INTRODUÇÃO
A população de idosos tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2021) afirmou que em 2019 os idosos somavam mais de 1 bilhão em todo o mundo, sendo que as projeções para 2030 são de 1,4 bilhão e para 2050, 2,1 bilhões, fazendo com que a saúde dos idosos se torne um importante foco de atenção.
Estudos evidenciam cada vez mais que a prática regular de exercícios físicos pode gerar benefícios à saúde do idoso, como meio de prevenir ou minimizar os efeitos deletérios sobre a autonomia funcional e a qualidade de vida, por exemplo (Araújo et al., 2019; Chamoschine, Amaral, Silva, Barcelos & Calomeni, 2018; Guimarães, Raphael, Simas, & Coelho, 2022; Sousa, Sousa, Gurgel, Brito, & Vieira, 2019).
Dentre os fatores que compõem a autonomia funcional, destaca-se a força, a resistência muscular e aeróbica, pois estão intimamente ligadas à realização das atividades da vida diária (AVD), manutenção da independência e qualidade de vida dos idosos (Barbosa & Sousa, 2022; Kuster, Cruz, Razuk, & Rinaldi, 2021). Entretanto, com o avançar da idade, essas variáveis se tornam vulneráveis, uma vez que, o envelhecimento é um processo que envolve diversas transformações fisiológicas (Kaim & Backes, 2019; Lopes & Andrade, 2022). Uma alternativa para suprimir as consequências do envelhecimento é a adesão a programas de atividade física regular e orientada que influenciam positivamente na promoção da saúde do idoso (Loeser et al., 2021; Souza, Martins, Costa, Cardoso, & Felipe, 2022).
Sustentando a importância da atividade física durante o processo de envelhecimento, e em vista de saber qual o melhor tipo de exercício, surge então um questionamento relacionado aos indivíduos idosos que praticam exercícios físicos regulares e orientados. Portanto o presente estudo pretende responder a seguinte questão: Qual programa de treinamento (força, resistência muscular localizada ou aeróbico) é mais eficaz na melhoria da autonomia funcional e da qualidade de vida de idosos?
Visando possibilitar uma adequada comprovação estatística foram estabelecidas uma hipótese substantiva e uma nula, conforme explicitado a seguir: hipótese substantiva) o grupo de idosos que realizou o treinamento de força apresentará o maior índice de melhoria da autonomia funcional e qualidade de vida do que os grupos que realizaram o treinamento de resistência muscular ou o aeróbico; hipótese nula) não será observada diferença significativa (p< 0,05) no nível de autonomia funcional e na qualidade de vida dos idosos praticantes do treinamento de força em comparação aos demais grupos. Sendo assim, o objetivo desse estudo foi comparar o treinamento de força, resistência muscular localizada e aeróbico sobre a autonomia funcional e a qualidade de vida de idosos.
MÉTODOS
Delineamento de estudo
Estudo do tipo experimental, em que as variáveis independentes são manipuladas para medir seus efeitos sobre as variáveis dependentes, com o propósito maior de determinar o grau de mudança produzido pelo tratamento, estabelecendo uma relação de causa e efeito (Thomas, Nelson, & Silverman, 2012).
A Figura 1 apresenta o desenho do estudo para facilitar o entendimento do que foi realizado neste estudo.
Amostragem
A amostra foi composta de voluntários selecionados intencionalmente, sendo depurada, obedecendo aos critérios de seleção da amostra. Os voluntários deveriam ter 60 anos ou mais de idade, estarem aptos para realizar as avalições diagnósticas e o treinamento proposto para a intervenção e serem independentes para realização de suas atividades cotidianas. Os idosos deveriam estar sem fazer exercícios físicos há pelo menos três meses. Foram excluídos da amostra participantes com qualquer veto da equipe multidisciplinar, condição aguda ou crônica que pudesse comprometer ou que fosse um motivo de empecilho para a realização do procedimento experimental, tais como doenças metabólicas, hipertensão arterial sistêmica e bronquite-asmática não controlada; comprometimento mio articular e idosos sem capacidade para responderem ao questionário de qualidade de vida.
O tamanho da amostra foi determinado por meio da realização do estudo piloto, em que foi utilizada a Equação 1:
Onde:
Zα/2: valor de Z (para um grau de confiança de 95%, Z= 1,96);
n: número de sujeitos;
ó: variância estimada;
d: erro máximo de estimativa (Levine, Berenson, & Stephan, 2000).
Após o cálculo do n amostral, verificou-se que cada grupo amostral deveria ser constituído de pelo menos 31 indivíduos.
Amostra
Após todo o processo de seleção, participaram do estudo 133 idosos. Os participantes foram randomizados para compor quatro grupos: grupo que realizou o treinamento de força muscular (GF) (n= 31, sendo 21 mulheres e 10 homens), um grupo de treinamento de resistência muscular (GR) (n= 32, sendo 23 mulheres e 9 homens), um grupo de treinamento aeróbico (GA) (n= 35, 26 mulheres e 9 homens) e um grupo controle (GC) (n= 35, sendo 20 mulheres e 15 homens).
Todos os idosos são residentes no município de Santa Cruz de Minas (MG) e participantes do programa de atividade física implantada dentro do Programa de Saúde da Família (PSF), chamado "Exercício e Qualidade de Vida".
O GC manteve seus afazeres diários normais em todo o período do estudo. Esse grupo se comprometeu em não realizar qualquer atividade física sistematizada durante 16 semanas, porém semanalmente o GC se reunia para realização de atividades culturais e controle.
Protocolo de treinamento
Antes do início do treinamento, todos os participantes realizaram três visitas ao laboratório. A primeira foi para familiarização com todos os procedimentos, assinatura e preenchimento dos documentos referente às questões éticas da pesquisa, avaliação da autonomia funcional e qualidade de vida.
A segunda e terceira visita, com 48 horas de intervalo, foram para a realização do teste e reteste de 1 Repetição Máxima (1RM) para delineamento das cargas a serem aplicadas nos exercícios do programa de treinamento (Baechle & Groves, 2019). Em seguida, o treinamento foi iniciado e foi conduzido durante 16 semanas divididas em fase de adaptação (quatro semanas) e fase específica do treinamento (12 semanas), com frequência de duas sessões semanais, respeitando o mínimo de 48 e o máximo de 72 horas de intervalo entre as sessões.
Para as sessões de treinamento de força e resistência muscular, foi determinado o método alternado por segmento e foram selecionados os seguintes exercícios: supino reto, agachamento simultâneo, remada curvada unilateral, extensão de joelhos sentado, flexão de cotovelo simultâneo em pé, flexão de joelhos em pé e extensão de cotovelo no banco simultâneo. Todos os exercícios foram realizados de maneira livre (sem ajuda de aparelhos), utilizando halteres de barra curta, anilhas e caneleiras como acessórios.
Para as sessões do treinamento aeróbico foi determinado o método contínuo com exercícios dinâmicos e em ambiente aquático, com frequência de duas vezes por semana, sem utilização de equipamentos.
O GC manteve suas atividades diárias normais em todo o período do estudo, comprometendo-se em não realizar qualquer atividade física regular durante as 16 semanas em que os grupos experimentais se encontravam na intervenção, até o pós-teste. O grupo controle realizou as mesmas avaliações dos grupos experimentais, no mesmo período. Para os grupos experimentais, as sessões de treinamentos seguiram as fases periodizadas de adaptação (4 semanas) e específica (12 semanas) (Bompa, 2002).
Ambas as fases de adaptação e específica tiveram dez minutos de aquecimento composto por exercícios que envolviam a mobilidade das principais articulações. Ao término de cada sessão foram realizados exercícios de alongamento para o relaxamento muscular com duração de cinco minutos (Dantas & Araújo, 2022). A respiração utilizada foi a passiva eletiva, expirando na fase concêntrica do movimento e inspirando na fase excêntrica, por ser a mais indicada para esta faixa etária.
Cada grupo realizou uma esquematização de séries e repetições, tempo de intervalo, velocidade de execução e carga de trabalho como apresentado na Figura 2. O GC realizou apenas atividades cotidianas diárias sem esforço excessivo e as avaliações realizaram-se no mesmo período dos grupos experimentais.
Procedimento de coleta de dados
Para a homogeneização da amostra mensurou-se a massa corporal e a estatura do participante, que deveria estar descalço, vestido com roupas leves, estando na posição ortostática, posicionado na parte central da plataforma da balança mecânica Filizolla® (Brasil) com selo do INMETRO, com precisão de 100g, aferida em Kg por peso. Para a estatura, seguindo o mesmo padrão supracitado, utilizou-se um estadiômetro em alumínio, com precisão de 1mm, braços estendidos ao longo do corpo, em apneia inspiratória, com a cabeça orientada, segundo o plano de Frankfurt, medida em centímetros (Marfell-Jones, Olds, Stewart, & Carter, 2006).
Para a avaliação da força muscular utilizou-se o teste de força de 1RM utilizando o protocolo de Baechle e Groves (2019), do movimento de supino vertical. Esse teste, que operacionalmente é definido como a maior carga que pode ser movida por uma amplitude específica de movimento uma única vez e com execução correta é considerado como "gold standard" entre os demais métodos empregados para a avaliação não invasiva da força muscular. O valor da força muscular estimado no 1RM é obtido por tentativa e erro, sendo determinado pela quantidade máxima possível de peso que pode ser levantada em uma única execução completa. Para tal uma semana antes da aplicação do teste, os idosos foram submetidos a duas sessões de treinamento, em dias alternados, para poderem se familiarizar com o exercício utilizado.
Para avaliação dos níveis de autonomia funcional foi utilizado uma bateria de testes proposto pelo Grupo de Desenvolvimento Latino-Americano para Maturidade (GDLAM). Este protocolo foi selecionado pela importância na relação com a autonomia e independência de movimento na vida do geronte, observando características de velocidade de deslocamento, preditor de queda e preditor de mortalidade e deficiência (Dantas & Vale, 2004; Dantas, Figueira, Emygdio, & Vale, 2014). O tempo mínimo para a execução das tarefas foi utilizado como critério de avaliação. Os testes do protocolo da avaliação da autonomia funcional são constituídos de: Caminhar 10 metros (C10m): a finalidade deste teste é avaliar a velocidade que o indivíduo leva para percorrer a distância de 10 metros. Levantar-se da posição sentada (LPS): o teste avalia a capacidade funcional da extremidade inferior e consiste em o indivíduo levantar-se e sentar-se cinco vezes consecutivamente. Levantar-se da posição decúbito ventral (LPDV): o propósito deste teste é avaliar a habilidade do indivíduo para levantar-se do chão. Levantar-se da cadeira e locomover-se pela casa (LCLC): a finalidade é avaliar a capacidade do idoso na sua agilidade e equilíbrio em situações da vida. Vestir e tirar a camiseta (VTC): visa avaliar a agilidade e coordenação dos membros inferiores. Para realização dos testes de autonomia funcional utilizou-se: colchonetes da marca Cepall® (Brasil), cronômetro C510-B da marca Oregon® (China), cadeira de 50 cm de altura; e dois cones.
Para avaliar a qualidade de vida, utilizou-se o questionário do World Health Organization Quality of Life Group-Old (WHOQOL-OLD) (Fleck, Chachamovich & Trentini, 2006). O WHOQOL-OLD contém seis domínios de quatro itens cada (o módulo consiste em 24 itens) avaliados pela escala de Likert (1 a 5 pontos) atribuídos aos domínios: Domínio 1) "Funcionamento do Sensório" (FS); Domínio 2) "Autonomia" (AUT); Domínio 3) "Atividades Passadas, Presentes e Futuras" (PPF); Domínio 4) "Participação Social" (PSO); Domínio 5)– "Morte e Morrer" (MEM); Domínio 6) "Intimidade" (INT). Para todas as facetas, o escore dos valores possíveis pode oscilar de quatro a 20, desde que todos os itens de uma faceta tenham sido preenchidos. Os escores podem ser combinados para produzir um escore geral ("global") para a qualidade de vida em adultos idosos, denominado como o "escore total" do módulo WHOQOL-OLD (Fleck et al., 2006). O questionário foi aplicado individualmente e solicitado aos participantes que, ao responderem, tivessem em mente os próprios valores, aspirações, prazeres e preocupações, tomando por base as duas últimas semanas.
Para equalização do volume e supervisão dos treinamentos utilizou-se a escala de percepção subjetiva Q10 de Borg (Cabral et al., 2020) e um frequencímetro da marca Polar® modelo RS100 (Finlândia) para a mensuração da frequência cardíaca, que foi aferida com os participantes na posição sentada e em repouso por cinco minutos.
Análise de dados
Para análise dos resultados foi utilizado o programa SPSS 21.0, e agrupados da seguinte forma: o emprego da estatística descritiva para caracterização do universo amostral; para a descrição dos dados coletados, foram calculadas média (x) como medida de localização e o desvio-padrão como medida de dispersão; e o delta percentual (Δ%), foi calculado por meio da Equação 2:
O segundo momento constituiu-se da análise inferencial. Para a descrição dos dados foi utilizada a média. Para avaliar a normalidade da amostra, utilizou-se o teste de Shapiro Wilk. Para as comparações intra e intergrupos, o Teste de análise de variância de medidas repetidas (ANOVA 4 × 2) seguido do post hoc de Scheffe para identificar as possíveis diferenças. Com a finalidade de manter a cientificidade do estudo, adotou-se o nível de significância de p< 0,05 (Cohen, 1988).
Para a representação gráfica foi utilizado o programa GraphPad Prism9®, e para representação dos dados nas tabelas foi utilizado o Microsoft Office Excel®.
RESULTADOS
Os resultados descritivos dos participantes são apresentados na Tabela 1 quanto ao número amostral, idade, massa corporal e estatura.
Grupos | Nº | Idade (anos) | DP | Massa corporal (Kg) | DP | Estatura (m) | DP |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Grupo Treinamento de Força | 31 | 68,77 | 5,45 | 68,32 | 11,63 | 1,59 | 0,91 |
Grupo Treinamento de Resistência | 32 | 68,81 | 5,93 | 67,15 | 12,22 | 1,59 | 0,08 |
Grupo Treinamento Aeróbico | 35 | 68,66 | 5,93 | 66,96 | 11,92 | 1,58 | 0,09 |
Grupo controle | 35 | 69,40 | 8,13 | 68,60 | 11,19 | 1,64 | 0,08 |
N: número amostral; DP: desvio padrão.
Na Tabela 2 estão apresentados os dados da estatística descritiva, bem como da normalidade da amostra para autonomia funcional. Pode-se verificar que houve uma distribuição não-normal nas variáveis do teste GDLAM para C10m (GA e GR), LPS (GC), LPDV (GC e GF) e LCLC (GC).
Testes | Grupos | pré-teste | pós-teste | Valor p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Média | DP | SW | ||
C10m (s) | GC | 8,32 | 1,92 | 8,59 | 1,76 | 0,325 |
GA | 8,37 | 1,50 | 6,29 | 0,80 | 0,030 | |
GF | 9,23 | 1,19 | 6,30 | 0,78 | 0,185 | |
GR | 8,37 | 1,50 | 6,29 | 0,80 | 0,028 | |
LPS (s) | GC | 18,46 | 4,46 | 18,13 | 3,56 | 0,013 |
GA | 18,80 | 3,06 | 11,11 | 2,33 | 0,190 | |
GF | 18,94 | 1,63 | 11,38 | 1,55 | 0,829 | |
GR | 18,80 | 3,06 | 11,11 | 2,33 | 0,188 | |
LPDV (s) | GC | 6,31 | 1,82 | 6,79 | 1,53 | 0,128 |
GA | 5,73 | 1,24 | 3,24 | 0,81 | 0,510 | |
GF | 6,14 | 1,07 | 2,61 | 0,30 | 0,416 | |
GR | 5,73 | 1,24 | 3,24 | 0,81 | 0,506 | |
VTC (s) | GC | 13,77 | 2,59 | 13,81 | 2,60 | 0,026 |
GA | 13,64 | 2,59 | 11,59 | 1,72 | 0,170 | |
GF | 13,70 | 3,87 | 12,85 | 3,98 | 0,033 | |
GR | 13,64 | 2,59 | 11,59 | 1,72 | 0,174 | |
LCLC (s) | GC | 50,98 | 6,79 | 50,78 | 5,42 | 0,048 |
GA | 50,07 | 5,94 | 40,59 | 2,36 | 0,710 | |
GF | 45,81 | 2,97 | 40,25 | 3,58 | 0,479 | |
GR | 50,07 | 5,94 | 40,59 | 2,36 | 0,710 | |
IG (score) | GC | 39,06 | 4,58 | 39,31 | 4,08 | 0,112 |
GA | 38,62 | 4,30 | 27,33 | 2,02 | 0,810 | |
GF | 30,21 | 1,92 | 23,39 | 2,23 | 0,500 | |
GR | 35,79 | 3,30 | 26,26 | 1,78 | 0,808 |
C10m: caminhar 10 m; LPS: levantar da posição sentada; LPDV: levantar da posição de decúbito ventral; VTC: vestir e tirar uma camiseta; LCLC: levantar-se da cadeira e locomover-se pela casa; IG: índice geral de autonomia funcional; GC: grupo controle; GA: grupo treinamento aeróbico; GF: grupo treinamento de força; GR: grupo treinamento de resistência; DP: desvio padrão; SW: teste de Shapiro-Wilk. Valores em negrito apresentam significância (p≤ 0,05).
Passando à análise inferencial, a Figura 3 apresenta a comparação intra e intergrupos da autonomia funcional pelo delta percentual. Nela pode ser observado que na análise intragrupos houve melhora (redução do tempo) significativa (p< 0,0001), no pós-teste, nos testes de C10m, LPS, LPDV, LCLC e no índice geral (IG) de autonomia funcional nos grupos GA, GF e GR.
Na análise intergrupos verifica-se, na fase pós-teste, uma diferença significativa (p< 0,0001) entre o GC e os três grupos experimentais (GA, GF e GR), nos testes C10m, LPS, LPDV, LCLC e no IG, sendo os resultados favoráveis a estes três grupos. Na fase pré-teste, não houve diferença significativa entre os grupos.
Na Tabela 3 estão apresentados os dados da estatística descritiva, bem como da normalidade da amostra em relação à qualidade de vida. Pode ser verificado que houve uma distribuição não-normal dos dados nas variáveis dom1, dom3, dom4 (GC, GA, GF e GR), dom5 (GC, GA e GR) e QVG (GA e GR).
Domínios | Grupos | pré-teste | pós-teste | Valor p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Média | DP | Média | DP | SW | ||
Dom1 (score) | GC | 16,97 | 1,19 | 16,77 | 1,07 | 0,022 |
GA | 16,13 | 1,46 | 18,57 | 1,41 | < 0,001 | |
GF | 16,87 | 1,61 | 19,10 | 1,37 | < 0,001 | |
GR | 16,13 | 1,46 | 18,57 | 1,41 | 0,022 | |
Dom2 (score) | GC | 16,87 | 1,80 | 16,80 | 1,56 | 0,147 |
GA | 16,03 | 1,67 | 17,00 | 1,84 | 0,072 | |
GF | 15,67 | 1,58 | 16,83 | 1,68 | 0,150 | |
GR | 16,03 | 1,67 | 17,00 | 1,84 | 0,147 | |
Dom3 (score) | GC | 16,33 | 1,54 | 16,30 | 1,34 | 0,010 |
GA | 15,63 | 1,75 | 16,43 | 1,57 | 0,011 | |
GF | 14,83 | 1,44 | 16,43 | 1,68 | 0,025 | |
GR | 15,63 | 1,75 | 16,43 | 1,57 | 0,010 | |
Dom4 (score) | GC | 16,07 | 2,02 | 15,83 | 1,76 | 0,012 |
GA | 15,00 | 1,97 | 16,50 | 1,78 | 0,020 | |
GF | 14,27 | 2,24 | 15,47 | 2,08 | 0,018 | |
GR | 15,00 | 1,97 | 16,50 | 1,78 | 0,012 | |
Dom5 (score) | GC | 15,67 | 1,75 | 15,53 | 1,59 | 0,040 |
GA | 14,27 | 1,57 | 15,60 | 1,50 | 0,018 | |
GF | 14,40 | 2,08 | 16,37 | 2,16 | 0,109 | |
GR | 14,27 | 1,57 | 15,60 | 1,50 | 0,040 | |
Dom6 (score) | GC | 13,30 | 2,28 | 13,47 | 2,27 | 0,059 |
GA | 14,10 | 2,52 | 15,47 | 2,01 | 0,192 | |
GF | 14,10 | 2,09 | 16,00 | 2,35 | 0,450 | |
GR | 14,10 | 2,52 | 15,47 | 2,01 | 0,059 | |
QVG (score) | GC | 15,87 | 0,88 | 15,78 | 0,84 | 0,001 |
GA | 15,20 | 1,09 | 16,60 | 0,77 | 0,094 | |
GF | 14,02 | 1,15 | 15,70 | 1,15 | 0,317 | |
GR | 15,20 | 1,09 | 16,60 | 0,77 | 0,001 |
Dom: domínio; Dom1: habilidade sensório; Dom2: autonomia; Dom3: atividade do passado, presente e futuro; Dom4: participação social; Dom5: morte e morrer; Dom6: intimidade; QVG: qualidade de vida geral; GC: grupo controle; GA: grupo treinamento aeróbico; GF: grupo treinamento de força; GR: grupo treinamento de resistência; DP: desvio padrão; SW: teste de Shapiro-Wilk.
Passando à análise inferencial, a Figura 4 apresenta a comparação intra e intergrupos da qualidade de vida pelo delta percentual. Nela pode-se observar que na análise intragrupos houve melhora significativa, no pós-teste, nos domínios dom1 (GA: p< 0,0001; GF: p< 0,0001; GR: p< 0,0001), dom3 (GF: p= 0,037), dom5 (GF: p= 0,009) e QVG (GA: p< 0,0001; GF: p< 0,0001). Na análise intergrupos, verifica-se, na fase pós-teste, uma diferença significativa entre o GC e os grupos experimentais (GA, GF e GR), nos domínios dom1 (GA: p= 0,001; GF: p< 0,0001; GR: p= 0,001) e dom6 (GF: p= 0,011), sendo os resultados favoráveis a estes três grupos. Na fase pré-teste, não houve diferença significativa entre os grupos.
DISCUSSÃO
Os resultados das variáveis autonomia funcional e qualidade de vida são o produto desta pesquisa, alcançadas mediante a exposição de grupos de idosos distintos, a três tipos de treinamento (força, resistência e aeróbico), com o intuito de verificar, dentre esses, qual causa maior impacto positivo nas variáveis analisadas.
A bateria de testes utilizada nesta pesquisa para avaliar a autonomia funcional, assemelha-se às AVDs do geronte e já foram aplicados amplamente em diversas pesquisas (Araujo et al., 2021; Curi, Haas, Vilaça-Alves, & Fernandes, 2018; Gomes, Gomes, & Soares, 2022; Regattieri, Alves, Sales, Santos, & Pereira, 2021; Rumão et al., 2022; Silva et al., 2021). Ressalta-se que o fator mais importante para avaliar a dependência e o risco de mortalidade do indivíduo idoso é a sua capacidade para desempenhar as AVDs (Cardoso et al., 2021; Kramer, 2020; Rumão et al., 2022; Santos et al., 2020a; Silva, Santos, Silva, & Sousa, 2022).
Com os resultados do presente estudo, notou-se que o GF, GR, GA e o GC apresentavam características semelhantes quanto à variável autonomia funcional antes da intervenção experimental, havendo uma distribuição não-normal nas variáveis do teste GDLAM para C10m (GA e GR), LPS (GC), LPDV (GC e GF) e LCLC (GC) (Tabela 3). Após esta etapa, para uma análise intragrupos percebeu-se uma diferença significativa, no pós-teste para os testes de C10m, LPS, LPDV, LCLC e IG nos grupos experimentais apontando uma redução no tempo de execução (Figura 3). Para a análise intergrupos, verificou-se que, na fase pós teste, houve uma diferença significativa entre o GC e os demais grupos nos testes C10m, LPS, LPDV, LCLC e IG com resultado favorável aos grupos experimentais (Figura 3). Apenas o teste de VTC, em ambas as análises, não apresentou resultados significativos para nenhum dos grupos de treinamento.
Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Rumão et al. (2022), que aplicou um treinamento multimodal com idosas por 18 semanas, identificando melhoras significativas para os testes C10m, LPS, LCLC e para o IG. O estudo de Cardoso et al. (2021), utilizou treinamento multicomponente para mulheres idosas, por 12 semanas, promovendo melhoras em todos os testes e IG, o que corrobora com os achados neste estudo, demonstrando que a prática de exercício físico regular e orientado aumenta a autonomia funcional dos idosos.
Araújo-Gomes, Valente-Santos, Vale, Drigo e Borba-Pinheiro (2019) realizaram treinamento multicomponente com dois grupos de idosas durante 16 semanas, revelando que após o período de intervenção, as voluntárias apresentaram diminuição no tempo de execução de todos os testes do protocolo GDLAM, bem como, consequentemente, melhora no IG. Apesar do programa de treinamento na presente pesquisa ter sido com apenas um tipo de treinamento por grupo, todos os grupos sofreram impactos positivos na autonomia funcional pós intervenção, tendo o mesmo tempo de experimento que o estudo supracitado, o que demonstra que diversos tipos de exercícios físicos, combinados ou não, realizados de forma regular e periodizada, são capazes de promover resultados satisfatórios para as variáveis de saúde dos idosos, que com o envelhecimento, tendem a declinar.
Outra variável analisada neste estudo foi a qualidade de vida, a qual é diretamente relacionada com o nível de atividade física, onde a prática em indivíduos com baixa qualidade de vida é menos abundante do que em pessoas com qualidade de vida significativamente melhor (Barbosa et al., 2020; Kramer, 2020; Santos et al., 2020b).
Com os resultados do presente estudo notou-se que o GF, GR, GA e o GC apresentavam uma distribuição não-normal nas variáveis de qualidade de vida dos dados dom1, dom3, dom4 (GC, GA, GF e GR), dom5 (GC, GA e GR) e QVG (GA e GR) (Tabela 3).
Na análise desta variável apresentou-se a comparação intra e intergrupo, na qual pode-se observar a melhora significativa, no pós-teste para análise intragrupos, onde o domínio 1 (Habilidade sensório), que avalia o funcionamento sensorial e o impacto da perda das habilidades sensoriais na qualidade de vida dos idosos (Fleck et al., 2006), apresentou para os GA, GF e GR melhora significativa (GA: p< 0,0001; GF: p< 0,0001; GR: p< 0,0001) no pós-teste (Figura 3).
Cabe ressaltar que o sistema nervoso sensorial é a parte do sistema nervoso responsável pela análise dos estímulos oriundos do meio ambiente externo e interno ao organismo. As informações sensoriais são usadas para atender quatro grandes funções: perceção e interpretação, controle do movimento, regulação de funções de órgãos internos e a manutenção de consciência (Konrad, Girard, & Helfert, 1999).
Dentro da habilidade sensorial está o equilíbrio. Sabe-se que o equilíbrio prejudicado tem como principal fator de risco o aumento de quedas em idosos, pois é fundamental para a manutenção da postura e para a estabilização dinâmica, durante atividades de deslocamento do centro de massa, além de ser uma grande aliada no auxilio das habilidades sensoriais (Kramer, 2020; Silva et al., 2022).
Na análise do domínio 3 e 5 (atividades do passado, presente e futuro / morte e morrer) houve melhora significativa para o GF (p= 0,037 / p= 0,009 respetivamente) (Figura 4), que pode ser explicado pela motivação e superação dos idosos para executar movimentos utilizando o princípio da sobrecarga, retardando assim a falência dos órgãos (Sousa, Santos, Silveira, Meira, & Miranda, 2021).
Os dados acima corroboraram com a melhora na qualidade de vida geral (QVG) apresentada neste estudo para GA (p< 0,0001) e GF (p< 0,0001). Na análise intergrupos, verificou-se, na fase pós-teste, uma diferença significativa entre o GC e os grupos experimentais (GA, GF e GR), nos domínios dom1 (GA: p= 0,001; GF: p< 0,0001; GR: p= 0,001) já conceituados anteriormente e dom6 (GF: p= 0,011), sendo os resultados favoráveis a estes três grupos (Figura 3).
Araújo-Gomes et al. (2019) realizaram 16 semanas de treinamento resistido e pilates de solo, e treinamento resistido e tai chi chuan, no qual dentre as variáveis analisadas, foi possível verificar resultados significativos nos escores de saúde mental, saúde física e qualidade de vida total das idosas participantes pós-intervenção em análise intragrupo.
Ao mesmo passo que a prática de exercícios físicos melhora diversas variáveis de saúde como autonomia funcional e qualidade de vida, a descontinuação dessa prática pode acarretar proporcionalmente declínios nos ganhos anteriores, o que reforça ainda mais que esta prática se torne regular, incorporada na rotina, tão importante quanto tomar banho e escovar os dentes, por exemplo (Araújo-Gomes, Cardoso, Monteiro-Santos & Borba-Pinheiro, 2021; Barbosa et al., 2020).
Por fim, pôde-se observar neste estudo que, apesar de estímulos diferentes entre os grupos GF, GR e GA, os resultados foram semelhantes em relação aos efeitos positivos da intervenção na qual, para a variável autonomia funcional, os grupos GF, GR e GA apresentaram resultados positivos no IG (Figura 3). Todavia em um estudo minucioso se observou que o GF foi mais eficiente no que se refere à diminuição do tempo para execução dos testes, que essencialmente são favorecidos com a valência força (Δ% −22.5876, p< 0,0001).
Para a variável qualidade de vida os grupos GF, GR e GA apresentaram diferença significativa para o domínio 1, referente à habilidade sensorial (Figura 4). Este domínio avalia o funcionamento sensorial e o impacto da perda das habilidades sensoriais na qualidade de vida dos idosos (Fleck et al., 2006). Apesar dos efeitos positivos para todos os grupos experimentais, o GF apresentou também uma diferença significativa para o domínio 6 que trata da intimidade, elevando então a qualidade de vida geral dos indivíduos submetidos ao treinamento de força (Δ% 11,96531, p< 0,0001).
Logo, com estes dados acima descritos, pode-se concluir que o GF apresentou maior índice de melhoria das variáveis analisadas e que os indivíduos que praticam atividade física demonstram melhor resultados na evolução do desempenho das variáveis de saúde em comparação aos que não praticam.
Diante do exposto, acredita-se que a implementação de propostas de intervenção, pela prática regular de exercício físico especializado, com a finalidade de promoção do bem-estar dos que envelhecem, tornando-os mais úteis no contexto social em que vivem, faz-se necessário (Araújo-Gomes et al., 2019; 2021), bem como a necessidade de divulgação dos Programas de saúde, no sentido, de sensibilizar o governo, a iniciativa privada e a comunidade para a ampliação de programas que visem o incentivo da prática de exercício físico.
Nesta perspetiva, é importante ressaltar a necessidade do envolvimento da equipe multiprofissional, contemplando as várias áreas de conhecimento envolvidas no cuidado à pessoa idosa, de forma a expandir os benefícios no âmbito biopsicossocial e possibilitar melhor qualidade de vida ao idoso.
Ressaltam-se algumas limitações encontradas neste estudo, a exemplo da necessidade de um maior número de sessões semanais e semanas totais de treinamento, para uma análise longitudinal; um N amostral maior para melhor consistência dos dados, extrapolação e generalização dos resultados; e a segregação das amostras masculina e feminina para verificar se os dados se manifestam de formas diferentes, o que pode ter influenciado os resultados da amostra do presente estudo. Sendo assim, recomenda-se que, nos estudos futuros, as limitações citadas acima sejam consideradas, o que pode reafirmar ainda mais o impacto positivo do exercício físico (de diferentes tipos) nas múltiplas variáveis de saúde dos idosos.
CONCLUSÕES
Após a análise e exposição dos resultados, verificou-se que o treinamento de força apresentou maior índice de melhora na autonomia funcional e na qualidade de vida dos idosos. Todavia seria pouco prudente descartar os efeitos positivos que os demais treinamentos aqui analisados proporcionaram. Neste sentido, os achados deste estudo reforçam a prática regular e orientada de exercício físicos de diferentes tipos para os idosos, sendo ferramenta importante e decisiva na manutenção e melhora das múltiplas variáveis de saúde.