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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.18 no.2 Algés jun. 2024  Epub 30-Jun-2024

https://doi.org/10.69729/aogp.v18i2a05 

Review Article/Artigo de Revisão

Transplante de Útero: uma revisão da literatura

Uterine Transplantation: a literature review

Inês Brito1 
http://orcid.org/0009-0004-6703-7825

Renato Silva Martins1 

1. Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade da Beira Interior. Portugal.


Resumo

Nas últimas décadas, a investigação com recurso a modelos animais e ensaios clínicos, a par dos avanços científicos no campo da cirurgia reprodutiva, permitiram a introdução do transplante de útero (TxU) enquanto tratamento da infertilidade devido a fator uterino (IFU). Assim, o TxU assume relevância clínica por ser um possível tratamento da IFU e, portanto, uma alternativa à adoção e gestação de substituição que, por diversas razões, poderão ser opções inviáveis para as mulheres. A presente revisão da literatura pretende analisar a atual evidência científica sobre o TxU e apresentar os aspetos mais relevantes sobre o procedimento.

Palavras-chave: Infertilidade; Fator uterino; Cirurgia reprodutiva; Transplante; Útero

Abstract

In the last few decades, research using animal models, clinical trials and several scientific advances in reproductive surgery have led to the introduction of uterine transplantation (UTx) as a possible treatment for uterine factor infertility (UFI). For that reason, UTx assumes clinical relevance as it constitutes an alternative to adoption and surrogacy which, for various reasons, may be unfeasible options for women. This literature review aims to analyze the current scientific evidence on uterus transplantation and present the most relevant aspects about the procedure.

Keywords: Infertility; Uterine factor; Reproductive surgery; Transplant; Uterus

Introdução

A inovação tecnológica aliada a uma maior compreensão sobre diversos aspetos do transplante de órgãos sólidos permitiu, nos últimos anos, a evolução do transplante de útero (TxU). O TxU é um aloenxerto composto vascularizado que permite que mulheres com infertilidade devido a fator uterino (IFU) absoluto engravidem e tenham uma gravidez com nascimento de um nado-vivo saudável.1 A IFU afeta cerca de 2,1-16,7% das mulheres inférteis e caracteriza-se pela ausência congénita ou iatrogénica do útero ou, havendo útero, este é anómalo pela existência de um defeito congénito parcial ou uma deficiência adquirida, quer funcional quer anatómica. (2,3

O primeiro TxU humano realizou-se em 2000, na Arábia Saudita, porém o enxerto não sobreviveu devido a um défice estrutural no suporte do útero com subsequente trombose e prolapso4. Ozkan et al foram responsáveis pelo segundo TxU, em 2011, na Turquia5, verificando-se restituição da menstruação e, 9 anos depois, o nascimento de um bebé saudável6. Em 2014, na Suécia, nasceu o primeiro bebé após realização de TxU com recurso a uma dadora viva (DV) pós-menopáusica7. A recetora tinha síndrome Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser (MRKH); às 31 semanas e 5 dias de gestação foi realizado o diagnóstico de pré-eclâmpsia e, pelo padrão cardiotocográfico anormal com desacelerações da frequência cardíaca fetal, decidido realizar-se cesariana7. O bebé nasceu com 1775 gramas, 40 cm de comprimento e 28,5 cm de perímetro cefálico. O índice de APGAR foi 9-10-10 e o pH da artéria umbilicar 7,217. Atualmente, já foram realizados 91 TxU a nível mundial, 40 com DV e 9 com dadoras post-mortem (DP), com o nascimento de 49 nados-vivos8.

Metodologia

O presente artigo de revisão surge como uma adaptação de um trabalho final de mestrado no formato de dissertação e foi elaborada pela revisão da literatura científica sobre o transplante de útero. Para a sua realização recorreu-se às bases de dados PubMed e Google Scholar.

No decorrer da pesquisa foram utilizadas as palavras-chaves “Uterus transplantation”, “Uterine transplantation”, “Reproductive Surgery”, “Female Infertility” e “Uterine Factor” em combinações diversas. Após leitura e análise dos respetivos títulos e resumos, foram selecionados artigos de investigação e revisão escritos em português ou inglês. Não foi estabelecida qualquer restrição em relação ao ano de publicação, porém foi dado primazia às publicações mais recentes.

Avaliação e seleção das Dadoras e Recetoras

A seleção rigorosa da recetora e da dadora é um passo essencial para maximizar o sucesso do TxU e minimizar os riscos associados9. O critério major de compatibilidade é o sistema ABO10. A maioria dos casos relatados recorreram a DV.

As DV são, tipicamente, mulheres que já completaram os seus objetivos do ponto de vista gestacional11. A utilização de DV permite realizar, previamente ao TxU, uma avaliação médica completa e rigorosa9,12. Tem sido proposto incluir DV entre os 20 e 45 anos, mas o intervalo de idade fértil é variável entre ensaios clínicos e deverá ser adequado a cada país13. Deve ser excluída a existência de displasia cervical e/ou positividade para o vírus papiloma humano, hiperplasia endometrial, anomalias uterinas, leiomiomas, pólipos ou sinéquias intrauterinas11. Para avaliar a vascularização pélvica recomenda-se angiografia por tomografia computorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) em fase venosa11. O útero da DV pós-menopáusica é atrófico e possui vasos ateroscleróticos, portanto é aconselhado iniciar terapêutica hormonal de substituição, pelo menos, 3 meses antes da histerectomia11,12,14. É fundamental realizar uma avaliação psicológica e excluir antecedentes pessoais de patologia mental11,12,15, assegurando a capacidade para fornecer o consentimento informado.

Optar pela utilização de DP é uma alternativa quando não há uma DV voluntária12. A maioria das DP está em morte cerebral e tem idade inferior a 30 anos, sem antecedentes obstétricos e/ou ausência de avaliação prévia do seu potencial fértil12. A morte cerebral associa-se a um estado pró-inflamatório que pode condicionar o sucesso do TxU, pelo que tem sido proposto fazer-se tratamento hormonal e com esteroides antes da histerectomia16. A avaliação recomendada inclui a obtenção de história médica através de registos médicos e entrevistas a familiares, a realização de testes serológicos incluindo o estudo da infeção por citomegalovírus (CMV) e infeções transmissíveis assim como exames imagiológicos, nomeadamente ecografia, TC e RM pélvica para identificar possíveis anomalias vasculares ou uterinas11,17.

Pacientes com sexo feminino atribuído à nascença, em idade fértil, com função e reserva ovárica normal e diagnóstico de IFU absoluta são potenciais candidatas a recetoras3,9,15,18. Nas situações em que o útero está presente deve ser assegurado que a potencial recetora não consegue engravidar através de técnicas de procriação medicamente assistida (PMA) antes de se ponderar o TxU3. A avaliação psicossocial é de extrema importância e deve abranger a paciente e o/a parceiro/a13. Adicionalmente, deve ser realizada uma avaliação médica de forma a excluir a existência de doenças ou fatores de risco que dotem a paciente de elevado risco cirúrgico. A obtenção do consentimento informado é igualmente obrigatória.

Fertilização in vitro (FIV)

Com o objetivo de reduzir o risco de gravidez ectó-pica, o TxU não inclui o transplante das trompas uterinas pelo que o útero transplantado não tem contacto com as trompas uterinas da recetora3,9. Por conseguinte, a FIV é um passo necessário e é realizado, na maioria dos casos, previamente à cirurgia de transplantação com o propósito de reduzir a exposição dos oócitos em maturação a fármacos imunossupressores com potenciais efeitos tóxicos3. Todavia, um ensaio clínico alemão mostrou que, em alguns casos, é possível protelar a realização da FIV para depois do transplante19. Em geral, são realizados entre 1 a 3 ciclos de FIV de forma a obter 8-10 embriões que serão criopreservados3. Com o intuito de monitorizar o crescimento folicular, é recomendado o doseamento dos níveis de estradiol uma vez que a posição mais cranial dos ovários em mulheres com síndrome MRKH dificulta a sua visualização na ecografia transvaginal20. Brännström et al esperaram 12 meses após o transplante uterino para realizar a transferência do embrião7, porém esse período de tempo tem sido encurtado com obtenção de bons resultados, como foi o caso de uma equipa nos Estados Unidos da América que esperou apenas 6 meses21. Por questões éticas e legais, a alternativa à FIV é, em geral, a criopreservação de oócitos prévia à cirurgia.

Preparação do endométrio

A preparação do endométrio é realizada com um ciclo substituído com estradiol exógeno durante duas semanas, ao qual se associa progesterona quando a espessura do endométrio é >7 mm20. A preparação pode basear-se, por outro lado, num ciclo natural após a restituição espontânea da menstruação20. Deve ser realizada histeroscopia ou histerossonografia com o intuito de confirmar a existência de uma cavidade uterina normal para a implantação do embrião, já que é possível a formação de pólipos no período pós-transplantação2.

Cirurgia da Dadora

No caso da cirurgia na DP a incisão é maior, sem necessidade de preservar os ureteres e, em geral, removem-se, de uma só vez, diferentes órgãos para transplante12,15. O procedimento na DV é complexo devido às variações anatómicas, múltiplas interconexões e difícil acesso aos vasos, em especial às veias uterinas profundas, e proximidade a estruturas importantes como os ureteres, que acarreta um risco considerável de complicações2. A abordagem tradicional consiste na laparotomia, com uma incisão mediana infraumbilical. O útero deve ser obtido com pedículos vasculares longos. Na maioria dos casos, as artérias uterinas são responsáveis pela irrigação do enxerto, com graus variados de lateralidade e inclusão da divisão anterior das artérias ilíacas internas22 (Figura 1-A). As disseções realizadas incluem a separação dos ureteres da bifurcação dos vasos ilíacos, distal à bexiga, e das artérias uterinas e veias uterinas profundas, a disseção distal das artérias e veias ilíacas internas em relação à sua bifurcação e a disseção da região proximal/ramo uterino das veias ováricas. De forma a maximizar a estabilidade do útero na recetora são conservados os ligamentos redondos e útero-sagrados, assim como parte do peritoneu vesical e paramétrio12,23. É realizada salpingectomia bilateral. A vagina é seccionada caudalmente em relação ao fórnix vaginal, a cerca de 10-15 mm. Antes de se remover o útero é realizada a clampagem dos vasos principais, posteriormente suturados com polipropileno (6-0), reduzindo o risco de hemorragia excessiva após a reperfusão12.

Figura 1 Visão geral da técnica cirúrgica. (A) Desenho esquemático das artérias (vermelho), veias (azul) e locais de disseção (linhas pretas). (B) O útero é colocado na pélvis da recetora através de anastomoses término-laterais bilaterais entre os seus vasos ilíacos externos e os vasos do enxerto. Adaptado de Brännström17 (2014). 

A histerectomia da dadora durou mais de 10 horas quando realizada por Brännström et al23. Em ensaios clínicos mais recentes a duração do procedimento foi reduzida para 6-8 horas1,24. Em 2017, Wei et al reportaram o primeiro TxU no qual a histerectomia da DV foi realizada via laparoscopia robótica25, com o registo do nascimento de um nado-vivo em 201926. Segundo os autores, a utilização de cirurgia minimamente invasiva (CMI) reduziu o tempo cirúrgico, as perdas hemáticas e a duração do internamento. Porém, foram relatadas importantes complicações associadas à CMI, tais como alopecia de pressão e lesões uretéricas, pelo que é aconselhado aprimorar a técnica antes de tornar o TxU um procedimento exclusivamente robótico3.

Mais recentemente, com o objetivo de ultrapassar a complexidade da obtenção das veias uterinas profundas, foram estudadas alternativas para a drenagem venosa do útero, nomeadamente através da utilização exclusiva das veias ováricas, reduzindo a duração total da cirurgia3. O uso completo das veias ováricas foi investigado em modelos animais e no ser humano com restituição da menstruação e, no último caso, registo do nascimento de um nado-vivo25,27,28. Contudo, a remoção total das veias ováricas implica a realização de ooforectomia pelo que deverá ser limitada a dadoras pós-menopáusicas ou DP3. Como alternativa pode ser usada apenas a região proximal das veias ováricas, sem necessidade de ooforectomia, tal como Testa et al demonstraram ao registar um nascimento após recorrer a esta técnica21.

Preservação e preparação do Enxerto

Na mesa de apoio do bloco operatório, através da canulação da extremidade das artérias, o órgão é lavado com 10 ml de uma solução salina heparinizada, seguida de uma lavagem com solução de preservação fria, Custodiol HTK, durante cerca de 10-20 minutos até se verificar que o útero adquire uma cor branca e possui efluxo venoso claro. Como alternativa é possível optar pela solução KPS1. Em alguns casos, esta fase pode incluir a realização de anastomoses término-laterais entre as veias ováricas e uterinas para melhorar a drenagem23 ou, quando necessário, reconstrução arterial1. Posteriormente, o enxerto é colocado em gelo até ser transferido para a recetora23.

No caso da DP, a lavagem deve ser realizada in situ, de preferência através da artéria femoral28. Adicionalmente, por ser muitas vezes difícil avaliar, de forma completa, o órgão da DP antes da histerectomia, na mesa de apoio poderá ser realizado uma histeroscopia e/ou colposcopia12.

Cirurgia da Recetora

É realizada uma incisão infraumbilical por laparotomia e, sucintamente, são realizadas anastomoses término-laterais entre os vasos do enxerto e os vasos ilíacos externos da recetora22 (Figura 1-B). Em primeiro lugar, a porção superior da vagina é dissecada de forma a ficar livre em relação à bexiga e ao reto. Para a posterior fixação do órgão, inserem-se suturas de polipropileno 1-0 nos ligamentos redondos e útero-sagrados e no tecido conjuntivo paravaginal. De seguida, as artérias e veias ilíacas externas são separadas bilateralmente entre si e do tecido adjacente cerca de 60 mm. Posteriormente, coloca-se o órgão na sua posição pélvica normal e procede-se à realização de anastomoses arteriais e venosas término-laterais bilaterais com suturas de polipropileno 7-0 e 8-0, respetivamente. As anastomoses são entre as veias uterinas e ováricas com as veias ilíacas externas e a porção anterior das artérias ilíacas anteriores associadas às artérias uterinas com as artérias ilíacas externas7,23. Uma vez terminada a cirurgia vascular, o fluxo sanguíneo deve ser avaliado através de uma sonda Doppler na artéria uterina e da observação direta de mudança de cor do órgão para um tom avermelhado. O passo seguinte consiste na execução de uma incisão longitudinal de cerca de 40 mm na porção superior da vagina da recetora que é anastomosada à vagina do enxerto com uma sutura contínua com fio absorvível 2-0. Por fim, o útero é fixado através da união entre os ligamentos uterinos da recetora e as contrapartes do enxerto usando o fio de sutura já colocado no início do procedimento. Com o objetivo de fornecer maior suporte ao enxerto, o peritoneu vesical do enxerto é suturado ao fundo da bexiga da recetora23. Durante as primeiras 72 horas pós-operatórios o fluxo sanguíneo é avaliado com uma sonda Doppler Cook-Swartz na artéria uterina23.

O procedimento cirúrgico da recetora é relativamente constante entre ensaios clínicos, exceto quando a drenagem do enxerto depende exclusivamente das veias ováricas. Nesse caso, a histerectomia da dadora é radical pelo que o enxerto inclui as trompas uterinas e ovários que são removidos durante a cirurgia da recetora25.

Imunossupressão e medicação profilática

O fármaco administrado mais frequentemente na indução da imunossupressão é o anticorpo policlonal globulina anti-timócito9, sendo em alguns casos associado a metilprednisolona7,25. Na maioria dos casos, a imunossupressão de manutenção inclui o tacrolimus e o micofenolato de mofetil (MMF)9, podendo ser associado um glucocorticoide oral1,23,24,26. Pelo menos 3 meses antes da transferência do embrião, o MMF é substituído por azatriopina devido aos seus potenciais efeitos teratogénicos9,15. A rejeição do enxerto após o transplante de órgãos sólidos é frequente e não é considerada uma complicação sendo a abordagem terapêutica, frequentemente, um pulso de corticosteroides15.

A medicação profilática da infeção por CMV é realizada em recetoras com alto risco de infeção e aconselhada quando o risco é moderado9. Considera-se que existe risco elevado quando, em relação ao CMV, a dadora é seropositiva e a recetora é seronegativa; o risco é moderado quando a dadora e a recetora são seropositivas ou quando a dadora é seronegativa e a recetora é seropositiva9. A profilaxia é, em geral, realizada com valganciclovir durante 3 ou 6 meses, consoante o risco23. A profilaxia de infeções bacterianas dura 6 meses sendo utilizado trimetoprim-sulfametoxazol ou dapsona, no caso de alergia15. Os antifúngicos, nomeadamente o fluconazol, são usados na profilaxia das infeções fúngicas15,24.

Está recomendada a utilização de heparina, por via endovenosa, durante a cirurgia da recetora e da dadora15 e, após o TxU, ácido acetilsalicílico (AAS) em baixas doses na recetora9 para prevenir eventos trombóticos24. Adicionalmente, o AAS é seguro durante a gestação e relaciona-se com melhores resultados em situações de prematuridade e menor risco de pré-eclampsia9.

Diagnóstico de rejeição de Enxerto

Após o procedimento devem ser realizadas biópsias ao colo do útero de forma a detetar precocemente sinais de rejeição9,15. Uma opção de seguimento consiste em biopsar após 1, 2 e 4 semanas do transplante e depois mensalmente; caso se verifiquem sinais de rejeição as biópsias deverão ser realizadas semanalmente até normalização da histologia29. A amostra obtida deverá ser interpretada de acordo com critérios estandardizados, como os propostos por Mölne et al (Quadro I) (29. Sinais macroscópicos como a descoloração do colo do útero, corrimento vaginal anómalo, febre ou dor abdominal surgem tardiamente no contexto de um episódio de rejeição30. A ecografia Doppler e a angiografia-TC/RM são exames importantes para monitorizar a perfusão do enxerto15.

Quadro I Sistema de classificação de rejeição do enxerto proposto para o transplante de Útero. Adaptado de MÖlne et al28 (2017). 

Resultados, complicações e riscos

A avaliação do sucesso do TxU engloba a consideração de inúmeros fatores (Quadro II), sendo que a segurança da recetora e dadora (no caso de DV) associado ao nascimento de um bebé saudável assumem um papel primordial31.

Quadro II Resumo dos dados, até 2019, sobre o sucesso cirúrgico do txu (sc), taxa de complicações pós-operativas na dadora viva (cdv) e taxa de complicações pós-operativas em recetoras com enxertos viáveis (cr). As complicações são classificadas de acordo com a classificação de clavien-dindo (cd). Adaptado de brännström et al30 (2021). 

O sucesso cirúrgico do TxU é, numa fase inicial, demonstrado pela presença de um enxerto com fluxo sanguíneo e drenagem apropriados a uma perfusão adequada e restituição da menstruação. Segundo uma revisão de 2019, não há registo de complicações major Clavien-Dindo grau 4 e o risco de mortalidade, Clavien-Dindo grau 5, não é conhecido12.

A taxa de complicações vasculares na recetora é cerca de 20%, sendo os eventos trombóticos, em geral no período pós-operatório imediato, a causa mais frequente de remoção do enxerto15. A infeção corresponde à complicação que mais comumente se relaciona com maior risco de vida, no período pós transplantação9. Outras complicações possíveis são estenose vaginal, prolapso do enxerto, pré-eclâmpsia, colestase, pielonefrite, hematoma subcoriónico, diabetes gestacional e rotura prematura das membranas15,18,22. As complicações descritas na DV incluem hemorragia, anemia, hipotonia vesical, infeção da ferida cirúrgica, obstipação, deiscência vaginal, dor nos membros inferiores/região glútea e lesões uretéricas, nomeadamente lacerações e fístulas uretérico-vaginal12,15,22. A probabilidade da existência de sentimentos de arrependimento e problemas de saúde mental a longo prazo na DV é desconhecido2 porém sabe-se que o impacto psicológico negativo na DV relaciona-se, em parte, com o sucesso do TxU32.

A confirmação de uma gravidez clínica viável através de uma ecografia às 7 semanas de gestação é a segunda confirmação do sucesso do TxU. Ainda há dúvidas sobre o momento adequado para o parto15, contudo na maioria dos casos relatados é realizado às 37 semanas de gestação por cesariana9,33. Quando os objetivos obstétricos são alcançados, isto é, após 1-2 gestações, o enxerto é removido através de histerectomia eletiva e a imunossupressão interrompida9,34.

Os potenciais riscos para as crianças que nascem através do TxU são extrapolados de dados sobre a transplantação de outros órgãos e associam-se, essencialmente, com a exposição a tratamento imunossupressor in útero. Posto isto, existe maior risco para baixo peso à nascença, prematuridade e doenças autoimunes. A longo prazo, estudos mencionam maior risco para doença cardíaca isquémica e resistência à insulina relacionado com o baixo peso à nascença35.

Conclusão e perspetivas futuras

O TxU é um procedimento cirúrgico que integra os princípios da transplantação de órgãos sólidos e as técnicas de PMA com o propósito de restaurar a fertilidade e, por conseguinte, melhorar a qualidade de vida da mulher. A continuação da investigação em torno do procedimento será relevante para se estabelecerem orientações clínicas e, por conseguinte, práticas estandardizadas14. É recomendado que os resultados das investigações sejam, de forma transparente, publicados e concentrados num registo internacional, elaborado pela International Society for Uterus Transplantation (ISUTx), uma sociedade independente criada em 2016 já com este propósito36,37.

Contribuição dos Autores

Inês Brito: concretização, curadoria dos dados, análise formal, investigação, metodologia, redação do rascunho original, redação - revisão e edição.

Renato Silva Martins: supervisão, redação - revisão e edição.

Conflito de Interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

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Recebido: 29 de Janeiro de 2024; Aceito: 05 de Junho de 2024

Endereço para correspondência Inês Brito E-mail: a42115@fcsaude.ubi.pt

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