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Medievalista

versão On-line ISSN 1646-740X

Medievalista  no.36 Lisboa dez. 2024  Epub 30-Set-2024

https://doi.org/10.4000/medievalista.8318 

Destaques

Panem nostrum quotidianum da nobis hodie. Sobre uma escassez cerealífera nas terras de Alcobaça (1438-1440)

Panem nostrum quotidianum da nobis hodie. On a Cereal Shortage in the Lands of Alcobaça (1438-1440)

Iria Gonçalves1 

1 Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de ciências Sociais e Humanas, Instituto de Estudos Medievais, Centro de Estudos Históricos, 1070-312 Lisboa, Portugal


Resumo

Os europeus da Idade Média sempre valorizaram o pão dentro do seu sistema alimentar, sobretudo à medida que a carne, outro alimento altamente valorizado, se ia tornando mais escassa. Mas, por tradição mais que milenar, na Europa e no Mediterrâneo, o pão era o alimento por excelência, o único que os fiéis pediam a Deus nas suas orações por ser aquele cuja falta era sinónimo da fome. O cereal cultivava-se por toda a parte, sem que isso impedisse as épocas de escassez e de carestia, tanto no campo, como nas cidades. Se estas últimas tinham outros meios para responder a essas crises e estes fenómenos foram aí mais estudados, mal se conhece o modo como os homens dos campos reagiam a tais adversidades. A partir de um livro com a contabilidade do mosteiro de Alcobaça dos anos de 1437-1440, analisa-se a resposta do mundo rural à crise cerealífera de 1438-1440. Mais clara no que respeita ao mosteiro, já que as reacções dos camponeses são mais difíceis de sondar, por estarem filtradas pelo olhar do senhorio. Em 1439, a redução em dois terços das receitas de cereal da abadia foi compensada pelo cultivo do milho-alvo, um cereal de primavera que podia substituir o trigo e a cevada. Mas a crise teve outros efeitos, como a espiral dos preços do cereal, o aumento das taxas de extração de farinha e a diminuição da qualidade do pão de cada dia, ou o recurso a alimentos de substituição. Dos monges aos camponeses, todos sentiram as consequências desta crise, embora em escalas e em modos muito diferentes.

Palavras-chave: Crise cerealífera; espiral de preços; Empréstimos; Cultivos; Alimentos

Abstract

The Europeans of the Middle Ages have always valued bread within their food system, especially as meat, another highly valued food, became scarcer. But by tradition, more than a thousand years old, in Europe and the Mediterranean, bread was the food par excellence, the only one that the faithful asked God for in their prayers because it was the one whose lack meant hunger. Grain was grown everywhere, but this didn't stop times of scarcity and famine, both in the countryside and in the cities. While the latter had other means of responding to these crises and these phenomena have been better studied there, we barely know how rural people reacted to such adversities. The response of the rural world to the cereal crisis of 1438-1440 is analyzed through a book containing the accounts of the monastery of Alcobaça for the years 1437-1440. This is clearer for the monastery, since the peasants' reactions are more difficult to discern, as they are filtered through the eyes of the landlord. In 1439, the reduction of two-thirds in the abbey's cereal revenues was countered by the cultivation of target maize, a spring cereal that could replace wheat and barley. But the crisis had other effects, such as spiraling grain prices, rising flour extraction rates and a decline in the quality of daily bread, or the resort to substitute foods. From monks to peasants, everyone felt the consequences of this crisis, albeit on very different scales and in very dissimilar ways.

Keywords: Grain crisis; Price spiral; Loans; Crops; Food

I - O pão em primeiro lugar

Os europeus da Idade Média sempre valorizaram sobremaneira o pão dentro do seu sistema alimentar, valorização que o decorrer dos séculos foi aprofundando, à medida que um outro alimento, também ele altamente valorizado - a carne - se ia tornando mais escasso1. Escassez devida, sobretudo, à diminuição das pastagens, provocada, esta, de modo especial, pelo aumento demográfico da Plena Idade Média e consequente movimento arroteador, na procura de mais alimentos reclamados pelo acréscimo de bocas e às restrições cada vez mais numerosas ao livre exercício da caça, também ela mais rarefeita na sequência desse mesmo acréscimo de terras conquistadas para a agricultura2.

Todavia, o pão tinha já, à época, não só na Europa mais em toda a bacia mediterrânica, uma tradição mais do que milenar, tradição que o guindara a um lugar de grande preponderância, desde o Próximo Oriente até estes confins da Europa em que nos situamos. Quando, há dois mil anos, na Palestina, os discípulos de Jesus Lhe pediram que os ensinasse a orar, Ele compôs um texto onde a par de algumas invocações e expressões de louvor dirigidas a Deus Pai, Lhe eram feitos diversos pedidos. Só um, porém, de carácter material - o pedido de alimento: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Isto é, o alimento por excelência era já o pão, porque o pão significava todo o alimento. Isto só podia traduzir um hábito cultural já profundamente arreigado em toda a população. Depois, a difusão do Cristianismo por todo o Ocidente veio, por assim dizer, sublimar o seu consumo.

Nascida e desenvolvida esta doutrina em ambiente mediterrânico, rapidamente assumiu como símbolos alimentares e utilizou como sinais visíveis nas suas celebrações cultuais, os produtos que eram a base material e ideológica dessa civilização: o pão, o vinho, o azeite3. Basta lembrar, uma vez mais, que o pão, confeccionado com bom trigo, o cereal nobre4, podia transformar-se, no momento culminante da Eucaristia, ela própria designada, nos primeiros tempos do Cristianismo, por “Fracção do Pão”, no corpo de Cristo; que o vinho, naquele mesmo momento, se transformava no sangue do mesmo Cristo; que o azeite, utilizado nas unções rituais, acompanhava momentos decisivos da vida do cristão: a Unção Sacerdotal, o Baptismo, o Crisma, a Extrema Unção.

Por outro lado, não eram produtos oferecidos tal qual pela Natureza. Eram antes resultado do engenho humano actuando sobre os frutos que ela, a Natureza, criara. Eram produtos culturais e, portanto, afastados da “barbárie”. Nessa medida, tanto mais valorizados pelo povo romano, e em especial pelas suas elites.

Por tudo isto considerava-se que comer pão e beber vinho5 era uma clara afirmativa de promoção social.

Assim, e sobretudo na Baixa Idade Média, o pão era componente indispensável de qualquer cardápio, consideração transversal a todos os estratos sociais. Isto é, a falta de pão, mesmo que outros alimentos se encontrassem disponíveis, representava pouco menos que a fome6.

Tendo-se assim firmado o pão como alimento imprescindível para o sustento de todos, mas sobretudo para os menos abonados, que eram a enorme maioria da população, os camponeses afadigavam-se na produção de cereais, semeando-os por toda a parte onde qualquer nesga de terra os pudesse receber, com uma perseverança e uma insistência que as fontes da época documentam à saciedade. Nem importava que a terra fosse, ou não, adequada ao seu cultivo.

No entanto, a obtenção de cereais não era tarefa simples nem fácil na Idade Média e factores adversos contribuíam para que a produção cerealífera fosse, muitas vezes, deficitária: o rendimento da semente era, em regra, muito baixo - uma produtividade de quatro, cinco sementes era considerada satisfatória7 - porque não só a qualidade dos solos nem sempre era a melhor, como já ficou dito - e na zona mediterrânica poucas vezes o era - como a fraca potência dos instrumentos de cultivo, a pouca ou nenhuma aportação de fertilizante, a deficiente força de trabalho, humana como animal, para isso contribuíam; depois as deficientes condições de armazenamento que podiam provocar perdas consideráveis pelo apodrecimento dos cereais, pela propagação de diversas doenças, pelas razias que ratos e insectos podiam provocar, ajudavam a agudizar os problemas8; depois, ainda, os flagelos da Natureza, perante os quais a Idade Média se encontrava perfeitamente indefesa vinham, por vezes, destruir em poucas horas o resultado de todo o esforço que tão laboriosamente o agricultor depositara nas suas glebas durante meses de trabalho9. Quando não eram também aqueles atropelos que os homens provocavam10.

Todos estes factores e outros ainda actuavam um pouco por toda a parte no espaço geográfico em que nos inserimos - a Europa Mediterrânica -, onde poucos são os campos propícios ao cultivo dos cereais. Fernand Braudel afirma mesmo que “le blé et le pain ce sont les tourments sempiternels de la Mediterranée, les personages décisifs de son histoire”11. Esta região é uma terra de solos pobres, seca, com uma pluviosidade que nos anos normais apenas coincide com o nível hídrico mínimo do trigo12, mas que sofre muitas e acentuadas quebras, sendo a chuva, ao mesmo tempo, mal repartida ao longo do ano, mais abundante durante a época fria, altura em que a vegetação pára, a cumprir o seu descanso invernal. Não pode ser uma terra propícia ao desenvolvimento da maior parte das plantas13. Só se exceptuam aquelas que crescem com raízes bastante profundas, capazes de poderem procurar a humidade de que necessitam bem longe, no subsolo14, caso que não é, de forma alguma, o dos cereais. Pelo contrário, quando as plantas retomam a sua actividade vegetativa, com o regresso do calor, que se instala e tantas vezes aperta em desmesura, não é raro a colheita perder-se ou resultar drasticamente diminuída. Restava, para algumas culturas, o recurso à rega, mas esta estava muito longe de chegar à seara.

Todavia, como tão incisivamente deixou registado Georges Duby, os hábitos alimentares, uma vez estabelecidos e assumidos por uma qualquer sociedade, impõem-se de forma tirânica, obrigando por vezes a grandes sacrifícios para a obtenção dos produtos desejados15.

Assim sendo, nesta nossa região mediterrânica, os camponeses, que formavam a imensa maioria da população16, trabalhavam afincadamente para extrair das suas glebas uma produção cerealífera quase sempre insuficiente para alimentar todas as bocas17 e que quaisquer perturbações climáticas, as quais, em regra e de acordo com o que acima ficou dito eram representadas por uma seca mais prolongada ou severa, podiam tornar catastrófica18.

Ora, as gentes medievais não tinham forma de se opor ou contornar as condições naturais adversas, a não ser apelando para Deus a pedir a Sua intercessão, a implorar o milagre. Que nestas circunstâncias, no Mediterrâneo, era quase sempre o milagre da chuva. As preces, as rogativas, as procissões sucediam-se por toda a parte em alturas de aflição19, possivelmente com resultados diferentes de uns casos para os outros, de uns locais para os outros.

Durante estes transtornos de produção, sobretudo se sucediam em anos consecutivos, a fome instalava-se em áreas mais ou menos dilatadas, com maior ou menor intensidade, de acordo com a extensão e a violência dos fenómenos que a haviam causado.

Foram numerosos os períodos de escassez ou mesmo de crise cerealífera aguda que a Europa conheceu20 e assim, naturalmente, também Portugal21.

É certo que os maiores problemas que afectavam a Europa meridional - a seca, como já referi e por vezes também o calor excessivo e extemporâneo - não eram os mesmos que afectavam as regiões setentrionais, onde aquelas condições até podiam ser favoráveis, mas onde se temiam as chuvas excessivas22 e os longos e rigorosos Invernos23 que, por sua vez, atenuados como sempre o eram pelo clima meridional, podiam, aqui, ser benéficos. Deste modo, era raro que as condições meteorológicas fossem adversas ao mesmo tempo em toda a Europa, pelo que as regiões de produção normal e sobretudo excedentária podiam sempre encaminhar alguns cereais para aquelas onde a colheita fora deficitária. Só que os transportes não correspondiam àquilo que seria necessário em termos de agilidade e eficácia e resultavam demasiado caros para a maioria da população24. Além de que, e apesar de tudo, as disponibilidades resultavam sempre diminuídas e não chegavam para todos.

É certo que a Baixa Idade Média conheceu alguns progressos a nível tecnológico, sobretudo no respeitante à navegação e também a nível das técnicas comerciais, como sejam a aprendizagem da gestão do risco e do cálculo das margens de lucro25, o que permitiu a circulação de mercadorias em espaços geográficos cada vez mais alargados e um mais rápido colmatar de lacunas onde quer que as houvesse. Mas tal progresso estava longe de ser suficiente e, além disso, os produtos chegavam muito mais caros ao local de consumo e tanto mais quanto de mais longe proviessem.

Claro que nestas conjunturas a cidade e o campo reagiam de forma diferente e sofriam também, diferentemente, as consequências destas penúrias. Como seria de esperar.

A cidade reagia com rapidez a qualquer indicio de carência cerealífera e bastava um simples rumor26 de carestia para que todo o sistema de abastecimento frumentário se descontrolasse e entrasse em alerta e para que todos os mecanismos geralmente postos em acção nestas circunstâncias27 fossem activados, com um enorme rol de consequências. Politicamente organizada, com órgãos directivos a quem não convinha permitir situações capazes de perturbarem seriamente a ordem pública, com instituições religiosas em regra dispostas a ajudar nas maiores carências, a cidade estava mais protegida28.

Já são conhecidos diversos destes casos urbanos no seu desenrolar29. É sobretudo a cidade que produz documentação. É ela, portanto, que os tempos pretéritos nos mostram com alguma clareza. No campo, tudo ou quase tudo se encontra envolto em maior silêncio. Não é o campo que fala e quando o faz é na perspectiva do senhor.

É certo que os camponeses, os produtores de alimentos, se encontravam, ao menos teoricamente - e isso tem sido defendido por alguns autores - em situação menos desesperada do que os citadinos pobres ou mesmo remediados. E assim era, ao menos nos anos de colheita normal, e mesmo com produção deficitária podiam adiar um pouco os efeitos mais perniciosos de falta de alimentos, lançando mão de produtos outros e, inclusive, de uma ancestral actividade recolectora que, de todo, não terminara ainda30. Mas isso não passava de um paliativo que apenas atrasava um pouco a chegada do inevitável. De resto encontravam-se desprotegidos, podendo apenas contar consigo próprios e com alguma ajuda da vizinhança, que em situação de penúria generalizada se encontrava em condição semelhante, mais carecendo de auxílio do que podendo prestá-lo. É certo que um ou outro mosteiro rico, sedeado nas proximidades, podia mitigar um pouco os efeitos da catástrofe. Como o de Alcobaça, por exemplo. Mas esse auxílio não podia chegar a todos e era sempre insuficiente. Por isso, em situações catastróficas ou tendendo para tal, muitos camponeses demandavam a cidade, na perspectiva de algum auxílio. Só, porém, quando toda a esperança de poder sobreviver nas suas terras, e apoiados pelas estruturas agrárias que conheciam, se tinha já de todo desvanecido. Aliás, não lhes restando recursos, num ambiente que não era o seu e onde, portanto, teriam dificuldade em se movimentar, facilmente caíam na marginalização social. O que deve ter acontecido não poucas vezes31.

II - A penúria de 1438-1440

Se, como atrás ficou lembrado, era raro que as carências alimentares se verificassem ao mesmo tempo em toda a Europa, algumas houve que, efectivamente, alastraram por todo o seu espaço. Nestes casos, revestiam-se de uma enorme virulência, pela impossibilidade, ou quase, da obtenção de um auxílio minimamente eficaz. Pelo menos para as famílias pobres ou nessa conjuntura caídas em pobreza32.

Assim foi aquela que assolou a Europa em 1438-1440, mas que se iniciou nas regiões setentrionais um ano antes33 e que apenas se atenuou com a colheita deste último ano de 1440, retomando a normalidade durante os dois anos seguintes.

Naturalmente, também em Portugal essa carência se fez sentir com grande intensidade de Norte a Sul do País e sobejam-nos disso bastantes provas, embora, na sua maioria, de proveniência urbana, como de habitual.

As queixas partiam de muitos lados, mas, e era assim sempre, de Lisboa em primeiro lugar, porque, como a maior cidade do País, mais bocas tinha para alimentar; porque, como a mais rica e cosmopolita, maiores exigências os seus moradores colocavam na procura de todos os bens.

Segundo o seu dizer, já 1438 “fora muy minguado de pam e todos outros mantimentos”34 mas, no ano seguinte, os lamentos intensificaram-se. A cidade “ora ha mingoa e falimento de pam e outros mantijmentos”35 e continuavam as queixas acerca do grande “falimento e neçesidade que ora em esta cidade ha”36; “da mingoa que ora ha em ella [Lisboa] asy de legumes como dos outros mantimentos”37; de como era “minguada de pam e doutros mantimentos”38.

Mas também do Porto saíam queixumes “por a grande mjngoa de delle [pão] ham”39; de Évora, e tanto que o rei permite à cidade que aos castelhanos que aí fossem vender cereal se pudesse pagar em ouro que levariam consigo; que, inclusivamente, pudessem comprar ouro com o dinheiro resultante da venda desse cereal e, mais ainda, que os portugueses pudessem ir a Castela comprar pão pagando-o, lá, com ouro40; de Faro, onde vendiam “dante mãao algũa fruyta pera ssoportarem ssuas vidas […] por aazo da grande carestia de pam em que fomos postos asy como ainda somos”41. E mais tarde, em 1443, o rei lembrava o “grande trabalho em que nossos Regnos forom postos os anos pasados por a mjnga de pam que em elles auja”42.

Foram, pois, accionados na altura, todos os mecanismos considerados eficazes para fazer face ao problema. E nestas conjunturas o rei e os concelhos davam-se as mãos no sentido de, cada qual dentro da sua esfera de acção, conseguir a vinda do máximo possível de alimento. Todos temiam as perturbações causadas pela fome.

Alguns desses mecanismos só o rei podia manejá-los e, por iniciativa própria ou a pedido dos povos, ia-os pondo em funcionamento. Um dos mais importantes era sem dúvida a isenção de impostos: sisas, dízimas, outras imposições43. O erário régio e por vezes também os concelhios ressentiam-se, é certo, mas os mercadores tinham maior ganho assegurado e isso era, sem dúvida, um incentivo a não desprezar. Mas tanto ou ainda mais importante do que o lucro a obter era a segurança de pessoas e bens. A pirataria era prática corrente nas águas do Atlântico e o apresamento de mercadorias, navios e homens de um determinado país por piratas de um outro dava direito a igual acção por parte dos naturais do primeiro país sobre quaisquer outros do segundo, independentemente de serem, ou não, pessoalmente responsáveis por aquele furto. Era o direito de represália, muito fácil de exercer sobre qualquer navio que tivesse entrado a barra do porto.

Portugal, pouco farto de cereais, abastecia-se do exterior sobretudo a partir de determinadas regiões, que foram variando com o tempo e as circunstâncias44. Durante o período em que se desenrolou a escassez cerealífera aqui em análise, era a Bretanha um dos nossos maiores abastecedores45, embora o contencioso entre Portugueses e Bretões, talvez sobretudo os de Saint-Malo, expressamente designados em alguns documentos, devesse ser grande. Para que os navios bretões pudessem demandar os portos portugueses sem perigo nem temor, sucederam-se as cartas de segurança aos naturais do ducado, cartas que continuaram ainda depois de reposta, por esta vez, a normalidade46. Mas também de Castela nos vinha trigo e também os mercadores castelhanos foram agraciados com cartas de segurança47. Aliás, Castela, aqui tão perto e podendo com mais facilidade e rapidez fazer chegar o seu trigo até nós, mereceu mais: receber o seu preço em ouro ou comprar ouro com o dinheiro recebido, como já atrás ficou lembrado48. Era uma grande concessão, esta que a realeza lhes fazia.

Nestas alturas, a liberalização das importações e exportações era também um trunfo a ser utilizado. Permitia-se a saca de variados produtos, mesmo para terra de mouros, o que era o máximo da concessão, desde que em troca viesse pão ao reino49.

Por sua vez, as comunidades politicamente organizadas tudo faziam para procurar e atrair cereal até si: expediam-se cartas com pedidos urgentes de apoio50; enviavam-se emissários onde quer que houvesse notícia da existência de trigo, por longe que ele se encontrasse51. A impressão que se colhe das fontes é que a procura e aquisição dos cereais implicava muitas e por vezes bem longas viagens. E não só daqueles que pretendiam um mercado para colocar o produto52. De todos quantos procuravam esse produto.

Todavia, em épocas de crise como esta de 1438-1440, era preciso mais do que isso para atrair os mercadores. Era preciso oferecer algumas contrapartidas suplementares que viessem juntar-se às já disponibilizadas. Neste sentido, cada um oferecia o que lhe parecesse mais atractivo e estivesse nas suas possibilidades concretizar: arcar com os custos do pagamento das sisas53, do armazenamento dos cereais54 ou das dízimas e fretes de transporte55. No Porto os próprios homens bons, que bem sabiam como o sal era necessário nos países do Norte europeu, para a conservação das suas abundantes pescarias, dispuseram-se a guardar rotativamente as portas da cidade para impedir a saída de sal sem a correspondente entrada de trigo56.

À margem, ou quase, de todo este fervilhar, de todo este afã de procura, ficava o camponês, o produtor, que, quando terminasse de consumir aquilo que restara da sua lavra, após ter pago todos os tributos e direitos que oneravam a seara, ficava sem alimento e desprotegido. Com a morte no horizonte, nestes anos de penúria. Sobretudo aqueles que viviam do aluguer dos seus braços, que tantas vezes ficariam sem ocupação e sem o correspondente salário. O facto era mesmo reconhecido por homens mais ricos, os influentes concelhios, os que tinham assento nas assembleias municipais e nas reuniões de cortes e podiam fazer ouvir a sua voz. Em 1498 ficou dito, nas cortes então realizadas, que no reino “ha muytos homes pobres braceiros que tem muytos filhos e filhas os quaaes morrem de fome e andam Nus e esfarrapados por nam terem que lhes dar nem ssuas fazendas o podem sofrer”57.

Alguns deles habitariam as terras de Alcobaça58 e teriam sofrido as agruras destas fomes de 1438-1440.

III - Nas terras de Alcobaça

Nestas, como em outras terras, raramente o camponês tinha oportunidade de fazer ouvir a sua voz. Se é que alguma vez tinha. Pelo menos de modo a chegar aos nossos dias. A não ser que fosse obrigado a vender ou de outra forma ceder as suas terras a uma igreja, a um mosteiro ou a algum influente da terra. Mas a documentação de carácter senhorial permite-nos, por vezes, alguns vislumbres destas gentes, dos ambientes em que viviam e das vicissitudes por que passavam.

A abadia de Alcobaça fez chegar até nós um precioso códice onde se encontra registada a sua contabilidade referente aos anos de 1437-1440, isto é, com início a 24 de Junho de 1437 e encerramento em igual dia de 144059. Abrange assim o período crucial desta crise agrária, permitindo-nos conhecer alguns aspectos do seu desenrolar, embora, repito, na perspectiva do senhor. Como não podia deixar de ser.

1 - As rendas cerealíferas da abadia

Como todos os grandes senhores da época, o mosteiro de Alcobaça não cobrava directamente as suas rendas; mas arrendava-as todos os anos a troco de uma quantia em dinheiro.

Mas esta abadia era uma enorme casa que sustentava continuamente um numeroso grupo de pessoas, para lá também dos numerosos hóspedes que recebia, dos muitos salários, em dinheiro e géneros, que pagava, dos pobres a quem auxiliava com dádivas de cereais. Gastavam-se diariamente no mosteiro volumosas quantidades de trigo60. Por outro lado, tendo este produto uma colocação tão segura e rendosa em qualquer mercado onde fosse posto à venda, interessava ao senhor receber em géneros as rendas provenientes das suas imensas searas. Não de todas, naturalmente, porque elas se dispersavam em profusão em grande parte do País61, mas dos grandes coutos estremenhos e do pequeno mas importante couto alentejano: Beringel. Do primeiro porque aí se recolhia a maior quantidade de cereal; porque, alastrando por vários quilómetros à volta do mosteiro, o seu transporte para os celeiros centrais, na própria abadia, era mais fácil e menos oneroso62; porque daí, quando era o caso, se podiam fazer vendas mais controladas e sob a supervisão directa dos monges. Do segundo porque localizado nos arredores de Beja, numa das regiões de solos mais ricos e adaptados à cultura do trigo que Portugal podia oferecer63 e por isso habitual exportadora para fora do seu território, nomeadamente para Lisboa e para o Algarve64; porque aí as condições de solo e clima permitiam a conservação do trigo durante vários anos65, o que não acontecia nos coutos da Estremadura. Por isso aí detinha o mosteiro grandes celeiros e numerosos silos para armazenamento do trigo66; por isso aí se faziam vultosos negócios67.

Estas rendas, em anos de colheita normal, faziam entrar nos celeiros centrais do mosteiro quantidades muito volumosas de cereal68 que, no entanto, se quisermos fazer fé nas queixas que de vez em quando os monges faziam chegar ao monarca, não bastavam para os gastos da casa. O mosteiro tinha tão grandes encargos, tanto na hospitalidade que, segundo dizia, tinha de manter, como em muitas outras obrigações69, que precisavam de uma carta régia mandando a todos os concelhos que deixassem o abade comprar nos seus termos pão para o mosteiro, “ca os frades d alcobaça nom podem garecer per o pam que ham se o nom comprarem”70 e falam mesmo na “mjnguoa de pam que esse mosteiro padece”71. A ser assim, o que as vendas efectuadas desmentem, a não ser em conjunturas de escassez, em que se documentam compras, também a abadia sofreu durante esta penúria e se o pão não faltou - como de certo não faltou - tanto nas mesas monacais como também nas outras que a abadia sustentava, talvez algumas rações tivessem diminuído um tanto72 porque as rendas, essas, diminuíram bastante.

As rendas cerealíferas que alimentavam a abadia, também elas chegavam pelas mãos dos rendeiros. Cada uma das vilas com o respectivo termo73 era arrendada separadamente, por quantidades estipuladas para cada um dos cereais agricultados na região: trigo, cevada, centeio e milho.

Esta forma de recebimento das rendas tinha para o senhor muitas vantagens. Se os camponeses eram obrigados a pagar - e pagavam - o quarto e o dízimo da sua produção total74, quaisquer que fossem os cereais que tivessem cultivado e os quantitativos que tivessem recolhido de cada um deles, o senhor não estava subordinado às escolhas dos seus foreiros. Ele podia contratar com o rendeiro as quantidades que queria receber de cada um dos grãos e era isso o que fazia. Ao rendeiro restava como lucro e para pagamento das despesas que a arrecadação implicava, a diferença entre as quantias por ele acordadas com o mosteiro e as que efectivamente arrecadara. Independentemente de saber em que cereais se haviam verificado essas diferenças e os respectivos valores.

Todos os senhores preferiam as suas receitas cerealíferas em trigo. Era com ele que queriam confeccionado o pão que se servia às suas mesas e era ele que, colocado no mercado, trazia de volta os lucros mais significativos. O Abade de Alcobaça queria receber as suas rendas cerealíferas na base de dois terços de trigo para um terço de segunda.

A cevada era um cereal utilizado, ao menos nos anos de colheita normal e entre as famílias com algum poder económico, na alimentação animal, sobretudo cavalar e muar75, sendo assim a base sobre que assentava todo o sistema de transportes e comunicações e da força militar76. Era também importante por isso mesmo. Daquele terço que ficara reservado para os cereais de segunda o mosteiro recebia em cevada dois terços, isto é, dois nonos do total.

Apenas um nono restante ficava reservado para o centeio e o milho - miúdo ou alvo, porque o maiz estava longe de chegar até nós e o painço quase não se encontra na documentação alcobacense -, que dividiam igualmente entre si essa porção. Eram estes, centeio e milho, cereais com pouco significado entre as famílias possidentes ou mesmo acomodadas. Isto em toda a zona mediterrânica e em Portugal em toda a sua metade sul. Teria que ser assim no mosteiro. Aliás, no âmbito das fontes proporcionadas por Alcobaça, milho e centeio aparecem sem utilização específica para lá de umas vagas referências à alimentação animal: aves e cães. As aves - de capoeira - podiam alimentar-se com milho e também com ele se confeccionavam boroas para os cães77; os cavalos, além da cevada, podiam também receber uma ração de centeio78. Nos anos de grande escassez, estes cereais chegavam às mesas da abadia79.

Isto é, as percentagens de cada uma das gramíneas que o mosteiro reclamava para si correspondiam, efectivamente, à forma como elas se encontravam hierarquizadas, de acordo com o apreço que cada uma delas merecia. E essas percentagens, se quisermos transformar os dizeres da documentação, acima referidos, numa escala de valores mais consentânea com as formas de pensamento actual, teremos que ao trigo cabiam 66,6% das rendas, à cevada 22,2% e ao centeio e ao milho 5,6% a cada um80.

Claro que a relação entre as quantias recebidas pelos monges e aquelas que correspondiam à punção exercida sobre a colheita dos camponeses podia não ser ajustada e dependia de diversos factores que passavam pelo número de interessados no arrendamento, pelo seu poder negocial, pelo estado das searas, pela capacidade de correr riscos por parte dos potenciais rendeiros e outros em cada altura actuantes, de acordo com as circunstâncias de momento. Mas se nem sempre as quantidades acordadas com os rendeiros entravam sem quebras nos celeiros monásticos, se, por vezes, demoravam anos a ser pagas, acabavam por se resolver, em regra, a contento de ambas as partes, terminando por vezes com algum do cereal a ser substituído por dinheiro81; se raramente as percentagens estabelecidas eram escrupulosamente respeitadas pelos rendeiros82, talvez por dificuldades acontecidas no preenchimento dos quantitativos respeitantes a alguns dos grãos, talvez por perdas sofridas em medições e transportes, talvez por outros motivos, de qualquer modo resultavam sempre bastante aproximadas das proporções estabelecidas nos contratos. Isto em anos de colheita normal e, mesmo que deficitária, não catastrófica.

Não assim quando a produção descia a níveis de ruptura ou muito próximo disso. O que aconteceu durante o período aqui em análise.

A colheita de 1437, se bem que não farta, resultou numa produção dentro da normalidade. Os monges encontraram homens interessados em tomar de arrendamento as suas rendas cerealíferas em todas as vilas dos coutos em que habitualmente elas eram arrendadas e arrecadaram nos seus celeiros 444 moios de cereal, de que 314 de trigo83. O ano seguinte já foi um ano mau. Os monges já não conseguiram arrendar as suas rendas em todas as vilas mas apenas nas mais populosas e onde, possivelmente, residiam homens mais ousados ou mais habituados a correr riscos84, pois as searas já tinham que mostrar bem a sua fraca qualidade. As rendas da abadia desceram a 243 moios85, isto é, pouco mais de metade do ano anterior. Mas o pior ainda não tinha acontecido. A colheita de 1439 anunciava-se ainda mais desastrosa. Em nenhuma das vilas alcobacenses foi encontrado quem manifestasse interesse em tomar de arrendamento as rendas abaciais, pelo que todas elas foram cobradas directamente pelos monges. Que apenas conseguiram carrear para os seus celeiros 146 moios de cereal86, quer dizer, tão-somente um terço do que tinham arrecadado em 143787. E se os proventos eclesiásticos sofreram um tal desgaste, nas eiras camponesas o desgaste foi ainda maior. Porque, recolhidas as rendas pelos próprios monges, toda ou quase toda a punção feita naquelas eiras foi transportada aos celeiros senhoriais e não há que ter em consideração os ganhos dos rendeiros. É certo que uma operação desta envergadura era muito dispendiosa. Dispendiosa em dinheiro, mas também em cereal. E não só porque, possivelmente - embora não se encontre documentado - alguns pagamentos terão sido feitos em géneros, como também porque a alimentação do grupo de trabalhadores, sem dúvida bastante numeroso, que colaborou na operação, terá sido feita, no todo ou em parte, à custa do mesmo cereal. Mas outros pagamentos - de transportes, medições - eram feitos a dinheiro, o que poupava o grão e, de qualquer modo, o que sempre se poupava era o lucro do rendeiro. Em resumo: a quebra de produção deve ter sido bastante maior do que aquela documentada pelas receitas monásticas.

Gráfico 1 As rendas cerealíferas (em moios) 

E o certo é que nesse ano ficaram registadas várias compras de trigo efectuadas pela abadia88.

Como já atrás ficou dito, de uma maneira geral os rendeiros não faziam entrar no mosteiro um volume de cereais a corresponder rigorosamente às percentagens pedidas. Mas andava sempre muito próximo delas e por isso os monges, homens do seu tempo, um tempo em que o rigor do quantitativo não era valorizado em demasia, não faziam muita questão do facto. Queriam apenas que fosse cumprida a soma global ajustada com o rendeiro e que as proporções se não afastassem muito do que fora estabelecido. Tanto mais que quase sempre o trigo e a cevada se revelavam excedentários, ficando abaixo do acordado o milho e sobretudo o centeio. Para a abadia estava bem assim.

Aquando das colheitas de 1437 e 1438 ainda foi isso o que aconteceu. Comparando os quantitativos arrecadados com o padrão estabelecido verifica-se que, no primeiro daqueles anos, o trigo e a cevada, com os seus 70,4% e 24,8%, respectivamente, ultrapassaram os quantitativos pedidos, enquanto o milho e o centeio com os seus 3,4% e 1,1% ficaram bastante aquém. Em 1438 ainda se manteve o esquema habitual, com o trigo muito próximo de percentagem padrão - 66,7% - como também a cevada, embora esta um pouco mais excedentária, mas só ligeiramente - 22,8%. O centeio, como habitualmente, não preencheu a sua cota. Mas verifica-se já um elemento anómalo: o milho, em regra deficitário, como acima ficou dito, porque pouco cultivado, neste ano de 1438 ultrapassou a parte que lhe estava destinada, com os seus 8,4% do total89.

Gráfico 2 As rendas cerealíferas(em %) 

As searas que iriam ser ceifadas em Julho desse ano mostraram, por certo desde cedo, aos olhos experientes dos camponeses que iriam ser, no mínimo, pouco fartas. Havia que fazer alguma coisa na tentativa de minorar a situação. E se os homens medievais não tinham grandes recursos perante conjunturas adversas, aqueles de que dispunham, esses não podiam ser desprezados.

Embora os cereais de Inverno fossem, de longe, os mais importantes e aqueles que, na verdade, saciavam a fome das populações, não podiam ser desprezados os cereais de Primavera, plantas menos exigentes sob o ponto de vista pedológico e com um ciclo vegetativo curto, permitindo, em situações de penúria, ajudar à sobrevivência das camadas sociais mais desprotegidas. Em situações adversas fazia-se bom uso desses cereais90.

É certo que se conhecia o trigo tremês e que também em Alcobaça se semeava como grão de Primavera91, mas era o milho-alvo que de preferência desempenhava estas funções supletivas e talvez com uma produtividade que podia ser bastante compensadora92. Por todo o lado se semeava milho em situações de penúria, como documentação vária, de outras proveniências, não deixa que o esqueçamos. E de tal maneira isso se apresentava aos olhos de todos como alguma coisa de muito importante, que em diversos momentos, aquando de situações de escassez, eram os próprios homens bons, em cortes, que pediam ao monarca tornasse obrigatória a sementeira de milho93.

Assim, sendo claro que nas terras de Alcobaça era também pelo milho que se começava a tentar suprir as deficiências da colheita, em 1438, chegada que era a altura das sementeiras de Primavera, semeou-se milho e com ele se supriram, no que toca às rendas da abadia, as habituais insuficiências do centeio.

Com a safra de 1439 tudo se modificou de forma drástica. Tudo tinha, aliás, que ser diferente. Nesse ano, em nenhuma das vilas se apresentou qualquer homem com interesse em tomar de arrendamento as receitas monásticas ou, se em alguma delas isso aconteceu, nenhum chegou a acordo com a abadia de modo a poder formalizar um contrato. A operação de cobrança ficou totalmente à responsabilidade dos monges.

Feita a cobrança directamante, os cereais arrecadados nos celeiros monásticos tinham que corresponder, com bastante proximidade, à composição da colheita global de todas aquelas terras. Mas que, por sua vez, devia estar longe do que costumeiramente se praticava. O milho revelou-se como um dos cereais predominantes, a par do trigo. Isso só pode significar que, vista a calamitosa situação das sementeiras de Inverno, os camponeses se apressaram a lançar à terra todo o milho possível, na ânsia de ainda reverter, ao menos algum tanto, a situação que se avizinhava. A sua representação, assim sobrevalorizada, transformou por completo aquilo que eram as habituais participações numéricas de todos os cereais94.

O que acabei de dizer penso que se torna mais claro quando analisamos os desvios verificados entre as rendas que chegavam ao mosteiro e o padrão estabelecido para a sua entrega. Nos dois primeiros anos aqui em análise, esses desvios estavam dentro da normalidade, se exceptuarmos a percentagem excedentária de milho em 1438, aliás pequena - 1,8% -, só merecendo reparo porque habitualmente esse cereal era deficitário. A grande diferença encontra-se em 1439, onde só o comportamento do centeio correspondeu ao costumado: não preencheu a respectiva cota95. Por outro lado, a grande baixa percentual do trigo - menos 20,8% relativamente ao padrão - mas que, no entanto, foi ainda a gramínea mais cultivada, torna-se tão inusitada quanto o milho, a ultrapassar, em 31,2% a percentagem padrão que lhe era atribuída96.

Gráfico 3 Os desvios relativamente ao padrão(em %) 

2 - O pão que se comia

Já por mais de uma vez abordei alguns aspectos relacionados com o pão que se confeccionava nas terras de Alcobaça durante a Idade Média e nomeadamente na sua abadia97. Não o farei de novo aqui. Mas talvez não seja inoportuno, perante o descalabro que os números atrás apontados mostram para a aneza de 1439, tecer algumas considerações sobre o assunto.

Não sabemos, e qualquer projecção sobre o tema será falível, com que intensidade grassou a fome nestas terras e muito menos se houve consequências ainda mais graves. Com base documental, como adiante referirei, apenas é possível saber que algumas famílias esgotaram completamente ou quase as suas reservas cerealíferas, a ponto de consumirem a própria semente. Nestas circunstâncias, houve, com toda a certeza, uma subalimentação agravada ao menos entre as famílias mais pobres e aquilo a que Armindo de Sousa chamou “fome cultural” em contraponto com a “fome biológica”98, isto é, a falta de alimentos consagrados pelo costume, diferente da falta total de alimentos. E se o pão era o primeiro desses alimentos culturalmente consagrados, havia que confeccioná-lo de qualquer maneira.

É de crer que os monges continuaram, neste ano de penúria, a consumir o mesmo pão branco de sempre. Até porque as sêmeas que saíam de uma segunda peneiração da farinha destinada ao seu fabrico nunca se desperdiçavam, antes eram utilizadas na confecção de outros pães destinados a outras mesas postas na abadia. E, não obstante o grande abatimento das rendas, o trigo arrecadado pelo mosteiro era mais do que suficiente para a mesa monacal. Mas nem todos, no mosteiro, continuaram a comer o pão habitual.

Como sempre acontecia em todo o lado em circunstâncias semelhantes, a taxa de extracção de farinha aumentava e tanto mais quanto mais rareasse o cereal99. Depois, todos os grãos de segunda entravam na panificação. Aqui, em primeiro lugar o milho, porque, de acordo com o que atrás ficou dito, era o mais abundante, mas também porque o milho-miúdo produz um pão de bastante boa qualidade100. Mesmo dentro do mosteiro vemo-lo entrar no forno, juntamente com o centeio já após a safra de 1438, mas sobretudo da de 1439101, decerto para entrarem ambos no fabrico do pão destinado aos servidores da Ordem.

Sendo assim no mosteiro, não podia ser de outro modo nas vilas e aldeias que se espalhavam pelos coutos. Antes os efeitos negativos da escassez resultariam agravados. Como penso ter mostrado em trabalho anterior, os camponeses residentes nas terras de Alcobaça comiam sobretudo um pão confeccionado à base de farinha de trigo102, mas por certo, como é expectável e como acontecia em outros lugares, além da taxa de extracção de farinha se ter elevado ao máximo, como já ficou dito, a dona de casa pouparia o seu trigo, que iria juntando ao milho nas quantidades possíveis, para enriquecer o pão da família. Comia-se, assim, um pão cada vez mais escuro e áspero e também com menos qualidades nutritivas, não só porque com menor quantidade de trigo, como também porque, com uma seara debilitada, o próprio grão tinha diminuído de qualidade, apresentando-se menos denso e produzindo menos farinha103.

Ao mesmo tempo, era habitual consumirem-se os cereais de segunda em outras preparações culinárias como as papas ou os caldos, consumo que, aliás, não se resumia aos períodos de escassez e chegou quase até aos nossos dias104.

Nestas circunstâncias, a hierarquia dos cereais esvaía-se. Não só a segunda passava a desempenhar o papel do trigo - no fabrico do pão, como já ficou dito, mas também na distribuição de esmolas e outras dádivas por parte do mosteiro105, no pagamento de salários106 -, como a relação de preço entre ambos, tradicionalmente de um para dois ou próximo disso107, se tornava paritária ou quase108, o que também acontecia com os próprios cereais. Se, em anos normais, a eventual substituição de trigo por um cereal de segunda se fazia na base de um para dois, a acompanhar o comportamento dos preços, na aneza de 1439 e mesmo já na de 1438, vários pagamentos habitualmente feitos no cereal nobre foram-no em milho - “em preço de trigo”, segundo o dizer da época, isto é, na base de um para um109. E este é mais um indício seguro da entrada cada vez mais volumosa dos grãos miúdos na panificação.

Não é possível saber se o pão dos camponeses, a partir daqui, ainda via a sua qualidade mais diminuída. É sabido como, em casos de fome extrema, e não imaginando os homens e as mulheres da Idade Média subsistir sem o pão, se farinavam para confeccioná-lo, além das castanhas e das bolotas sobretudo de azinheira, o que já era longamente tradicional, também legumes, raízes comestíveis e até cascas de árvores110. O medo de morrer de fome era real para largas camadas de população111 e, por isso, ia-se muito longe na procura e na diversificação de alimentos, sobretudo para conseguir pão. Sempre o pão.

Não existem quaisquer indícios de elementos exógenos a entrarem na panificação nas terras de Alcobaça e não entraram, como toda a verosimilhança. Mas que o pão perdeu muito da sua qualidade e que as rações de muitos diminuíram bastante; que se utilizaram largamente os cereais de segunda, incluindo a cevada; que os mais pobres se sentiram acossados e que o medo de morrer de inanição bateu às suas portas, isso está dentro de toda a possibilidade que a documentação permite vislumbrar. Nem de outro modo se podia entender a reacção das gentes perante uma baixa de produção como aquela que ficou registada. Tanto mais que até em Beringel, situado, como já atrás ficou dito, numa terra que exportava trigo para fora de região e ocupava aí um dos espaços mais produtivos, se viram, nesta altura, os celeiros monásticos a serem assaltados e despojados de todo o grão aí armazenado112.

3 - O comportamento dos preços

Entretanto, os preços iam subindo. Aliás, os preços dos cereais panificáveis - o trigo em primeiro lugar - oscilavam constantemente e, mesmo em anos de produção normal, iam subindo à medida que a época das ceifas ia ficando mais afastada113 e podiam mesmo duplicar durante o ano agrícola114. Todavia, perante uma quebra real de produção, ou até mesmo uma simples ameaça, verdadeira ou imaginada, de que isso ia acontecer, os preços podiam subir de forma dramática.

Claro que o fenómeno era sobretudo urbano. A cidade vivia já muito dependente do mercado e qualquer oscilação na oferta de um produto tão sensível como o cereal era susceptível de produzir consequências da mais variada ordem. E da mais variada grandeza. Bastava que um rumor se espalhasse anunciando que o trigo iria faltar para que a afluência ao mercado crescesse em desmesura e provocasse ela própria uma carestia que ia aumentando à medida que o rumor crescia e alastrava115. Se a escassez de cereais se prolongava e às vezes por vários anos, a alta dos preços podia tomar proporções assustadoras116 e arrastava consigo os preços de outros bens alimentares e não só117.

Naturalmente que em ambientes rurais como o que aqui está em análise, tudo, a este nível, se passava de modo diferente. Mas sendo os preços do trigo, como diz Antoni Riera Melis, que determinavam em última instância a conjuntura económica118, oscilações tão espectaculares como aquelas que por vezes se verificavam tinham, necessariamente, que alastrar as suas consequências a todos os ambientes. E assim também aos rurais, aos produtores. Como Alcobaça.

Em Alcobaça em data não muito anterior a Junho de 1437, mas impossível de precisar melhor119, o alqueire de trigo valia sete reais, mas logo subiu para dez e assim se foi mantendo ao longo do ano. Era um preço aceitável e praticado também em contextos urbanos, até porque em Junho do mesmo ano foi esse o valor de referência estipulado por D. Duarte para o pagamento de salários a oficiais do concelho de Lisboa120. Mas esse foi um preço que não demorou muito a ser superado, com subidas constantes ao longo do ano de 1438, ano em que atingiu o preço de trinta reais, valor que até aí, tanto quanto a documentação permite saber, nunca fora atingido121, mas para rapidamente passar aos quarenta e aos cinquenta reais, valor que manteve, a par de outros menores. Todavia, e vista a fraca produção de 1439, subiram ainda um pouco mais, até ao valor máximo de cinquenta e cinco reais122.

Gráfico 4 A evolução dos preços do trigo (em reais/alqueire) 

Preços praticados num mercado rural, como era o de Alcobaça, correspondentes, quase todos eles, a vendas feitas pelo mosteiro a revendedores que iriam apresentar o trigo em outros mercados, sem dúvida urbanos, esses preços só podiam subir bastante no consumidor final. A tornarem-se incomportáveis para muitas bolsas. A sugerirem-nos a verosimilhança, nesses lugares, da introdução de farinhas de várias espécies, algumas, talvez, de procedências exógenas, na panificação dos pobres, como acontecia com frequência123. E como já atrás ficou lembrado.

Mesmo aqui, em Alcobaça, analisando os preços médios124 que o trigo foi atingindo ao longo dos três anos documentados, infelizmente com algumas falhas de informação, vemos desenhar-se uma autêntica espiral de preços que nem sequer abranda com a aproximação das ceifas - o mês de Junho em que, eventualmente, até já se poderia ceifar alguma seara mais temporã, semeada em lugar mais soalheiro -, antes mantém o maior preço de que nos ficou registo125.

Gráfico 5 A evolução dos preços médicos 

A colheita de 1440, por sua vez, já deve ter sido normal ou próximo disso, porque o preço de que nos ficou notícia após a ceifa desse ano - infelizmente de data impossível de precisar com rigor - mostra uma quebra brusca para os níveis anteriores à escassez126. O que era habitual em casos semelhantes127.

4 - Alguns efeitos secundários

a - A valorização dos grãos inferiores

Sendo o trigo, nas terras de Alcobaça, o primeiro dos cereais panificáveis e o que todos mais consumiam em anos de colheita normal, porque o mais produzido em todas estas glebas, já atrás ficou visto como, em anos de escassez, o milho se lhe podia aproximar bastante em volume de colheita e, por isso mesmo, o podia substituir em diversas circunstâncias, inclusive na panificação do próprio mosteiro. Mas se o milho se apresentava, de entre os grãos secundários, como o mais proeminente, era apenas porque a sua condição de cereal de Primavera permitia uma larga sementeira suplementar, mas todos os outros o acompanhavam - uma presença benfazeja e sempre desejada.

Porém, não só os cereais de segunda: também as leguminosas. E era assim em todo o lado.

Em circunstâncias normais, os legumes conheciam um cultivo difuso por todo o lado. Sobretudo as favas, sem dúvida os mais importantes128, até porque o seu grão tinha atingido já um tamanho relativamente grande, mas também ervilhas, chícharos, lentilhas, grãos-de-bico, feijões e outros ainda129. Naturalmente, em épocas de escassez cerealífera, o seu cultivo intensificava-se e as suas formas de consumo diversificavam-se, a entrarem, como já atrás ficou dito, na própria panificação. Deste modo, já alguns investigadores os têm considerado como verdadeiros cereais de substituição130.

Assim era, também, nas terras senhoreadas pelo mosteiro de Alcobaça.

É certo que a documentação - e repito: toda ela de proveniência monástica -, embora se refira com frequência às leguminosas, fá-lo quase sempre de forma estereotipada e englobando-as a todas no mesmo grupo e sem individualizar qualquer delas. As mais das vezes que as fontes alcobacenses as mencionam é no contexto dos contratos de locação de terras, onde ficava dito que delas se pagava o quarto da produção, na eira, como os cereais131. Mas a partir daí é o silêncio, ou quase. Arrendadas as rendas, os monges pareciam desinteressar-se delas e deixá-las, na sua totalidade, aos rendeiros.

Mas não assim os camponeses.

Em Alcobaça, como em todo o lado, qualquer família aldeã cultivava junto de casa, na horta que aí afeiçoara, uma grande variedade de vegetais, onde nunca faltavam algumas leguminosas. Destinavam-se ao autoconsumo e, na sua maior parte, tal como até épocas muito próximas de nós, eram consumidas em verde. E tanto mais era assim nas terras de Alcobaça quanto, para elas, usufruíam os camponeses da vantagem de não serem oneradas com qualquer punção, regalia que lhes era assegurada pelas primitivas cartas de povoamento132 e confirmada mais tarde pelos chamados forais manuelinos133. E era essa uma vantagem apreciada e tanto que, numa determinada altura - finais do século XIV -, durante uma contenda entre Aljubarrota e o mosteiro, na lista de agravos apresentada em tribunal por aquela vila, constava o facto de que, desde havia três anos, o D. Abade lhes mandava quartar134 as verças na horta, o que ia contra os seus direitos135. Todavia, essas leguminosas cultivadas na horta ainda eram, talvez, as menos importantes, embora a sua época de produção - Primavera, princípios de Verão -, altura em que os cereais ceifados no ano anterior começavam a aproximar-se, perigosamente, da exaustão, elas fossem muito bem-vindas e afirmassem uma presença quase constante na mesa dos camponeses.

No entanto, o cultivo destas plantas em campo aberto era já o mais importante na Baixa Idade Média e encontrava-se bastante generalizado, conhecidos que eram os benefícios de vária ordem que daí advinham, tanto para as terras que enriqueciam, sobretudo em azoto, quando enterradas em verde, como para a alimentação, tanto humana como animal136. Os legumes entravam assim no ciclo de rotação dos cereais, constituindo no mundo mediterrânico, como já foi notado, o equivalente ao que na época se praticava nos terrenos cerealíferos da Europa do Noroeste com o afolhamento trienal e a sementeira dos cereais de Primavera137.

Eram estes que se secavam, que podiam ser consumidos ao longo de todo o ano, que nas épocas de penúria cerealífera podiam ser farinados e entrar na massa de que eram feitos os pães dos pobres ou eram confeccionados de várias outras maneiras. Eram estes que, na cidade, sintomaticamente, gozavam, como os cereais, da isenção de sisas e dízimas ou que, como estes, conferiam segurança aos mercadores que de fora aqui os fizessem chegar138. Prova clara da importância que lhes era atribuída no seu papel de produtos supletivos dos cereais.

Nas terras de Alcobaça fazia-se também, de forma bastante generalizada, a sementeira, ao menos parcial, dos pousios com leguminosas139 e se, como atrás ficou dito, o mosteiro parecia desinteressar-se daquele quarto que lhe pertencia, de acordo com a letra dos contratos de locação que celebrava com os camponeses, neste ano de 1439 arrecadou-as em todas as vilas onde também arrecadou o cereal140.

Os legumes chegados ao mosteiro foram a fava, o grão-de-bico, o tremoço, a ervilha e o chícharo. Quase todos em pequenas ou mesmo muito pequenas quantidades141.

Gráfico 6 Renda das leguminosas em 1439 (em alqueires) 

Nota-se, neste enumerado, a falta de dois dos legumes mais cultivados e consumidos no Ocidente europeu: a lentilha e o feijão. Se nas hortas dos camponeses alcobacenses eles tinham alguma expressão, essa não podia ser grande, na medida em que não o comportava o espaço sempre tão pequeno e tão retalhado da horta. Aparentemente, não entravam no pousio das searas, nem sequer as lentilhas, nunca referidas nas fontes medievais de Alcobaça. Os feijões, pelo contrário, sabe-se que faziam parte do cardápio dos monges nos dias de abstinência ritual e em que por isso se consideravam menos bem alimentados. Mas eram adquiridos fora, em Santarém, por compra142. Quanto aos camponeses, ao menos o feijão deviam cultivá-lo, talvez a partir de algumas espécies já conhecidas que podiam consumir-se em verde, com a respectiva vagem143. Apenas semeados na horta.

Os quantitativos de legumes secos arrecadados pela abadia neste ano de 1439, não obstante serem, como disse, pouco avultados, foram recolhidos em quantidades muito díspares desde os 113,5 alqueires de tremoços até ao menos de um alqueire de chícharos144. O que talvez tenha algum significado em termos das utilizações que eram dadas a cada um deles e da conjuntura em que esta colheita se integrava.

Os tremoços, com os seus 82,7%145 do conjunto, revelaram-se largamente maioritários em todo o espaço em consideração. Mas este legume conhecia utilizações outras, bem diferentes do consumo humano. É possível que, tal como acontecia em diversas paragens, eles fossem utilizados na alimentação animal, o que libertaria para os homens e as mulheres boa parte da cevada que em regra era consumida por animais. Mas sabemos que ainda em épocas muito posteriores àquelas que aqui estão em apreço, se faziam nestas terras grandes sementeiras de tremoço para azotar os solos, pelo seu enterramento na época da floração146. Pelo que era necessário reservar grandes quantidades para lançar à terra no ano seguinte. Como, por outro lado, não podiam ser consumidos em verde, todos chegavam à eira, e aí a punção senhorial lá estava, para se exercer sobre eles. Por tudo isto avultaram de forma tão exuberante.

As favas eram também nestas terras, como em outros lugares, os legumes mais consumidos147. Aqui, os seus 13,5% no conjunto das rendas monásticas não parecem confirmá-lo. Mas há alguns aspectos a tomar em consideração. Por um lado, a presença grandemente maioritária dos tremoços, a conseguir uma redução drástica das representações de todos os outros legumes; por outro, eles não se dirigiam, sequer na sua maior parte, à alimentação humana.

A fava, pelo contrário, destinava-se ao consumo humano, independentemente de à planta, que não ao grão, serem dadas outras utilizações, como o enterramento e a alimentação animal, e sabe-se que ela entrava com muita frequência em todas as mesas. Nos casos em que foi possível saber quando e a que ritmo isso acontecia, verificou-se uma presença assídua durante os meses de Abril/Maio, a denunciar, precisamente, a sua condição de legume verde. E isto em mesas com alguma ou mesmo muita exigência148. Podendo os camponeses de Alcobaça alimentar-se livremente de legumes, tendo, muitos deles, exaurido as suas reservas cerealíferas149, com uma ceifa que se anunciava mais desastrosa ainda do que a anterior, todas aquelas famílias se alimentariam, o mais possível, desse bem-vindo recurso que eram as favas. E que eram todos os outros legumes, sobretudo também as ervilhas, com apenas 2,4% nas receitas da abadia, mas podendo, do mesmo modo, comer-se livremente em verde. E todos os outros, que todos eram uma bênção em períodos de carência.

Penso que a fraca representação dos legumes secos destinados à alimentação humana se deveu, neste ano de 1439, a um grande aumento do seu consumo em verde, na falta dos cereais.

Um outro sucedâneo do pão, que também muito se utilizava em períodos de penúria e não só, era a castanha. As terras de Alcobaça não se encontram na zona preferencial do castanheiro, que procura terras mais frias, mas ele ainda aí cresce e frutifica com alguma facilidade. Em redor do mosteiro e até à Maiorga, erguiam-se pequenos soutos, matas mais cuidadas porque a dominância pertencia ao castanheiro150. Aliás, os seus frutos faziam parte, como os legumes, dos jantares monásticos nos dias em que a refeição era “magra”, isto é, nos dias em que, ritualmente, deviam alimentar-se de peixe151. Devido às suas qualidades nutritivas. Assim sendo, sobretudo em épocas de fome, fazia-se sempre das castanhas o maior consumo possível, utilizando-as cruas ou em diversas preparações culinárias, inclusive na panificação152. Embora mais moderadamente do que em outras regiões mais a Norte, porque o produto não abundava, também os camponeses alcobacenses não deixavam de introduzir a castanha nas suas refeições, sempre que isso se tornava possível.

b - Dificuldades subsequentes

Com maior ou menor intensidade, esta escassez cerealífera atingiu a generalidade das famílias, para lá daquela ínfima camada de gentes possidentes. De forma diferente na cidade e no campo, mas tanto nuns locais como noutros, a fome ou, ao menos, o seu fantasma muito nítido bateram a quase todas as portas. O que não podia ter deixado de acontecer, dado que acontecia com frequência mesmo em épocas de abastecimento normal. Ao menos nas casas de gente pouco abonada, que era a maioria. Giovanni Cherubini diz-nos mesmo que “la minaccia della fame o la fame pura e semplice erano […] compagne inseparabili dell’uomo del Medioevo”153.

Nesta medida, os camponeses trabalhavam afadigadamente durante o ano inteiro para o autosustento da família e para pagar todos os tributos devidos ao senhor da terra. Assim todos aqueles que habitavam os coutos alcobacenses, uma vez que viviam em terras senhoriais, que todas elas pertenciam ao mosteiro. Se uma ou outra família detinha, fora deste circuito, algumas glebas alodiais, tal facto não surgiu, nem seria expectável que surgisse, na documentação que temos disponível. De qualquer modo, não seriam muitas as famílias nessas condições e, se residiam nos coutos, é lógico pensar que aí teriam a maior parte dos seus interesses económicos. Em resumo: a generalidade destes camponeses via sempre substancialmente reduzidas as suas colheitas após os pagamentos devidos ao mosteiro. Poucos ou nenhuns excedentes seriam capazes de produzir.

Porém, neste final da Idade Média toda a sociedade, urbana como rural, encontrava-se já bastantes monetarizada, de modo que também os camponeses precisavam de algumas moedas para compra de um ou outro produto indispensável que não eram capazes de produzir e para satisfazer diversos encargos. Por isso, podiam mesmo precisar de aventurar-se a colocar no mercado algumas pequenas quantidades dos víveres que arrancavam à terra. O que, em regra, não era muito compensador, a não ser que o próprio fizesse o transporte. Neste caso, o mercado teria que ser próximo e as quantidades realmente pequenas.

Para os camponeses de Alcobaça, os mercados mais apropriados e revestindo já alguma dimensão eram os de Leiria e Óbidos, possíveis de atingir em menos de um dia, para homens que se deslocavam a pé ou, se se queria algo de maior dimensão, era preciso demandar Santarém, mas para isso gastava-se todo um dia de marcha a partir de Alcobaça154. O que não assustaria caminheiros experientes como eram todos os camponeses medievais.

Ora, o trigo era um produto com larga aceitação em qualquer mercado urbano e tanto maior quanto mais pobre se revelasse a oferta do mesmo. Por outro lado, quando a inflação se manifestava actuante, então, sim, a venda de alguns alqueires de trigo podia apresentar-se como sendo compensadora155.

Por outro lado ainda, sabe-se que, em alturas de carência cerealífera, pequenos comerciantes e até artesãos apresentavam-se em mercados compensadores a vender trigo comprado a camponeses das proximidades ou até mais afastados156, pelo que percorriam as aldeias com propostas por certo aliciadoras.

Não há notícia de semelhantes procedimentos nas terras de Alcobaça, mas as circunstâncias permitem, pelo menos, colocar as hipóteses de alguma destas ocorrências perante a subida documentada dos preços e a certeza do seu aumento bem maior em qualquer mercado urbano. É possível que um ou outro dos camponeses alcobacenses se sentisse aliciado ou até pressionado pelas circunstâncias a desfazer-se de algum do seu trigo, pensando subsistir, até melhores tempos, com os grãos de segunda e as leguminosas.

Mas o que é realmente seguro é que algumas famílias acabaram por esgotar completamente as suas reservas e viram-se constrangidas a consumir também uma parte da semente.

Era esta uma situação aflitiva e desastrosa. E tanto assim que até as elites concelhias, aquelas cuja voz era audível porque tinham assento em cortes, se mostravam sensíveis a esta circunstância, a ponto de apresentarem o pedido de que, quando algum lavrador tivesse dívidas, o não mandassem penhorar nos bois de arado e na semente, se outros bens tivesse, “polla grande perda que se lhe sege por ficar sem boys e sem semente”157.

Sem semente ou com pouca para lançar à terra, a colheita do ano seguinte encontrava-se seriamente comprometida, ainda que as condições meteorológicas e outras se mostrassem propícias ao desenvolvimento das plantas. Havia que envidar todos os esforços no sentido de colmatar a lacuna.

O recurso mais comum era recorrer ao empréstimo158. Mas, em regra, na própria comunidade não havia muita margem de escolha, porque todas ou quase todas as famílias da região se encontravam em situação semelhante ou, quando muito, tinham à justa as quantidades de que precisavam para as suas searas.

Porém, o senhor tinha sempre excedentes e não lhe convinha que as terras ficassem improdutivas, uma vez que também seria participante do prejuízo. Emprestava cereal aos seus foreiros, para sementeira, sim, mas por vezes também para consumo.

Assim fizeram os monges alcobacenses nesta conjuntura depressiva. Entre 8 de Maio de 1439 e 3 de Março de 1440, emprestaram aos seus camponeses, entre trigo e milho, perto de oito moios de cereal159, por vezes com a indicação de que se destinava à sementeira160, outras talvez também ao consumo161. Pena que na maior parte dos casos o destino do grão não tivesse sido registado. Mas, entre 8 de Maio e 10 de Dezembro de 1439, o cereal emprestado foi maioritariamente o milho162, o que leva a crer que os primeiros empréstimos terão sido para lançar à terra, mas não os últimos, já demasiado tardios. Para estes, o destino mais lógico seria o consumo. Entre 12 de Fevereiro e 3 de Março de 1440 emprestou-se trigo163. Algum dele também para semear, como já foi registado. Lançado à terra já em finais de Fevereiro - até 22164 -, era sem dúvida trigo tremês, também ele de Primavera, que, com o seu ciclo vegetativo mais curto do que os de Inverno, ajudaria ainda a compor a colheita desse ano de 1440. Aliás, uns dias antes seguira para uma das searas do mosteiro, dita “do abade”, na Roda, uma remessa de trinta alqueires de trigo “para semear” e registou-se a seguir trigo tremês165. Tudo se fazia, em conjuntura tão depressiva, para minorar a escassez.

É certo que por esta via os aldeãos resolviam alguns dos seus problemas mais imediatos. Mas é certo também que uma parte da colheita futura ficava desde logo comprometida, porque em conjunto com os foros habituais havia que pagar o empréstimo, com ou sem juros, juros que também as instituições religiosas podiam cobrar166. Nada nos permite saber se o mosteiro cobrava ou não algum interesse por esses empréstimos, mas, mesmo que o não fizesse, tinha que ser ressarcido das quantias emprestadas. E mesmo sem esse ónus suplementar, a conjuntura já era suficientemente má para ter deixado muitas sequelas.

Para finalizar

Não é possível saber que outras marcas, permanentes ou não, esta escassez cerealífera deixou nas terras de Alcobaça.

O mosteiro, embora tenha tido alguns prejuízos, que teve - a diminuição das rendas, os gastos causados pela cobrança em 1439, o assalto aos celeiros de Beringel, não foram compensados pela subida dos preços -, mas os monges eram ainda, nesta altura, muito ricos167, pelo que facilmente se recompuseram, se é que, na verdade, chegaram a precisar disso.

Mas não assim as famílias camponesas, pelo menos em boa parte. Se elas eram tão pobres como o próprio abade reconhecia e atrás ficou referido; se tantas dessas famílias precisaram recorrer ao empréstimo, ao menos de cereal168, é porque a fome chegou a bater às suas portas e elas envidaram os esforços possíveis para a não deixar entrar. Se é que o conseguiram. No entanto, como a conjuntura depressiva se não arrastou por demasiado tempo - como atrás ficou dito, a colheita de 1440, como tudo leva crer, já se mostrou normal ou próximo disso -, é possível que as feridas se tivessem curado com alguma rapidez e não tivessem chegado a ser muito profundas169.

Todavia, quando se trata de camponeses, que não falavam por si próprios porque a sua voz não era audível, temos que ficar, muitas vezes, por conjecturas.

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1Massimo Montanari, com cópia de argumentos, deixou bem demonstrado, ao longo de vários dos seus trabalhos, como, no decorrer da Idade Média, a carne se foi tornando cada vez mais rara, não só nas mesas dos pobres como também nas das famílias acomodadas: MONTANARI, Massimo - L’alimentazione contadina nell’ Alto Medioevo. Nápoles: Liguori Editore, 1979, pp. 211-218, 425-456; MONTANARI, Massimo - “II ruolo della caccia nell’economia e nell’alimentazione dei ceti rurali dell’ Italia del Nord. Evoluzione dell’ Alto al Basso Medioevo”. In La chasse au Moyen Âge. Actes du colloque de Nice (22-24 juin 1979). Paris: Belles Lettres, 1980, pp. 331-345; MONTANARI, Massimo - “Valeurs, symboles, messages alimentaires durant le Haut Moyen Âge”. Médiévales 5 (1983), p. 58; MONTANARI, Massimo - “Mutamenti economico-sociali e transformazione del regime alimentari dei ceti rurali”. In Campagne medievali. Strutture produttive, rapporti di lavoro, sistemi alimentari: Turim: Einaudi, 1984, p. 152; MONTANARI, Massimo - “La società medievale di fronte alla carestia”. In Campagne medieval, pp. 192-194; MONTANARI, Massimo - “Gli animali e l’alimentazione umana”. In L’uomo di fronte al mondo animale nell’Alto Medioevo. XXXI Settimani di studi del Centro Italiano di Studi sull’ Alto Medioevo, t. I. Spoleto: Fondazione Centro Italiano di Studi sull’Alto Medioevo, 1985, p. 620.

2Veja-se, por todos, MONTANARI, Massimo - El hambre y la abundancia. Historia y cultura de la alimentación en Europa. Trad. de Juan Vivanco. Barcelona: Crítica, 1993, p. 106.

3MONTANARI, Massimo - El hambre y la abundancia, p. 26.

4COMET, Georges - Le paysan et son outil. Essai d’histoire téchnique des céréales (France, VIII e -XV e siècle). Roma: École française de Rome, 1992, p. 215; COMET, Georges - “Dur ou tendre? Propos sur le blé médiéval”. Médiévales 16-17 (1989), p. 105; KAPLAN, Steven Laurence - Le meilleur pain du monde. Les boulangers de Paris au XVIII e siècle. Trad. de Pierre-Emmanuel Dauzat. Paris: Fayard, 1996, p. 55.

5O azeite conheceu sorte um pouco diferente, dado que entre as camadas mais proeminentes da sociedade europeia acabou por ser preterido, por influência germânica, em favor da manteiga ou antes do que, ao tempo, se aplicava esse nome, mas não passava ainda de uma rudimentar conserva de leite azedo. Vejam-se: FEBVRE, Lucien - “Folklore et folkloristes. Problèmes et bilans”. In Pour une histoire à part entière. Paris: S.E.V.P.E.N, 1962, reimp. de 1982, p. 616; HÉMARDINQUIER, Jean-Jacques - “Les graisses de cuisine en France: essais de cartes”. In Pour une histoire de l’alimentation. Cahier des Annales 28 (1970), p. 259; MONTANARI, Massimo - L’alimentazione contadina nell’ Alto Medioevo, p. 394; MONTANARI, Massimo “Tra lardo e olio: i grassi nell’ alimentazione contadina e signorile dell’ Alto Medioevo”. In BRUGNOLI, Andrea; VARANINI, Gian Maria (coord.) - Olivi e olio nel Medioevo italiano. Bolonha: CLUEB, 2005, p. 374.

6Conhecem-se alguns episódios e quase sempre protagonizados por figuras cimeiras da sociedade, que documentam isso mesmo. Veja-se, por exemplo, o que dizem CATARINO, Maria Manuela - “A carne e o peixe nos recursos alimentares das populações do Baixo Tejo”. In ALARCÃO, Miguel; KRUS, Luís; MIRANDA, Maria Adelaide (coord.) - Animalia. Presença e representações. Lisboa: Edições Colibri, 2002, p. 49, onde o protagonista é nada menos que Nuno Álvares Pereira, ou MONTANARI, Massimo - “La cerealicoltura nell’Italia del Sud: vocazione produttive e culturali”. In Uomini, terre, boschi nell’ Occidente medievale. Catânia: CUECM, 1992, p. 156, com personagem de estatura semelhante.

7É este um assunto que tem interessado muitos investigadores. Podem ver-se, entre outros: DUBY, Georges - “Le grand domaine à la fin du Moyen Âge en France”. In Hommes et structures au Moyen Âge. Paris - La Haye: Mouton, 1973, p. 134; SLICHER VAN BATH, B. H. - Historia agraria de Europa Occidental (500-1850). Trad. de F. M. Lorda Alaiz, 2ª ed. Barcelona: Península, 1978, p. 259; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal. A questão cerealífera durante a Idade Média, 3.ª ed. Lisboa: Ed. Cosmos, 1978, pp. 48-49; COELHO, Maria Helena da Cruz - O Baixo Mondego nos finais da Idade Média (Estudo de história rural). Vol. I. Coimbra: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1983, pp. 142-143; MONTANARI, Massimo - “Rese cerealicole e rapporti di produzione”. In Campagne medievali. Strutture produttive, rapporti di lavoro, sistemi alimentari. Turim: Einaudi, 1984, pp. 55-85; COMET, Georges - Le paysan et son outil, pp. 313-315; PINTO, Giuliano - “Economia e società di un castello maremmano: Scarlino fra Quattro e Cinquecento”. In Toscana medievale. Paesaggi e realtà sociali. Florença: Casa Editrice le Lettere, 1993, p. 201.

8Estes assuntos já prenderam a atenção de diversos investigadores como MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 111-112, 118-119; WOLFF, Philippe - Automne du Moyen Âge ou Printemps des Temps Modernes? L’économie européenne au XIV e et XV e siècles. Paris: Flammarion, 1986, p. 16; MENJOT, Denis - Murcie castillane. Une ville au temps de la frontière (1243-milieu du XV e s.). Vol. I. Madrid: Casa de Velázquez, 2002, p. 556; MONTEANO, Peio J. - Los Navarros ante el hambre, la peste, la guerra y la fiscalidad. Siglos XV y XVI. Pamplona: Univ Públic Navarra/Nafarroako Unib Publik, 1999, p. 101 GONÇALVES, Iria - “A propósito do pão da cidade na Baixa Idade Média portuguesa”. In SILVA, Carlos Guardado da (coord.) - Turres Veteras IX. História da Alimentação. Torres Vedras: Câmara Municipal de Torres Vedras - Universidade de Lisboa - Ed. Colibri, 2007, p. 53 e muitos outros.

9Sobre os flagelos naturais que assolaram a Idade Média e sobretudo nos seus séculos finais pode ver-se uma boa síntese em BERLIOZ, Jacques - “Flagelos”, trad. de Vivian Coutinho de Almeida. In LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (coord.) - Dicionário temático do Ocidente medieval. Trad. coord. por Hilário Franco Júnior, vol. I. Bauru - S. Paulo: EDUSC - Imprensa Oficial do Estado, 2002, pp. 458-463.

10Estes foram sobretudo as guerras que, nomeadamente na sua vertente de guerrilha - a “guerra guerreada”, na expressão da época -, se aplicava de forma sistemática a destruir as bases de subsistência do inimigo.

11BRAUDEL, Fernand - “La terre”. In BRAUDEL, Fernand (dir.) - La Méditerranée: l’espace et la terre. [Paris]: Flammarion, 1985, p. 41.

12RIERA I MELIS, Antoni - “Els pròdroms de les crisis agràries de la Baixa Edat Mitjana a la Corona d’Aragó. 1250-1300”. In Miscel.lània en homenatje al P. Agustí Altisent. Tarragona: Diputació de Tarragona, 1991, p. 36.

13Fernand BRAUDEL (“La terre”, cit., p. 26) diz-nos mesmo que o clima mediterrânico é estranho e hostil à vida das plantas e que nele “l’équilibre se fait en definitive regulièrement contre l’homme” (ib., p. 40).

14Como é o caso, entre todos significativo, da oliveira, a que se podem juntar a videira e algumas árvores de fruto.

15DUBY, Georges - Guerriers et paysans: VII e -XII e siècle. Premier essor de l’économie européenne. Paris: Gallimard, 1973, p. 26. É assim que este autor se exprime: “… il ne faut pas croire qu’une société humaine se nourisse de ce que la terre où elle est implantée serait la plus apte à produire, elle est prisonnière d’habitudes que se transmettent de génération en génération et qui se laissent difficilement modifier; elle s’acharne donc à vaincre les resistences du sol et du climat pour se procurer à toutes forces les aliments que lui imposent de consommer ses coutumes e ses rites”. Dizeres incisivos e bem certeiros.

16Entre 80 a 90% da população medieval era constituída por camponeses, de acordo com os cálculos de Fernand BRAUDEL (“La terre”, cit., p. 40), com o que concordam vários outros investigadores.

17É ainda Fernand Braudel quem reconhece que as difíceis condições destes solos e deste clima colocam grandes entraves à agricultura e agem sobre o povo mediterrânico “en le condanant sans fin à la sobriété” (ib.).

18Sobre algumas destas dificuldades que se fizeram sentir durante a Idade Média, produzindo acentuadas quebras de produção cerealífera e consequentes carestias e mesmo fomes, existe uma numerosa bibliografia. Para Portugal podem ver-se os trabalhos de MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 35, 37; MATTOSO, José - “1096-1325”. In MATTOSO, José (coord.) - História de Portugal. Vol. I - A monarquia feudal (1096-1480). [Lisboa]: Círculo de Leitores, 1993, p. 102; FERREIRA, Sérgio Carlos - Preços, salários e níveis de vida em Portugal na Baixa Idade Média. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2014. Dissertação de Mestrado, pp. 85, 90, 97-98, 100, 102. Para outras partes da Europa poderei citar, como exemplo: LE ROY LADURIE, Emmanuel - Histoire du climat depuis l’an mil. Paris: Flammarion, 1967, p. 285; RUBIO VELA, Agustín - “Crisis agrarias y carestías en las primeras decadas del siglo XIV: el caso de Valencia”. Saitabi 37 (1987), p. 144; RIERA I MELIS, Antoni - “Los sistemas alimentarios de los estamentos populares en el Mediterráneo noroccidental durante la Baja Edad Media”. In LÓPEZ OJEDA, Esther (coord.) - Comer, beber, vivir: consumo y niveles de vida en la Edad Media hispánica. XXI semana de estúdios medievales. Nájera del 2 al 6 de Agosto de 2010. Logronho: Instituto de Estudios Riojanos, 2011, p. 61; RIERA I MELIS, Antoni - “El mercat de cereals a la Corona catalanoaragonesa. La gestió de les crisis alimentaries al segle XIII”. In RIERA I MELIS, Antoni (coord.) - Crisis frumentàries, iniciatives privades i politiques publiques de proveïment a las ciutats catalanes durant la Baixa Edat Mitjana. Barcelona: Institut d'Estudis Catalans, 2013, p. 53.

19Estas preces implorando chuva na região em que nos inserimos encontram-se documentadas um pouco por todo o lado e já numerosos investigadores delas nos deram conta. Podem ver-se alguns deles: LARENAUDIE, Marie-Josephine - “Les famines en Languedoc aux XIVe et XVe siècles”. Annales du Midi, t. 64, fasc. 1 (1952), pp. 30-31; MUTJÉ VIVES, Josefina - La ciudad de Barcelona durante el reinado de Alfonso el Benigno (1327-1336). Madrid - Barcelona: CSIC, 1987, p. 43; MUTJÉ VIVES, Josefina - “L’abastament de blat a la ciutat de Barcelona en temps d’Alfons el Benigne (1327-1336)”. In Politica, urbanismo y vida ciudadana en la Barcelona del siglo XIV. Barcelona: CSIC, 2004, p. 218; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, p. 267; GONÇALVES, Iria - As finanças municipais do Porto na segunda metade do século XV. Porto: Arquivo Histórico - Câmara Municipal do Porto, 1987. p. 105; AGUADÉ NIETO, Santiago - “En los orígenes de una conyuntura depresiva. La crisis agraria de 1255-1266 en la Corona de Castilla”. In De la sociedad arcaica a la sociedad campesina en la Asturias medieval. Madrid: Universidad de Alcalá de Henares, 1988, p. 343; BOIS, Guy - “Sur les crises économiques médiévales”. Acta historica et archeologica medievalia 16-17 (1995-1996), p. 64; CRUSELLES, Enrique; CRUSELLES, José M.ª; NARBONA, Rafael - “El sistema de abastecimiento frumentario de la ciudad de Valencia en el siglo XV: entre la subvención pública y el negocio privado”. In La Mediterrània, àrea de convergència de sistemes alimentaris (segles V-XVIII). XIV Jornades d’estudis historics locals, Palma del 29 de novembre al 2 de desembre de 1995. [Palma de Maiorca]: Institut d'Estudis Baleàrics, 1996, p. 306; FERNÁNDEZ-CUADRENCH, Jordi - “Les processons extraordinàries a la Barcelona baixmedieval (1339-1498). Assaig tipològic”. Acta historica et archeologica medievalia 26 (2005) - Homenatge a la profesora Dr.ª Carme Batlle Gallart, pp. 405-410; GIRALT RAVENTÒS, Emilio - “En torno al precio del trigo en Barcelona durante el siglo XVI”. Hispania, t. XVIII, n.º 70 (1958), p. 54; RUBIO VELA, Agustín - “Crisis agrarias y carestías”, p. 138. E podia continuar a lista de títulos, o que prova, penso, a generalidade do fenómeno.

20Foi desde há muito que os investigadores se interessaram em clarear estes períodos de escassez cerealífera que tantas marcas insofismáveis deixaram na documentação e procurar as suas causas e efeitos. Para uma cronologia mais ou menos completa desses sucessos é ainda útil o clássico estudo de ABEL, Wilhelm - Crises agraires en Europe (XIII e -XX e siècles). Paris: Flammarion, 1973, passim.

21Também em Portugal o assunto suscitou interesse desde há bastante tempo: DUARTE, Maria Teresa Lopes - Para a história dos factores de crise no Portugal medieval: 1348-1438. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1974. Dissertação de Licenciatura, pp. 55-78; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 36-45, 257-282; MARQUES, A. H. de Oliveira - Portugal na crise dos séculos XIV e XV. Vol. IV de Nova História de Portugal. Dirig. por A. H. de Oliveira Marques e Joel Serrão. Lisboa: Ed. Presença, 1987, p. 30; MATTOSO, José - “1096-1325”, p. 102; FERREIRA, Sérgio Carlos - Preços, salários e níveis de vida em Portugal, pp. 82 e seg.

22Em algumas terras altas e vales húmidos do Sul europeu também o excesso de chuva podia ser prejudicial. Vejam-se, por exemplo: PERROY, Édouard - “À l’origine d’une économie contractée: les crises du XIVe siècle”. In Études d’histoire médiévale. Paris: Publications de la Sorbonne, 1979, p. 399; BERTHE, Maurice - Famines et épidemies dans les campagnes navarraises à la fin du Moyen Âge. Vol. 1. Paris: S.F.I.E.D, 1984, p. 30 e seg. Mas também no nosso país podiam acontecer chuvas excessivas, muito prolongadas e extemporâneas, capazes de destruir as culturas, como no-lo diz a Crónica de Portugal de 1419. Ed. crítica de Adelino de Almeida Calado. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1998, pp. 100, 103-104.

23Podem ver-se: LE ROY LADURIE, Emmanuel - Histoire du climat depuis l’an mil, p. 285; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, p. 35; WOLFF, Philippe - Automne ou Moyen Âge au Printemps des Temps Modernes?, p. 15; WOLFF, Philippe - “L’approvisionnement des villes françaises au Moyen Âge”. In HIGOUNET, Charles (dir.) - L’approvisionnement des villes de l’Europe occidentale au Moyen Âge et aux temps modernes. Centre Culturel de l’Abbaye de Flaran, Cinquièmes journées internationales d’histoire, 16-18 Septembre 1983. Auch: Presses universitaires du Midi, 1985, p. 20, nota 55.

24Em trabalho anterior pude verificar que mesmo em uma pequena viagem por mar - mais rápida e menos onerosa do que por terra - entre o Porto e Lisboa, só oito dias após a partida de um navio com uma carga de cereais daquela primeira cidade se previa a descarga em Lisboa e o custo do transporte equivalia a um quarto do valor da mercadoria (GONÇALVES, Iria - “A propósito do pão da cidade na Baixa Idade Média”, p. 53, nota 22). Veja-se também HEERS, Jacques - L’Occident aux XIV e et XV e siècles. Aspects économiques et sociaux. 2.ª ed. Paris: Presses universitaires de France, 1966, p. 394.

25Como diz RIERA I MELIS, Antoni - ““Lo pus greu càrrech e perill que jurats d’aquesta ciutat han és tenir aquella sens fretura de blats”. El aprovisionamiento urbano de cereales en las ciudades de la Corona de Aragón durante la Baja Edad Media”. In SESMA MUÑOZ, Ángel (dir.) - La Corona de Aragón en el centro de su historia. 1208-1458. Aspectos económicos y sociales. Zaragoza y Calatayud, 24 al 26 de noviembre de 2009. Saragoça: Universidad de Zaragoza, 2010, p. 255; RIERA I MELIS, Antoni - “Tener siempre bien aprovisionada la población”. Los cereales y el pan en las ciudades catalanas durante la Baja Edad Media”. In ARÍZAGA BOLUMBURU, Beatriz; SOLÓRZANO TELECHEA, Jesús Ángel (ed.) - Alimentar la ciudad en la Edad Media. Nájera. Encuentros internacionales del Medievo 2008. Del 22 al 25 de julio de 2008. Logronho: Instituto de Estudios Riojanos, 2009, p. 35.

26Por vezes nem era necessário que o cereal chegasse a faltar. Bastava o rumor a desencadear o medo. Sobre este assunto, embora para uma época um pouco posterior àquela aqui tratada, o que de modo algum invalida a comparação porque as circunstâncias são as mesmas, é significativo o que ficou dito em GONÇALVES, Iria - “Um problema a resolver: a vereação das Velas e os consumos essenciais”, O Faial e a periferia açoriana nos séculos XV a XIX. Actas do Colóquio realizado nas ilhas do Faial e do Pico de 10 a 13 de Maio de 1993. Horta: Núcleo Cultural da Horta, 1995, pp. 175-188. Nas Velas, uma vila da ilha de S. Jorge, as autoridades municipais ficaram em alerta perante a suspeita de que o trigo ia faltar e accionaram os mecanismos necessários à superação de uma penúria que, ao fim e ao cabo, nem chegou a acontecer e que resultou na acumulação de uma quantidade excedentária de cereal que se tornou urgente distribuir pela população para que de todo se não perdesse. E tratava-se, aqui, de uma pequena vila açoriana; numa cidade grande ou média tudo alcançaria proporções bem maiores. E tanto o susto infundado como a distribuição forçada pelas casas dos vizinhos do cereal que ficara sem colocação não foi, de todo, uma originalidade da pequena vila açoriana, mas antes expediente comum às urbes medievais em semelhantes circunstâncias.

27Para Portugal foram examinados alguns desses mecanismos em GONÇALVES, Iria - “A propósito do pão da cidade na Baixa Idade Média”, pp. 57-61.

28Por isso, em momentos de aflição, os camponeses acudiam à cidade na ânsia de encontrar algum remédio. Vários autores se referiram ao assunto como MARTÍNEZ CAMAÑO, Francisco - “Crisis de subsistencias y estructuras de poder: el ejemplo de Barcelona en los años 1339-1341”. In La Mediterrània, àrea de convergència de sistemes alimentaris (segles V-XVIII). XIV Jornades d’estudis historics locals, Palma del 29 de novembre al 2 de desembre de 1995. [Palma de Maiorca]: Institut d'Estudis Baleàrics, 1996, p. 251; RIERA I MELIS, Antoni - “Panem nostrum quotidianum da nobis hodie. Los sistemas alimenticios de los estamentos populares en el Mediterráneo noroccidental en la Baja Edad Media”. In IGLESIA DUARTE, José Ignacio de la (coord.) - La vida cotidiana en la Edad Media. VIII semana de estudios medievales. Nájera, del 4 al 8 de Agosto de 1997. Logronho: Instituto de Estudios Riojanos, 1998, p. 35; RIERA I MELIS, Antoni - ““Lo pus greu càrrech e perill””, p. 256; RIERA I MELIS, Antoni - ““Tener siempre bien aprovisionada la población””, p. 29; MONTANARI, Massimo - El hambre y la abundancia, pp. 74-75.

29São trabalhos como os de BENITO I MONCLÚS, Pere - “Fams i caresties a la Mediterrània occidental durant la Baixa Edat Mitjana. El debat sobre “Les crisis de la crisi”. Recerques: història, economia, cultura 49 (2004), pp. 179-194; BENITO I MONCLÚS, Pere - “Carestía y hambruna en las ciudades de Occidente durante da Edad Media. Algunos rasgos distintivos”. In ARÍZAGA BOLUMBURU, Beatriz; SOLÓRZANO TELECHEA, Jesús Ángel (ed.) - Alimentar la ciudad en la Edad Media. Nájera, Encuentros internacionales del Medievo 2008, del 22 al 25 de julio de 2008. Logronho: Instituto de Estudios Riojanos, 2009, pp. 299-313; MARTÍNEZ CAMAÑO, Francisco - “Crisis de subsistencias y estructuras de poder”, pp. 251-262; RIERA I MELIS, Antoni - “El mercat de cereals a la Corona catalanoaragonesa”, pp. 47-115; RIERA I MELIS, Antoni - ““Lo pus greu càrrech e perill””, pp. 233-277; RIERA I MELIS, Antoni - “Els pròdroms de les crisis agràries de la Baixa Edat Mitjana”, pp. 35-72; RUBIO VELA, Agustín - “Crisis agrarias y carestías”, pp. 131-147.

30Nesta vertente, as matas, que haviam sempre desempenhado um papel muito importante na dádiva espontânea de uma gama muito variada de produtos continuavam ainda, de certo modo e embora de forma muito mitigada, a desempenhar essas funções. Para falar apenas de alimentos de origem vegetal, porque é destes que, de momento, se trata, continuavam ainda disponíveis nas matas, para quem os quisesse apanhar, muitos fungos de variedades diversas e sobretudo frutos secos com destaque para as castanhas, muitas das quais, embora produzidas por árvores em estado bravio, não deixavam de ser apreciadas, nomeadamente em períodos de dificuldades. Mas também as bolotas, as nozes, as avelãs, que também se podiam encontrar pelas matas. Podem ver-se, sobre este ponto: CHERUBINI, Giovanni - “La “civiltà” del castagno alla fine del Medioevo”. In L’Italia rurale del basso Medioevo. Roma - Bari: Biblioteca di Cultura Moderna Laterza, 1984, pp. 147-171; STOUFF, Louis - Arles à la fin du Moyen Âge. Vol. II. Lille: Université de Provence, 1986, p. 473; IZQUIERDO BENITO, Ricardo - “El aprovechamiento del medio natural en el reino de Toledo durante los siglos bajomedievales”. In CLEMENTE RAMOS, Julián (ed.) - El medio natural en la España medieval. Actas del I Congreso sobre ecohistoria e historia medieval. Cáceres: Universidad de Extremadura, Servicio de Publicaciones, 2001, p. 171; FRÍAS ZURITA, Victor - “El medio natural en una sociedad señorializada: composición, explotación y apropriación del inculto en la Catalunya del Noreste (siglos X-XIII)”. In CLEMENTE RAMOS, Julián (ed.) - El medio natural en la España medieval, p. 282; RÍOS RODRÍGUEZ, María Luz - “Soutos bravos y soutos mansos: el castaño en Galicia (siglos XII-XIV)”. In CLEMENTE RAMOS, Julián (ed.) - El medio natural en la España medieval, pp. 475-488; GONÇALVES, Iria - “Sobre o coberto arbóreo da Beira Interior nos finais da Idade Média”. In Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Amadeu Coelho Dias, vol. I. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 321-350.

31Veja-se, a este respeito GEREMEK, Bronislaw - A piedade e a forca. História da miséria e da caridade na Europa. Trad. de Maria da Assunção Santos. Lisboa: Terramar, 1995, p. 75.

32Diversos investigadores estudaram já este assunto, verificando o empobrecimento de largas camadas da população campesina, muitas vezes já muito próximas do limiar mínimo de subsistência mesmo em épocas de produção normal. Vejam-se, entre outros: GRAUS, Frantisčk - “Au Bas Moyen Âge: pauvres des villes et pauvres des campagnes”. Annales, E. S. C., 16.° ano, n.º 6 (Nov. Dez. 1961), pp. 1059-1060; MOLLAT, Michel - Les pauvres au Moyen Âge. Etude sociale. [Paris]: Hachette, 1978, pp. 87-90; RIERA I MELIS, Antoni - “Pobreza y alimentación en el Mediterráneo noroccidental en la Baja Edad Media”. In La Mediterrània, àrea de convergència de sistemes alimentaris (segles V-XVIII), XIV Jornades d’estudis historics locals, Palma del 29 de novembre al 2 de desembre de 1995. [Palma de Maiorca]: Institut d'Estudis Baleàrics, 1996, p. 50; RIERA I MELIS, Antoni - ““Lo pus greu càrrech e perill””, p. 236; MONTEANO, Peio J. - Los Navarros ante el hambre, p. 145.

33SIVÉRY, Gérard - “L’évolution du prix du blé à Valenciennes au XIVe et XVe siècles”. Revue du Nord 47 (1965), p. 186; SIVÉRY, Gérard - “Les profits de l’éleveur et du cultivateur dans le Hainaut à la fin du Moyen Âge”. Annales. E. S. C., 31.º ano, n.º 3 (Maio-Jun. 1976), pp. 616-617; SIVÉRY, Gérard - Structures agraires et vie rurale dans le Hainaut à la fin du Moyen Âge, vol. II. Lille: Presses Universitaires du Septentrion, 1980, p. 542; CARPENTIER, Élisabeth - “Autour de la Peste Noir: famines et épidemies dans l’histoire du XIVe siècle”. Annales, E. S. C., 17.° ano, n.º 6 (Nov.-Dez. 1962), p. 1076; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 268-272; BOIS, Guy - Crise du féodalisme. Économie rurale et démographie en Normandie orientale du 14 e siècle au milieu du 16 e siècle. Paris: Éditions de l’École des hautes études en sciences sociales, 1976, p. 303; BOIS, Guy - “Sur les crises économiques médiévales”, p. 69; IRSIGLER, Franz - “L’approvisionnement des villes de l’Alemagne occidental jusqu’au XVIe siècle”. In HIGOUNET, Charles (dir.) - L’approvisionnement des villes de l’Europe occidentale au Moyen Âge et aux temps modernes. Centre Culturel de l’Abbaye de Flaran, Cinquièmes journées internationales d’histoire, 16-18 Septembre 1983. Auch: Presses universitaires du Midi, 1985, p. 121. Léopold GÉNICOT, Marie Sylvie BOUCHAT-DUPONT e Béatrice DELVAUX (La crise agricole du Bas Moyen Âge dans le Namurois. Lovaina: Presses universitaires de Louvain, 1970, p. 12) mostram mesmo que na região objecto do seu estudo houve fomes durante toda a década de 30 do século XV.

34Descobrimentos portugueses. Documentos para a sua história. Publ. e pref. por João Martins da Silva Marques. Supl. ao vol. I (1057-1460). Lisboa: Edição do Instituto para a Alta Cultura, 1944, pp. 127-128.

35A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 18, fl. 33v.

36Ib..

37Ib., Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis. Vol. II. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1958, p. 267.

38Descobrimentos portugueses, supl. ao vol. I, pp. 508-509.

39Ib..

40Documentos históricos da cidade de Évora. Ed. por Gabriel Pereira, [2.ª ed.]. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 1998, pp. 56-57.

41Documentos das Chancelarias reais anteriores a 1531 relativos a Marrocos. Ed. por Pedro de Azevedo. T. I (1415-1450), Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1915, p. 519.

42“Vereaçoens”. Anos de 1401-1449. Nota prévia de J. A. Pinto Ferreira. Porto: Câmara Municipal do Porto - Gabinete de História da Cidade, 1980, p. 277.

43A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 18, fl. 33v; liv. 20, fl. 22v; Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis, vol. II, p. 267; BARROS, Henrique da Gama - Historia da administração publica em Portugal nos seculos XII a XV. 2ª ed., org. por Torquato de Sousa Soares. Vol. IX. Lisboa: Sá da Costa, 1950, pp. 68-69, 72, 73; vol. X, Lisboa: Sá da Costa, s. d., pp. 283-284; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 268-270; FERREIRA, Sérgio Carlos - Preços, salários e níveis de vida em Portugal, pp. 117-118.

44Veja-se uma resenha das regiões exportadoras de trigo para Portugal durante a Idade Média em MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 156-166.

45RAU, Virgínia - “Uma família de mercadores italianos em Portugal no século XV: os Lomelini”. Sep. de Revista da Faculdade de Letras de Lisboa, 2.ª s., vol. XXII, 1956, pp. 22-23; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 164-165. Num capítulo apresentado em cortes em 1448 diz-se mesmo que quando havia falta de pão eram os bretões os primeiros entre os estrangeiros a socorrer-nos (Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis, vol. I, p. 217).

46Descobrimentos portugueses, vol. I, pp. 127-128, 508-509; Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis, vol. I, p. 217; vol. II, p. 198; BARROS, Henrique da Gama - Historia da administração publica em Portugal, vol. IX, pp. 68-70; vol. X, pp. 283-284; FERREIRA, Sérgio Carlos - Preços, salários e níveis de vida em Portugal, pp. 117-118.

47A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 18, fl. 23, 33v.

48Veja-se o que atrás ficou dito e respectivas abonações na nota 40.

49Descobrimentos portugueses, vol. I, p. 393, supl. ao vol. I, p. 506; Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis, vol. II, p. 181, 267 BARROS, Henrique da Gama - Historia da administração publica em Portugal, vol. IX, pp. 68-69; RAU, Virgínia - A exploração e o comércio do sal de Setúbal. Estudo de história económica, vol. I. Lisboa: s.n., 1951, p. 99; DUARTE, Maria Teresa Lopes - P ara a história dos factores de crise no Portugal medieval, p. 77; FERREIRA, Sérgio Carlos - Preços, salários e níveis de vida em Portugal, pp. 117-118.

50Actas de vereação de Loulé. Séculos XIV-XV. Supl. de al’-Ulyā, n.º 7. Loulé: Arquivo Histórico Municipal de Loulé, 1999-2000, pp. 27, 113, 204-205; Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, ed. por José Pereira da Costa, Funchal: Secretaria Regional de Turismo e Cultura - Centro de Estudos de História do Atlântico, 1995, p. 123. Respeita esta documentação a vários períodos de carências frumentárias, mas os mecanismos de que se lançava mão para as superar iam-se repetindo de acordo com as circunstâncias, as oportunidades, as necessidades.

51Actas de vereação de Loulé. Séculos XIV-XV, p. 210.

52Relativamente à cidade que estuda, Eva Serra i Puig fala num constante “peregrinar” dos mercadores, sob as ordens das autoridades municipais, na procura do trigo destinado a manter a urbe abastecida (SERRA i PUIG, Eva - “Els cereals a la Barcelona del segle XIV”. In Alimentació i societat a la Catalunya medieval. Barcelona: CSIC, 1988, p. 77). O que acontecia por todo o lado. E se isso era assim habitualmente, ao menos em regiões, como a nossa, de fraca produção cerealífera, tudo se superlativava nos casos de “esterelidades” e, como é óbvio, tanto mais quanto mais violentas e prolongadas elas fossem.

53Como foi o caso de Loulé (Actas de vereação de Loulé. Século XV. Supl. de al’-Ulyā, n.º 10. Loulé: Arquivo Histórico Municipal de Loulé, 2004, p. 189).

54E assim aconteceu no Porto (“Vereaçoens”. Anos de 1401-1449, pp. 470-471).

55Vantagens oferecidas pelo Funchal (Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, pp. 111, 123).

56“Vereaçoens”. Anos de 1401-1449, p. 172.

57Cortes portuguesas. Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1498). Lisboa: Centro de Estudos Históricos - Universidade Nova de Lisboa, 2002, p. 116.

58O próprio abade reconhecia que os moradores da terra eram muito pobres e só tinham o que cavavam e lavravam por suas mãos (A. N. T. T., Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, 2ª incorporação (a seguir: OCist, Alcobaça, 2ª inc.), m. 4, n.º 124; Ordem de Cister, Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça (a seguir: OCist, Alcobaça), liv. 194, fl. 6 v-7; Chancelaria de D. João III, liv. 50, fl. 116; Estremadura, liv. 6, fl. 214v).

59A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14.

60Penso ter mostrado, em trabalho recente, que o pão que todos comiam nas terras de Alcobaça era, ao menos de forma muito maioritária, confeccionado com trigo (GONÇALVES, Iria - À mesa, nas terras de Alcobaça, em finais da Idade Média. S.l.: Direcção-Geral do Património Cultural / Mosteiro de Alcobaça / Cooperativa Agrícola de Alcobaça, 2017, pp. 131-141).

61GONÇALVES, Iria - O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1989, mapa entre as pp. 68-69.

62Sobre este aspecto é interessante verificar que são as vilas mais distantes de Alcobaça - Paredes e Pederneira a Norte, Alvorninha a Sul e Salir do Mato a Ocidente - aquelas que, de acordo com a documentação que nos resta não viam as suas rendas cerealíferas arrendadas a géneros. Adiante voltarei a abordar este assunto.

63FERNANDES, Hermenegildo Nuno Goinhas - Organização do espaço e sistema social no Alentejo medievo. O caso de Beja. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1991. Dissertação de Mestrado, pp. 48-49.

64FERNANDES, Hermenegildo Nuno Goinhas - Organização do espaço e sistema social, pp. 92-98.

65FERNANDES, Hermenegildo Nuno Goinhas - Organização do espaço e sistema social, p. 80.

66Conhecem-se, inclusivamente, várias doações de “covas de ter pão”, em Beja, de que a abadia foi beneficiária: A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 8, n.º 195; OCist, Alcobaça, liv. 11, fl. 134-135v, 135v -136, 136-136v, 136v-137.

67A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 70, docs. n/ns.; OCist, Alcobaça, 1ª incorporação, Documentos Particulares (a seguir: OCist, Alcobaça, 1ª inc., Docs. Particulares), m. 38, n.º 17.

68Os monges avaliavam as suas rendas cerealíferas em quinhentos moios, avaliação que não seria muito desfazada da realidade, embora um tanto diminuída. Como adiante direi, no primeiro ano aqui em análise em que a colheita, se bem que não farta, talvez se não tenha afastado muito do normal, a abadia recebeu, provenientes do terrádigo pago nos coutos estremenhos, 444 moios de cereal, mas a eles se juntavam outras receitas - sobretudo jugadas solvidas em Aljubarrota e rendas pagas em trigo pelos vários moinhos que aí se encontravam em laboração e deviam ser utilizados por todos os moradores, em cumprimento das determinações que a isso os obrigavam - e perfaziam à volta de 523 moios. Juntavam-lhes ainda pingues rendas em trigo auferidas no couto de Beringel, essas impossíveis de contabilizar por falta de registo que até nós tenha chegado. Ou tenha sido encontrado até à data.

69A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 4, n.º 124; OCist, Alcobaça, liv. 194, fl. 6v-7; Chancelaria de D. João III, liv. 50, fl. 116; Estremadura, liv. 6, fl. 214.

70A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 1ª inc., Documentos Régios (a seguir: Docs. Régios), m. 2, n.º 36.

71A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 1ª inc., Docs. Régios, m. 4, n.º 22.

72A. N. T. T., Fragmentos, cx. 13, m. 6, 1.º frag., fl. 1v, 2-2v, 2v-3, 5, onde se referem reduções sofridas pelas rações distribuídas aos monges, embora correspondentes a época um pouco posterior a esta que está em análise.

73Com excepção daquelas a que atrás me referi, na nota 62.

74O quarto da produção estabelecido como terrádigo para as searas dos coutos de Alcobaça não era em absoluto uniforme, mas as excepções eram tão poucas que podem, neste caso, negligenciar-se.

75Segundo uma verba lançada no livro de contabilidade do mosteiro que chegou até nós, o infante D. Pedro, no contexto das circunstâncias em que lhe foi atribuída a regência do reino durante a menoridade de D. Afonso V e em que o D. Abade esteve a seu lado, numa das suas passagens pelo mosteiro deixou aí um cavalo que lá permaneceu 61 dias e durante esse tempo consumiu 31 alqueires de cevada (A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 348). Isto é, uma média de meio alqueire por dia.

76MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, p. 227. Este autor junta ainda parte do sistema moageiro.

77A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 77, 131, 131v, 350.

78A. N. T.T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 400-401v.º.

79Adiante voltarei a este assunto.

80Percentagens muito similares a estas foram encontradas numa região próxima por CONDE, Manuel Sílvio Alves - Uma paisagem humanizada. O Médio Tejo nos finais da Idade Média. Vol. I. Cascais: Patrimonia, 2000, p. 195.

81A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 49-84v., 190-217; OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 86, vários docs. n/ns.; m. 89, doc. n/n..

82Veja-se o que ficou dito atrás na nota 68.

83A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 49-84v.

84Um desses homens foi João Formoso, que ficou a dever dez moios de trigo, pelo que fugiu da terra. Isso não impediu que o mosteiro lhe movesse um processo, alegando que poderia ter vendido aquele trigo, na época, por cinquenta reais o alqueire, o que equivaleria a uma soma na ordem dos 32.000 reais, quantia que o mosteiro reclamava. Foi condenado ao pagamento de 16.000 reais, o que reduzia, em metade, o valor do trigo, mas que, ainda assim, resultava numa quantia muito avultada (A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 62, n.º 18).

85A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 190-217.

86A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 327-357.

87Para tudo o que acabei de dizer veja-se o gráfico 1.

88A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 367, 368, 368v.

89Veja-se o gráfico 2 para o que ficou dito. Também em região próxima dos coutos, para os lados de Tomar, Abrantes, Torres Novas, estes dois cereais, e mais ainda o milho, não logravam alcançar grande expressão: CONDE, Manuel Sílvio Alves - Uma paisagem humanizada, vol. I, pp. 195-198.

90Podem ver-se: CORTONESI, Alfio - “Colture, tecniche e lavoro nel Lazio bassomedioevale: i cereali, la vita, l’olivo”. In Terre e signori nel Lazio medioevale: un’economia rurale nei secoli XIII-XIV. Nápoles: Liguori Editore, 1988, p. 37; CORTONESI, Alfio - “Autoconsumo e mercado: a alimentação rural e urbana na Baixa Idade Média”. In FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (dir.) - História da alimentação. Vol. 2 - Da Idade Média aos tempos actuais. Trad. de Maria da Graça Pinhão e Catarina Gândara. Lisboa: Terramar, 2001, p. 32; FOSSIER, Robert - “L’assolement trienal autour de Saint-Quentin à la fin du XIIIe siècle”. In Hommes et villages d’Occident au Moyen Âge. Paris: Publications de la Sorbonne, 1992, p. 506; TOUBERT, Pierre - “Disettes, famines et contrôle du risque alimentaire dans le monde méditerranéen au Moyen Âge”. In LECLANT, Jean; VAUCHEZ, André; SARTRE, Maurice (ed.) - Pratiques et discours alimentaires en Méditerranée de l’Antiquité à la Renaissance. Actes du Colloque de la villa Kérylos à Beaulieu-sur-Mer, les 4, 5 et 6 octobre 2007. Paris: Diffusion de Boccard, 2008, p. 457; MONTANARI, Massimo - L’alimentazione contadina nell’ Alto Medioevo, p. 136.

91Que podia ser semeado até Maio. A 24 desse mês saíram de Alcobaça alguns alqueires de trigo tremês para serem semeados na Ota (A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 208v.) na exploração que o mosteiro aí estava, então, a implementar (veja-se GONÇALVES, Iria - “Custos de montagem de uma exploração agrícola medieval”, Imagens do mundo medieval. Lisboa: Livros Horizontes, 1988, pp. 219-233). E vários outros foram aí lançados à terra (A.N.T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 209v., 218v., 400).

92Tanto quanto sei, quase não existem referências à produtividade do milho, assim nos solos portugueses como fora deles. Maria Helena da Cruz Coelho, trabalhando com uma documentação muito rica sobre este aspecto, carreou numerosas informações acerca da produtividade do trigo, em regra alta para a época porque os terrenos em causa eram de boa qualidade, prevalecendo o valor de uma semente para oito (COELHO, Maria Helena da Cruz - O Baixo Mondego nos fins da Idade Média ib., vol. I, pp. 139-145; vol. II, apêndice III, pp. 1-13). Mas dá-nos para o milho, embora apenas a partir de sete parcelas de terra e com grandes oscilações, o valor de um: 22,9 (ib., vol. I, p. 145). Dada a raridade da informação penso que é de reter este valor.

93Era sobretudo Lisboa, quase sempre aflita com falta de cereais e com tão numerosas bocas a alimentar, que tomava a iniciativa, mas outras cidades a seguiam. Podem ver-se: A. N. T. T., Chancelaria de D. Afonso V, liv. 2, fl. 15; liv. 16, fl. 44; Estremadura, liv. 4, fl. 166v; liv. 7, fl. 155v; Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis, vol. I, pp. 192, 230; vol. II, p. 227.

94Para tudo isto veja-se o gráfico 2.

95Veja-se o gráfico 3.

96Comparem-se os gráficos 1, 2 e 3.

97GONÇALVES, Iria - “Do pão quotidiano nas terras de Alcobaça (séculos XIV e XV)”. In Actas Cister. Espaços. Territórios. Paisagens. Colóquio internacional, 16-20 de Junho de 1998, Mosteiro de Alcobaça. Vol. I - Economia e sociedade. Espiritualidade. Arquitectura. Lisboa: IPPAR, 2000, pp. 21-26; GONÇALVES, Iria - À mesa, nas terras de Alcobaça, pp. 129-164.

98SOUSA, Armindo de - “1325-1480”. In MATTOSO, José (coord.) - História de Portugal. Vol. I - A monarquia feudal (1096-1480). [Lisboa]: Círculo de Leitores, 1993, p. 342. Outros lhe chamaram, mais singelamente “fome quantitativa” e “fome qualitativa”, como, por exemplo, CARMONA, Juan Ignacio - Cronica urbana del malvivir (s. XIV-XVII). Insalubridad, desamparo y hambre en Sevilla. Sevilha: Editorial Universidad de Sevilla, 2000, p. 187. Sobre possíveis distinções entre diversos graus de fome têm interesse os trabalhos de BENITO I MONCLÚS, Pere - “Fams i caresties a la Mediterrània occidental durant la Baixa Edat Mitjana”, pp. 179-194; BENITO I MONCLÚS, Pere - “Las crisis alimenticias en la Edad Media: caracteres generales, distinctiones y paradigmas interpretativos”. In LÓPEZ OJEDA, Esther (coord.) - Comer, beber, vivir: consumo y niveles de vida en la Edad Media hispânica. XXI semana de Estudios Medievales. Nájera del 2 al 6 de Agosto de 2010. Logronho: Instituto de Estudios Riojanos, 2011, pp. 123-158.

99Charles-Marie de LA RONCIÈRE (“Alimentation et ravitaillement à Florence au XIVe siècle”. Archeologia Medievale 8 (1981), p. 183) diz-nos que numa cidade como Florença a taxa de extracção de farinha podia subir a 88% ou até a 94% mesmo para os cereais de segunda, incluindo o espelta, uma gramínea revestida e portanto produzindo muitos mais farelos.

100Beatriz ARÍZAGA BOLUMBURU (“Las necesidades iniludibles: alimentación, vivienda y vestido”. In Vizcaya en la Edad Media, vol. III - Evolución demográfica, económica, social y política de la comunidad vizcaína medieval. San Sebastián: Haranburu, 1985, p. 16), estudando uma região do Norte peninsular, apresenta o milho como o melhor cereal panificável, ao lado e depois do trigo.

101A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 213, 215, 217, 218v., 400-401v.

102GONÇALVES, Iria - À mesa, nas terras de Alcobaça, pp. 142-146.

103COMET, Georges - Le paysan et son outil, p. 222.

104RIBEIRO, Orlando - “Milho”. In SERRÃO, Joel (dir.) - Dicionário de História de Portugal, vol. III. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1968, p. 58.

105O Mosteiro tinha uma lista relativamente grande de pobres (A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 245-246) a quem dava como esmola determinadas quantidades de cereal, diferentes de uns para outros e que em anos normais eram solvidas em trigo, como os salários e outros pagamentos. Na safra de 1438 já várias esmolas foram dadas em milho e em 1439 mais ainda (A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 205-209, 211v., 218-218v., 344-352v.).

106A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 234, 270v., 273v.-274.

107Veja-se, por todos, MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, p. 223.

108MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, p. 224; LE MENÉ, Michel - “Les temps dificiles (XIVe XVe siècles)”. In La France du XI e au XV e siècle: population, société, économie. Paris: PUF, 1996, p. 390.

109A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 234, 344, 370v., 371v., 373v., 374.

110Muitos investigadores tiveram já ocasião de verificar casos desta gravidade. Podem ver-se, entre outros: BOLENS, Lucie - “Pain quotidien et pains de disette dans l’Espagne musulmane”. In Agronomes andalous du Moyen Âge. Genebra- Paris: Librairie Droz, 1981, p. 265; BOLENS, Lucie - “Les aliments de la disette au Moyen Âge: une diétetique à base de pains végétaux (Andalousie XIe-XIIIe siècles)”. In L’Andalousie du quotidien au sacré. XI e -XIII e siècles. Aldershot-Brookfield: Variorum Reprints, Colected Studies, 1990, art. VII, pp. 2-4 STOUFF, Louis - La table provençale. Boire et manger en Provence à la fin du Moyen Âge. Avinhão: A Barthélemy, 1996, pp. 43-44; MONTANARI, Massimo - El hambre y la abundancia, pp. 55-56; MONTANARI, Massimo - “L’alimentazione contadina nell’ Italia tardomedievale”. In Campagne medievali. Strutture produttive, rapporti di lavoro, sistemi alimentari. Turim: Einaudi, 1984, pp. 201-202; RIERA MELIS, Antoni - “Panem nostrum quotidianum da nobis hodie”, p. 38; SALRACH, Josep M. - “Frente al hambre en la Edad Media”. In RODRÍGUEZ , Ana (ed.) - El lugar del campesino. En torno a la obra de Reyna Pastor. Valência: CSIC / Universitat de València - Servei de Publicacions, 2007, p. 101.

111Veja-se o que diz DELUMEAU, Jean - La peur en Occident (XIVe-XVIIIe siècles). Une cité assiégée. [Paris]: Fayard, 1978, pp. 162-167.

112A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 4, n.º 129; OCist, Alcobaça, liv. 5, fl. 141v.; Chancelaria de D. Afonso V, liv. 20, fl. 126; Odiana, liv. 4, fl. 258v-259.

113Embora em ambiente urbano, vários investigadores puderam verificar grandes oscilações nos preços cerealíferos durante o ano agrícola. Como exemplo, poderei citar: STOUFF, Louis - “Une enquête économique en Provence au XIVe siècle”. Le Moyen Âge 74 (1968), p. 522; LA RONCIÈRE, Charles-Marie de - Prix et salaires à Florence au XIV e siècle (1280-1380). Roma: École française de Rome, 1982, p. 95; HEERS, Jacques - L’Occident aux XIV e et XV e siècles, p. 394; BOIS, Guy - “Comptabilité et histoire des prix: les prix du froment à Rouen au XVe siècle”. Annales, E. S. C., 23.° ano, n.º 6 (Nov.-Dez. 1968),, p. 1277.

114SIVÉRY, Gérard - “L’évolution du prix du blé à Valenciennes”, p. 178.

115Também este fenómeno foi já estudado por diversos investigadores. Podem ver-se, entre vários outros: ABEL, Wilhelm - Crises agraires en Europe, p. 85; BENITO I MONCLÚS, Pere - “Carestía y hambruna en las ciudades de Occidente”, pp. 305-307; BENITO I MONCLÚS, Pere - “Las crisis alimenticias en la Edad Media”, pp. 127-129; AGUADÉ NIETO, Santiago - “Crisis de subsistencia, rentas eclesiásticas y caridad en la Castilla de la segunda mitad del siglo XV”. En la España medieval 2 (1982) - Estudios em memoria del Profesor D. Salvador de Moxó, t. I, p. 27; RIERA I MELIS, Antoni - “Pròleg”. In RIERA I MELIS, Antoni (coord.) - Crisis frumentàries, iniciatives privades i politiques publiques de proveïment a las ciutats catalanes durant la Baixa Edat Mitjana. Barcelona: Institut d'Estudis Catalans, 2013, p. 32.

116Alguns autores encontraram subidas de preços na ordem dos 300% (BAULANT, Micheline - “Les prix des graines à Paris de 1431 à 1788”. Annales, E. S. C., 23.° ano, n.º 3 (Maio-Jun. 1968), p. 537) e até de mais de 850% durante um período de oito anos de colheitas precárias (TRICARD, Jean - Les campagnes limousines du XIV e au XVI e siècle. Originalité et limites d’une reconstruction rurale. Paris: Publications de la Sorbonne, 1996, p. 38).

117Veja-se a bibliografia citadas na nota 115.

118RIERA I MELIS, Antoni - “Pròleg”, p. 23.

119A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 18v.

120Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis, vol. II, p. 265.

121FERREIRA, Sérgio Carlos - Preços, salários e níveis de vida em Portugal, p. 120. Este autor publica uma lista de preços cerealíferos provenientes dos séculos XIV e XV a pp. 251-257. Uma outra boa lista de preços de cereais, mais alargada - entre os séculos XIII e XVI - foi elaborada por VIANA, Mário - “Alguns preços de cereais em Portugal (séculos XIII-XVI)”. Arquipélago - História, 2.ª série, 11-12 (2007-2008), pp. 212-272.

122Para tudo o que acabei de dizer veja-se o gráfico 4.

123Veja-se a bibliografia citada na nota 110.

124Embora não tenham subsistido preços para todos os meses abrangidos pelo livro de contabilidade que chegou até nós, para vários deles ficaram registados dois ou mesmo três preços. Nesses casos procurei os valores médios. É certo que conjugar estes preços com aqueles que provêm de um registo único, para lá de outras incongruências, não é a forma mais correcta de trabalhar. Mas a nossa documentação medieval é tão parca em dados numéricos e concretamente em preços que toda a informação existente merece ser trabalhada com tanta minúcia quanta a possível e de todas as formas pertinentes. Desde que, naturalmente, fiquem ressalvadas as anomalias de que padecem.

125Veja-se o gráfico 5.

126Veja-se o gráfico 4.

127ABEL, Wilhelm - Crises agraires en Europe, p. 87; HEERS, Jacques - L’Occident aux XIV e et XV e siècles, p. 394; BOIS, Guy - “Comptabilité et histoire des prix”, p. 1277.

128STOUFF, Louis - La table provençale, p. 74; MARANGES, Isidra - La cuina catalana medieval, un festí per als sentits. Barcelona: Rafael Dalmau, 2006, p. 291; MONTANARI, Massimo - L’alimentazione contadina nell’ Alto Medioevo, p. 155; CORTONESI, Alfio - “Colture, tecniche e lavoro nel Lazio bassomedioevale”, p. 67; ARÍZAGA BOLUMBURU, Beatriz - “Las necesidades iniludibles”, p. 17. Ana Maria RODRIGUES (Torres Vedras. A vila e o termo nos finais da Idade Média. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian - JNICT, 1995, p. 245) refere mesmo que é a fava a única leguminosa individualizada na documentação que trabalhou.

129Para lá da bibliografia citada na nota anterior podem lembrar-se ainda, entre outros: CORTONESI, Alfio - “Autoconsumo e mercado”, p. 35; FERNÁNDEZ SUÁREZ, Ana - Teverga, un concejo de la montaña asturiana en la Edad Media. Oviedo: Ediciones Idea, 1992, p. 109; TOUBERT, Pierre - “Disettes, famines et contrôle du risque alimentaire”, p. 457.

130BRAUDEL, Fernand - Civilização material e capitalismo. Séculos XV-XVIII. Trad. de Maria Antonieta Magalhães Godinho, t. I. Lisboa - Rio de Janeiro: Cosmos, 1970, p. 91; FERNÁNDEZ SUÁREZ, Ana - Teverga, un concejo de la montaña asturiana en la Edad Media, p. 109; CORTONESI, Alfio - “Autoconsumo e mercado”, p. 35.

131GONÇALVES, Iria - O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, gráfico da p. 287.

132A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 1, n.º 1.

133Forais manuelinos do reino de Portugal e do Algarve conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa. Ed. por Luiz Fernando de Carvalho Dias. Estremadura. Beja: Ed. do Autor, 1962, pp. 148-161.

134Isto é, demarcavam quatro leiras e os monges escolhiam uma.

135A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 62, n.º 6.

136FOURQUIN, Guy - “Le temps de la croissance”. In DUBY, Georges; WALLON, Armand (dir) - Histoire de la France rurale. Vol. I - La formation des campagnes françaises des origines au XIV e siècle. Dir. Georges Duby. Paris: Seuil, 1975, pp. 418-419; NEVEUX, Hugues - “Déclin et réprise: la fluctuation biséculaire”. In DUBY, Georges; WALLON, Armand (dir) - Histoire de la France rurale. T. II - L’âge classique des paysans. 1340-1789, dirig. Emmanuel Le Roy Ladurie. Paris: Ed. du Seuil, 1975, p. 23.

137TOUBERT, Pierre - “Disettes, famines et contrôle du risque alimentaire”, p. 457.

138Acontecia o mesmo em todos os períodos de escassez: Descobrimentos portugueses, vol. I, p. 231; supl. ao vol. I, pp. 506, 508-509; Documentos do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Lisboa. Livros de Reis, vol. I, p. 201; vol. II, p. 267; MARQUES, A. H. de Oliveira - Introdução à história da agricultura em Portugal, pp. 265-267; FERREIRA, Sérgio Carlos - Preços, salários e níveis de vida em Portugal, pp. 117-118.

139Abordei este assunto em O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, pp. 67, 219.

140A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 328-334.

141Veja-se o gráfico 6.

142A. N. T. T., Fragmentos, cx. 13, m. 6, 1.º frag., fl. 6v.

143Veja-se BOLENS, Lucie - “Le haricot vert en Andalousie et en Méditerranée médiévale (phaseolus, dolichos, lūbiā, judía)”. Al-Qantara 8 (1987), p. 73.

144De novo remeto para o gráfico 6.

145Para as percentagens que aqui irei referir reportei-me a GONÇALVES, Iria - O património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, tabela da p. 80.

146NATIVIDADE, Joaquim Vieira - A região de Alcobaça. Algumas notas para o estudo da sua agricultura, população e vida rural. Obras várias, vol. I. Lisboa: Imp. Libanio da Silva, s. d, p. 51.

147Podem ver-se, referidos a outros lugares: STOUFF, Louis - La table provençale, p. 74; MONTANARI, Massimo - L’alimentazione contadina nell’ Alto Medioevo, p. 205; RIERA MELIS, Antoni - “Los sistemas alimentarios de los estamentos populares en el Mediterráneo noroccidental”, p. 89. Como legume de eleição que era, a fava foi ornada de muitas qualidades, reais ou simbólicas, crenças que o mundo antigo legou à Idade Média. Sobre este aspecto, e numa abordagem diferente, é interessante o trabalho de GARNSEY, Peter - “La fêve: substance et simbole”. In AURELL, Martin; DUMOULIN, Olivier; THELAMON, Françoise (ed.) - La sociabilité à table. Commensalité et convivialité à travers les âges. Actes du colloque de Rouen, 14-17 novembre 1990. Ruão: Publications de l'Université de Rouen, 1992, pp. 317-323.

148GONÇALVES, Iria - “Acerca da alimentação medieval”. In Imagens do mundo medieval. Lisboa: Livros Horizonte, 1988, p. 205; AIROLDI, Paola - “La tavola del conte: speze per il cibo alla corte di Filippo I di Savoia (1269-1274)”. In COMBA, Rinaldo; NADA PATRONE, Anna Maria; NASO, Irma (org.) - La mensa del principe. Cucina e regimi alimentari nelle corti sabaude (XIII-XV secolo). Cuneo - Alba - Rocca de’ Baldi: Società studi storici di Cuneo, Famija albeisa, Museo e centro studi "Augusto Doro", 1997, p. 22.

149Adiante voltarei ao assunto.

150Embora a documentação de Alcobaça não dê grande destaque a estes soutos - como as demais matas, eles pertenciam à reserva senhorial, sempre muito mais discretamente mencionada -, ainda assim eram-no de molde a conhecer-se bem a sua localização e importância (A. N. T. T., OCist, Alcobaça, 2ª inc., m. 25, n.os 578, 621; m. 33, n.º 821, fl. 3-3v.; m. 38, n.º 921; OCist, Alcobaça, 1ª inc., Docs. Particulares, m. 41, n.os 22, 37, 38; m. 42, n.º 11; OCist, Alcobaça., liv. 12, fl. 72v.-73, 105-105v.; liv. 15, fl. 13-73; liv. 136, fl. 102-103v.; liv. 183, fl. 97; liv. 212, fl. 64v.-65).

151A. N. T. T., Fragmentos, cx. 13, m. 6, 1.º frag., fl. 6v.

152Sobre este assunto veja-se GONÇALVES, Iria - “A árvore na paisagem rural do Entre-Douro-e-Minho”. In Por terras de Entre-Douro-e-Minho com as inquirições de Afonso III. Porto: CITCEM - Edições Afrontamento, 2012, pp. 53-58 e bibliografia aí citada.

153 CHERUBINI, Giovanni - “La carestia del 1346-47 nell’inventario dei beni di un monasterio del contado aretino”. Rivista di storia dell’agricoltura, vol. X, n.º 2 (1970), p. 180.

154GONÇALVES, Iria - “Viajar na Idade Média: de e para Alcobaça na primeira metade do século XV”. In Imagens do mundo medieval. Lisboa: Livros Horizontes, 1988, pp. 192-193.

155Era o que faziam alguns camponeses em circunstâncias semelhantes àquelas que aqui estão em análise: RIERA MELIS, Antoni - “Los sistemas alimentarios de los estamentos populares en el Mediterráneo noroccidental”, p. 94; MONTEANO, Peio J. - Los Navarros ante el hambre, p. 139; GAULIN, Jean-Louis; MENANT, François - “Crédit rural et endettement paysan dans l’Italie communale”. In BERTHE, Maurice (ed.) - Endettement paysan et crédit rural dans l’Europe médiévale et moderne. Actes des XVII es Journées internationales d’histoire de l’abbaye de Flaran, Septembre, 1995. Toulouse: Presses universitaires du Mirail, 1998, p. 62.

156RICHOU I LLIMONA, Montserrat - “Una decada d’abastament frumentari a Barcelona. La contribució de la iniciativa privada en els anys setanta del segle XIV”. In RIERA I MELIS, Antoni (coord.) - Crisis frumentàries, iniciatives privades i politiques publiques de proveïment a las ciutats catalanes durant la Baixa Edat Mitjana. Barcelona: Institut d'Estudis Catalans, 2013, pp. 117-159.

157Cortes portuguesas. Reinado de D. Manuel I (Cortes de 1498), p. 106.

158O que acontecia em todo o lado: PINTO, Giuliano - “Contadini e proprietari nelle campagne fiorentine: il piviere dell’Impruneta”. In Toscana medievale. Paesaggi e realtà sociali. Florença: Casa Editrice le Lettere, 1993, p. 171; MONTEANO, Peio J. - Los Navarros ante el hambre, p. 152; FURIÓ, Antoni - “Endettement paysan et crédit dans la Péninsule Ibérique au Bas Moyen Âge”. In BERTHE, Maurice (ed.) - Endettement paysan et crédit rural dans l’Europe médiévale et moderne. Actes des XVII es Journées internationales d’histoire de l’abbaye de Flaran, Septembre, 1995. Toulouse: Presses universitaires du Mirail, 1998, p. 150; CHERUBINI, Giovanni - “La carestia del 1346-47”, p. 183.

159A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 205-401v., passim.

160A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 205, 208 v.º, 219.

161O que não ficou registado. Mas alguns empréstimos muito fora das épocas de sementeira levam, pelo menos, a colocar a hipótese de se destinarem ao consumo. Por exemplo, um empréstimo de milho, cereal de Primavera, feito em Dezembro. A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 205.

162A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 205, 208v., 213 v., 219, 344, 351v.

163A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 398 v., 400-400 v.

164A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 400.

165A. N. T. T., OCist, Alcobaça, liv. 14, fl. 400.

166 MONTEANO, Peio J. - Los Navarros ante el hambre, p. 152. Maurice BERTHE (Famines et épidemies dans les campagnes navarraises, p. 287) fala mesmo em empréstimos contraídos junto de usurários.

167Foi só mais tarde, sob a gestão dos abades comendatários, que começaram a notar-se sinais de desequilíbrio nas finanças deste mosteiro.

168Não ficou registado qualquer empréstimo em dinheiro, como aconteceu em outras paragens, no dizer de alguns investigadores.

169Situações dramáticas como alguns autores encontraram, com famílias camponesas a cair na total indigência e mesmo a ver alguns dos seus membros a morrer de inanição ocorriam, por um lado, em regiões sobrepovoadas e onde as sucessivas partilhas da propriedade a tinham tornado inviável e quando a escassez se arrastava por vários anos (MOLLAT, Michel - Les pauvres au Moyen Âge, pp. 87-90; BERTHE, Maurice - “La famine et la mort dans les campagnes du royaume de Navarre au XIVe siècle”. In La mort au Moyen Âge. Colloque de l’Association des Historiens Médiévistes Français reunis à Strasbourg en juin 1975, 6 e Congrès. Estrasburgo: Librairie Istra, 1977, pp. 67-80; BERTHE, Maurice - Famines et épidemies dans les campagnes navarraises, p. 288; GAULIN, Jean-Louis e MENANT, François - “Crédit rural et endettement paysan”, p. 61). Nem uma nem outra destas ocorrências sucedeu em Alcobaça.

Recebido: 16 de Abril de 2024; Aceito: 30 de Junho de 2024

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