Introdução
A incidência crescente da obesidade e o seu impacto na fertilidade, em paralelo com o adiar dos projetos reprodutivos e da maternidade contribuem para que muitas mulheres com um índice de massa corporal (IMC) superior ao recomendado tenham de recorrer a tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA)1. Estas técnicas incluem procedimentos específicos e referem-se principalmente à fertilização in vitro (FIV) e à injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI). O impacto negativo do excesso de peso tem sido associado a piores desfechos reprodutivos após tratamentos de PMA1,2.
Discussão
Um estudo recente, de fevereiro de 2023, de Rafael et al. (3 analisou retrospetivamente 14.213 ciclos de FIV/ICSI, tendo categorizado as participantes em quatro grupos de IMC: baixo peso, peso normal, sobrepeso e obesidade. O principal desfecho avaliado foi a taxa cumulativa de nados vivos (CLBR), e o desfecho secundário foi o tempo até à gravidez (TTP). O estudo mostrou que mulheres com sobrepeso e obesidade apresentaram taxas de CLBR significativamente menores em comparação com mulheres com peso normal. Esta observação é consistente com a literatura existente, que aponta o impacto negativo do excesso de peso e da obesidade e as associa a piores desfechos reprodutivos após tratamentos de PMA, nomeadamente, taxas de gravidez clínica e de nado vivo significativamente mais baixas, em comparação com mulheres com IMC normal, (4 reforçando a ideia de que o impacto reprodutivo da obesidade não se esgota na disfunção ovulatória e que a obesidade pode, do mesmo modo, afetar o ovário e/ou o endométrio5.
Este estudo faz também uma análise detalhada do impacto combinado da idade e do IMC nos desfechos reprodutivos, tendo observado que a perda de peso com redução do IMC pode ser benéfica, sobretudo em mulheres com idade inferior a 35 anos. As mulheres entre os 36 e os 38 anos enfrentam um declínio acentuado na fertilidade devido à idade, de modo que apenas uma perda de peso substancial (de obesidade para peso normal) mostrou benefícios significativos em termos de CLBR. Nas mulheres com mais de 38 anos, o efeito da idade mais avançada é preponderante e muitas vezes irreversível, de modo que a redução do IMC aos 12 meses não foi suficiente para compensar o impacto negativo da idade. Um ponto fulcral do estudo é a importância de uma abordagem individualizada para a perda de peso antes dos tratamentos de PMA, de acordo com a idade feminina.
Uma mais recente análise retrospetiva, com dados ainda por publicar, apresentada no último congresso da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR) em Junho de 2024, realizada na Unidade de Medicina da Reprodução do Hospital de Santa Maria (UMR-ULSSM), centro terciário público, incluiu 2941 tratamentos de FIV/ICSI consecutivos com transferência de embrião a fresco. Esta população feminina encontrava-se no limite superior do excesso de peso, com uma mediana de IMC de 24 kg/m² (21-27), o intervalo de IMC da amostra variou de 17 a 39 kg/m²; a mediana da idade foi de 35 anos (33-38). As doentes foram distribuídas em quatro grupos de IMC: baixo peso, peso normal, excesso de peso e obesidade. Os resultados mostraram que as mulheres com excesso de peso e obesidade apresentaram maior duração de infertilidade e necessitaram de doses mais elevadas de gonadotrofinas, comparativamente com o grupo de mulheres com peso normal. Estas mulheres tiveram uma menor proporção de embriões de boa qualidade, menor taxa de fecundação e menor proporção de transferência de embrião em estádio de blastocisto. A necessidade de doses mais elevadas de gonadotrofinas em mulheres obesas pode ser atribuída a uma menor sensibilidade ovárica, o que pode levar a um número menor de ovócitos maduros e de boa qualidade5.
Neste estudo da UMR-ULSSM, também a eficiência da estimulação ovárica foi menor nas mulheres com obesidade. As mulheres com excesso de peso e obesidade apresentaram um valor de follicle-to-oocyte index (FOI) significativamente mais baixo quando comparadas com as mulheres de peso normal. Adicionalmente, apresentaram taxas superiores de FOI abaixo dos 50%, sugerindo que o número de ovócitos colhidos ficou aquém do número de folículos antrais inicial e, consequentemente, uma baixa eficiência da estimulação ovárica. No entanto, não houve diferenças significativas nas taxas de gravidez clínica e de nados vivos entre os grupos de IMC, o que aponta para outros fatores, como a qualidade embrionária e a idade materna, que podem ser determinantes críticos para os resultados da FIV/ICSI. Ao contrário do trabalho de Rafael et al. (2023), apesar da menor eficiência na estimulação ovárica e da qualidade embrionária inferior, as taxas de gravidez clínica e de nados vivos não diferiram significativamente entre os grupos de IMC. Também a metanálise de Sermondade et al. (6 demonstrou que a obesidade feminina afeta negativamente a taxa de nados vivos após FIV/ICSI, sendo o prognóstico particularmente desfavorável em mulheres com diagnóstico de síndrome de ovários poliquísticos, independentemente da utilização de ovócitos próprios ou doados. Estes dados sugerem que, embora a obesidade possa afetar negativamente alguns aspetos dos tratamentos de FIV/ICSI, a qualidade embrionária, endometrial e a idade materna desempenham papéis cruciais nos desfechos finais, o que vem reforçar a importância da mudança de estilos de vida no sentido da perda de peso e diminuição de categoria de IMC.
A perda de peso é, com frequência, recomendada para as doentes com obesidade antes do início dos tratamentos de FIV/ICSI, no entanto, a eficácia dessas intervenções pode variar. Intervenções como programas de mudança de estilo de vida, dietas controladas e, em casos mais marcados, tratamentos farmacológicos e cirurgia bariátrica podem ser indicadas, mas devem ser personalizadas e planeadas de acordo com a idade e a condição de saúde geral da doente7,8.
A decisão de adiar tratamentos de FIV/ICSI para promover a perda de peso deve ser considerada com cuidado, em especial nas mulheres com idade mais avançada. A perda de peso significativa pode demorar, e a espera pode resultar numa redução adicional nas taxas de sucesso devido ao envelhecimento ovárico. Assim, a avaliação individualizada é essencial para otimizar os resultados reprodutivos. Apesar de todos os benefícios já demonstrados para a saúde da mulher e da grávida decorrentes da perda de peso e do conseguir um IMC normal, os resultados destes dois estudos levam-nos a refletir que, de facto, possa não haver uma justificação com base na evidência disponível, em adiar uma FIV/ICSI com o objetivo da perda de peso, pelo potencial efeito deletério do envelhecimento feminino.
A compreensão detalhada da interação entre o IMC e a idade nos resultados da FIV/ICSI tem importantes implicações clínicas. Os profissionais de saúde devem considerar a idade da doente ao recomendar a perda de peso antes dos tratamentos de PMA, assim, em mulheres mais jovens, uma abordagem gradual e sustentada pode ser benéfica, enquanto em mulheres mais velhas, uma intervenção mais rápida e intensiva pode ser necessária. A investigação futura deve focar o potencial benefício de intervenções de perda de peso adaptadas à idade e ao IMC das doentes, com estudos longitudinais que avaliem os efeitos dessas intervenções em diferentes faixas etárias e graus de obesidade de modo a concretizar, na prática clínica, a estratégia mais eficaz para otimizar os tratamentos reprodutivos das mulheres com obesidade ou com excesso de peso. É também importante explorar o papel de fatores psicossociais, como o apoio emocional e a saúde mental, na gestão da infertilidade e obesidade. A integração de dados de múltiplos centros e o uso de modelos preditivos avançados podem ajudar a identificar as melhores práticas para diferentes subgrupos de doentes.
Conclusão
A obesidade afeta negativamente a resposta à estimulação ovárica e a qualidade embrionária em tratamentos de FIV/ICSI, mas as taxas de gravidez clínica e de nados vivos não são consensualmente influenciadas pelo IMC. A idade materna desempenha um papel crucial nos desfechos reprodutivos, e a interação entre IMC e idade deve ser considerada com cuidado na prática clínica. A qualidade embrionária mostrou ser o fator decisivo para o sucesso das técnicas de FIV/ICSI sendo de modo indireto influenciada pela idade e pelo IMC materno. Promover estilos de vida saudáveis e uma perda de peso controlada é essencial, mas na decisão de iniciar o tratamento de PMA imediato versus adiá-lo para a redução de peso devem ser ponderados, os riscos e benefícios, associados ao potencial efeito deletério do envelhecimento, na fertilidade feminina.
Estudos futuros devem focar-se em estratégias personalizadas de perda de peso e na sua implementação prática nos centros de reprodução assistida para otimizar os tratamentos de PMA das mulheres com obesidade ou com excesso de peso.
Agradecimentos
As autoras agradecem à aluna Margarida Gouveia pelo trabalho de investigação original realizado e apresentado como trabalho final do mestrado integrado em medicina e à Dra. Rafaela Fonseca, interna da Formação Específica em Ginecologia e Obstetrícia no DOGMR - ULSSM - Hospital Santa Maria pela comunicação oral na SPMR 2024.