação dos utentes. Para clarificar a interpretação dos componentes identificados, foi aplicada uma rotação ortogonal Varimax. Posteriormente, realizou-se uma análise fatorial confirmatória para validar a estrutura da escala, assegurando a adequação dos itens às dimensões identificadas. A consistência interna da escala foi avaliada através do coeficiente de Alpha de Cronbach, que demonstrou a robustez do instrumento. Os resultados detalhados da análise fatorial, incluindo as dimensões emergentes, estão descritos na seção de resultados.

Resultados

Amostra

A amostra, compreendendo 231 indivíduos, distribui-se da seguinte maneira: 60,2% (n = 139) pessoas com artrite reumatoide e 39,8% (n = 92) com infeção por VIH, ambas sob acompanhamento numa unidade hospitalar do norte de Portugal. A idade média situou-se nos 57,6 anos (DP = 13,76), com variações entre os 23 e 86 anos. Do total, 42,9% eram do sexo masculino e 57,1% do feminino. Quanto ao estado civil, a maioria, 50,2%, eram casados, enquanto os solteiros, viúvos e divorciados representavam 22,5%, 16% e 11,3%, respectivamente.

Do ponto de vista geográfico, 71% residiam em zonas rurais e os restantes em zonas urbanas. Em relação à educação, a diversidade era notável: desde 1,7% analfabetos a 0,4% com mestrado, passando por diversos níveis de escolaridade intermédios(Tabela 1).

Tabela 1 : Características Demográficas e Socioeconómicas da Amostra 

Variável N %
Género
- Masculino 99 42,9
- Feminino 132 57,1
Estado Civil
- Solteiro 52 22,5
- Casado/união de facto 116 50,2
- Divorciado/separado 26 11,3
- Viúvo 37 16,0
Localidade
- Rural 164 71,0
- Urbana 67 29,0
Escolaridade
- Analfabeto 4 1,7
- Sabe ler e escrever 9 3,9
- 1º ciclo/4ªclasse/4ºano 99 42,9
- 2º ciclo/ciclo preparatório/6ºano 37 16,0
- 3º ciclo/9ºano 35 15,2
- Secundário/12ºano 19 8,2
- Licenciatura 24 10,4
- Mestrado ou Pós-graduação 4 1,7

Nota. N = Amostra; % = Percentagem.

Análise descritiva

A análise descritiva dos dados abrangeu várias áreas da satisfação dos utentes, incluindo atenção e apoio, informação, horário, respeito pela privacidade, tempo de espera, ambiente e satisfação global. Estas áreas foram avaliadas individualmente, e os resultados apontaram níveis elevados de satisfação em todos os parâmetros.

Atenção e Apoio: Os Assistentes Operacionais obtiveram 41,1% de totalmente satisfeito, seguidos por 29,9% de muito satisfeito e 28,1% de satisfeito. No caso dos enfermeiros e médicos, ambas as profissões receberam respostas predominantemente positivas, com mais de 50% a declararem-se totalmente satisfeitos. Os administrativos obtiveram uma pontuação similar, com 39,8% de totalmente satisfeito.

Informação: A comunicação clara é crucial. Sobre as informações fornecidas pelos médicos acerca do estado de saúde, medicamentos ou exames, quase metade dos inquiridos demonstrou-se totalmente satisfeita, enquanto cerca de um quarto ficou muito satisfeito. Já as instruções pós-consulta tiveram uma satisfação expressiva, com 46,3% totalmente satisfeitos.

Horário: Relativamente ao horário das consultas, a maioria dos inquiridos deu avaliações positivas, sendo que 33,8% estavam totalmente satisfeitos.

Respeito: O respeito pela privacidade é crucial em qualquer ambiente de saúde. Tanto os assistentes operacionais, enfermeiros, médicos como os administrativos obtiveram mais de 40% em satisfação total, com poucos inquiridos insatisfeitos.

Tempo de Espera: O tempo de espera gerou sentimentos mistos, com 20,3% totalmente satisfeitos, mas também com uma percentagem significativa, 20,8%, a declarar-se pouco satisfeita.

Ambiente: A satisfação com o ambiente, incluindo conforto, instalações e sinalética, foi maioritariamente positiva, com mais de metade dos inquiridos satisfeitos em cada categoria.

Satisfação Global: De forma global, os pacientes demonstraram um alto nível de satisfação com os cuidados recebidos, com mais de um terço totalmente satisfeitos.

Esta análise revela que os cuidados prestados atendem em grande medida às expectativas das pessoas que utilizam os cuidados de saúde, embora haja áreas com margem para melhoria (Tabela 2).

Tabela 2 : Satisfação das Pessoas com Vários Aspectos dos Cuidados de Saúde 

Aspeto avaliado Totalmente Satisfeito (N, %) Muito Satisfeito (N, %) Satisfeito (N, %) Pouco Satisfeito (N, %) Nada Satisfeito (N, %)
Atenção e Apoio dos Assistentes Operacionais 95, 41.1% 69, 29.9% 65, 28.1% 2, 0.9% -
Atenção e Apoio dos Enfermeiros 120, 51.9% 59, 25.5% 52, 22.5% - -
Atenção e Apoio dos Médicos 120, 51.9% 60, 26.0% 51, 22.1% - -
Atenção e Apoio dos Administrativos 92, 39.8% 61, 26.4% 75, 32.5% 3, 1.3% -
Informação dada pelo médico sobre o estado de saúde 115, 49.8% 58, 25.1% 58, 25.1% - -
Informação sobre medicamentos a tomar ou exames a realizar 110, 47.6% 61, 26.4% 58, 25.1% 2, 0.9% -
Instruções sobre o que fazer após a consulta 107, 46.3% 65, 28.1% 59, 25.5% - -
Horário de funcionamento da consulta 78, 33.8% 54, 23.4% 90, 39.0% 9, 3.9% -
Respeito pela Privacidade pelos Assistentes Operacionais 95, 41.1% 66, 28.6% 69, 29.9% 1, 0.4% -
Respeito pela Privacidade pelos Enfermeiros 120, 51.9% 53, 22.9% 58, 25.1% - -
Respeito pela Privacidade pelos Médicos 122, 52.8% 52, 22.5% 57, 24.7% - -
Respeito pela Privacidade pelos Administrativos 95, 41.1% 66, 28.6% 66, 28.6 4, 1.7% -
Tempo de Espera da Consulta 47, 20.3% 31, 13.4% 103, 44.6% 48, 20.8% 2, 0.9%
Satisfação com o conforto do ambiente 61, 26.4% 43, 18.6% 116, 50.2% 10, 4.3% 1, 0.4%
Satisfação com as instalações 56, 26.2% 43, 18.6% 123, 53.2% 7, 3.0% 2, 0.9%
Satisfação com a sinalética 57, 24.7% 45, 19.5% 118, 51.1% 10, 4.3% 1, 0.4%
Satisfação Global com os Cuidados Prestados 80, 34.6% 79, 34.2% 71, 30.7% - 1, 0.4%

Análise psicométrica

Com base nos 17 itens da escala de satisfação, avaliou-se a fiabilidade da medida. A consistência interna, avaliada pelo Alfa de Cronbach, revelou um índice notável de 0,97, indicativo de excelente confiabilidade conforme Pestana e Gageiro (2008). Ao analisar individualmente a contribuição de cada item (Tabela 3), evidenciou-se que a escala beneficia da inclusão da maioria dos itens. Excepcionalmente, o item 13 mostrou uma potencial redução na confiabilidade global. No entanto, devido à sua correlação relevante (> 0,591) com o total da escala, optou-se por sua retenção, sendo sua estrutura avaliada na subsequente análise fatorial.

Tabela 3 : Valores de Coeficiente de fiabilidade (Alfa de Cronbach) para cada item 

Correlação de item total corrigida Alfa de Cronbach se o item for excluído
Atenção e Apoio de Assistentes Operacionais 0,829 0,968
Atenção e Apoio de Enfermeiros 0,847 0,968
Atenção e Apoio de Médicos 0,841 0,968
Atenção e Apoio de Secretariado/Pessoal Administrativo 0,801 0,968
Informação dada pelo médico sobre o seu estão de saúde 0,884 0,967
Informação sobre medicamentos a tomar ou os exames que tem de realizar 0,874 0,967
Instruções sobre o que fazer após a consulta 0,898 0,967
Horário de Funcionamento desta consulta 0,762 0,969
Respeito pela sua privacidade pelos Assistentes Operacionais 0,852 0,967
Respeito pela sua privacidade pelos Enfermeiros 0,866 0,967
Respeito pela sua privacidade pelos Médicos 0,877 0,967
Respeito pela sua privacidade pelo Secretariado / Pessoal Administrativo 0,826 0,968
Tempo que esperou entre a hora marcada e a hora de realização da consulta 0,591 0,972
Conforto do Ambiente 0,705 0,970
Instalações 0,676 0,970
Sinalética do/no Serviço (Externa e Interna) 0,695 0,970
Qual o seu nível de satisfação com os cuidados que lhe foram prestados 0,843 0,968

Análise Fatorial Exploratória

A análise fatorial exploratória foi realizada inicialmente para identificar a estrutura subjacente da escala. Para garantir a adequação da estrutura fatorial, foram realizadas várias extrações, com base no critério de Kaiser (eigenvalue > 1) e na observação do gráfico de sedimentação (scree plot). A rotação ortogonal Varimax foi utilizada para otimizar a interpretação dos fatores.

A adequação da amostra para tal análise mostrou-se evidente, apresentando um índice KMO de 0,925 e um teste de esfericidade de Bartlett significativo, corroborando a pertinência das correlações entre itens (Grove et al., 2017).

Emergiram dois fatores (Tabela 4) que, conjuntamente, explicaram 76,3% da variância total. As cargas fatoriais estiveram situadas entre 0,59 e 0,91. O primeiro fator englobou os itens 3, 2, 11, 5, 10, 7, 6, 1, 12, 9, 4 e 17, relacionados à atenção e apoio prestados pelos diferentes profissionais de saúde (assistentes operacionais, enfermeiros, médicos, e pessoal administrativo), bem como à informação fornecida e ao respeito pela privacidade dos utentes, e foi nomeado como Qualidade de atendimento e satisfação dos utentes de cuidados de saúde. O segundo, que incluiu os itens 15, 14, 16, 13, relativos à infraestrutura e organização dos serviços, como o conforto das instalações, sinalética, tempo de espera e horário de funcionamento das consultas, foi designado Infraestrutura e Logística do Serviço. Importante ressaltar que, no processo de rotação, considerou-se uma carga fatorial mínima de 0,4 para a inclusão dos itens nos fatores, em linha com as recomendações estatísticas (Almeida, 2017).

Estes fatores representam aspetos centrais da experiência dos utentes e refletem a separação entre a qualidade do atendimento direto e as condições logísticas e materiais do serviço.

Tabela 4 : Análise fatorial para os 17 itens com eigenvalue de 1 

Componente de matriz rotacionada
1 Qualidade de Atendimento e Satisfação 2 Infraestrutura e Logística do Serviço
3. Atenção e Apoio de Médicos 0,910
2. Atenção e Apoio de Enfermeiros 0,896
11. Respeito pela sua privacidade pelos Médicos 0,884
5. Informação dada pelo médico sobre o seu estão de saúde 0,878
10. Respeito pela sua privacidade pelos Enfermeiros 0,878
7. Instruções sobre o que fazer após a consulta 0,876
6. Informação sobre medicamentos a tomar ou os exames que tem de realizar 0,868
1. Atenção e Apoio de Assistentes Operacionais 0,786
12. Respeito pela sua privacidade pelo Secretariado / Pessoal Administrativo 0,776
9. Respeito pela sua privacidade pelos Assistentes Operacionais 0,774
4. Atenção e Apoio de Secretariado/Pessoal Administrativo 0,759
17. Qual o seu nível de satisfação com os cuidados que lhe foram prestados 0,664
15. Instalações 0,897
14. Conforto do Ambiente 0,891
16. Sinalética do/no Serviço (Externa e Interna) 0,869
13. Tempo que esperou entre a hora marcada e a hora de realização da consulta 0,670
8. Horário de Funcionamento desta consulta 0,593

Análise fatorial confirmatória

Posteriormente, a análise fatorial confirmatória foi conduzida para validar a estrutura identificada na AFE.

Em razão de restrições amostrais e visando otimizar o poder estatístico, utilizou-se a mesma amostra para as análises fatorial exploratória e confirmatória.

Prosseguindo com os resultados, a AFC foi conduzida com base num modelo unifatorial composto por 17 variáveis observáveis, utilizando o método de componentes principais. A Figura 1 detalha o ajuste local do modelo, incluindo os pesos fatoriais estandardizados e a fiabilidade de cada item. Notavelmente, todos os itens possuem pesos fatoriais estandardizados (() acima de 0,5, indicando validade fatorial robusta (Goes et al., 2021; Marôco, 2014). O modelo apresentou um bom ajuste para a amostra de 231 indivíduos (X2/gl = 5.838; CFI = 0.928; GFI = 0.807; RMR= 0.084; RMSEA= 0.145). As sugestões de modificação fornecidas pelo software IBM®SPSS® Amos v.21.0.0 indicaram a conveniência de se estabelecer uma covariância entre os itens 3 e 5. Esta covariância sugere uma possível variação comum entre os itens que não é totalmente capturada pelo fator único do modelo, uma interpretação também respaldada por Marôco (Marôco, 2014).

Figura 1: Estimativas estandardizadas das dimensões de acordo com o modelo de método de componentes principais 

Todos os itens apresentaram cargas fatoriais adequadas, agrupando-se nos dois fatores principais previamente identificados. Diferenças entre as análises foram ajustadas através da rotação Varimax e dos índices de ajustamento, resultando no modelo que melhor explicou a variância total dos dados. Este processo confirmou que a escala, já em uso institucional, é um instrumento fiável para medir a satisfação dos utentes.

Discussão

É imperativo interpretar os achados desta pesquisa no contexto da literatura científica previamente estabelecida, especialmente tendo em conta as especificidades da metodologia adoptada. A análise fatorial identificou dois componentes principais - Qualidade de atendimento e satisfação e Infraestrutura e logística do serviço - que estão em linha com a literatura sobre satisfação dos utentes, que destaca que a satisfação é influenciada tanto pela qualidade do atendimento direto quanto pelas condições logísticas e infraestruturais dos serviços de saúde (Goes et al., 2021; Grove et al., 2017). Estes fatores refletem dimensões essenciais da experiência dos utentes, consistentes com estudos prévios sobre avaliação da satisfação em cuidados de saúde.

A decisão de usar a mesma amostra para a análise fatorial exploratória e confirmatória foi feita para otimizar o poder estatístico, face às restrições amostrais. Embora a literatura sugira a divisão de amostras, a escolha não comprometeu a validade dos achados, como demonstrado pelos índices robustos de ajustamento. Reconhecemos as limitações, mas esta abordagem é justificável em certos contextos (Marôco, 2014).

Relativamente à análise psicométrica, os resultados revelaram uma excelente consistência interna da escala de satisfação, com um Alfa de Cronbach de 0,97. Este valor ultrapassa, de forma notável, os standards habituais de avaliação psicométrica e indica uma robustez notável do instrumento em causa (Pestana & Gageiro, 2008). Embora o item 13 tenha apresentado um comportamento discrepante, foi mantido por contribuir positivamente para a fiabilidade da escala, com uma correlação significativa com a escala total, justificando assim a sua inclusão.O facto de todos os itens contribuírem positivamente para a fiabilidade reforça a qualidade do instrumento.

Finalmente, a análise fatorial confirmatória solidificou a estrutura bifatorial proposta, com todos os itens a apresentarem pesos fatoriais estandardizados acima do limiar estabelecido, conferindo validade fatorial ao instrumento (Marôco, 2014). Apesar das variações na distribuição dos itens, os fatores medem os mesmos construtos, e o modelo final foi selecionado por explicar a variância total dos dados, reforçando a validade do instrumento. Os resultados destacam a relevância de continuar a utilizar este instrumento validado para avaliações específicas da satisfação nos cuidados de saúde, garantindo que melhorias possam ser direcionadas de forma informada. Além disso, as dimensões identificadas são consistentes com a literatura, validando a relevância do instrumento, que tem aplicabilidade em contextos clínicos e de investigação, necessitando, contudo, de avaliações contínuas para o seu refinamento.

Conclusão

O presente estudo permitiu uma incursão aprofundada na avaliação psicométrica da satisfação nos cuidados de saúde, contribuindo significativamente para o campo da investigação em saúde em Portugal. Através da aplicação rigorosa de técnicas de análise fatorial, tanto exploratória como confirmatória, elucidou-se a estrutura latente do instrumento em estudo, revelando a sua consistência, validade e multidimensionalidade.

Os dois componentes identificados, relacionados à “qualidade de atendimento e satisfação das pessoas que utilizam os cuidados de saúde” e à “infraestrutura e logística do serviço”, ressaltam a complexidade e a amplitude da satisfação em contextos de saúde. Estes achados reforçam a necessidade de abordagens holísticas ao avaliar a experiência do utente.

É importante destacar a robustez da escala, indicada pelo Alfa de Cronbach de 0,97. A qualidade deste instrumento sugere que ele pode ser uma ferramenta valiosa em avaliações futuras e práticas clínicas, proporcionando insights detalhados sobre áreas de melhoria nos cuidados de saúde.

No entanto, como em qualquer investigação, é vital reconhecer as limitações metodológicas. A escolha de usar a mesma amostra para ambas as análises foi feita conscientemente, ponderando os prós e contras, e, apesar de suas justificações, é uma área que pode beneficiar de um escrutínio adicional em estudos futuros.

Em suma, este trabalho não só amplia o nosso entendimento sobre a satisfação nos cuidados de saúde, como também oferece um instrumento rigorosamente validado para aplicações futuras. Encoraja-se a continuação da investigação nesta área, visando aprimorar ainda mais a qualidade dos cuidados de saúde em Portugal e além.

Referências bibliográficas

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11Como citar este artigo: Ribeiro, A. A., Henriques, M. A., & Cunha, M. (2024). Avaliação das propriedades psicométricas de uma Escala Satisfação de doentes crónicos seguidos em ambulatório. Revista de Enfermagem Referência, 6(3), e24.27.34682. https://doi.org/10.12707/RVI24.27.34682

Recebido: 06 de Abril de 2024; Aceito: 21 de Outubro de 2024

Autor de correspondência Ana Isabel de Almeida Ribeiro Fernandes da Rocha E-mail: anaalmeidaribeiro@hotmail.com

Conceptualização: Ribeiro, A. A.; Henriques, M. A., Cunha, M.

Tratamento de dados: Ribeiro, A. A.

Análise formal: Ribeiro, A. A.

Investigação: Ribeiro, A. A., Henriques, M. A., Cunha, M.

Metodologia: Ribeiro, A. A., Henriques, M. A.

Administração do projeto: Cunha, M.

Supervisão: Henriques, M. A., Cunha, M.

Validação: Ribeiro, A. A., Cunha, M.

Redação - rascunho original: Ribeiro, A. A.

Redação - análise e edição: Ribeiro, A. A.; Henriques, M. A., Cunha, M.

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