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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

versão impressa ISSN 1646-2890versão On-line ISSN 1647-6700

Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac vol.65 no.1 Lisboa mar. 2024  Epub 31-Mar-2024

https://doi.org/10.24873/j.rpemd.2024.03.1209 

Caso Clínico

Técnica de janela óssea na enucleação de cisto mandibular com piezoelétrico: Relato de caso

Bone window technique in the enucleation of mandibular cysts using a piezoelectric device: Case report

João Vitor Pereira1 
http://orcid.org/0000-0001-5937-0995

Karoline Von Ahn Pinto2 
http://orcid.org/0000-0003-3808-6017

Laís Albuquerque Fernandes2 
http://orcid.org/0000-0002-4729-7185

Ligia Pozzobon Martins3 
http://orcid.org/0009-0009-1038-1920

Cecília Luiz Pereira Stabile3 
http://orcid.org/0000-0003-1188-2769

1 Universidade Estadual de Londrina - UEL, Londrina, PR, Brasil.

2 Programa de pós-graduação em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná - HU/ UEL, Londrina, PR, Brasil.

3 Departamento de Medicina Oral, Universidade Estadual de Londrina, Preceptora do Serviço de pós-graduação em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial, Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná- HU/UEL, Londrina, PR, Brasil.


Resumo

O cisto dentígero pode ser classificado como cisto de desenvolvimento ou inflamatório, originando-se durante o processo de separação do folículo que fica aprisionado ao redor da coroa de um dente incluso. O objetivo do presente artigo é relatar um caso clínico de enucleação de cisto dentígero em corpo mandibular à esquerda associado ao primeiro molar inferior (36) incluso com envolvimento do nervo alveolar inferior através da técnica cirúrgica de janela óssea por meio da piezocirurgia. Paciente de 19 anos, sexo masculino, sem comorbidades, com lesão hipodensa, circunscrita, de aproximadamente 15,5 x 27,7 x 14,8 mm identificada em tomografia de feixe cónico. A técnica de janela óssea executada apresenta como vantagem o reposicionamento do segmento ósseo deslocado no transoperatório, favorecendo o processo de reparo, além do acesso direto à área contendo a lesão cística e o elemento incluso.

Palavras-chave: Cisto dentígero; Medicina oral; Osteotomia; Piezocirurgia

Abstract

A dentigerous cyst can be classified as a developmental or inflammatory cyst. It originates during the process of separation from the follicle that becomes trapped around the crown of an impacted tooth. The purpose of this article is to report a clinical case of enucleation of a dentigerous cyst in the left mandibular body associated with the impacted lower first molar (tooth 36), with involvement of the inferior alveolar nerve, through the bone window surgical technique using piezosurgery. A 19-year-old male patient with no comorbidities presented with a well-defined hypodense lesion of approximately 15.51mm X 27.69mm X 14.79mm in diameter, as identified by cone-beam tomography. The bone window technique performed offers the advantage of repositioning the bone segment displaced during surgery, promoting the repair process, and providing direct access to the area containing the cystic lesion and the impacted tooth.

Keywords: Dentigerous cysts; Oral medicine; Osteotomy; Piezosurgery

Introdução

O cisto dentígero é o tipo mais comum de cisto odontogénico, podendo ser classificado como cisto de desenvolvimento ou inflamatório. Essas estruturas se originam dos tecidos epiteliais do dente ou de resquícios embrionários, como os restos epiteliais de Malassez, os restos de Serres ou o órgão do esmalte, que podem ficar presos nos tecidos ósseos ou gengivais.1 A lesão é associada à coroa do dente incluso, apresentando um acúmulo de material líquido ou semissólido entre o epitélio e a coroa do dente. Os cistos dentígeros correspondem a cerca de 17 a 20% dos cistos que ocorrem na região dos maxilares.

Trata-se de uma lesão benigna, unilocular, cujos contorno são facilmente identificáveis em radiografias. Seu crescimento é lento e resulta em contornos escleróticos e córtex bem definidos. Essa lesão pode promover o deslocamento do dente de sua posição normal, especialmente nos casos de terceiros molares, podendo fazer com que o dente seja deslocado para a base de mandíbula e consequentemente, envolver o nervo alveolar inferior.2-4

O cisto dentígero de desenvolvimento possui uma cápsula de tecido conjuntivo fibroso, com substância fundamental amorfa predominante por glicosaminoglicanos. Pode apresentar pequenas ilhas e cordões de restos epiteliais odontogénicos na cápsula fibrosa. Já no cisto dentígero inflamado, a cápsula apresenta um tecido epitelial mais espesso, com infiltrado inflamatório crónico difuso, cristas epiteliais hiperplásicas e características escamosas mais definidas.2

O objetivo do presente artigo é relatar um caso clínico de enucleação de cisto dentígero de desenvolvimento em corpo mandibular à esquerda associado ao primeiro molar inferior (36) incluso na região de base da mandíbula, em íntimo contato com o canal mandibular, através da técnica cirúrgica de janela óssea por meio do motor piezoelétrico, objetivando 0preservação dos tecidos moles e duros adjacentes à lesão.

Relato de caso

Um paciente de 19 anos, sexo masculino, sem comorbidades, encaminhado pela ortodontista para avaliação de dente 36 retido, ao avaliar a radiografia panorâmica previa foi observada lesão radiolúcida bem circunscrita, corticalizada e unilocular associada ao elemento 36 (Figura 1). Ao exame clínico, foi observado aparelho ortodôntico fixo e ausência do dente 36; não foram identificados sinais flogístico e ao teste de vitalidade pulpar dos elementos adjacentes, não foram evidenciadas alterações (Figura 2). Foi então solicitada tomografia computadorizada cone beam, a qual identificou dente 36 retido próximo à base da mandíbula, em íntimo contato com o canal mandibular, associado a uma lesão hipodensa, circunscrita de 15,5 X 27,7 X 14,8 mm (proporção tomográfica 1:1), sem evidência de reabsorção dentária (Figura 3). A principal hipótese diagnóstica foi a de lesão cística, compatível com cisto dentígero.

Figura 1 Radiografia panorâmica inicia 

Figura 2 Aspeto intraoral 

Foi planeada a enucleação total da lesão cística, preservando-se o máximo de tecido ósseo mandibular, assim como o canal mandibular. Previamente à cirurgia, estudo pré-operatório das imagens de tomografia cone beam e radiografias com vencionais foi efetuado para orientação das linhas de osteotomias necessárias. O ato cirúrgico consistiu em: anestesia geral; intubação nasotraqueal; infiltração de lidocaína 2% com epinefrina 1:200.000 em região de fundo de vestíbulo referente aos dentes incisivo central inferior (32) ao terceiro molar inferior (38); incisão com eletrocautério orientada do 32 ao 38 por planos, direcionado a ponta do cautério para porção óssea vestibular da mandíbula, incisão realizada por camadas até a exposição do periósteo; por conseguinte descolamento subperiosteal; realizou-se a dissecação do nervo mentoniano por meio de incisão com lâmina 15 fria em seu longo eixo, com a posterior divulsão das fibras nevosas com auxílio da tesoura íris delicada, evitando o estiramento da estrutura nervosa durante o afastamento dos tecidos, além de facilitar a ampliação da loca cirurgia; exposição da tábua óssea vestibular mandibular (Figura 4). A osteotomia foi realizada com motor piezoelétrico, projetando-se a ponta ultrassónica em um ângulo de 45º para obter um ângulo interno biselado (Figura 5).

Figura 3 Tomografia cone beam 

Figura 4 Tábua óssea vestibular mandibular. 

Figura 5 Confeção de osteotomia em formato de janela 

Após completar as osteotomias, uma placa de 4 furos do sistema 1.5 foi cortada, dobrada e moldada, e realizou-se as perfurações dos parafusos de fixação. Cinzeis de Wagner e Sverzut foram empregados para finalizar as osteotomias e remover a tampa óssea; o fragmento ósseo foi armazenado em solução de soro fisiológico 0,9%.

Na sequência realizou-se a enucleação e curetagem da lesão cística (Figura 6), e para exérese do elemento 36, realizou-se osteotomia seguida da odontossecção e posterior uso de alavancas. Após a limpeza da loca cirúrgica, o fragmento ósseo foi reposicionado seguindo como referencial o ângulo interno biselado para cortical vestibular, finalizando com a placa pré-dobrada e colocação dos parafusos em posição (Figura 7). A peça enucleada foi encaminhada para avaliação anatomopatológica, a qual confirmou a hipótese diagnóstica de cisto dentígero de desenvolvimento (Figuras 8 e 9). O paciente recebeu alta hospitalar algumas horas após a cirurgia, negando queixas álgicas, parestesia ou paralisia facial. Após o retorno precoce pós-cirúrgico, foi instituído controle periódico a cada 6 meses até completo restabelecimento da integridade óssea da região enucleada (Figura 10).

Figura 6 Enucleação e curetagem da lesão cística 

Figura 7 Reposicionamento e fixação da janela óssea com sistema 1.5 do sistema de fixação de órtese e prótese 

Figura 8 Peça enucleada 

Figura 9 Observa-se tecido epitelial de revestimento pavimentoso estratificado não ceratinizado com áreas de hiperplasia. Corado com hematoxilina e eosina (HE) 

Figura 10 Controle panorâmico pós-operatório de 6 meses 

Discussão e conclusões

O cisto dentígero é o segundo cisto odontogénico mais prevalente nos maxilares, comumente identificado como achado radiográfico em exames de rotina. Os terceiros molares e caninos superiores são os elementos mais afetados por esta lesão cística, sendo as técnicas de enucleação, descompressão e marsupialização as mais utilizadas para a sua resolução.4-6

Devido ao deslocamento do primeiro molar inferior esquerdo (36) para a base da mandíbula com envolvimento do canal mandibular, optou-se pela enucleação da lesão cística por meio da técnica de janela óssea. A osteotomia foi realizada por meio da piezocirurgia, a qual apresenta um controle tridimensional das microvibrações ultrassónicas, permitindo um corte seletivo das estruturas ósseas de interesse, que resulta em danos mínimos aos tecidos moles e estruturas nervosas, além de possibilitar a enucleação precisa das lesões císticas, bem como uma melhora na visão da loca cirúrgica.7,8

A técnica janela óssea apresenta como vantagem a redução da perda óssea, a qual propicia a regeneração óssea guiada, por meio do reposicionamento do fragmento ósseo, reduzindo as dimensões do defeito e criando uma barreira rica em osteoblastos que inibe a infiltração de células epiteliais para dentro da loca cirúrgica.9,10

A espessura do fragmento é de fundamental importância para o sucesso da técnica, devendo ser confecionada com uma espessura adequada (> 1 mm), orientando a osteotomia com o propósito de delimitar um chanfrado interno mais longo que facilita no reposicionamento do fragmento em sua posição original. Dessa forma, viabiliza-se a fixação do sistema órtese e prótese, objetivando a redução do risco de deiscência e conseguinte fratura da janela óssea.11,12

O cisto dentígero pode-se apresentar sem sintomatologia clínica, porém detêm um potencial importante em relação ao seu crescimento, podendo causar movimentações significativas e até mesmo reabsorções dentárias.

A escolha do tratamento deve ser baseada no estado geral do paciente, idade, tamanho da lesão, envolvimento de estruturas anatómicas, elementos associados e o risco de fratura mandibular. No presente caso, a técnica de janela óssea foi empregada com auxílio do dispositivo piezoelétrico que possibilitou a enucleação total da lesão cística, viabilizando um procedimento seguro e eficaz, preservando-se tecidos moles, duros e nervos.

É de extrema importância o processamento histopatológico das lesões císticas para que o diagnóstico definitivo seja realizado, podendo descartar outras lesões que apresentem características semelhantes. Da mesma forma, o acompanhamento radiográfico pós-operatório em casos de patologias ósseas é essencial.

Referências

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Recebido: 23 de Outubro de 2023; Aceito: 24 de Fevereiro de 2024

Autor correspondente. João Vitor Pereira Correio eletrónico: joao.vitor.pereira@uel.br

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