Ainda que a elevada prevalência de desafios de saúde psicológica e bem-estar em crianças e adolescentes já estivesse documentada na literatura (UNICEF, 2013) antes da pandemia Covid-19, este período sem precedentes, e com impactos a nível físico, psicológico e social (e.g. Branquinho et al., 2020; Matos & Wainwright, 2021; The Lancet Child Adolescent Health, 2020; Viner et al., 2021), veio evidenciar a necessidade premente de reforçar o trabalho na área da saúde psicológica e bem-estar com esta população (Sousa et al., 2021).
Sendo a escola um cenário facilitado no que concerne ao acesso às crianças e adolescentes, podemos considerar o contexto ideal para promover e intervir na promoção de melhor saúde psicológica e bem-estar destas gerações (García-Carrión et al., 2019; UNESCO, 2023). Um ecossistema escolar pautado por uma boa saúde psicológica e bem-estar, não apenas contribui para um desenvolvimento positivo dos seus alunos, como para uma melhor saúde, qualidade de vida e bem-estar de todos os atores do ecossistema (Matos et al., 2023a).
No Plano de Recuperação das Aprendizagens 21|23 Escola+, ficou evidente que a recuperação das aprendizagens dos alunos no período pós-pandemia Covid-19, seria indissociável de um trabalho no âmbito da saúde psicológica e bem-estar de todo o ecossistema escolar (Sousa et al., 2021). O estudo levado a cabo no âmbito do “Observatório Escolar: Monitorização e Ação | Saúde Psicológica e Bem-estar” (Matos et al., 2022) foi desenvolvido com foco nesta necessidade. Sob a tutela da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, em parceria com a equipa Aventura Social, Direção-Geral da Educação, Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, Ordem dos Psicólogos Portugueses e Fundação Calouste Gulbenkian, o estudo teve como principal objetivo, monitorizar o panorama da saúde psicológica e bem-estar das crianças e adolescentes em idade escolar (dos 5 anos de idade ao 12.º ano de escolaridade), e dos seus professores; a par do desenvolvimento de recomendações de ação para melhor saúde psicológica e bem-estar nos estabelecimentos de ensino.
O primeiro estudo pretendeu conhecer o panorama da saúde psicológica e bem-estar das crianças e adolescentes em idade escolar (da educação pré-escolar ao 12.º ano de escolaridade) e dos seus professores enquanto indicador de bem-estar no ecossistema escolar; e elaborar recomendações de intervenção promotoras da saúde psicológica e do bem-estar, com base nos resultados obtidos em função do género, grupos etários e região geográfica. Seguiram-se alguns estudos aprofundados a partir dos quais se elaborou o e-book Saúde Psicológica e bem-estar nas escolas Portuguesas (Matos et al., 2023b), um relatório complementar com estudos de caso de entre os agrupamentos de escolas participantes na primeira fase do estudo, através de grupos focais online com a participação de diretores, coordenadores de educação para a saúde, psicólogos, docentes, encarregados de educação, e alunos do ensino básico ou secundário (Matos et al., 2023c); e o relatório da consulta às escolas: estudo quantitativo e qualitativo (Matos et al., 2023a).
Na sequência destes resultados foram propostas algumas recomendações para alunos, famílias e profissionais de educação e saúde, bem como para as políticas públicas do setor, para enfrentar a situação atual e para a preparação atempada para futuros cenários contemplando os 3As: Antecipar, Alertar e Agir.
Método
Em dezembro de 2021 procedeu-se à caracterização do desenho do estudo e desenvolvimento do protocolo, seguindo-se a seleção aleatória por NUTS III [Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos] dos agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas, posteriormente contactados para obter o seu acordo no que respeitava a sua integração do estudo. Nos casos em que os agrupamentos não estavam disponíveis, procedeu-se a um novo sorteio, até ser obtida a concordância de um agrupamento da mesma NUTS III. Nos agrupamentos que aceitaram participar as turmas foram também sorteadas. Nos meses fevereiro e março de 2022, foi realizada a recolha de dados, sendo que a aplicação dos questionários teve a coordenação dos docentes e psicólogos das escolas envolvidas.
No protocolo estavam incluídos quatro tipos de questionários: (i) educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico (respondidos pelos docentes); (ii) 2.º ciclo do ensino básico; (iii) 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário; e (iv) docentes.
Participantes
Foram integradas 8067 respostas de alunos com uma média de idades de 10,63 anos (DP = 3,69; Min = 5; Max = 18), dos quais 49,7% pertencia ao género feminino e 48,4% ao género masculino (1,9% preferiu não responder ou referiu “outro”). 44,9% das respostas eram de alunos da educação pré-escolar e 1.º ciclo do ensino básico, 15,0% de alunos do 2.º ciclo do ensino básico e 40,1% de alunos do 3.º ciclo do ensino básico e ensino secundário. 36,1% dos alunos residia na região Norte, 34,7% no Centro, 7,2% na Área Metropolitana de Lisboa, 18% no Alentejo e 4% no Algarve (Quadro 1).
NUTS II | n | % |
Centro | 2800 | 34,7% |
Alentejo | 1456 | 18% |
Norte | 2911 | 36,1% |
Área Metropolitana de Lisboa | 578 | 7,2% |
Algarve | 322 | 4% |
Nota. A negrito as médias superiores
A amostra de docentes foi selecionada por conveniência, recolhida de entre os agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas de Portugal Continental que foram sorteados por NUTS III e que se disponibilizaram a participar no estudo, totalizando 1453 participantes. 81,8% era do género feminino, com uma idade média de 51 anos e um tempo médio de serviço de 26 anos (Quadro 2).
Média | Desvio Padrão | Min. | Max. | |
Idade (n = 1453) | 51,4 | 7,53 | 22 | 66 |
Tempo de serviço (n = 1441) | 25,98 | 9,33 | 0 | 47 |
40,3% dos docentes residia na região Centro, 23,6% no Alentejo, 21,3% na região Norte, 12% na Área Metropolitana de Lisboa e 2,9% no Algarve (Quadro 3).
Análise dos Dados
Os dados foram analisados com recurso ao software de análise estatística SPSS v.26, através de uma estatística descritiva. Foi realizada uma estatística descritiva para todas as variáveis em estudo (média, desvio padrão, mínimos e máximos). Foi considerado um nível de significância de 0,05.
Resultados
Pré-escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico
De acordo com o Quadro 5, cerca de 23,2% dos alunos do ensino pré-escolar e do ensino básico são irrequietos, enquanto 24,9% se distraem facilmente. Adicionalmente, os alunos que foram identificados pelos seus professores como tendo mais problemas emocionais e comportamentais, hiperatividade e problemas de relacionamento com os colegas de turma também demonstraram um comportamento menos pró-social.
Não é verdade | É pouco verdade | É muito verdade | |
Enerva-se muito facilmente e faz muitas birras (n = 3601) | 68,6% | 21,7% | 9,7% |
É irrequieto, muito mexido, nunca para quieto (n = 3602) | 45,7% | 31% | 23,3% |
Tem tendência a isolar-se, gosta mais de brincar sozinho (n = 3597) | 77% | 16,3% | 6,7% |
Tem muitas preocupações, parece sempre preocupado (n = 3600) | 64,4% | 27,1% | 8,5% |
Tem pelo menos um bom amigo (n = 3595) | 3,3% | 8,1% | 88,6% |
Luta frequentemente com as outras crianças, ameaça-as ou intimida-as (n = 3596) | 82% | 13,5% | 4,6% |
Anda muitas vezes triste, desanimado ou choroso (n = 3598) | 75,4% | 19% | 5,7% |
Distrai-se com facilidade, está sempre com a cabeça no ar (n = 3586) | 38,7% | 36,4% | 24,9% |
As outras crianças metem-se com ele, ameaçam-no ou intimidam-no (n = 3579) | 84,5% | 11,8% | 3,7% |
Tem muitos medos, assusta-se com facilidade (n = 3557) | 61,2% | 29,9% | 8,9% |
Ensino Básico e Secundário
No ensino básico e secundário, 25,8% dos alunos referem sentir-se tristes várias vezes por semana ou quase todos os dias, enquanto 31,8% se sentem irritáveis ou de mau humor e 37,4% se sentem nervosos. Além disso, 32,9% referem sentir uma tristeza tão grande que parecem não aguentar pelo menos uma vez por mês (Quadro 6).
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
Tristeza (n = 4379) | 40,9% | 18,7% | 14,6% | 17,7% | 8,1% |
Irritação ou mau humor (n = 4367) | 30,7% | 20,2% | 17,3% | 19,7% | 12,1% |
Nervosismo (n = 4343) | 25,4% | 18,5% | 18,7% | 20% | 17,4% |
Uma tristeza tão grande que parece que não aguentas (n = 4354) | 67,1% | 13,2% | 7,3% | 7,4% | 5% |
Nota. 1 = Raramente ou nunca; 2 = Quase todos os meses; 3 = Quase todas as semanas; 4 = Mais do que uma vez por semana; 5 = Quase todos os dias
Relativamente aos hábitos de lazer e de repouso, 61% dos alunos referem praticar exercício físico menos de três vezes por semana, 35,7% dormir menos de oito horas por noite e 63,0% passar quatro ou mais horas do seu dia em frente a um ecrã.
À medida que os alunos passam do pré-escolar para o ensino básico, os problemas emocionais tendem a agravar. Estas dificuldades continuam a aumentar ao longo dos anos de escolaridade, sendo que o 2.º ano do 1.º ciclo do ensino básico e o 8.º ano do 3.º ciclo do ensino básico apresentam um padrão menos favorável do que os anos subsequentes (que correspondem à transição de ciclos na era pós-pandémica da Covid-19). Os alunos mais novos (5.º ano de escolaridade) apresentam melhor bem-estar e menos sintomas em comparação com os alunos mais velhos (12.º ano de escolaridade).
Docentes
Os professores referem sentir, quase todas as semanas ou mais frequentemente, os seguintes sintomas: tristeza (53,4%), irritabilidade ou mau humor (51,3%), nervosismo (55,3%), dificuldade em adormecer (48,5%) e sensação de tristeza avassaladora (20%) (Quadro 7).
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
Tristeza (n = 1445) | 25,2% | 21,4% | 17,8% | 24,6% | 11% |
Irritação ou mau humor (n = 1441) | 23,2% | 25,5% | 19,9% | 22,7% | 8,7% |
Nervosismo (n = 1435) | 21% | 23,6% | 20,1% | 20,3% | 14,9% |
Dificuldade em adormecer (n = 1429) | 35,3% | 16,2% | 13,4% | 17,5% | 17,6% |
Uma tristeza tão grande que parece que não aguenta (n = 1436) | 66,5% | 13,5% | 7,3% | 9,2% | 3,5% |
Nota. 1 = Raramente ou nunca; 2 = Quase todos os meses; 3 = Quase todas as semanas; 4 = Mais do que uma vez por semana; 5 = Quase todos os dias
A idade e o tempo de serviço associam-se a menores níveis de saúde psicológica, bem-estar e qualidade de vida e a uma avaliação mais negativa do ambiente escolar e da liderança. O género feminino demonstrou estar mais vulnerável a estes desafios (Quadro 8). Mais de metade dos docentes (54,7%) afirmam estar razoavelmente ou totalmente satisfeitos com as suas vidas (pontuação ≥ 7, numa escala de 0 a 10). Aqueles que tinham uma perceção mais positiva da liderança, do ambiente e dos recursos da escola, bem como da qualidade de vida, apresentavam níveis mais elevados de satisfação com a vida.
É importante referir que existem quatro situações distintas, identificadas na associação entre a satisfação com a vida e os sinais de sofrimento psicológico. O quadrante com a situação mais agravada inclui indivíduos que referem baixa satisfação com a vida e sinais evidentes de sofrimento psicológico. Este grupo é constituído maioritariamente por alunos mais velhos e do sexo feminino. Por outro lado, o quadrante mais favorecido inclui indivíduos que referem satisfação com a vida e sem grandes sinais de sofrimento psicológico, grupo constituído maioritariamente por alunos mais jovens do sexo masculino.
Os alunos que praticam atividade física, que referem um uso moderado dos ecrãs e sobretudo os que tem uma boa higiene do sono revelam melhores níveis de saúde psicológica e bem-estar. Os alunos com melhor bem-estar e saúde psicológica apresentam um nível de competências socioemocionais mais elevado, nomeadamente, confiança, pertença e perceção de competência.
Também os professores foram analisados através das quatro situações em termos de satisfação com a vida e de presença de sofrimento psicológico. O quadrante com a situação menos favorável, caracterizado por uma baixa satisfação com a vida e por sinais de sofrimento psicológico, é mais comum nos docentes mais velhos e no sexo feminino. Por outro lado, o quadrante com a situação mais favorável - elevada satisfação com a vida e sem grandes sinais de sofrimento psicológico - é mais comum nos docentes mais jovens e do sexo masculino.
Discussão
Destaca-se uma necessidade premente na exploração das questões relacionadas com a saúde psicológica e o bem-estar dos estudantes e dos professores, uma vez que os indicadores de saúde psicológica se deterioraram ao longo do tempo, especialmente entre o sexo feminino e os estudantes mais velhos. Um estudo realizado por Campbell e colegas (2021), com dados de 73 países, revelou piores resultados na saúde psicológica e bem-estar de estudantes do género feminino, quando comparadas com o género oposto, congruente com os resultados de uma revisão sistemática da literatura de Stentiford et al. (2021). Sendo igualmente frequente um decréscimo da saúde psicológica ao longo da adolescência (Gómez-López et al., 2019). Os problemas mais comuns relatados incluem sintomas de ansiedade e depressão, menor tolerância à frustração, falta de interesse, desmotivação e inércia. Num estudo de Son et al. (2020), é destacado um aumento de sintomatologia como stress, ansiedade e depressão, dificuldades de concentração, alterações no padrão de sono e no desempenho académico, decorrentes da pandemia Covid-19.
Além disso, os professores expressam a sua insatisfação com a profissão, exacerbada pelo excesso de burocracia e pela falta de tempo, levando a impactos negativos na sua saúde psicológica e bem-estar, especialmente o género feminino, um facto suportado por Redondo-Flórez et al. (2020). A docência é uma profissão desafiante, a qual associada ao trabalho burocrático e a relações difíceis com os alunos, contribui para um menor envolvimento profissional e maior exaustão profissional (Aldrup et al., 2018). Com base numa revisão sistemática da literatura, o bem-estar profissional dos docentes é essencial para lidar com as exigências profissionais, sendo o apoio institucional essencial para uma maior resiliência desempenho eficaz das suas tarefas escolares (Nwoko et al., 2023).
A promoção da psicologia do bem-estar nas escolas envolve uma variedade de estratégias, nomeadamente, a construção de relações fortes com as autoridades locais, os centros de saúde, a comunidade, as famílias, os serviços escolares (como os serviços psicológicos e de aconselhamento e a promoção e educação para a saúde) e a implementação de projetos no ecossistema escolar. Todavia, ainda persistem desafios relacionados com a operacionalização e a superação das limitações de recursos humanos, de falta de tempo e de burocracia. De modo a serem enfrentados estes desafios eficazmente, é fundamental fortalecer a relação entre as escolas e as famílias, capacitar os pais, envolver a comunidade, valorizar o trabalho dos professores e oferecer soluções específicas e diferenciadas. Esta ideia é reforçada pelos cinco pilares para os serviços de saúde psicológica e psicossociais em contexto escolar: (i) criação e facilitação de um ambiente de aprendizagem potenciador e uma saúde mental e bem-estar positivos; (ii) garantir acesso a intervenções precoces e a serviços de apoio no âmbito da saúde mental; (iii) promover o bem-estar dos docentes; (iv) capacitar os agentes do ecossistema escola na promoção de melhor saúde mental e bem-estar; e (v) assegurar uma colaboração significativa entre a escola, família e comunidade (UNICEF, 2022). O trabalho extra dos professores deve ser reconhecido e é essencial uma abordagem efetiva da ação.
O Observatório de Saúde Psicológica e Bem-estar: Monitorização e Ação foi considerado essencial pelas suas recomendações (Matos et al., 2022). Este estudo sublinha a necessidade urgente de uma ação coordenada e eficaz para enfrentar os desafios significativos que afetam a saúde psicológica e o bem-estar no ecossistema escolar.
Para garantir a continuidade do trabalho em curso, é essencial reforçar o apoio aos agrupamentos na implementação das recomendações. Isto pode ser conseguido através da disponibilização de recursos e tempo suficientes para levar a cabo as medidas necessárias, juntamente com instruções claras. A resolução do problema da escassez de assistentes operacionais e psicólogos nas instituições de ensino é um passo basilar para garantir o sucesso destes esforços, uma necessidade reforçada pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (Gabinete de Estudos OPP, 2018).
De acordo com os resultados do primeiro estudo do Observatório da saúde psicológica e bem-estar, as escolas lucrariam em adotar uma abordagem abrangente para promover as competências socioemocionais, bem como a saúde psicológica. Esta abordagem é sustentada por evidências científicas e inclui medidas como o ensino explícito de competências socioemocionais no currículo desde o pré-escolar, o envolvimento ativo dos alunos, a criação de um ambiente saudável na escola, o desenvolvimento das competências socioemocionais dos professores e dos dirigentes escolares, a monitorização e avaliação de indicadores de bem-estar psicológico, o estabelecimento de parcerias com as famílias e as comunidades, a promoção do intercâmbio de boas práticas e a inclusão da promoção de competências sociais e emocionais e do autocuidado na formação inicial dos futuros educadores. Essenciais para o trabalho dos docentes enquanto modelo de referência para os seus alunos e para o desenvolvimento das mesmas nos alunos, a integração da formação em competências socioemocionais na formação inicial dos docentes, potencia o sentimento de competência e bem-estar deste grupo (Scheirlinckx et al., 2023).
Para a implementação das recomendações, foram propostas várias estratégias. Em particular, sugere-se a realização de debates nas escolas para identificar os pontos fortes e fracos, com especial incidência na educação pré-escolar, no agravamento da situação da progressão escolar, nas diferenças de género e regionais e na experiência dos professores com mais tempo de serviço. Uma abordagem desenvolvida no âmbito do presente estudo (Matos et al., 2022). Além disso, é igualmente importante realizar ações de sensibilização e dar formação em literacia em saúde psicológica a alunos, professores e gestores escolares para promover o autocuidado. Responsáveis pelo bem-bem-estar dos seus funcionários, e influenciadores da sua saúde psicológica, os gestores escolares são muitas vezes associados a elevados níveis de stress, fadiga e exaustão emocional (Klap et al., 2020), um facto que nos leva a apontar para a premência da formação em literacia em saúde psicológica e autocuidado de todos os atores do ecossistema escolar, incluindo a sua direção.
Um sistema nacional abrangente de monitorização e avaliação deve dar prioridade à avaliação das competências socioemocionais, da saúde psicológica e do bem-estar geral dos alunos. Deve também centrar-se na melhoria do ambiente escolar e práticas pedagógicas. É crucial garantir um ambiente escolar favorável, promovendo a coesão social, a segurança, o diálogo, a participação e a cooperação entre alunos, professores, direção e famílias. Adicionalmente, é importante formar educadores e professores para a criação de “locais de trabalho saudáveis” nas escolas.
Para reforçar o apoio aos professores e aos restantes intervenientes do ecossistema escolar, recomenda-se a criação de programas destinados a prevenir os riscos psicossociais no trabalho e a promover o bem-estar (Gaspar et al., 2022). Para melhorar os serviços de saúde psicológica, sugere-se identificar e otimizar a gestão das redes a nível regional e reforçar as redes nacionais e regionais de psicólogos. Além disso, a disponibilização de recursos através de plataformas digitais pode ajudar no acesso a estes serviços.
Recomenda-se uma ação concertada com as direções das escolas, de modo a promover uma maior sensibilização para a importância do ambiente escolar e para o bem-estar de alunos e professores. É de extrema importância realizar uma avaliação dos recursos escolares a nível nacional e promover a partilha de boas práticas na promoção da saúde psicológica e das competências socioemocionais. Por fim, é importante existir um acompanhamento contínuo da implementação destas recomendações nas escolas, com a repetição do estudo de dois em dois anos, sendo o próximo em 2024.
10 Mensagens-chave:
Após a pandemia Covid-19, cerca de 1/3 dos alunos e ½ dos professores apresentou sinais de mal-estar e sofrimento psicológico;
Esta situação foi mais acentuada nos alunos mais velhos, sugerindo por um lado a necessidade de uma intervenção preventiva nos primeiros anos de escolaridade (pré-escolar) e por outro lado sugerindo uma intervenção urgente nos últimos anos de escolaridade (ensino secundário), em especial no género feminino;
Esta situação foi mais acentuada no género feminino embora o género masculino apresente uma pior situação na educação no pré-escolar e no 1.º ciclo do ensino básico, onde a avaliação foi respondida pelos docentes;
Esta situação apresentou um pico nos 2.º e 8.º anos de escolaridade (anos de transição de ciclo no início da pandemia);
Embora tenha havido diferenças regionais, a pertença a cada região (NUTS II) não foi homogénea da produção de resultados mais negativos ou mais positivos nos alunos;
Os alunos que referem melhores níveis de atividade física, utilização moderada de ecrãs e sobretudo os que referem uma boa higiene de sono apresentam melhores indicadores de bem-estar e saúde psicológica. A qualidade de sono teve um papel de destaque nesta situação (Matos et al., 2023c);
Os alunos que referem melhores indicadores de bem-estar e saúde psicológica apresentaram melhor nível de competências socioemocionais, salientando-se a confiança, a perceção de pertença e a perceção de competência, de onde se sugere a promoção de competências socioemocionais em contextos de educação formação e não-formal;
Identificaram-se nos alunos quatro situações na relação da satisfação com a vida e existência de sinais de sofrimento psicológico. No quadrante com uma situação mais agravada colocam-se os alunos que referem uma fraca satisfação com a vida e adicionalmente referência a sinais evidentes de sofrimento psicológico. Neste quadrante colocam-se sobretudo as alunas do género feminino e alunos/as com mais idade. No quadrante mais favorecido colocam-se os alunos com satisfação com a vida e adicionalmente ausência de referência a sinais maiores de sofrimento psicológico, encontram-se sobretudo rapazes e alunos/as mais novos (Matos et al., 2023c);
Nos docentes houve um agravamento dos sinais de mal-estar e sofrimento psicológico nas professoras, com a idade e com o tempo de serviço;
Nos docentes não se registaram diferenças regionais, mas foi notável o impacto da perceção das características da direção: um impacto direto no bem-estar e saúde psicológica dos docentes e um impacto indireto através da sua ação no ambiente do ecossistema.
Contribuição dos autores
Margarida Gaspar de Matos: Conceptualização, Análise dos dados, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Cátia Branquinho: Análise dos dados, Redação - revisão e edição.
Catarina Noronha: Redação do rascunho original.
Bárbara Moraes: Redação do rascunho original.
Tânia Gaspar: Redação - revisão e edição.
Nuno Neto Rodrigues: Conceptualização, Redação - revisão e edição.