SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número35O senhorialismo nobiliárquico como parte do sistema político português no século XV: o exemplo da senhorialização do Alentejo*Mosteiro de Alcobaça - XIX Congresso da Associação Hispânica de Literatura Medieval índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Medievalista

versão On-line ISSN 1646-740X

Medievalista  no.35 Lisboa jun. 2024  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.4000/medievalista.7809 

Varia

IX Encontro Internacional sobre Ordens Militares. As Ordens Militares: Do Convento e da Guerra para o Mundo (Palmela | 25 a 29 de Outubro de 2023)

IX International Meeting on Military Orders.The Military Orders: From the Convent and War to the World (Palmela | October 25th to 29th, 2023)

Cláudio Neto1  2 

1. Cardiff University, Cardiff School of History, Archaeology and Religion CF 10 3EU, Cardiff, Reino Unido

2. Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos Medievais 1070-312 Lisboa, Portugal; claudioacnneto@gmail.com


Não são muitas as iniciativas ao nível do medievalismo nacional que associem a longa continuidade, o impacto científico e a projecção internacional. É precisamente esse o caso dos Encontros sobre Ordens Militares organizados pelo Município de Palmela e pelo seu Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS), que, já desde 19891, se vêm a realizar nesta vila do Distrito de Setúbal. Com periodicidade quadrienal, o encontro (fig 1) tem vindo a suceder ininterruptamente, associando esta continuidade à publicação das actas de todas as edições do encontro2. E se a primeira reunião desta série contou sobretudo com contributos oriundos da historiografia portuguesa, rapidamente passou a incluir a participação de investigadores no plano internacional, equilibrando bem estes contributos estrangeiros com as participações de historiadores nacionais3.

No que toca aos estudos sobre ordens militares, Palmela constitui hoje um forum internacional de suma importância, a par de iniciativas como os encontros realizados em Clerkenwell, no Reino Unido, ou em Torún, na Polónia. No panorama historiográfico, Palmela constitui já uma verdadeira escola dedicada à investigação sobre ordens militares. Os oitos números de actas dos encontros já publicados representam um verdadeiro barómetro do estado da arte sobre o tema, não se limitando ao âmbito mais estrito da historiografia medievalista. De facto, os trabalhos dos encontros de Palmela têm, de modo geral, estendido a sua abordagem cronológica entre a Idade Média e o século XX, alargando sempre o seu escopo metodológico pelas áreas da Arqueologia, História de Arte, Estudos Literários, entre outros.

Realizou-se mais uma edição do encontro, a nona, entre os dias 25 e 29 de Outubro de 2023. A organização, encabeçada por Isabel Cristina Ferreira Fernandes, primeira responsável pela orquestração do evento, seleccionou oito apartados dedicados a diferentes temáticas sobre ordens militares. O início dos trabalhos deu-se, contudo, com um momento evocativo do historiador José Mattoso, recentemente falecido. A associação do IX Encontro à celebração da memória de Mattoso não se explica somente pela proximidade da iniciativa ao medievalismo português. Conforme a memória destes encontros confirma, o historiador, membro da Comissão Científica, mantinha uma relação próxima com as iniciativas do GEsOS, tendo contribuído muitas vezes para o enriquecimento dos trabalhos com a sua presença e constante atitude de debate e problematização. Para além disso, nunca será suficientemente repetido que muito do trabalho português de investigação, em temas dedicados às ordens militares, partiu de sugestões que se encontram disseminadas nas obras deste autor. Recorde-se ainda o envolvimento mais directo de José Mattoso em iniciativas do GEsOS, como foi o 9.º Curso sobre Ordens Militares, realizado em 2009 em sua homenagem e subordinado ao tema Ordens Militares e Religiosidade, cujas actas ainda hoje lançam pistas para o esclarecimento deste tema4.

O primeiro dia dos trabalhos arrancou com a sessão orientada pelo tema Famílias, Linhagens, Redes e Ordens Militares. Coube a Bernardo Vasconcelos e Sousa o primeiro contributo, no qual foi traçado um amplo panorama das dinâmicas sociológicas das milícias religiosas no Portugal medieval. A partir de dois manuscritos oriundos de Jerusalém, Camille Rouxpetel trouxe dados importantes, que deixam entrever as relações cultuais estabelecidas entre os freires do Oriente e cristãos, quer de matriz georgiana, quer de etnia árabe. Um contributo para desconstruir a história da integração dos freires no mosaico etno-cultural do Oriente Latino. Depois, trazendo alguma novidade, Paolo Virtuani dedicou a sua intervenção à caracterização de uma prática de hospedagem da Ordem do Hospital nas Ilhas Britânicas, o Corrody.

Noutra perspectiva, Damien Carraz realizou o levantamento de informações sobre uma ordem militar menos conhecida, a Ordem da Fé e da Paz, de implantação na Gasconha - uma experiência relativamente curta na sua duração, associada muito à influência dos Arcebispos de Auch e aos meios da aristocracia local. Arnaud Baudin aprofundou o tema das relações entre a Ordem do Templo, os condes de Champagne e a aristocracia desta região, traçando um balanço a duas dimensões: a proximidade entre a aristocracia champanhesa e a milícia templária, e o entrosamento entre a história desta ordem militar e a dimensão local nesta região. Luís Filipe Oliveira abordou o tema da integração da cultura escrita e dos letrados no seio das ordens militares. Discutindo o grau de presença da literacia nas práticas dos freires, o autor dimensionou a questão no âmbito da vida religioso-militar. A sua intervenção concluiu-se com a apresentação de dados sobre homens das ordens que estavam apetrechados com os instrumentos da cultura letrada.

A sessão da tarde recebeu dois contributos. O primeiro de Jean Bernard, que, sob a tónica do estudo do pessoal leigo associado à Ordem do Hospital no Franco Condado a partir de um inquérito pontifício de 1373, analisou a progressiva erosão das comunidades de freires nas comendas desta ordem no final do século XIV. Por sua vez, na senda de outros trabalhos seus, Philippe Josserand aduziu mais dados à biografia do derradeiro mestre Templário, Jacques de Molay, através de uma reconexão com a dimensão regional da biografia do mestre e com os arquivos locais relacionados com as suas origens.

Os trabalhos prosseguiram durante a parte da tarde com uma mesa-redonda dedicada ao tema Arquivos das Ordens Militares, um olhar transnacional, moderada por Fernanda Olival e Kristjan Toomaspoeg, que acolheu vários contributos dos participantes. Revisitou-se desse modo um tema abordado em painéis anteriores do encontro. O dia não encerrou sem que se cedesse espaço à apresentação de duas publicações recentes: as actas do Colóquio Internacional de Troyes-Abbaye de Clairvaux realizado em 20215 e uma recente reedição da obra de Ph. Josserand dedicada à figura do mestre Jacques de Molay6.

O apartado A Estrutura das Ordens Militares: Geografia e Administração deu o mote para o início do dia seguinte. A abertura deste painel pertenceu a Karl Borchardt, trazendo um conjunto de questões sobre as realidades da implantação das ordens militares no Sacro Império Romano-Germânico entre os séculos XII e XIV. Os territórios do Nordeste europeu continuaram a ocupar a sessão com Roman Czaja e Krzysztof Kwiatkowsky, que transportaram o auditório para os territórios da Prússia e da Livónia, numa abordagem às estruturas administrativas da Ordem Teutónica entre os séculos XIII e XVI.

De seguida, Helen Nicholson propôs um panorama acerca das estruturas, organização e administração das ordens militares nas Ilhas Britânicas. Apesar de assinalar a fragmentação das fontes para o tema, a autora foi capaz de caracterizar a concentração da propriedade das milícias. A autoridade dos oficiais Ingleses das ordens face aos restantes territórios britânicos foi perspectivada na diacronia, expondo-se os desafios sofridos por esta a partir do século XIV. Com enfoque nos domínios da Terra Santa, Nicholas Morton traçou um elenco de tópicos, recolocando problemas e delineando alguns caminhos com vista a colmatar lacunas existentes no âmbito dos conhecimentos sobre as ordens militares nestes territórios.

Completando o puzzle que a implantação territorial das ordens militares representa, Zsolt Hunyadi propôs uma discussão centrada na dualidade da província templária e do priorado hospitalário entre as regiões da Eslavónia, na actual Croácia, e da Hungria. Kristjan Toomaspoeg, colmatando uma lacuna para itália, foi responsável por traçar um quadro geral da geografia religioso-militar neste território. Sublinhou as particularidades de implantação de cada ordem, socorrendo-se de uma cartografia de conjunto, a que se associou a análise de realidades mais localizadas, como foi o caso da Sicília.

Regressando a Portugal, Saul António Gomes apresentou uma releitura das dimensões dos poderes territoriais em função da linguagem e das características da documentação. Abordando sobretudo a Ordem do Templo no século XII, o autor foi capaz de sublinhar várias questões, fazendo uso dos diferentes forais outorgados pelos mestres da milícia nesta cronologia. No seguimento, Paulo Sá-Sousa refrescou a abordagem à territorialidade das ordens expondo novos métodos de análise da rede comendatária da Ordem do Templo, utilizando como suporte expositivo a tecnologia SIG, em que se projectam os dados produzidos em função da aplicação de algoritmos de distância e de densidade geográfica. Apesar do estado preliminar das suas conclusões, foi possível entrever um vasto rol de potencialidades para uma melhor leitura da propriedade das ordens.

A riqueza do encontro manifestou-se pela ocorrência, neste segundo dia, da sessão paralela dedicada ao tema Ordens Militares: Arte, Arqueologia e Cultura. Ruy Ventura traçou um quadro das igrejas santiaguistas da Península da Arrábida, que durante o século XVI sofrem mutações associadas à Devotio Moderna e à disseminação do culto da Paixão de Cristo. Mário Cunha recordou o túmulo e epitáfio de Diogo Pereira, situado na capela de Maria de Resende da Igreja do Senhor dos Mártires em Alcácer do Sal. Um contributo que revela a construção da memória de um homem ligado às ordens militares e à família régia portuguesa durante o século XV. Prosseguindo no âmbito funerário, Miguel Metelo de Seixas convocou elementos para a reflexão sobre o lugar da heráldica no seio da capela funerária de Álvaro de Luna, em Toledo. Condestável de Juan II e Mestre de Santiago, o seu túmulo emprega a heráldica e a emblemática da Ordem de que era mestre como elemento comunicador entre o visível e o invisível, ao mesmo tempo que se constitui como marca identitária da linhagem dos Luna. Seguiu-se José António Falcão, para uma intervenção sobre arquitectura militar, que analisou os dados disponíveis acerca do castelo de Santiago do Cacém. Revelou uma fortaleza cuja matriz se encontra já implantada a meados do século XII, sofrendo uma ampla renovação na centúria seguinte e cuja história perdura pelos séculos até às intervenções da DGEMN no século passado.

Na segunda ronda desta sessão, Ricardo Nunes da Silva, a par de Fernando Grilo, dissertaram sobre os vestígios da permanência das ordens de Avis e de Cristo no território de S. Vicente da Beira. Em grande medida pouco valorizado pela historiografia, este património encerra em si manifestações potencialmente relevantes para a compreensão da intervenção material das ordens neste espaço. No seguimento desta comunicação, os mesmos autores dedicaram-se a uma análise mais aturada de uma peça, um Ecce Homo, escultura do século XV, oriunda da capela de Nossa Senhora da Orada, em Castelo Branco. Seguiu-se Ernesto Jana, que apresentou a descrição de Tomar tecida por Gaspar Leytão da Fonseca, autor nabantino que, ao tempo de João V, retratou a vila de Tomar e o seu património associado à Ordem de Cristo.

A tarde do dia 26 iniciou-se com o apartado As Ordens Militares face a uma diversidade de outros. A Clara Almagro Vidal coube uma abordagem centrada nos papéis desempenhados pelos freires enquanto custódios das comunidades muçulmanas e zeladores do bom funcionamento do convívio nestes espaços. Numa outra dimensão étnica, Juergen Sarnowsky ocupou-se de esclarecer os processos de acomodação das comunidades prussianas pagãs face ao domínio teutónico. Finalizando o dia, Paula Pinto Costa realizou uma reflexão centrada numa função pouco óbvia da normativa das ordens religioso-militares: a sua dimensão política e de projecção para o exterior.

As sessões do dia 27 iniciaram-se com o painel sobre Antagonismos, violência e aliança nas Ordens Militares. Nikolas Jaspert abriu a sessão com uma reflexão de teor mais teórico, em torno do conceito de inimizade. Dos enemy studies aos transcultural studies, que propõem o esclarecimento da natureza e figuração da inimizade, Jaspert discutiu as aportações teóricas possíveis para a reformulação deste conceito no âmbito do estudo das ordens militares. A prossecução dos trabalhos coube a Jochen Schenk, que pôs em perspectiva a noção de antagonismo e de competição entre as ordens. Empregando a normativa e documentação relativa a acordos celebrados entre as milícias, o autor pôs em evidência os laços de cooperação entre as ordens e a noção de uma grande familiaridade entre os membros das diferentes profissões. Pierre-Vincent Claverie fez-se representar através da leitura da sua comunicação. O seu trabalho colocou em evidência diferentes acordos de conciliação celebrados entre ordens militares. Estas iniciativas procuravam aliviar as tensões entre as diferentes instituições, em função da promoção de uma maior eficácia para combater o inimigo muçulmano. De seguida, Thomas Kieslinger abordou o tema da exibição marcial enquanto metodologia para tratar as formas de auto-representação das ordens de Santiago e de Calatrava, procurando estabelecer uma diferenciação entre os freires e os combatentes seculares e evidenciando os caracteres individualizadores da cavalaria religiosa. Concluindo esta primeira parte, Laurin Herberich colocou a questão do envolvimento dos hospitalários na pirataria do Mediterrâneo, particularmente em relação à que ocorria tendo Veneza como interlocutora. O conjunto de questões levantadas revela o equilíbrio ténue das relações entre os dois poderes e a tentativa de gerir um conflito que tinha uma base económica e militar assente no domínio marítimo.

Prosseguindo este apartado, Kurt Villads Jensen desenvolveu o tema da presença hospitalária na Escandinávia, a partir dos finais do século XII. Pôs em perspectiva a cisão da ordem nestes territórios a partir da década de 1440, no contexto das rebeliões suecas contra a união dos três reinos escandinavos. Depois, o painel regressou a temas portugueses. Carlos Afonso foi responsável por uma abordagem aos contingentes militares concelhios sob comando das ordens militares. Esta perspectiva teve como base uma série de dados extraídos dos forais e das cartas de povoamento outorgadas pelas ordens em solo nacional. O conjunto de questões e uma cartografia particularmente esclarecedora tornaram explícita esta relação de domínio e de cooperação enquanto chave para compreensão do sucesso militar da cavalaria religiosa na Península Ibérica. De seguida, Cláudio Neto procurou compreender alguns dos factores que explicam a mutação na imagem militar dos freires que é tecida entre o relato da conquista de Silves em 1189 e os relatos da tomada de Alcácer de 1217. Terminando esta sessão, Miguel Gomes Martins acrescentou considerações ao panorama militar português do século XIV, caracterizando o envolvimento da cavalaria religiosa na defesa das fronteiras do reino. O centro da sua reflexão foi a identificação dos mestres das ordens militares que foram sendo nomeados para o comando das frontarias. Discutiu ainda a relação entre o desempenho do cargo de mestre de uma ordem e as motivações para a nomeação dos fronteiros.

Seguiu-se uma intervenção de António Martins Costa, sobre o envolvimento das ordens militares na mobilização para a guerra entre 1449 e 1521. O tema resultou numa reavaliação dos contributos das ordens religioso-militares para a prática da guerra nesta cronologia. Mudando a temporalidade, António Paulo Oliveira projectou o imaginário do auditório até ao século XX, abordando a ideia de Cruzada na obra À Lareira de Castela de António Sardinha. O conjunto de evocações e reflexões lançou pistas para a história de longa duração do conceito de Cruzada, cujos horizontes não se esgotam, afinal, nos finais da Idade Média.

O apartado seguinte, denominado Ordens de Cavalaria e Ordens Militares, atribuiu destaque às realidades de História Moderna. Fernanda Olival e Domingo Marcos Giménez Carillo debruçaram-se sobre o tema da concessão de hábitos nas duas primeiras décadas do século XVIII, em Espanha, num contexto fortemente marcado pela Guerra da Sucessão. Já Elena Postigo Castellanos abordou, como tema, a Ordem do Tosão de Outro. A perspectiva adoptada foi a da atractividade desta dignidade para as aristocracias do império Habsburgo ao tempo de Carlos V. Por sua vez, Fernando Andrés Robres contemplou o envolvimento da Ordem de Montesa nas sucessivas convocações de cortes do reino de Valência entre 1484 e 1665. De seguida Amalia Yrizar discorreu acerca da importância da concessão de colares da Ordem da Jarreteira enquanto elemento da diplomacia em contexto Tudor. Por fim, Francisco Fernández Izquierdo procurou compreender as lógicas de concessão de comendas durante o reinado de Filipe II de Espanha, enquadrando questões, quer de entorno familiar, quer de serviço militar ou burocrático, como meio de obtenção das mesmas.

O dia 28, último dia de sessões, iniciou-se com o tema As Mulheres e as Ordens Militares. Carlos Barquero Goñi caracterizou a profissão feminina na Ordem do Hospital em Castela ao longo dos séculos XII a XV, traçando um paradigma diacrónico conducente à concentração das freiras em espaços conventuais. Joel Mata avançou o estudo do Mosteiro de Santos para o primeiro quartel do século XVII, focando-se no universo humano da casa, uma realidade que englobava não só as professas mas também os vários estratos de pessoal auxiliar, criadagem e escravas. Maria Ferrer-Vidal baseou-se nos livros de visitação para criar uma abordagem aos mosteiros femininos da Ordem de Santiago entre finais do século XV e princípios do XVI, uma análise assente nas relações entre as dicotomias masculino/feminino e urbano/rural. Maria del Prado Rodríguez Romero encerrou este conjunto de intervenções traçando um amplo panorama sobre a realidade dos beatérios e suas relações com os territórios das ordens militares no reino de Castela a partir de finais da Idade Média.

Dando início à segunda parte, Raquel Torres Jiménez fez-se representar pela leitura do seu trabalho, dedicado à religiosidade feminina com enfoque eucarístico na Ordem de Calatrava, na transição para a modernidade. Maria Bonnet Donato retomou o tema das mulheres hospitalárias, centrando-se em Aragão. A partir das especificidades devocionais dos mosteiros de Sigena e Alguaire e outras comunidades femininas da ordem constituídas neste reino, foi-lhe possível esclarecer outras questões relacionadas com as profissões femininas e com a articulação das freiras com o ramo masculino da ordem. Terminando esta sessão, Simonetta Cerrini falou de um rosto feminino da Ordem do Templo que teima em permanecer obscuro. No centro da sua intervenção esteve a piedade mariana da ordem, estabelecida desde o início e codificada nas normativas, nas prácticas religiosas e nos fenómenos de auto-representação da milícia.

A sessão seguinte, subordinada ao tema Ordens Militares e poderes abriu com Alain Demurger, que trouxe um conjunto de reflexões relacionadas com o processo de extinção da Ordem do Templo. Demurger dedicou-se a uma análise do papel da comissão pontifical de inquérito parisiense, nas diferentes fases do processo. Ross Kennedy, de seguida, observou o devir fiscal e legal da Ordem do Templo no reino de Inglaterra durante o século XIII, em função das cartas de liberdades outorgadas pelos monarcas à milícia.

Após o almoço, Júlia Pavon tratou de compor um panorama das redes de sociabilidade das ordens do Templo e Hospital em Navarra. A autora levantou um grande número de questões, que abrangeram desde as alianças e projectos dos monarcas navarros para as milícias religioso-militares, às lógicas de aliança entre as aristocracias do reino e os freires e suas instituições. Rui Figueiredo Nobre avançou uma abordagem mais circunscrita, mas na mesma linha de questionário sobre alianças familiares com a ordem do Templo. O caso estudado foi o da família de Riba de Vizela no século XIII. Ana Cláudia Silveira trouxe um conjunto de apreciações que permitem compreender melhor os processos de articulação entre a elite local setubalense e os dignitários da Ordem de Santiago. Percepcionam-se, nesta dinâmica, as estratégias de benefício mútuo que conduziram ao estreitamento das relações entre o concelho e a ordem.

A sessão prosseguiu com um conjunto de observações sobre os Forais Novos emitidos para as terras das ordens militares, intervenção a cargo de José Manuel Vargas. Joana Lencart levantou problemas relativos aos arquivos das ordens religioso-militares, com especial enfoque no papel que estes desempenham enquanto repositórios de poderes. A sua exposição partiu dos inventários existentes para o cartório de Tomar. A sessão terminou com Maria Cristina Pimenta, que teceu um conjunto de considerações relativas à sua reconstituição dos itinerários do mestre D. Jorge.

Durante todo este dia, os trabalhos decorreram em paralelo com a sessão Ordens Militares: Arte, Arqueologia e Cultura. Vítor Serrão deu início ao conjunto de conferências com observações em torno da riqueza da obra de Jerónimo Corte-Real, membro da Ordem de Cristo e vulto de nomeada da cultura de Quinhentos. Depois, Rui Mesquita Mendes traçou uma visão de conjunto sobre o culto a São Tiago na comarca de Setúbal durante o Antigo Regime. Maria Teresa Lopes Pereira procurou reconstituir os percursos do culto a Santiago em Alcácer do Sal, da devoção praticada no convento da Ordem de Santiago à transmissão do mesmo ao mosteiro de Aracoeli. Prosseguindo, Adelaide Miranda e Delmira Espada Custódio trouxeram um inovador trabalho de análise das iluminuras do códice conhecido como Livro dos Copos, valorizando a sua cultura visual e o lugar deste investimento artístico no seio do aparato de poder de João II.

Coube a Joan Fuguet Sans, de seguida, esboçar o quadro evolutivo da fortaleza templária de Barberá, que passou para mãos hospitalárias após a extinção desta ordem. Revelou a sobrevivência da maior parte das estruturas antigas da fortaleza, de construção templária, sendo que as mais tardias, devidas à ocupação hospitalária, se foram degradando e desapareceram nas demolições ocorridas no século XIX. Lorenzo Mercuri, através de uma análise comparativa dos edifícios do Templo e do Hospital em Londres e em Paris, discutiu uma rivalidade disputada em função da monumentalidade e da importância dos locais de estabelecimento dos edifícios das duas ordens. Logo após, Jesús Molero Garcia trouxe novidades arqueológicas de Montiel, particularmente os achados de selos e matrizes sigilares relacionados com a actividade da Ordem de Santiago, bem como outros objectos carregados da iconografia das ordens militares. Para terminar este painel, Fernando António Baptista Pereira teve oportunidade de tecer um comentário ao Cruzeiro que se encontra no Largo de Jesus, em Setúbal, peça resultante de encomenda do mestre D. Jorge.

Na última sessão deste apartado, os recentes achados arqueológicos em Alcácer do Sal estiveram em destaque. Rita Balona, Liliana Carvalho e Sofia Wasterlain apresentaram as novidades sobre as inumações da Capela do Tesouro da igreja-panteão da Ordem de Santiago dessa cidade. O manancial de informações exibido trará novos elementos para caracterizar as sucessivas ocupações deste território entre as campanhas de Afonso I e a conquista de 1217. Mário Jorge Barroca, em comunicação subscrita com Isabel Cristina Fernandes e Rita Balona, apresentou o estudo de um par de esporas de espeto provenientes de um dos enterramentos da já referida Capela do Tesouro, evidenciando a sua riqueza material e decorativa e a relação com o cavaleiro que as usava. No seio deste painel houve ainda lugar a que David Gallego traçasse um panorama sustentado nos textos e na arqueologia acerca da transformação da fortaleza de Uclés, de madina islâmica em sede conventual e baluarte da Ordem de Santiago. Terminando, ainda em contexto santiaguista, Jaime García-Carpintero López de Mota trouxe uma análise, ancorada na leitura das visitações ao convento de Uclés, das alfaias litúrgicas empregues pelos clérigos dessa comunidade para celebração dos ritos, a finais do século XV e inícios do seguinte.

Terminadas todas as intervenções foram traçadas as principais conclusões do encontro. Houve ainda espaço para a apresentação da segunda edição do livro resultante da tese de doutoramento de Carlos Afonso, um trabalho de fundo sobre a história militar do reino português entre 1128 e 12497. Resta referir a apresentação de quatro posters que estiveram em exposição durante todo o evento: A música no convento da Ordem de Cristo em Tomar, de Cristina Maria de Carvalho Cota; A justiça dos Mestres: Os poderes, as práticas e agentes da justiça nos senhorios das Ordens Militares de Avis e Santiago (séculos XIV-XV), de João Pedro Alves; Análise da fundação da Ordem de Santiago por Ramiro I das Astúrias: função política e implicações históricas, de Glauber Santos Wisniewski; A relíquia do Santo Lenho: um elo na intrincada relação entre a Ordem do Hospital e a monarquia portuguesa, de Paulo Roberto Dias Lopes. O encontro prosseguiu ainda no Domingo, dia 29 de Outubro, com uma visita orientada por Lúcia Rosas ao Mosteiro de Leça do Balio.

Fig 1 - IX Encontro sobre Ordens Militares 

Referências bibliográficas

AFONSO, Carlos Filipe - A Guerra Cristã na Formação de Portugal. 1128-1249. Lisboa: Ed. Colibri, 2023 [1.ª ed. 2022]. [ Links ]

BAUDIN, Arnaud; JOSSERAND, Philippe (dirs.) - D’Orient en Occident. Les Templiers. Des origines à la fin du XII e siècle. Gent: Snoeck Gante, 2023. [ Links ]

FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares e Religiosidade. Palmela: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS) - Município de Palmela, 2010. [ Links ]

FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares. Identidade e Mudança. Textos selecionados do VIII Encontro sobre Ordens Militares. 2 vols. Palmela: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS) - Município de Palmela , 2021. [ Links ]

FERNANDES, Isabel Cristina F. - “Palmela: 30 anos de investigação e divulgação sobre ordens militares”. In FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares. Identidade e Mudança. Textos selecionados do VIII Encontro sobre Ordens Militares. Palmela: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS) - Município de Palmela , 2021, vol. 1, pp. 19-64. [ Links ]

JOSSERAND, Philippe - Jacques de Molay. Le dernier grand-maître des Templiers. Paris: Les Belles Lettres, 2023 (1.ª ed. 2019). [ Links ]

OLIVEIRA, Luís Filipe - “Os encontros de Palmela e as ordens militares em Portugal”. In FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares. Identidade e Mudança. Textos selecionados do VIII Encontro sobre Ordens Militares. Palmela: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS) - Município de Palmela , 2021, vol. 1, pp. 65-84. [ Links ]

PACHECO, Paulo; ANTUNES, Luís Pequito (coord.) - As Ordens Militares em Portugal. Actas do I.º Encontro Sobre Ordens Militares. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1991 [ Links ]

Notas

1Data deste ano a realização do I Encontro sobre Ordens Militares, realizado entre 3 e 5 de Março de 1989. Dando início à série de publicação de actas destes encontros, o apuramento dos trabalhos das sessões está publicado em PACHECO, Paulo; ANTUNES, Luís Pequito (coord.) - As Ordens Militares em Portugal. Actas do I.º Encontro Sobre Ordens Militares. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1991.

2Não fazendo uma referência exaustiva a todos os números publicados, chame-se a atenção para a atempada publicação das actas do VIII Encontro, realizado entre 12 e 16 de Junho de 2019, no qual se celebraram as três décadas de idade da iniciativa: FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares. Identidade e Mudança. Textos selecionados do VIII Encontro sobre Ordens Militares. 2 vols. Palmela: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS) - Município de Palmela, 2021.

3Para uma memória e um balanço, Fernandes, Isabel Cristina F. - “Palmela: 30 anos de investigação e divulgação sobre ordens militares”. In FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares. Identidade e Mudança, pp. 19-64; Oliveira, Luís Filipe - “Os encontros de Palmela e as ordens militares em Portugal”. In FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares. Identidade e Mudança, pp. 65-84.

4 FERNANDES, Isabel Cristina F. (coord.) - Ordens Militares e Religiosidade. Palmela: Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago (GEsOS) - Município de Palmela, 2010.

5 BAUDIN, Arnaud; JOSSERAND, Philippe (dirs.) - D’Orient en Occident. Les Templiers. Des origines à la fin du XII e siècle. Gent: Snoeck, 2023.

6 JOSSERAND, Philippe - Jacques de Molay. Le dernier grand-maître des Templiers. Paris: Les Belles Lettres, 2023 (1.ª ed. 2019).

7 AFONSO, Carlos Filipe - A Guerra Cristã na Formação de Portugal. 1128-1249. Lisboa: Ed. Colibri, 2023 [1.ª ed. 2022].

Recebido: 29 de Novembro de 2023; Aceito: 30 de Novembro de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons