O crescimento da população de idosos é um fenômeno mundial e, concomitante ao aumento da expectativa de vida é observada significativa prevalência da Doença de Alzheimer (DA) (Fernades, & Andrade, 2017). A DA caracteriza-se por prejuízos graduais à memória, cognição e capacidade de realizar atividades da vida diária, sendo considerada a causa mais prevalente de demência no mundo. De fato, do total de pessoas diagnosticadas, 69% estão na faixa etária igual ou superior aos 75 anos de idade (Maclin et al., 2019).
A história recente dessa enfermidade demonstra que, em 2015, a demência segundo a Organização Mundial da Saúde (Who, 2019) associada ao envelhecimento afetou 47 milhões de pessoas em todo o mundo (ou cerca de 5% da população idosa do mundo), com previsões de aumento para 75 milhões em 2030 e 132 milhões até 2050. Tais dados sinalizam para a repercussão global da demência, entendida como uma doença cerebral que determina deterioração progressiva da função cognitiva e comprometimento funcional (Kang et al., 2017).
Concomitante às particularidades das características clínicas da DA, remete-se à importância do conhecimento das repercussões do cuidado do idoso. Uma vez que, a maioria dos cuidados aos idosos com DA ou demência envolve a responsabilidade de seus cônjuges, filhos adultos e outros prestadores de cuidados informais. Nesse sentido, a demência e, especificamente, a DA, responsável por 60% a 80% dos casos demenciais, propicia um impacto significativo em aspectos como os financeiros, os físicos e os emocionais dos envolvidos diretamente no cuidado (Lin et al., 2019). Além disso, a sobrecarga multidimensional pode acarretar ausência de interações sociais, frustração, ansiedade, redução de atividades propiciadoras de lazer e inquietações referentes ao futuro (Rosa et al., 2018).
Assim, torna-se relevante entender que o cuidar de idosos com o diagnóstico de DA constitui-se um processo complexo, principalmente em virtude das características clínicas progressivas e incapacitantes da enfermidade, que a torna uma das principais causas de incapacidade e dependência na população idosa (Lin et al., 2019). Dessa forma, é visível e compreensível o impacto da DA em termos de qualidade de vida de ambos os envolvidos, cuidador e idoso. Em conjunto, pode-se compreender que há uma relação direta com a significação do diagnóstico de DA, uma vez que, os relatos dos cuidadores familiares transmitem questões de invisibilidade das manifestações clínicas iniciais, oriundas da não aceitação ao diagnóstico de DA. Diante dessa perspectiva, o manejo adequado da DA, como também a aceitação do diagnóstico, podem ser capazes de melhorar a qualidade de vida relacionada à saúde, além de maximizar as atividades diárias dos idosos acometidos e, consequentemente, contribuir na redução da sobrecarga do cuidador. Destarte, este trabalho apresenta como objetivo ‘analisar as principais repercussões da Doença de Alzheimer no cotidiano do idoso e de seu cuidador familiar’.
Método
Participantes
A amostra caracterizou-se como não-probabilística por conveniência, sendo composta de idosos com o diagnóstico médico de DA e os seus cuidadores. A elegibilidade dos participantes foi realizada a partir da aplicação de um instrumento de avaliação da capacidade cognitiva da pessoa idosa e cuidador, o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) (Bertolucci et al., 1994). O ponto de corte escolhido correspondeu ao critério relacionado ao nível educacional, assim aqueles que apresentaram escores superiores ou iguais a pontuação 18 foram incluídos, correspondendo a uma baixa/média escolaridade com porcentagens de sensibilidade em 75,60 e a especificidade de 96,60 (Bertolucci et al., 1994). Em contrapartida, escores inferiores a essa pontuação foram excluídos.
Ademais, como critérios de exclusão considerou-se a impossibilidade cognitiva do idoso para responder os questionários, ou seja, idosos em estágio mais avançado da DA. Assim como, situações de idosos que não utilizam medicação específica para a DA, ou seja, inibidores da acetilcolinesterase, sendo considerado também critério de exclusão à pesquisa, uma vez que, demonstra uma imprecisão nos critérios diagnósticos de provável DA. A amostra compõe 27 idosos com DA, sendo 18 pertencentes ao sexo feminino e 9 ao sexo masculino, além de 18 cuidadores familiares, sendo 13 do sexo feminino e 5 do masculino.
Material
Trata-se de uma pesquisa qualitativa de investigação social que corresponde a um estudo com procedimento de coleta de dados através da técnica de observação participante e entrevistas semiestruturadas, favorecida na dinâmica de visitas domiciliares. Vale ressaltar que, segundo Minayo (2012), a observação participante compreende o processo em que o pesquisador apresenta uma posição de observador e em interação de uma situação social, caracterizando uma relação direta com os participantes.
Procedimentos
A coleta de dados realizou-se no período de julho de 2018 a março do ano de 2019 na região central do Rio Grande do Sul. A porta de entrada para a composição da amostra ocorreu a partir do projeto de extensão “Assistência Multidisciplinar Integrada aos Cuidadores e Portadores da DA” (AMICA), vinculado à Universidade Franciscana. Todos os preceitos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos foram respeitados, conforme Resolução 466/12 (Brasil, 2013). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Franciscana pelo nº 2.645.916 e realizado mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Em relação ao procedimento metodológico de coleta de dados, inicialmente, realizou-se contato telefônico a partir do banco de dados do projeto AMICA, solicitando aos participantes interessados, seu endereço domiciliar. Após a obtenção de tais informações foram realizadas visitas domiciliares ou em outros locais específicos da escolha do participante para a realização da pesquisa, sendo a sua realização separada em dois momentos de coleta, primeiro momento com o idoso com o diagnóstico em específico e outro momento com o cuidador.
Para a identificação de questões concernentes à pesquisa foi utilizado a técnica de coleta de dados a partir da observação participante e entrevistas semiestruturadas. Em seguida, na coleta de dados do idoso com DA, a escala de deterioração global, conforme Reisberg, Ferris, de Leon, & Crook (1982) foi aplicada para avaliação da demência degenerativa primária, a qual é um dos instrumentos mais utilizados, desde a década de 1980, para classificar mais rigorosamente o estadiamento clínico global de idosos com DA. A escala possui sete pontos e compreende características comportamentais manifestadas pelos idosos em diferentes níveis de gravidade da demência.
A aplicação dessa escala também objetiva a identificação da presença de negação ou desconhecimento dos sintomas clínicos que passam a ser manifestos no idoso. A identificação dessas questões perpassou as respostas objetivas dos participantes às interpretações das observações da pesquisadora, enquanto conduta interativa e ativa no procedimento de coleta dos dados, transcendente em respostas e manifestos não verbais.
Considerando a metodologia de uma pesquisa qualitativa, em consonância ao objetivo da mesma, os dados foram submetidos à análise de conteúdo, embasada por Bardin (2011), entendendo-a como um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Ao considerar que, na análise qualitativa é a presença ou a ausência de uma característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomada em consideração. Procurando-se estabelecer uma correspondência entre as estruturas semânticas ou linguísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas dos enunciados.
Diante das técnicas de análise de conteúdo de Bardin (2011) utilizou-se a análise categorial temática dos discursos para a configuração dos dados.
Resultados
Os resultados foram apresentados em categorias temáticas, visando a sua discussão. A fim de preservar a identidade dos participantes, os idosos acometidos pela DA estão denominados pela letra I e os cuidadores pela letra C, seguidas de um número.
(Re) organização da dinâmica familiar
Na análise dos discursos dos entrevistados prevaleceu as questões de adaptações à dinâmica familiar como: necessidade de reorganização de sua dinâmica, mudança de papeis familiares, ou seja, modificações em posições familiares em prol do cuidado, a divisão de tarefas, além de reorganização financeira. Essas questões podem ser entendidas a partir da percepção dessas cuidadoras:
“A qualidade de vida, percebo eu, que à medida que, a demência vai oscilando ou aumentando, vai ficando comprometida. O Alzheimer atinge, os familiares também, a qualidade de vida da família, o lazer do doente e da família ficam comprometidas, as relações ficam abaladas, delicadas, complicadas. A qualidade de vida, financeira, também modifica, infelizmente, interfere e reflete, no dia a dia da pessoa doente e da família. Mas tudo tem uma solução, porque tudo deve ser adaptado às condições psíquicas-físicas e financeiras. Dar o melhor de si, dentro das suas possibilidades”. (C4)
“Uma mudança brusca e drástica porque tive que mudar totalmente minha rotina, meu modo de viver, as coisas que fazia deixei de fazer por não ter opção. Por exemplo: deixo de frequentar eventos familiares para cuidar da minha mãe, excursão, eventos de artesanato que gostava muito antes”. (C13)
Considerando as incapacidades e dependências que o paciente com a DA desenvolve para a execução de suas atividades comuns diárias e cuidados necessários à sua condição de saúde, é necessário repensar a dinâmica familiar e a qualidade de vida desses pacientes e de seus cuidadores, sendo estes familiares ou profissionais. Essa compreensão é exemplificada a partir da colocação dessa cuidadora:
“Cada dia é um aprendizado para o idoso, como se tivesse que aprender todo dia as mesmas coisas. Sempre com alguém ao lado para auxiliar”. (C17)
É de suma importância salientar que, a diferença atrelada às denominações de cuidadores deriva da tipologia do seu vínculo com o idoso correspondente aos seus cuidados. Nesse sentido, cuidadores familiares apresentam um vínculo familiar para com o idoso, enquanto os cuidadores profissionais, são pessoas externas ao seu círculo familiar. Justifica-se assim, o enfoque deste estudo em cuidadores familiares e não profissionais. Uma vez, justificado pelo relato de uma cuidadora familiar:
“A minha mãe tinha total qualidade de vida antes da doença de Alzheimer, hoje não tem nada, sem noção nenhuma. Era uma pessoa super ativa, comparecia a eventos, grupos de dança, cuidados com horta, limpeza. Hoje não consegue realizar nada sozinha, como filha, é muito difícil acompanhar a evolução dessa doença”. (C16)
Reafirmando essa perspectiva, em relação aos escores de qualidade de vida dos participantes, os idosos avaliam a sua qualidade de vida de maneira satisfatória, enquanto os cuidadores ao avaliarem a qualidade de vida do idoso com DA que possui vínculo, a partir de suas percepções, uma qualidade de vida fragilizada, como pode-se observar nas falas abaixo.
“Mudou a liberdade, o cuidado, a atenção. O sentimento, a gente fica mais emotiva vendo o quadro da doença, que vai avançando”. (C12)
“A qualidade de vida para mim é poder gerir a própria vida, fazer as atividades básicas da vida diária. A qualidade de vida com a doença de Alzheimer, eu entendo que se dá pela perda do poder de fazer alguma atividade de vida diária, como: andar, comer com a própria mão”. (C3)
“Eu estou bem, só lembro de coisas boas”. (I8)
“Minha vida é boa, única coisa é minha cabeça que estou esquecida. Não lembro de nada quase. Me sinto perdida”. (I5)
O significado do diagnóstico da Doença de Alzheimer
A partir desse estudo, percebeu-se o desconhecimento dos cuidadores sobre as características do quadro evolutivo da doença e o manejo dos sintomas decorrentes, ocasionando desgaste físico e emocional aos cuidadores, sinalizado nos seguintes relatos:
“Minha qualidade de vida não mudou absolutamente nada. A gente sempre fez o que faz, o foco agora é ela (idosa), o que acontece em volta é um pequeno detalhe. Fico mais ansiosa pois devo cuidar dela o tempo todo, se ela não fosse cuidada, já estaria morta”. (C15)
“O meu tempo mudou, pois é dedicado a ela, a gente tem restrição agora porque é necessário pessoas em casa o tempo todo para o cuidado dela (idosa)”. (C11)
“É difícil ter uma boa qualidade de vida sendo um cuidador de pessoa com Alzheimer. O Alzheimer requer cuidado o tempo todo”. (C10)
Diante dessa concepção, questões referentes à negação ou aceitação do diagnóstico foram observados e ressaltadas, uma vez que, relatos de cuidadores familiares transmitem questões de invisibilidade às manifestações clínicas iniciais, oriundas de um impacto de não aceitação dos mesmos ao diagnóstico de DA.
“Foi muito rápido... da noite pro dia virou quase uma criança”. (C9)
“Em relação à doença, foi difícil a aceitação, quando aconteceu isso com a mãe que se perdeu a primeira vez, a gente que enxerga esta se debilitando aos poucos, cada dia piora. Dói ver a mãe se perdendo, conversando sem nexo, sem ambição nenhuma. Ela tinha total qualidade de vida, hoje não tem nada, sem noção nenhuma”. (C14)
Em referência aos relatos deste estudo e respostas advindas, tanto os idosos quanto os cuidadores evidenciam sintomas de ansiedade, como no relato dessa idosa:
“Hoje não me impacta em nada porque é minha realidade do dia a dia, mas se tivesse alguma coisa para fazer, um conselho seria aproveitar enquanto tem sua saúde mental porque depois que acabar a saúde mental, tu não tem muitas opções de aproveitar, porque vai fazer como os outros desejam e não como quer que seja, pois vai depender de alguém”. (I3)
“Eu sinto que com essa doença, eu perdi a minha autonomia, não consigo realizar as minhas atividades básicas sem ajuda como antes, estou totalmente dependente”. (I4)
Seguindo a perspectiva anterior, vale ressaltar os relatos dos cuidadores familiares afirmando o desgaste emocional e físico advindo do cuidado e da atenção integral destinado aos idosos com DA sob sua responsabilidade. Ao enfatizarem mudanças ocorridas em suas vidas referentes aos diferentes âmbitos, ultrapassando aspectos de lazer, ao referirem substituição de atividades prazerosas com vistas ao cuidado integral ou mesmo, o desgaste dessa rotina não ser compatível com momentos de seu lazer, além de questões financeiras correspondentes ao tratamento farmacológico específico da DA e a sua necessidade de serviços externos ao cuidado. Salienta-se as seguintes perspectivas:
“Minha vida inteira eu cuidei, a diferença é que agora precisa de mais cuidados com a mãe. Ela depende muito de mim”. (C5)
“O Alzheimer é uma doença muito dolorosa, mas tenho esperança que seja descoberto um remédio bom para o tratamento, que pelo menos os sintomas sejam amenizados, nos tornando uma pessoa civilizada, de viver em sociedade”. (I20)
A compreensão de qualidade para o cuidador familiar afirma a importância da resiliência em seu significado, uma vez que é salientado o entendimento de qualidade como:
“…uma vida com dignidade, ou seja, a pessoa sentir-se viva independente de um diagnóstico ou não”. (C6)
“Perdi a minha vida, minha independência, fazia o que eu queria, agora estou presa”. (I22)
Desenvolver uma qualidade de vida digna e um manejo adequado às particularidades dessa doença pode contribuir satisfatoriamente à saúde íntegra do idoso, consequentemente a um melhor enfrentamento de suas incapacidades e prejuízos, assim como, uma ressignificação de sua posição e perspectiva de qualidade de vida. Em referência a essa compreensão, enfatiza-se a concepção de cuidadores e idosos:
“Acho que o Alzheimer é uma doença que cada vez mais afeta as pessoas, principalmente os idosos, esses que necessitam de muita atenção, amor e muita paciência”. (C7)
“Na doença de Alzheimer, a qualidade de vida está diretamente ligada aos cuidados recebidos, ficando dependente de terceiros”. (C8)
“No meu entender, quem tem Alzheimer tem pouca compreensão sobre saúde, financeiro, e outras coisas relacionadas ao seu bem estar”. (C1)
“Você faz a qualidade de vida com paciência, tolerância e amor”. (C2)
Em acréscimo, as percepções de pessoas idosas:
“Qualidade de vida: bom descanso, bom lazer, moradia boa, memórias boas, boas amizades, convívio saudável e saúde”. (I2)
“Minha vida está mais ou menos, tem dias que a minha cabeça está um pouco melhor, mas tem coisas que eu não lembro, as vezes não está como eu quero”. (I25)
“Eu tenho uma vida boa pois estou com os meus filhos ao meu redor, com saúde e amor”. (I26)
Nesse sentido, a compreensão do constructo qualidade de vida e a sua relação com a DA é imprescindível para o conhecimento e entendimento do impacto sofrido na vida dos indivíduos envolvidos com os sofrimentos e perdas que o quadro clínico evolutivo e a sua simbolização acarretam ao bem-estar geral dos mesmos.
Discussão
De acordo com os resultados apresentados, em consonância com os discursos dos cuidadores familiares em relação à ressignificação/reorganização de sua vida, vale ressaltar os resultados aproximados de estudos anteriores, ao abordar que, a evolução progressiva da condição do idoso implica em uma mudança fundamental no significado, propósito e direção das vidas dos familiares, que desafiam padrões estabelecidos de funcionamento da família perante uma obrigação ao conjunto familiar reconsiderar as suas prioridades (Esandi et al., 2018).
Em detrimento das avaliações de qualidade de vida dos idosos na percepção de seus cuidadores familiares representar uma qualidade de vida fragilizada, relaciona-se ao entendimento que, os prejuízos advindos do evoluir da DA interagem diretamente com o âmbito familiar em seu sentido de reformulações, interações e realizações. Além do mais, as avaliações de qualidade de vida devem ser correspondentes à gravidade da demência (Rosen et al., 2019) em relação ao comprometimento cognitivo e desempenho funcional e social do idoso.
A qualidade de vida, para maiores conhecimentos a respeito do seu construto, ressalta-se a compreensão dessa terminologia de acordo com Logsdon et al. (2002) como eminentemente humana, correspondente ao sentimento de bem-estar e satisfação diante de todos os âmbitos da vida, a visão da finitude e as perspectivas existenciais presentes e futuras. Nesse sentido, o termo abrange muitos significados e o seu entendimento subjetivo a partir das vivências e valores individuais, caracterizando, portanto, uma construção social com expressões culturais (WHOQOL, 1995).
No presente estudo, o cuidar do paciente com doença de Alzheimer a partir de seu diagnóstico é enfatizado como um cuidado constante, contínuo, complexo e desgastante prestados pelos cuidadores em prol da saúde em geral de seus familiares idosos com a DA. O processo evolutivo da doença acarreta sintomas mais proeminentes e restritivos, caracterizado como mais importante em termos de responsabilidade dos cuidadores à deriva da incapacidade do idoso em realizar o autocuidado (Koca et al., 2017).
Nesse contexto, à medida que a doença progride, os cuidadores necessitam lidar com a complexidade crescente dos desafios do cuidado múltiplo, o que pode afetar seu próprio bem-estar. Essas situações complexas de cuidado podem resultar em custos substanciais e “efeitos indiretos” sobre a saúde dos membros da família e outros cuidadores informais (Lin et al., 2019).
Embora a demência tenha sido definida pelo declínio cognitivo e funcional, os sintomas neuropsiquiátricos são recorrentes nesses casos, segundo Wise et al. (2019), sendo os mais comuns: depressão, irritabilidade, ansiedade, agitação, apatia / indiferença, delírios e alucinações. Ademais, outras manifestações clínicas decorrentes da DA acometem o idoso, como: alterações das emoções, do humor, da percepção, da atividade motora e da personalidade (Storti et al., 2016). Os sintomas neuropsiquiátricos, conforme Eikelboom et al. (2019), estão associados à sobrecarga do cuidador, grande impacto à qualidade de vida dos idosos e cuidadores, além de relação com a progressão da doença e institucionalização avançada. Esse contexto proporciona uma condição de fragilização no cuidador, comprometendo a sua saúde e qualidade de vida.
O enfrentamento do diagnóstico e adequação aos comprometimentos resultantes da progressão da doença acarretam sofrimento e sentimento de perda tanto para o idoso quanto para o seu cuidador principal e/ou familiar. Uma vez que, os cuidadores podem apresentar sentimento de solidão, desespero, redução da qualidade de vida, maior risco de ansiedade, distúrbio do sono e maior risco de morbidade psiquiátrica ao assumirem a responsabilidade do cuidado e suporte ao paciente com a DA (Chen et al., 2017).
Torna-se relevante compreender que os diferentes conjuntos de sintomas podem ter diferentes efeitos sobre os cuidadores. A ansiedade e a depressão do cuidador não são apenas problemas clínicos, mas também sociais, influenciados pelas características do idoso e cuidador. Deve-se destacar que, para constatar e tratar a saúde psicológica do cuidador, é necessário o enfoque multidisciplinar nos múltiplos fatores de risco relacionados ao paciente e ao cuidador.
Vale acrescentar à essa discussão, a compreensão de resiliência do cuidador de acordo com Rosa et al. (2018) ou seja, resistência ou a capacidade de adaptação dos cuidadores às exigências tanto físicas quanto psicológicas advindas da complexidade do cuidado no processo evolutivo da DA. Interligando a terminologia resiliência à percepção de qualidade de vida subjetiva do cuidador.
As estratégias para apoiar os cuidadores de idosos com DA devem ter intervenções multicomponentes para melhorar a saúde e o bem-estar dos cuidadores de demência, aliviando os efeitos desgastantes/prejudiciais à saúde que envolvem o cuidar. Intervenções específicas, incluindo auxílio aos cuidadores com o manejo dos sintomas relacionados à demência, como comprometimento cognitivo e sintomas neuropsiquiátricos, evitando o isolamento social, resolvendo problemas pessoais preexistentes entre cuidadores e idosos, melhorando o apoio social para os cuidadores e proporcionando-lhes momentos de lazer. Portanto, quando se considera a estreita relação entre carga do cuidador e sintomas neuropsiquiátricos, melhorar um deles pode ser benéfico ao outro.
Em perspectiva às estratégias para o idoso diante do processo evolutivo da DA, é relevante compreender a sua perspectiva de vida e o seu comprometimento cognitivo, uma vez que, o mesmo interfere diretamente em sua avaliação de qualidade de vida e consciência de seus sintomas advindos do diagnóstico de DA.
Torna-se necessário o desenvolvimento de estratégias com vistas à educação em saúde, entendida como, uma construção coletiva amparada no trabalho multidisciplinar e intersetorial, almejando um cuidado mais integral e humanizado. Sob o prisma de uma estratégia que, ultrapassa a visão fragmentada de saúde e leva em conta, os saberes multiprofissionais com a finalidade de qualificar o cuidado e, produzir práticas embasadas em uma responsabilidade de transcender o componente clínico, ou seja, uma atuação além das necessidades visíveis (Barreto et al., 2019).
Existem algumas limitações nos resultados do presente estudo. Embora padronizado cientificamente com uso de instrumentos validados, existem certas limitações impostas em virtude do tamanho da amostra, impossibilitando maiores acréscimos à sustentação da pesquisa.
A DA caracterizada pelo seu quadro clínico evolutivo, acarreta limitações aos indivíduos acometidos. Assim, as perspectivas de qualidade de vida e seus sofrimentos recorrentes são imprescindíveis à compreensão da significação do impacto aos idosos e seus cuidadores perante o diagnóstico de DA. A metodologia qualitativa favorecida pela dinâmica de visitas domiciliares potencializou perspectivas e sinalizações de fragilidades não concebidas à consciência dos envolvidos na complexidade dos sintomas clínicos manifestos pela DA.
As repercussões do processo evolutivo da DA envolvem ressignificações e mutações na dinâmica familiar perante a complexidade do cuidado integral do idoso, além de compreensões subjetivas e culturais da sintomatologia e estigma do diagnóstico de DA, a partir de expressões de negação, sentimento de perda e a readaptação à nova realidade limitada em suas perspectivas futuras.
De acordo às questões evidenciadas no presente estudo, o acréscimo de conhecimentos acerca das manifestações clínicas iniciais ao diagnóstico, assim como o desenvolvimento de estratégias profiláticas e multiprofissionais com vistas ao cuidado integral, sensível aos sofrimentos decorrentes dos prejuízos advindos da progressão da doença. Evidenciando também, os sintomas neuropsiquiátricos manifestos e relevantes à qualidade de vida dos idosos e cuidadores. Poderá haver uma ligação direta com resultados resilientes ao cuidado integral diante do contexto da doença e qualidade de vida de ambos envolventes.
Contribuições dos autores
Ana Carolina Fruet: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Juliana Colomé: Curadoria dos dados; Análise formal; Metodologia; Validação; Redação - revisão e edição.
Juliana Saibt: Análise formal; Validação; Redação - revisão e edição.
Elisângela Colpo: Curadoria dos dados; Análise formal; Metodologia; Supervisão; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.