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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.24 no.3 Lisboa dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.15309/23psd240323 

Artigo

Desenvolvimento e aplicação de um treino cognitivo para o meio virtual

Development and application of a cognitive training for the virtual environment

1Universidade Federal de Santa Maria, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Departamento de Fonoaudiologia, Rio Grande do Sul, Brasil.

2Faculdade Meridional (IMED), Rio Grande do Sul, Brasil.


Resumo

O envelhecimento é algo natural na vida de todos os seres humanos, podendo causar alterações tanto físicas como cognitivas. Sabe-se que o treinamento cognitivo traz diversos benefícios e melhora a qualidade de vida dos idosos. No entanto, ainda há poucos estudos sobre o treinamento cognitivo por meio do teleatendimento. A partir disso, este estudo teve como objetivo elaborar um treino cognitivo para o meio virtual e verificar sua aplicabilidade e eficácia em idosas. Participaram da pesquisa duas idosas, ambas com 67 anos de idade, e três juízes especialistas. Como critério de inclusão as participantes deveriam: ter de 60 a 75 anos; ter o Português Brasileiro como primeira língua; ter disponibilidade para participar do treinamento cognitivo duas vezes por semana; nunca ter feito treinamento cognitivo; ter internet wi-fi e computador/celular; serem alfabetizadas (no mínimo primeira série do ensino fundamental). O treinamento cognitivo foi elaborado com base nas principais queixas apresentadas pelas idosas quanto à atenção e memória, a partir dos dados obtidos por meio da aplicação dos questionários: PTA-II questionário da atenção e Prospective and Retrospective Memory Questionnaire - PRMQ. As tarefas elaboradas para o treinamento foram julgadas por três psicólogas doutoras e experts na área da neuropsicologia geriátrica. Os treinamentos foram feitos por meio da plataforma Google Meet, com duração de 12 sessões de 50 minutos cada. Foi possível verificar efeitos positivos na cognição, principalmente nos domínios percepção, linguagem e memória. O treinamento cognitivo auxiliou as idosas a manterem os processos cognitivos saudáveis, bem como adquirir ganhos cognitivos.

Palavras-Chave: Idoso; Envelhecimento saudável; Cognição; Memória; Atenção; Teleterapia

Abstract

Aging is something natural in the lives of all human beings, which can cause both physical and cognitive changes. It is known that cognitive training brings many benefits and improves the quality of life of the elderly. However, there are still few studies on cognitive training through telemarketing. From this, this study had the aim to develop cognitive training for the virtual environment and to verify its applicability and effectiveness in elderly women. Two elderly women, both 67 years old and three expert judges, participated in the research. As inclusion criteria, participants should: be between 60 and 75 years old; having Brazilian Portuguese as a first language; be available to participate in cognitive training twice a week; never having done cognitive training; have wi-fi internet and computer/cell phone; who were literate (at least the first grade of elementary school) Cognitive training was developed based on the main complaints presented by the elderly women regarding attention and memory, based on the data obtained through the application of the questionnaires: PTA-II questionnaire of attention and Prospective and Retrospective Memory Questionnaire - PRMQ. The tasks developed for the training were judged by three doctoral psychologists and experts in the field of geriatric neuropsychology. The training was carried out through the Google Meet platform, lasting 12 sessions of 50 minutes each. It was possible to verify positive effects on cognition, mainly in the domains of perception, language and memory. Cognitive training helped the elderly to maintain healthy cognitive processes, as well as to acquire cognitive gains.

Keywords: Elderly; Healthy aging; Cognition; Memory; Attention; Teletherapy

O processo de envelhecimento traz alterações de ordem cognitiva e cerebral de maneira diferente para cada idoso, isto é, não são uniformes os domínios cognitivos alterados (Gates et al., 2019). Mesmo quando saudável, o envelhecimento é acompanhado de algumas perdas, não apenas físicas, mas também cognitivas. Neste sentido, é esperado uma diminuição dos recursos cognitivos como velocidade de processamento, atenção, raciocínio, memória de trabalho, controle inibitório e memória episódica (Deary et al., 2009; Gates et al., 2019). No entanto, nenhuma dessas funções é unitária e as evidências sugerem que alguns aspectos da atenção e da memória, por exemplo, se mantém com a idade, enquanto outros mostram declínios significativos como a velocidade de processamento (Kang et al., 2022; Silva et al., 2011).

Considerando o alto risco de declínio cognitivo em idosos e as projeções de aumento de incidência da Doença de Alzheimer e comprometimento cognitivo (Rajan et al., 2021) torna-se necessário o uso de estratégias de prevenção para tal involução. Dentre as alternativas não medicamentosas, o treinamento cognitivo é uma abordagem de remediação comprovadamente eficaz (Rodakowski et al., 2015), apresentando resultados positivos em aspectos neurofisiológicos e neuropsicológicos de pessoas com comprometimento cognitivo ou não, além de apresentar pouco ou nenhum dano colateral aos participantes envolvidos (Giuli et al., 2016).

O treinamento cognitivo é uma intervenção que tem como objetivo melhorar a capacidade cognitiva das pessoas, especialmente aquelas que apresentam déficits em habilidades como atenção, memória, percepção e funções executivas. O treinamento envolve uma série de atividades que visam estimular a cognição, utilizando exercícios que desafiam as funções cognitivas. Existem diversas técnicas, sendo que as mais comuns incluem jogos de computador, exercícios esportivos, jogos de tabuleiro, treinamento de habilidades sociais e treinamento cognitivo em grupo. Cada técnica tem seus próprios objetivos e benefícios, mas todas seguem a meta geral de melhorar as habilidades cognitivas do indivíduo (Silva et al., 2011).

O treinamento cognitivo em idosos saudáveis é bastante difundido na literatura nacional (Almondes et al., 2017; Golino & Flores-Mendoza, 2016; Irigaray et al., 2012) e com bons resultados. No entanto, pesquisas envolvendo treinamento cognitivo de idosos saudáveis por meio do teleatendimento ainda não foram relatadas. Desta forma, a presente pesquisa surge com a necessidade de reestruturação da prática clínica e da pesquisa saindo do ambiente clínico físico para o virtual, principalmente pós-pandemia, visto que esta foi bastante prejudicial em termos de saúde mental para o público idoso (Cunha et al., 2022). Para tanto, este trabalho teve como objetivos elaborar um treino cognitivo para o meio virtual e verificar sua aplicabilidade e eficácia em idosas.

Método

Participantes

Participaram do estudo duas amostras, uma de idosas e uma de psicólogas. Primeiramente, foram convidadas a participar do estudo todas as idosas que fizeram parte de um estudo anterior em que haviam praticado o Método Pilates. Todas as cinco foram contatadas por meio do grupo de WhatsApp, mas apenas duas aceitaram participar. As demais sinalizaram não possuir internet (n=1) ou que não gostavam da modalidade de teleatendimento (n=2).

Os critérios de inclusão para o estudo compreenderam: idosas saudáveis; com idade entre 60 a 75 anos; falantes do Português Brasileiro; não terem realizado treinamento cognitivo anterior; terem acesso à internet e computador/celular para participar das sessões; e serem alfabetizadas. Como critérios de exclusão, não deveriam: apresentar perda auditiva significativa, de forma que prejudicasse a compreensão, isto é, aparente esforço para ouvir o interlocutor; ter deficiência visual não corrigida; apresentar sinais de declínio cognitivo (averiguados a partir do Mini Exame do Estado Mental - MEEM, Chaves & Izquierdo, 1992) e sinais de depressão (aplicação da Escala de Depressão Geriátrica, versão reduzida - GDS-15, Almeida & Almeida, 1999). O Quadro 1 apresenta os dados sociodemográficos das participantes.

Quadro 1 Dados Sociodemográficos das idosas 

Sujeito Sexo Idade Escolaridade Ocupação MEEM GDS
S1 Feminino 67 8 Dona de casa 27/30 1/15
S2 Feminino 67 11 Massoterapeuta 29/30 4/15

Nota. S: sujeito; MEEM: Mini Exame do Estado Mental; GDS: Escala de Depressão Geriátrica.

Ainda, foram convidados por e-mail, quatro psicólogos e uma fonoaudióloga para realizar o julgamento das tarefas a serem realizadas em cada sessão de treinamento cognitivo. Todos eram doutores e tinham experiência em treinamento cognitivo de idoso. No entanto, apenas três psicólogas aceitaram participar da pesquisa.

Material e Procedimentos

Esta pesquisa possui caráter qualitativo do tipo estudo de caso, devidamente aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa de uma instituição de nível superior (n. 4.496.353). Foi realizada conforme as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos (resolução 466/12). Todos os participantes assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido.

A partir da elegibilidade das participantes, foram administrados dois questionários: Questionário de Atenção - PTA-II (Sohlberg & Mateer, 2009) que apresenta 12 questões relacionadas às dificuldades atencionais identificadas no dia a dia dos idosos. E o Questionário de Memória Prospectiva e Retrospectiva - PRMQ (Benites & Gomes, 2007) que apresenta 16 questões acerca das queixas subjetivas de dificuldades mnemônicas. O examinando marca a opção apresentada de acordo com o seu nível de dificuldade.

O treinamento cognitivo foi elaborado com base nas principais queixas apresentadas pelas idosas nos questionários. Para tanto, considerou-se as queixas marcadas como “frequentemente atrapalha (é um problema na maioria dos dias)/frequentemente" e que eram consideradas um “problema a todo tempo (afeta muitas atividades)/quase sempre” para cada participante. As tarefas para cada habilidade cognitiva, bem como o número de sessões, foram planejados com base em materiais bibliográficos publicados (Assed & Carvalho, 2021; Golino & Flores-Medonza, 2016; Irigaray et al., 2011; Yokomizo et al., 2020).

Após a elaboração das tarefas que comporiam as sessões em si, as três psicólogas julgaram a adequação das tarefas/atividades e instruções frente aos objetivos propostos por cada uma. Além disso, analisaram quais domínios cognitivos cada tarefa estimulava. Também foram previstas atividades para serem realizadas em casa e retomadas na sessão seguinte.

A partir do julgamento, os materiais foram construídos pelas autoras do trabalho. Para tanto, utilizou-se imagens do banco de dados livre do Google e imagens adaptadas de livros e artigos. Também foram elaborados textos e algumas imagens. Os materiais foram aplicados entre as criadoras para verificar a aplicabilidade e tempo de execução.

Após três meses da aplicação dos questionários, foram aplicados, de forma presencial e individual, os seguintes instrumentos neuropsicológicos:

Avaliação Neuropsicológica Breve - NEUPSILIN (Fonseca et al., 2009): consiste em uma bateria abreviada que visa fornecer um perfil neuropsicológico, quantitativo e qualitativo, de oito principais funções neuropsicológicas: orientação têmporo-espacial (escore total = 8), Atenção (escore total = 27), percepção (escore total = 12), memória de trabalho (escore total = 38), memória verbal episódico-semântica (escore total = 36), memória semântica de longo prazo (escore total = 5), memória visual de curto prazo (escore total = 3), memória prospectiva (escore total = 2), habilidades aritméticas (escore total = 8), linguagem oral (escore total = 22), linguagem escrita (escore total = 31), praxias (escore total = 22) e funções executivas (escore total = 13 ou mais).

Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey - RAVLT (Cotta et al., 2012): avalia a aprendizagem e a memória. Consiste em uma lista de 15 substantivos (lista A) que é lida em voz alta para o sujeito, por cinco vezes consecutivas (A1 a A5). Cada uma das tentativas é seguida por um teste de evocação espontânea. Depois da quinta tentativa, uma lista de interferência, também composta por 15 substantivos (lista B), é lida para o examinando, sendo seguida da evocação da mesma (tentativa B1). Logo após a tentativa B1, é solicitado ao indivíduo que recorde as palavras da lista A, sem que ela seja reapresentada (A6). Após um intervalo de 20 minutos, que deve ser preenchido com outras atividades que não demandam raciocínio verbal, pede-se ao sujeito que se lembre das palavras da lista A (A7) sem que a lista seja lida para ele. Após a tentativa A7 é feito o teste de memória de reconhecimento (lista contendo 15 palavras da lista A, 15 palavras da lista B e 20 distratores). A cada palavra lida, o examinando deve indicar se ela pertence (ou não) à lista A. A correção é feita com base no número de acertos de cada lista. Os valores de referência adotados considerou a idade das participantes desta pesquisa: A1 = 5,5; A2 = 7,8; A3 = 9,1; A4 = 10,3; A5 = 11,3; B1 = 4,7; A6 = 9,5; A7 = 9,4. Reconhecimento (RE) = 10,4. Escore total (ET) = 44,0. Aprendizagem (A) = 16,4. Velocidade de esquecimento (VE) = 1,01. Interferência proativa (IP) = 0,92. Interferência retroativa = 0,84 (IR).

Figura Complexa de Rey (Jamus & Mäder, 2005): avalia construção visuoespacial e memória não verbal. Consiste em uma figura geométrica complexa. O examinando é solicitado a copiar a figura e depois, sem aviso prévio, é solicitado a reproduzi-la de memória. A pontuação é feita com base no número de acertos. Considerando as idades das participantes do presente estudo, para a obtenção do escore geral da reprodução da figura (cópia) a média e desvio-padrão esperados para esta população é: M = 33,96; DP = 2,74. Para a reprodução do desenho a partir da memória M = 19,96; DP = 7,42.

Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção-BPA (Rueda & Monteiro, 2013): tem como objetivo realizar uma avaliação da capacidade geral de atenção, assim como uma avaliação individualizada de tipos de atenção específicos. Para as idosas a média e desvio-padrão esperados para atenção concentrada é (AC) M = 82,90; DP = 26,93, atenção dividida (AD) M = 64,54; DP=33,56 e atenção alternada (AA) M = 82,78; DP = 30,39. A análise dos três testes em conjunto fornece a medida de atenção geral.

Todos os instrumentos foram aplicados em três momentos distintos: uma semana antes do treinamento cognitivo (AN1- avaliação neuropsicológica 1), uma semana após o término do treino (AN2) e após um mês sem qualquer tipo de intervenção (medida de Follow up - AN3). Todas as avaliações foram administradas por uma psicóloga, durante uma única sessão de uma hora e 30 minutos.

Análise dos dados

Com relação ao protocolo de treinamento cognitivo, os dados foram analisados por meio do Google Forms, sendo realizada análise de concordância simples entre os juízes. Os escores totais brutos de cada avaliação e subtestes aplicados foram organizados e tabulados em uma planilha do Excel e foram analisados descritiva e qualitativamente.

Resultados

A partir da aplicação dos questionários foram selecionadas as seguintes habilidades cognitivas a serem treinadas: atenção concentrada, atenção dividida, atenção alternada, memória de curto prazo, memória semântica, memória prospectiva e memória retrospectiva. Desta forma, foram propostas 12 sessões que levaram em consideração os diferentes tipos de atenção e de memória. Além disso, o treinamento cognitivo foi elaborado para ser realizado duas vezes por semana, em grupo, com duração média de 50 minutos cada sessão e aplicável por meio virtual.

A partir da análise das tarefas pelas psicólogas, verificou-se que a maioria das tarefas apresentaram concordância superior a 66,7%. As tarefas que obtiveram percentual menor que 60% foram readequadas (Quadro 2). O Quadro 3 apresenta as 12 sessões estruturadas após as modificações realizadas. Cabe salientar que todas as tarefas avaliavam, segundo os juízes, os domínios esperados pelas autoras, mas também outros.

Quadro 2 Tarefas do treinamento cognitivo alteradas conforme sugestão dos juízes especialistas 

Domínio Cognitivo estimulado Tarefa Modificações após análises dos juízes
Atenção Concentrada Contar quantas vezes o número “8” aparece no meio das figuras apresentadas e anotar no caderno. Um texto será lido pelo pesquisador, os participantes deverão anotar quantas vezes se repetem os países no texto. Conforme os juízes essa tarefa não avaliava “Atenção Concentrada” e sim: Atenção Alternada e Seletiva, Percepção Visual e Escaneamento Visual. “Você consegue encontrar duas letras “B” abaixo?”
Atenção Concentrada Observar com atenção quantas letras “A”e número “8” vocês conseguem encontrar, anotar no caderno a quantidade encontrada. Conforme os juízes, essa tarefa não avaliava o domínio cognitivo de “Atenção Concentrada" e sim:Atenção Alternada e Seletiva, Percepção Visual, Escaneamento e Flexibilidade Cognitiva. Para o treinamento desta capacidade cognitiva foram utilizadas figuras dos 7 erros em nível: fácil, médio e difícil. As idosas tinham que identificar os erros nas figuras.
Memória de Curto Prazo Vou ler 15 palavras e vocês terão que memorizar o máximo que conseguirem. No final, irei perguntar de quais palavras vocês lembram. Cada uma deverá anotar no caderno as palavras que lembrar, e posteriormente falar. Conforme os juízes, essa tarefa não avaliava o domínio cognitivo de “Memória de Curto Prazo” e sim: “Memória Episódica.” As participantes tinham que memorizar figuras de cenários por um minuto e depois eram feitas perguntas sobre as figuras.

Quadro 3 Descrição das tarefas do treinamento cognitivo e habilidades cognitivas estimuladas conforme análise dos juízes 

A Figura 1 apresenta exemplos de tarefas de atenção concentrada. Além disso, foram elaboradas algumas tarefas para serem realizadas em casa, como complemento ao treinamento cognitivo: revisar a agenda; revisar a rotina; fazer lista de compras e tentar lembrar o que teria que comprar sem olhar a lista, dentre outras tarefas que faziam parte das atividades de vida diárias das participantes.

Figura 1 Exemplo de tarefa 

O Quadro 4 apresenta os resultados descritivos do NEUPSILIN realizado antes do treinamento (AN1), uma semana depois (AN2), e após 30 dias de treinamento (AN3).

De modo geral observou-se que, desde o início das avaliações, ambas as participantes já apresentavam os domínios cognitivos dentro dos padrões de normalidade. No entanto, observa-se considerável melhora após 30 dias sem treinamento, principalmente nas tarefas de atenção, percepção, memória e linguagem. O Quadro 5 apresenta os escores obtidos pelas participantes no RAVLT em três momentos distintos de avaliação (AN1, AN2 e AN3).

Quadro 4 Dados descritivos pré e pós-intervenção com teste NEUPSILIN 

Sujeito 1 Sujeito 2
AN1 AN2 AN3 AN1 AN2 AN3
Orientação 8 8 8 8 8 8
Atenção 23 23 27 22 21 27
Percepção 9 11 12 11 12 12
Memória de trabalho 31 26 35 32 30 30
Memória verbal-episódico-semântica 23 11 21 25 21 27
Memória semântica de curto prazo 5 5 5 5 5 5
Memória visual de curto prazo 3 3 3 2 3 3
Memória Prospectiva 2 2 2 2 2 1
Memória total 59 52 66 66 60 66
Linguagem oral 21 21 21 21 22 22
Linguagem escrita 31 31 31 31 31 31
Linguagem total 52 52 52 52 53 53
Praxias 21 21 21 21 21 21
Funções executivas 21 22 23 24 18 15

Nota. AN1 = Avaliação Neuropsicológica 1. AN2 = Avaliação Neuropsicológica 2. AN3 = Avaliação Neuropsicológica 3. Resultados descritivos das avaliações neuropsicológicas realizadas uma semana antes e uma semana depois do treinamento cognitivo, e após 30 dias de treinamento.

Os resultados do teste RAVLT mostraram que algumas variáveis permaneceram com escores semelhantes entre pré e pós treinamento cognitivo para ambas participantes. Qualitativamente, as participantes apresentaram uma curva de aprendizagem crescente nos escores do teste após a aplicação do treinamento cognitivo (Quadro 5). Foi observado melhor desempenho na evocação imediata (A6) e evocação tardia (A7) tanto de S1 como S2. O escore total (ET) de S1 teve uma leve oscilação da segunda para terceira avaliação, apresentando leve rebaixamento. S2 manteve bons resultados no ET.

Quadro 5 Escores das participantes Pré e Pós treinamento no Teste RAVLT 

Sujeito 1 Sujeito 2
AN1 AN2 AN3 AN1 AN2 AN3
A1 6 5 6 5 5 13
A2 7 8 7 9 10 15
A3 10 10 10 10 11 15
A4 9 12 10 11 13 15
A5 10 11 12 13 15 15
B1 5 6 5 5 5 7
Evocação Imediata (A6) 2 11 11 7 14 15
Evocação Tardia (A7) 6 11 11 11 14 15
Reconhecimento 8 10 7 13 5 7
Escore Total 42 46 45 48 54 73
Aprendizagem 12 21 15 23 29 8
Velocidade de Esquecimento 3 1 1,8 1,5 1 1
Interferência Proativa 0,83 1,2 0,83 1 1 0,53
Interferência Retroativa 0,2 1 0,91 0,5 0,93 1

Nota. AN1 = Avaliação Neuropsicológica 1. AN2 = Avaliação Neuropsicológica 2. AN3 = Avaliação Neuropsicológica 3. Resultados descritivos das avaliações neuropsicológicas realizadas uma semana antes e uma semana depois do treinamento cognitivo, e após 30 dias de treinamento.

Observa-se que S1 teve ganhos superiores à primeira avaliação nos escores, A5, A6 e A7 dentre os quais se destaca o aumento do processo de aprendizagem. No item A4 foi possível observar que houve aumento das palavras evocadas na segunda avaliação. No entanto, teve leve rebaixamento na evocação das palavras na terceira avaliação, com variação de uma palavra a menos.

A participante S2, especificamente, evocou praticamente todas as palavras do estímulo A1, A2, A3, A4, A5 e A6 na AN3 (Quadro 5). A memória auditiva de curto prazo de ambas as participantes está dentro da média. As participantes relataram, na última avaliação, que utilizaram diariamente todas as estratégias aprendidas no seu cotidiano e que perceberam diferenças positivas na memória. O Quadro 6 apresenta os escores das idosas na Bateria Psicológica de Avaliação da Atenção (BPA).

Quadro 6 Escores das participantes no Teste BPA realizado pré e pós-treinamento cognitivo 

Sujeito 1 Sujeito 2
AN1 AN2 AN3 AN1 AN2 AN3
Atenção Concentrada
Acertos 51 67 72 69 45 54
Percentil 28 48 55 51 22 31
Classificação Méd. Inf. Méd. Méd. Méd. Inf. Med Inf.
Atenção Alternada
Acertos 53 51 54 33 42 50
Percentil 41 39 43 21 29 38
Classificação Méd. Inf. Méd. Inf. Méd. Inf. Inf. Méd. Inf. Méd. Inf.
Atenção Dividida
Acertos 62 72 55 28 38 35
Percentil 75 80 69 39 50 47
Classificação Méd. Sup. Sup. Méd. Sup. Méd. Inf. Méd. Méd. Inf.

Nota. AN1 = Avaliação Neuropsicológica 1, AN2 = Avaliação Neuropsicológica 2, AN3 = Avaliação Neuropsicológica 3, AC: atenção concentrada. Med. Sup.: médio superior. Med. Inf.: médio inferior. Med.: médio. Sup.: superior. Resultados descritivos das avaliações neuropsicológicas realizadas uma semana antes e uma semana depois do treinamento cognitivo, e após 30 dias de treinamento.

Houveram ganhos satisfatórios ao longo das avaliações de S1 em atenção concentrada e alternada e S2 em atenção alternada no BPA. Em contrapartida, na avaliação da atenção concentrada, S2 apresenta maior número de acertos na primeira avaliação (AN1), estando na média esperada segundo os dados normativos (M = 68,57; DP = 29,32). Na segunda avaliação (AN2), S2 apresentou pior desempenho. Após 30 dias (AN3) o número de acertos aumentou novamente, porém com desempenho na média inferior (Quadro 6).

Quanto à atenção dividida, apesar das idosas apresentarem desempenho satisfatório em todos os momentos de avaliação, observa-se que na avaliação pós-treinamento (AN2) os escores foram maiores, mas não mantiveram os ganhos ao longo do tempo (AN3). O Quadro 7 apresenta os resultados obtidos pré e pós-treinamento pelas idosas no teste de REY.

Quadro 7 Resultados pré-e pós-treinamento cognitivo do Teste REY 

Sujeito 1 Sujeito 2
AN1 AN2 AN3 AN1 AN2 AN3
Cópia
Percentil 26 72 72 45 62 59
Classificação Méd. Méd. Méd. Méd. Méd. Méd.
Memória
Percentil 80 50 63 47 63 75
Classificação Méd. Méd. Méd. Méd. Méd. Méd.

Nota. AN1 = Avaliação Neuropsicológica 1, AN2 = Avaliação Neuropsicológica 2, AN3 = Avaliação Neuropsicológica 3. Resultados descritivos das avaliações neuropsicológicas realizadas sete meses antes do treinamento, uma semana antes e uma semana depois do treinamento cognitivo, e após 30 dias de treinamento.

Discussão

O presente estudo teve como objetivo elaborar um treino cognitivo para o meio virtual e verificar sua aplicabilidade e eficácia em idosas. O treinamento aqui apresentado foi construído a partir das queixas apresentadas pelas participantes, uma vez que cada indivíduo tem sua história de vida, bem como suas angústias, medos e limitações (cognitiva, emocional e/ou física) (Gil et al., 2019). Desta forma, a investigação da capacidade geral e dos processos primários (atenção, concentração, esforço e controle mental) é indispensável.

A partir dos questionários aplicados as sessões foram planejadas de forma hierárquica, partindo da atenção que é uma das funções primárias da cognição, representada pela capacidade do sujeito receber, compreender e responder aos estímulos do ambiente (Sertori, 2018). Após, foi enfocada a memória, por ser de suma importância para a autonomia e independência do idoso na vida cotidiana, além de ser uma das queixas mais frequentes dessa população. O formato das sessões, bem como número e duração de cada uma, teve como base outros estudos brasileiros (Assed & Carvalho, 2021; Golino & Flores-Mendoza, 2016; Irigaray et al., 2011; Yokomizo et al., 2021).

A análise das psicólogas foi crucial para o desenvolvimento do treino. Tais análises são recomendadas na literatura que cada vez mais requer incorporação de métodos psicométricos para validação de treinamentos cognitivos (Golino et al., 2017). De forma geral, as julgadoras concordaram com as tarefas elaboradas, mas deixaram claro que uma única tarefa estimula multidomínios e não só aquele pretendido na sessão. Isso fica claro nas reavaliações realizadas com o NEUPSLIN (Quadro 4) em que domínios como percepção e linguagem tiveram melhores resultados pós treino.

Os diferentes tipos de atenção e de memória enfocados nas sessões trouxeram efeitos positivos, observados nas avaliações realizadas e nos relatos trazidos pelas participantes. Estudos têm mostrado que o treinamento cognitivo pode melhorar a atenção, memória, percepção, pensamento, habilidades verbais e espaciais, além de melhorar o desempenho em tarefas cotidianas. Ainda, o treino cognitivo tem sido associado a uma redução no risco de apresentar declínio cognitivo precoce (Gates et al., 2019).

É importante salientar que o treinamento cognitivo desenvolvido neste estudo não se limita apenas para as idosas da pesquisa, mas pode ser considerado para outras populações que tenham queixas semelhantes, uma vez que atenção e memória geralmente estão implicadas nas queixas dos idosos (Palma, 2021). Além disso, é importante salientar que as atividades foram organizadas para serem realizadas individualmente, mas fazendo parte de um grupo, pois isso gera competitividade o que estimula os participantes a concentrarem-se e responder de forma mais rápida, além de ser motivador. Conforme a literatura, intervenções complexas envolvendo técnicas de memorização, relaxamento e atenção geram efeitos positivos e duradouros em idosos, especialmente quando realizadas em grupo (Yassuda, 2006). O estudo de Silva et al. (2011) discorre sobre a importância da interação social durante as sessões de treino cognitivo, pois contribui para a redução do isolamento social e da solidão.

O treinamento cognitivo visa estimular reservas cognitivas e a plasticidade neuronal por meio da prática repetitiva de uma tarefa de treino, capaz de aumentar a eficiência dos processos cognitivos básicos (Brehmer et al., 2011; Studer-Luethi et al., 2022). Embora os resultados positivos de treinamentos cognitivos sejam animadores, é essencial interpretá-los com cautela, levando em consideração o efeito de aprendizagem e possíveis influências do humor nos resultados observados (Cruz et al., 2022).

A presente pesquisa apresenta algumas limitações, dentre elas: a conexão da internet lenta e a queda de energia, que geraram atraso e remarcação das sessões. Ainda, é importante considerar que a generalização dos benefícios do treinamento cognitivo para tarefas não relacionadas pode ser limitada (Golino et al., 2017). Além disso, os efeitos do treinamento cognitivo podem ser transitórios e diminuir com o tempo. O que não foi analisado neste estudo.

Apesar dessas limitações, os resultados são positivos, sugerindo que o treinamento cognitivo proposto corroborou com os resultados observados na literatura em termos de melhorias nos aspectos cognitivos e qualidade de vida cotidiana. Sugere-se que trabalhos futuros considerem amostras maiores para aplicação do treinamento cognitivo e que seja realizado com tempo mínimo de seis meses, para verificar maiores modificações cognitivas. Além disso, sugere-se acompanhamento longitudinal para mais informações a respeito dos ganhos cognitivos bem como por quanto tempo permanecem os resultados, para determinar a melhor forma de aplicar o treinamento cognitivo e maximizar seus benefícios.

Contribuição dos autores

Xasmênia Neco: Coleta dos dados, Análise dos dados, Investigação, Redação - revisão e edição.

Ana Clara Malheiros: Análise dos dados, Redação-revisão e edição

Camila Rosa de Oliveira: Conceitualização, Revisão do manuscrito

Karina Carlesso Pagliarin: Conceitualização, Análise dos dados, Redação-revisão e Supervisão.

Referências

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Recebido: 16 de Maio de 2023; Aceito: 05 de Dezembro de 2023

Autor de Correspondência: Karina Carlesso Pagliarin (karina.carlesso@ufsm.br)

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