A guerra entre a Rússia e a Ucrânia - que começou no final de fevereiro de 2014 com a operação especial na Crimeia e se intensificou em resultado da invasão de grande escala iniciada oito anos depois - evoluiu para se tornar o maior conflito militar na Europa do pós-guerra. O conflito em si tem tido não apenas um impacto na arquitetura europeia de segurança, mas tem também influído grandemente a nível global. Uma análise detalhada das suas causas, trajetória e consequências exige uma investigação aprofundada e cuidadosa, livre das emoções que muitas vezes acompanham as situações de guerra.
Torna-se necessário estabelecer alguns pressupostos gerais que definem o enquadramento deste tipo de análise. Em primeiro lugar, a guerra russo-ucraniana é um fenómeno multidimensional. Por conseguinte, há que evitar uma análise baseada num único fator. A guerra não pode ser explicada facilmente a partir de uma única perspetiva. Assim - e este é o segundo pressuposto - deve ter-se em conta que as teorias das Relações Internacionais, ainda que valiosas, são apenas modelos simplificados da realidade. Nenhuma delas é capaz de capturar todas as principais dinâmicas por detrás de um fenómeno desta complexidade. Porém, cada uma delas enriquece a análise, ao dotá-la de uma perspetiva específica.
As crises graves - como a crise política na Ucrânia relativa à revolução Euromaidan - quase nunca resultam de um único fator externo. Apesar de a pressão russa sobre Victor Yanukovych, então Presidente da Ucrânia, ter sido crucial para a sua decisão de retirar o país do Acordo de Associação com a União Europeia (UE), forças e fatores a nível interno foram as principais dinâmicas por detrás das mudanças políticas na Ucrânia. De igual modo, uma vez que as atividades externas da Rússia respondem a demandas por parte da sociedade russa, também não é possível ignorar fatores internos quando se analisa a política externa russa. Esta é, de forma simples, a abordagem liberal, que presta atenção especial a fatores internos1.
As forças estruturais e a rivalidade das grandes potências também não devem ser ignoradas quando se interpretam as causas, a trajetória e as consequências da guerra. A rivalidade entre o Ocidente e a Rússia ou, para ser mais preciso, a rivalidade entre os Estados Unidos e a Rússia (uma vez que os Estados Unidos são o principal ponto de referência da Rússia), esteve por detrás do conflito desde o início. Assim, de forma abrangente, o contexto internacional deve ser incluído na análise da guerra russo-ucraniana. Esta perspetiva tem as suas origens na família neorrealista das teorias das Relações Internacionais2. Continuando, é impossível entender o comportamento da Rússia através de lugares-comuns «objetivos» ou recorrendo a uma perspetiva de tipo «ocidental». Interpretações e perceções subjetivas3 têm importância numa análise do comportamento tanto da Rússia como dos Estados ocidentais. Neste tipo de estudo, a perspetiva construtivista é a mais valiosa.
Em terceiro lugar, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia não começou a 24 de fevereiro. A guerra está em andamento desde fevereiro de 2014. Começou com a operação especial na Crimeia, passando pela guerra híbrida na Donbas e por uma tentativa falhada de destabilizar várias outras regiões ucranianas. Durante vários anos pareceu um conflito congelado.
Em quarto lugar, ainda que a análise se debruce sobre eventos específicos que influenciaram determinados países e a região, não devemos tratar a guerra como uma questão isolada. De acordo com a entrevista realizada pelo autor ao general Sławomir Wojciechowski, antigo comandante das Forças Multinacionais do Nordeste da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla inglesa) - «Estamos tão interrelacionados que uma tosse num lado pode provocar uma avalanche noutro»4. Por conseguinte, é necessário estar atento às questões globais que influenciam a guerra russo-ucraniana, bem como às questões que por ela são influenciadas. Finalmente, mas não menos importante, importa ressaltar que, no geral, a guerra é um instrumento e serve sempre propósitos políticos.
As causas da guerra - a perspetiva russa e a importância geopolítica da Ucrânia
O território ocupado pela Ucrânia é de importância crucial para a segurança da Europa Central e de Leste. Enquanto Estado intermédio típico, localizado nos subúrbios da Europa e ensanduichado entre grandes potências, a Ucrânia é também um ponto focal das relações entre o Ocidente e a Rússia. Em consequência disso, este país influencia as relações internacionais na Eurásia, e isso obviamente molda a segurança global. A importância desta área resulta das suas condições geoeconómicas5, geopolíticas e geoestratégicas6. A sua importância é evidente no pensamento geopolítico anglo-saxónico, começando em Halford Mackinder 7, passando por Zbigniew Brzezinski 8, até aos analistas geopolíticos mais modernos como George Friedman 9. Porém, o que é ainda mais importante, a Ucrânia é essencial para os russos em termos geopolíticos. Para além disso, este raciocínio não se baseia apenas em interesses mensuráveis, mas tem também determinantes civilizacionais, históricos e simbólicos complexos10. A Ucrânia ocupa um lugar único no pensamento geopolítico russo. Todas as tendências modernas mais influentes no pensamento geopolítico da Rússia desde 1991, nomeadamente o atlanticismo11, o neoeurasianismo12 e o insularismo13, prestam uma atenção especial à Ucrânia. Independentemente do facto de divergirem significativamente nos seus pressupostos fundamentais.
O principal pressuposto que devemos ter em consideração para entender o comportamento russo é que a Rússia interpreta o sistema internacional como um jogo de soma zero, sem qualquer espaço para uma situação em que há resultados vantajosos para todas as partes envolvidas. Assim, na perspetiva russa, o colapso da União Soviética, enquanto emanação do Império Russo, «foi um grande desastre geopolítico do século», tal como referido por Vladimir Putin14. E os russos têm todas as razões para acreditar nisso.
Numa perspetiva geopolítica, a Rússia perdeu mais de cinco milhões de quilómetros quadrados do «seu» território, incluindo linhas costeiras essenciais e vias ocidentais com infraestrutura estratégica (por exemplo, a nível energético), recursos naturais, cerca de 140 milhões de cidadãos (que constituíam cerca de metade da população), incluindo um grande número de russos e russófonos. Num período relativamente curto a Rússia retornou às suas fronteiras do século XVIII. Esta terá sido uma verdadeira catástrofe para um Estado imperial que equiparava o seu poder ao controlo de território. Por esta razão, era quase impossível para as elites políticas russas pensar nas ex-repúblicas soviéticas sob o prisma da política externa. Desta forma, surgiu o conceito de «vizinhança próxima» (em russo, ближнее зарубежье)15. Um outro efeito «prejudicial» que teve um grande impacto na segurança da Federação Russa foi a instabilidade ao longo das suas fronteiras recém-estabelecidas e dentro do país16. É notório que a Rússia tenha instrumentalizado os conflitos na zona pós-soviética de tal forma que estes servissem os seus interesses geopolíticos.
A Rússia estava obviamente insatisfeita com o «momento unipolar»17 resultante do fim da Guerra Fria. O vácuo geopolítico que emergiu na Europa Central e de Leste depois da dissolução do Pacto de Varsóvia - seguido de sucessivos alargamentos da NATO e da UE aos países da anterior «esfera de influência» russa - foi interpretado como uma tendência negativa e uma «expansão» levada a cabo com diferentes métodos. Isto foi declarado abertamente em 2007, no discurso de Vladimir Putin na Conferência de Segurança de Munique18. Claro está, os Estados Unidos permaneceram o principal ponto de referência da Rússia, devido ao maior poderio deste país entre os membros da NATO, e devido ao facto de estes se terem tornado a principal força motriz por detrás das mudanças a nível internacional. A Rússia vê os sucessivos alargamentos da NATO e da UE como uma ameaça direta. Conteve-se no início da década de 1990 e assim permaneceu ao longo dos anos seguintes. Na Doutrina Militar da Federação Russa de 2010, a NATO era vista como um dos «principais perigos militares externos» à sua segurança19. Neste contexto, o principal objetivo de curto prazo das sucessivas intervenções russas na Geórgia em 2008 e na Ucrânia em 2014 era, usando os meios à disposição (que são muito limitados), impedir que NATO continuasse a expandir-se. A longo prazo, o objetivo estratégico da Rússia é afastar a influência americana da Europa Central e de Leste.
Na perspetiva da Rússia, é também extremamente importante controlar a costa do mar Negro. Assim, desde o início da década de 1990 a Rússia tem criado âncoras estratégicas ao longo da orla setentrional deste mar. Começando pelo conflito na Transnístria, passando pela instrumentalização da Abcásia em 2008, até à anexação da Crimeia em 2014 e à mais recente tomada da costa do mar de Azov. O mar Negro é crucial por três razões. Em primeiro lugar, numa perspetiva geoestratégica, a costa setentrional do mar Negro constitui o chamado ponto nevrálgico do interior russo. Em segundo lugar, numa perspetiva geoeconómica, o mar Negro serve de artéria para os recursos energéticos do mar Cáspio. Controlar o mar Negro através da península da Crimeia, que está estrategicamente localizada, permite à Rússia controlar as cadeias de abastecimento. Em terceiro lugar, o mar Negro é uma via de acesso da Rússia às chamadas «águas quentes»20.
O território da Ucrânia é de importância crucial também para a segurança do flanco oriental da NATO. É preciso sublinhar, no entanto, que existem diferenças entre os determinantes geoestratégicos do seu «componente terrestre» e do «componente sudeste», em que as dinâmicas dos processos são influenciadas pelo teatro do mar Negro. Além disso, o componente terrestre é ainda dividido em dois subteatros (norte e sul) pelas águas do Pripyat. Desde 2014, na medida em que a maioria do território ucraniano assumiu um papel de espaço geopolítico antirrusso, o subteatro sul tem servido de almofada de segurança. É importante notar que isto aconteceu sem que a Ucrânia seja membro da NATO, o que - adotando uma perspetiva realista e quebrando os tabus - é uma situação favorável para a segurança do flanco oriental. Isto deve-se ao facto de qualquer confronto entre a Ucrânia e a Rússia não exigir que a aliança disponibilize ajuda incondicional à Ucrânia. Permite à Aliança entrar no conflito nos seus próprios termos. A natureza do subteatro norte, que atravessa a Bielorrússia, permanece ambígua e incerta. Ao longo de trinta anos, o objetivo estratégico do Presidente Lukashenko tem sido manobrar entre o Ocidente e a Rússia para assegurar a independência e a sua autoridade sobre o Estado. No entanto, os eventos posteriores, na fronteira entre a UE e a Bielorrússia21, e o facto de a Bielorrússia se ter efetivamente juntado à guerra contra a Ucrânia ao permitir o acesso de tropas russas ao seu território para que elas pudessem lançar um ataque a partir do norte, limitaram quase por completo o espaço de manobra da Bielorrússia e aproximou-a da Rússia.
Já em 2015, quando a guerra com a Ucrânia evoluiu para um conflito congelado, se tinha tornado óbvio que a Rússia não se contentaria apenas com a Crimeia e com partes da Donbas. Nessa altura, a Rússia queria estender a sua influência à totalidade da Ucrânia, defendendo uma federalização profunda deste país. Nada mudou até hoje e o jogo continua, não para toda a Ucrânia, mas, pelo menos, para a Ucrânia da margem oriental do Dniepre e para a costa do mar Negro. Aos olhos da opinião pública, parece claro que, em resultado dos eventos de 2014, a Rússia perdeu a Ucrânia. É muito provável que o Kremlin tenha percebido isto. Por conseguinte, esta tendência tinha de ser revertida para que a Rússia pudesse alcançar os seus objetivos. Tal como já foi referido, a Rússia dispõe de instrumentos de política externa limitados: a chantagem energética, as medidas ativas22, a corrupção de elites e, obviamente, o poder militar. No início de 2022 não seria possível mudar as políticas externa e interna ucranianas recorrendo a outras formas de pressão, pelo que as autoridades russas decidiram utilizar instrumentos militares para alcançar os seus objetivos.
As Consequências para a Segurança Regional da Ofensiva de Grande Escala da Rússia
A operação militar de grande escala da Rússia no território ucraniano constituiu uma mudança qualitativa no modo de atuação russo. Ao contrário do que sucedeu durante a campanha híbrida de 2014-2015, a Rússia atacou abertamente a totalidade do território da Ucrânia. No entanto, o nível de preparação e a qualidade do exército ucraniano em 2022 não eram em nada semelhantes aos das forças armadas depauperadas e desmoralizadas de que a Ucrânia dispunha imediatamente depois da revolução Euromaidan.
Nessa altura, a Rússia foi capaz de «estabilizar» a situação nas repúblicas autoproclamadas do Donetsk e Luhansk com um contingente de apenas quatro mil tropas, aproximadamente, e apoderou-se da península da Crimeia sem quaisquer confrontos. Este resultado (a guerra de grande escala) mudou drasticamente a política dos Estados ocidentais para com o conflito russo-ucraniano. Ainda assim, alguns tentaram negociar um acordo de paz com a Rússia, o que causou insatisfação na Ucrânia e em alguns Estados das fronteiras orientais da NATO. A invasão desencadeou um apoio militar ocidental sem precedentes à Ucrânia, que incluiu equipamento militar pesado23 (ver figura 1). Só a Polónia doou à Ucrânia 240 tanques pós-soviéticos T-72 modernizados. Porém, as necessidades da Ucrânia excedem a ajuda que os países ocidentais podem ou estão dispostos a dar. Note-se que os países ocidentais também impuseram um novo pacote de sanções contra a Rússia24. No entanto, as políticas de fortalecimento dos laços económicos (particularmente energéticos) com a Rússia, que duram há décadas, tornaram alguns Estados-Membros da UE vulneráveis à chantagem russa e impedem esta organização de atingir a Rússia de forma eficiente e imediata com sanções específicas.
A escalada mais recente da guerra na Ucrânia levou a algumas mudanças importantes na arquitetura regional de segurança. Para todos os efeitos, devemos reconhecer que a NATO encontra-se numa situação de guerra por procuração com a Rússia em território ucraniano. Dito isto, não há dúvida que devemos prestar especial atenção ao chamado «flanco oriental» da NATO, uma vez que os Estados que ocupam a área são fronteiras da NATO. Possuem fronteiras diretas ou indiretas com a Federação Russa e com a Ucrânia, com todas as consequências que daí advêm. É importante notar que a região se tornou, em muitos aspetos, um interior geopolítico para a Ucrânia. Os países vizinhos tornaram-se um abrigo para milhões de refugiados ucranianos, em especial nos primeiros meses da guerra (ver tabela 1, que apresenta a situação a 19 de julho).
A Polónia - um Estado extraordinariamente importante devido à sua posição geopolítica e à sua política «pró-ucraniana» - tornou-se uma plataforma de transportes para as entregas militares ocidentais26, bem como um colaborador crucial, juntamente com a Roménia, para a exportação dos produtos agrícolas da Ucrânia. Esta era essencial para a estabilização dos mercados alimentares globais e regionais, especialmente em África e no Médio Oriente27. Além disso, as fronteiras orientais da NATO são compostas por países que assumem uma parte substancial da responsabilidade desta organização pela segurança europeia. Ao mesmo tempo, são os mais expostos à interferência russa. Em consequência disso, se o conflito entre a NATO e a Rússia escalar estas são as fronteiras da NATO que estarão mais ameaçadas.
Ainda que a Rússia não pareça ser capaz de escalar radicalmente o conflito num futuro próximo, não há razão para que a NATO deva parar de fortalecer o seu potencial militar, especialmente na área mais exposta dos Estados Bálticos. De igual modo, devemos lembrar-nos que a Rússia é capaz de levar a cabo atividades de baixo custo que não chegam a constituir uma situação de guerra.
No que diz respeito ao impacto da guerra russo-ucraniana - ou mais precisamente o impacto da escalada mais recente do conflito na segurança do flanco oriental da NATO -, as consequências podem ser vistas pelo menos a dois níveis. Neste contexto, embora se considere que a segurança é um fenómeno multidimensional, este parágrafo debruça-se unicamente sobre as dimensões política e militar.
Inegavelmente, a invasão russa desencadeou transformações na arquitetura de segurança da Europa Central e de Leste. Em resultado dela, foram mobilizadas mais forças da NATO no terreno, no ar e nos mares. No total, há cerca de 25 mil tropas da NATO estacionadas ao longo do seu flanco oriental (ver figura 2). Isto significa que o número duplicou em comparação com o poder da NATO antes de 24 de fevereiro. Todavia, é preciso salientar que nem todas estas forças estão sob a égide da NATO. Grande parte delas foi destacada com base num compromisso unilateral do Estados Unidos, no quadro da operação Atlantic Resolve («Determinação Atlântica»). Trata-se de um compromisso essencial, uma vez que os Estados Unidos, enquanto líder de facto da Aliança, são vistos como a principal garantia de segurança e o parceiro mais fiável para alguns dos países da fronteira oriental. Esta postura é bem fundamentada, tendo em conta as limitações das capacidades militares europeias, a política ambígua de alguns dos aliados europeus da NATO e a capacidade militar dos EUA.
Na Cimeira de Madrid, a NATO adotou um Novo Conceito Estratégico, que não é revolucionário no seu âmago no que diz respeito a garantir a segurança do flanco oriental, mas que ao mesmo tempo envia uma mensagem política muito clara tanto para a Rússia como para a China30, cujas políticas têm sido interpretadas como uma ameaça e um desafio, respetivamente. Um dos elementos mais importantes do plano dos aliados de adaptação à ameaça russa foi a decisão por parte dos Estados Unidos de quebrar o tabu relativo ao destacamento permanente na esfera de influência pós-soviética, com o estabelecimento de uma base permanente do Quinto Corpo do Exército na Polónia. Porém, o que é ainda mais importante é que a invasão de grande escala da Rússia fez com que a Finlândia e a Suécia decidissem aderir à «NATO». Os dois países já tinham feito uma mudança de política em 2014, quando passaram de um estatuto neutro para um estatuto não alinhado. Porém, a decisão mais recente de aderir à aliança militar não tem precedentes e constituiu o principal divisor de águas para a segurança do flanco oriental da NATO e para a região do Báltico.
A segunda consequência está relacionada com a situação entre a Rússia e a Ucrânia. Falando de forma brutal, mas também realista, quanto mais tempo a Rússia estiver na Ucrânia, quanto mais as tropas ucranianas repelirem o exército russo no seu território e quantos mais ativos russos forem danificados na guerra menos provável será que a Rússia possa efetivamente ameaçar o flanco oriental da NATO.
Paradoxalmente, estas duas consequências aumentam a segurança das fronteiras orientais da NATO. Isto parte do pressuposto que não se pode simplesmente apaziguar a Rússia. É possível negociar com a Rússia - claro está - mas a partir de uma posição de força. Isto deve-se ao pressuposto, comum mas difícil de comprovar cientificamente, que os russos apenas compreendem a linguagem da força. Existe uma demanda na região para a mobilização de um número ainda maior de tropas e armamento por parte da NATO. Não nos devemos esquecer, no entanto, que a NATO é uma aliança coletiva e muito foi já alcançado.
A região da Europa Central e de Leste, que historicamente tem estado ensanduichada entre duas grandes potências, nomeadamente a Alemanha e a Rússia, parecia ter conseguido sair desta armadilha. No entanto, desde 24 de fevereiro a política alemã tem permanecido ambígua.
Por um lado, o chanceler Scholz anunciou rapidamente uma mudança na política externa e de segurança alemã, com uma reestruturação profunda e grandes investimentos na Bundeswehr, o apoio militar à Ucrânia e reformas na estrutura de importações de recursos energéticos. Por outro lado, ainda estamos à espera dos efeitos destas mudanças. A Alemanha forneceu armamento pesado à Ucrânia - dois Howitzers Panzerhaubitze 2000 de propulsão própria - apenas no final de junho. Existem alguns sinais de que a Alemanha poderá bloquear a entrega de Leopards vindos de Espanha.
Tendo em conta a sua história, e considerando os seus interesses de forma realista, podemos entender a posição da Alemanha e não devemos censurá-la. Afinal, esta era a natureza de longo alcance da política oriental da Alemanha, a chamada Ostpolitik.
Ao contrário da política oriental polaca, que presta especial atenção aos chamados «Estados intermédios», a Ostpolitik alemã fez da Rússia o seu principal ponto focal e de referência. Assim, foi para alguns um choque quando a Ucrânia, sob a liderança do Presidente Poroshenko, colocou todos os seus ovos na cesta alemã no que diz respeito à sua política de resolução de conflitos. Afinal, depois de 2014 a Alemanha conteve-se na questão da mobilização militar da NATO ao longo do seu flanco oriental. E não se tratou apenas de objeções verbais. Por exemplo, a Alemanha não autorizou que as tropas americanas circulassem no seu território. Também vetou a atribuição do estatuto «NATO» aos exercícios Anakonda-1631. Mais importante ainda, a Alemanha tinha em desenvolvimento projetos energéticos infraestruturais com a Rússia.
Atualmente, a Alemanha tem um grande problema com a sua imagem e credibilidade enquanto aliado não só na NATO, mas também na UE. As verdadeiras intenções da Alemanha, e a natureza desta sua mudança, ainda não são claras. Como interpretar o envolvimento da Alemanha com a Ucrânia e o envio de apoio militar? E se estes não forem motivados por boa vontade, mas por pressão internacional em vez de pressão interna? Os desenvolvimentos mais recentes na região deram-nos algumas respostas, mas também levantaram o mesmo número de perguntas.
Conclusões
Não há dúvida de que foram os eventos de 2014 a introduzir uma mudança qualitativa nas relações entre a Rússia e o Ocidente. Pela primeira vez, a NATO declarou abertamente que a Rússia é uma ameaça e, consequentemente, o seu opositor. Em resultado da anexação da Crimeia e da guerra híbrida no Donbas, a Aliança estabeleceu em Newport uma política de garantia, que posteriormente evoluiu, em Varsóvia, para uma política de dissuasão, e iniciou uma cooperação de grande escala com a Finlândia e a Suécia, então não alinhados.
Depois de 24 de fevereiro de 2022, o que pode ser observado é um aprofundamento desta estratégia, uma mudança quantitativa no que diz respeito à política no interior da NATO, ao apoio da Aliança à Ucrânia e à cooperação com o chamado tandem do Norte (Finlândia e Suécia). Muito foi alcançado, mas a NATO permanece reativa32. A questão que deve ser colocada é se estas mudanças são permanentes. Terá uma nova ordem internacional emergido nesta região? Obviamente, precisamos de uma visão temporal para responder adequadamente a esta questão e fazer uma previsão de longo alcance. Indubitavelmente, ocorreu uma mudança no paradigma de segurança da região. É igualmente importante saber se esta mudança de paradigma aconteceu nas mentes das pessoas e das lideranças políticas, especialmente nos Estados da Europa Ocidental. Ou seja, saber se estão preparados para manter esta trajetória nas relações com a Rússia.
Não menos importante é o desenvolvimento das operações militares na Ucrânia. O que sabemos da história dos conflitos militares é que as guerras podem ter apenas três desfechos. Um lado alcança uma vitória decisiva, o outro lado alcança uma vitória decisiva, ou regista-se um impasse. O acesso aos dados é muito limitado, mas até agora a Rússia não atingiu os seus objetivos e movimenta-se muito lentamente. Ao mesmo tempo, a Ucrânia revela-se neste momento incapaz de lançar um contra-ataque e retomar o seu território. Os leitores poderão tirar as suas próprias conclusões a partir daqui.
TRADUÇÃO: JOÃO REIS NUNES